sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

nascer, viver, morrer

A vida se recicla. Muito antes da civilização inventar esta coisa de reciclagem a vida vem se reciclando naturalmente. A pergunta sobre o sentido da vida feito para o sábio eremita do topo do montanha é cientificamente simples de responder: a vida é uma constante reciclagem.

Esta época do ano tem uma forte relação com o recomeçar. Para muitos Natal é o nascimento Daquele que veio para nos guiar e ano novo é a reafirmação da esperança de um tempo novo e próspero. Pois então, Feliz Natal e Próspero Ano Novo a todos. E para a maioria a reciclagem está realizada. Algo parecido com a reciclagem econômica que sem as grandes festas iria ser complicada, pelo menos sob os padrões que temos até hoje.

O budismo fala sobre o óbvio: nascemos, vivemos e morremos. O homem que nasceu neste dia, hoje chamado Natal e representado por Papai Noel, tem um período de sua vida, entre seus 14 e 30 anos de idade, ainda desconhecido. Há estudiosos que dizem que Jesus Cristo perambulou pela Índia e talvez mais além, que lá teve contato com o Hinduísmo e Budismo. Como qualquer outro homem, portanto ser biológico, Cristo nasceu, viveu e morreu, cumpriu o ciclo normal da vida, reciclou.

Por mais que tenhamos avançado como sociedade nossa vida continua sendo conversada em torno do nascer e viver. Morrer é um tema desagradável, não raro inoportuno, que de preferência deve ser evitado. Morrer está diretamente relacionado com tristeza, dor, perda, e muito pouco com transformação, reciclagem, naturalidade dos fatos, inevitável. Talvez o melhor saldo deste ano que agora termina foi ter surgido um início de discussão mais séria sobre o direito de morte de pacientes terminais. Passei uns 7 anos acompanhando o final da vida de pessoas queridas e acabei aprendendo sobre a naturalidade da morte, por isto faço meus mais profundos votos que um dia, o mais breve possível, ela faça parte da vida. Talvez um dia a humanidade agradeça ao Black Sabbath original, o do Ozzy, por ter brincado com as coisas do outro lado da vida, mas no meu dia prefiro uma boa e alegre banda de jazz.

Morte foi natural até o momento em que começou atrapalhar alguns interesses, principalmente de senhores feudais. Manter o pessoal vivo é mais lucrativo. Negócios são negócios e como qualquer outro instrumento a morte passou a ser usada e abusada como eficiente forma de controle social. A igreja que o diga. Refinou-se tanto a técnica do marketing da morte que um dia surgiu o purgatório, o mais fino esmero da sacanagem: quem é mandado para lá pode negociar seus pecados, ou seja, pagar com juros e correção monetária, e assim voltar para o paraíso. Já no inferno a coisa pega para valer, mas sempre se pode dar um jeitinho. Medo faz milagres. Pavor coletivo então...

Jesus Cristo está no banco de reservas. Foi substituído pelo Papai Noel estilo Coca Cola, um velhinho simpático, que por ironia do destino continua sempre corado, vigoroso e nunca morre. Sua sobrevida sorridente ajuda a amenizar nossas agruras naturais da vida e nos dá a eterna esperança que nossa meia pendurada numa árvore enfeitada amanheça recheada com o nosso mais profundo desejo, normalmente algo individual e individualista. É meu! E também cria uma certa obrigação de dar algo para alguém ou para alguns. Dar não é exatamente doar. Dependendo do espírito dá-se ou doa-se, normalmente na esperança de ter algo em troca. Com a morte real não há troca, escambo ou negócio. Morte é definitiva. Nascimento é definitivo. A vida, queira ou não, também é definitiva. Sem entender o que é definitivo na esteira do transitório que nunca pára, onde tudo um dia cai, segue e desaparece, do maravilhoso ao péssimo, indiscriminadamente, não é possível entender o que é de fato viver com naturalidade.

A vida passa por nós e se não souber olhar este processo com plena naturalidade dificilmente viveremos a vida real de cada momento, de cada pessoa, de tudo que nos cerca. Muito provavelmente estaremos presos a preceitos primitivos, bárbaros e medievais que ainda sabotam o potencial que a humanidade vem constantemente criando pelos séculos. O elo perdido é a morte, o fim definitivo, o termino, a certeza que haverá reciclagem. Nosso corpo se recicla constantemente; nossa mente, sua inteligência e emoções também. Morremos e nascemos biologicamente a todo segundo. Transformação química pura. Não há porque negar a morte, não há porque temê-la. É natural. Imagine só a cara de saco cheio de Jesus se ele tivesse a certeza que nunca iria morrer.

Viver é fantástico; bem entendido: nascer, viver e morrer. Reciclar

Boas Festas a todos

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Cidade brasileira; caos e segurança


A bicicleta me levou a cantos de várias cidades, do Brasil e do exterior, que normalmente um cidadão comum não vai, aliás, geralmente nem sabe que existe. A cidade existente de um cidadão comum é o trajeto que ele faz em seu carro ou transporte de massa, portanto é essencialmente a cidade das vias principais e do caminho para o trabalho, estudo ou diversão. O que está fora desta rota sequer é visto. A cidade fora dos hábitos é um território praticamente desconhecido. A quantidade de gente que nunca foi ao centro de suas cidades é muito grande. Parecido com criança que acha que só existe o frango congelado do supermercado. Frango vivo ciscando pode ser apavorante.

Várias pessoas foram levadas pela bicicleta a circular em uma cidade que lhes é bem pouco conhecida, até mesmo a que passa na porta do carro diariamente. Quem sai do carro, de suas pequenas janelas e alta velocidade, simplesmente fica impressionado com o local onde vive, seja para o bem ou o mal. A maioria descobre que a cidade, principalmente à noite, é muito mais simpática do que (não se) vê de dentro de uma caixa de vidros pretos. Normalmente o cidadão motorista que está pedalando quer ir descobrir, ou melhor, redescobrir o que já é conhecido; ou que acreditam que seja. Passar devagar, caminhando ou pedalando, pela avenida na qual estão fartos de ficar parados no congestionamento, já o máximo da emoção de novas descobertas. Conhecer a rua de cima ou de baixo, parar na praça, no boteco é mágico. Mas dificilmente aceitam entrar em locais desconhecidos, mais simples, ou passar por uma favela, uma área dita violenta, mesmo que você, guia experiente e respeitado, assine em baixo que conhece o pedaço e que ali não é o que se imagina ou dizem. Os que aceitam o “desafio” geralmente tem um choque de culturas e verdades.

Entrei algumas vezes em favelas. Uma delas no Rio de Janeiro, quando tive que levar uma empregada doméstica para casa porque estava com caxumba ou coisa semelhante. Quando me pediram o favor de subir a menina dei pulos de alegria pela chance de ver o morro por dentro. Na subida do Morro do Vidigal passamos por 4 revistas armadas dos traficantes. Como estava levando gente da comunidade seguimos sem problemas. A via, a medida que chegava mais próxima ao topo do morro, estreitava, trazendo uma apavorante claustrofobia até para um visitante acostumado a lugares estranhos. Os últimos quarteirões permitiam a passagem só de meu pequeno carro. Um caminhão ali, se passasse, passaria raspando as paredes dos casebres. A casa da menina ficava exatamente no topo, com uma incrível vista: de um lado São Conrado, d’outro Leblon e Ipanema. Deslumbrante. Quanta inveja. A riqueza da vista só permitida aos mais pobres, olheiros e comandantes do morro.

Na Paraisópolis, Morumbi, São Paulo, a situação foi diferente. Entrei com Jonas para fazer vistoria no trecho que deveria receber então o início de uma ciclovia que nunca saiu do papel, a Paraisópolis – Shopping Butantã / Eliseu de Almeida. Fora da favela umas poucas pessoas na rua, os carros que passavam apresados. Dois quarteirões a frente, já dentro da favela, gente tranqüila conversando ou caminhando, um comércio simples e variado, nem sinal de armas e traficantes. Quando começamos a tirar fotos veio alguém, um pau mandado, verificar o que estávamos fazendo lá, e só. Estava na cara que éramos alienígenas no pedaço e que o sujeito estava checando para os donos do pedaço. Eu e Jonas ficamos pasmados com a vida borbulhando ali e o contraste com o bem organizado, limpo, rico, sofisticado, cheio de seguranças e ao mesmo tempo absolutamente morto bairro que fica logo ao cruzar a rua de volta à civilização; seja esta o que quer que seja que a esta altura não sei mais.

O que você prefere? Que cidade queremos? Esta é a pergunta que me faço e que ouvi ser repetida por Henrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá e responsável direto maior transformação urbana destas últimas décadas. Peñalosa fez um comentário assustador: São Paulo, a cidade mais rica do país, não tem crianças circulando nas ruas. Deprimente! Nas favelas têm. Ironia, vida corre solta para os desprotegidos e é um presídio para os privilegiados. O sonho dos “bacana”, “gente fina”, é circular num carro blindado. Ou será brindado? A verdade blindada não leva a uma vida que deve ser brindada.

Contraste é o que mais há em nossas cidades. E como fazemos questão de não olhar o outro lado de nossos muros o que há no lado pobre é por princípio um conto de terror. Não é bem verdade. Onde está a cidade feliz? Onde estão as pessoas livres? Quem é livre? O que é liberdade? Não nos damos conta que o conto de terror real é não buscar melhorias para nossa própria vida e que este passo passa obrigatoriamente pela melhoria da vida do próximo, de todos e principalmente dos menos favorecidos. Não se trata de piedade, socialismo barato, mas de sensatez, de lógica. Melhorar a condição básica dos necessitados - leia-se melhorar a cidade - é o caminho mais curto e simples para chegar aos resultados que nós desejamos. Se quer se auto-proteger, ser egoísta, pelo menos seja com inteligência. Não existe solução para um lado só. Quanto melhor o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) geral, melhor a vida individual. Ou vamos todos, ou não vai ninguém. É escolher entre a burrice do blindado ou ser brindado pela vida.

A bicicleta me deixa cada dia mais ansioso sobre o futuro. Vejo cidades escondidas com grande potencial para construir uma vida melhor. O que muitas vezes parece uma baderna urbana nos dá inúmeras oportunidades. Duro é mudar uma cidade projetada, quadriculada, cartesiana, protegida, construída para fins específicos. Vide Brasília. Caos pode ser aproveitado, arranjado, transformado de várias formas. O que está petrificado, cercado, isolado, blindado, definitivamente arranjado, está doente, está dissociado da realidade da vida moderna, das urgências para o bem de todos. É necessário se abrir ao caos. Não precisa aceitar, mas pelo menos reconhecer e aproveitar ensinamentos para um novo conceito de segurança e felicidade. Afinal, uns tem morte por falta de segurança, bala perdida, brutalidade; outros comentem suicídio social por medo da vida, por medo da mudança. A bicicleta oferece a liberdade de ver e sentir o caos da vida com equilíbrio e sensatez. O carro dá a chance de passar rápido e não ver nada que desagrade. Dizem que bicicleta é insegura e que o carro é seguro. Depende muito, mas eu tenho mesmo é medo de andar de carro, muito medo. Estarei ficando louco?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sobre corte no orçamento e as mobilidades sustentáveis

O Estado de São Paulo

Fórum do Leitor

Fica aqui meu pedido à Presidente Dilma Rousseff para que todos trabalhos e projetos para melhoria da segurança e conforto de mobilidades não motorizadas, ou seja, pedestres, deficientes físicos e de mobilidade, e ciclistas, não sejam incluídos no corte de orçamento da União que se faz necessário.

Dado que a maioria da população se transporta a pé, que todo brasileiro, mesmo os mais motorizados, é em algum momento de sua vida um pedestre; que aproximadamente 14% da população é deficiente físico ou tem deficiência de mobilidade; que a bicicleta é o veículo mais usado no Brasil, tendo relevante importância no transporte e subsistência de boa parte da população, principalmente a massa menos privilegiadas; que todos estes sempre foram e continuam sendo colocados em planos secundários relativos a questão da cidade, de seu trânsito e transporte; que a reconstrução das cidades e de nossas vidas, principalmente dos pequenos, geração futura, só será viável se for respeitada e legitimada a vida de todos, onde crianças, como seu neto Gabriel, possam circular e brincar livres e seguros pelas ruas.... Dado o baixo investimento voltado especificamente para não motorizados, que por si só traz o patético nonsense do termo “não motorizados”, termino esta novamente pedindo que não se tire o direito do pobre (e de todos nós) caminhar em uma calçada digna, praticamente inexistente em boa parte do Brasil; que não se mantenha em prisão domiciliar os deficientes, como hoje acontece; que dezenas de milhões de ciclistas estudantes e trabalhadores (e todos outros) também possam ter direito ao uso seguro das vias e de cruzar pontes...

Enfim, Excelentíssima Senhora Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, como ciclista, pedestre, tio avô, e principalmente como cidadão responsável por e com todos, peço que todo orçamento voltado à vida seja pelo menos mantido, quando não ampliado. É mais barato investir em previdência e futuro, que pagar contas de acidentados. Todos nós agradecemos. Gabriel em tempo lhe agradecerá

Arturo Alcorta
RG.: 3.472.416 SSP SP
rua Eugênio de Medeiros 465, Pinheiros - 05425-001
São Paulo, SP
011-9248-8747

Bicicletas públicas em Buenos Aires

Matéria sobre inauguração das bicicletas comunitárias em Buenos Aires:
http://videos.lanacion.com.ar/video18006-se-inauguro-el-sistema-de-bicing-en-la-ciudad 
 
Buenos Aires vai aos trancos e barrancos implementando a bicicleta como modo de transporte. Para quem não sabe até a década de 90 foi "proibido o uso de veículos movidos a sangue" na cidade, o que incluía a bicicleta. Ademais a cultura do automovel é muito forte e tradicional. O automobilismo de competição faz parte da vida dos argentinos, que sempre tiveram uma forte indústria no setor.
Buenos Aires tem um trânsito muito especial, que flui as custas de motoristas que usam pouco os freios, mudam de direção suavemente e com constância, semaforização sequencial, enfim, um tanto estranha para um ciclista. Não senti agressividade latente, como em algumas outras capitais que pedalei, mas a primeira vista tudo parece uma tremenda baderna, o que não é. Pedalar em BsAs é relativamente tranquilo, só tendo que tomar muito cuidado nos cruzamentos no meio dos bairros.
O sistema cicloviário existente foi desativado (pelo que me contaram) e um novo está sendo projetado por uma empresa de engenharia brasileira, a Logit, se não me falha a memória.
Para terminar, pedalar no Parque Palermo, onde se encontra este bicicletário do vídeo acima, é uma maravilha. Infelizmente há problemas de segurança, o que é triste, já que BsAs tinha índice praticamente zero de crimes há algumas décadas.
O que me deixa triste é que a quantidade de bicicletas e as urgências que temos aqui em São Paulo são muitíssimo maiores que as de Buenos Aires e praticamente nada acontece aqui, ou acontece num passo de galinha, como disse Soninha

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Bikefit e Cleber Anderson


Cleber Anderson deu uma palestra sobre bikefit no sábado de comemoração de um ano da criação do Ciclo Cidade - http://www.ciclocidade.org.br/ . Para uma palestra normal foi longa, para o assunto foi curta, pela atenção prestada pelo povo que estava lá poderia ter ido mais longe não fosse o resto da programação. Ajustar uma bicicleta para o ciclista é um tema vasto e aqui no Brasil é novidade, ainda dá espaço para muitas dúvidas.

Conheço Cleber há muitos anos, desde 1989, quando trabalhamos juntos na extinta Bicisport. Acabei conhecendo toda sua família, seis irmãos ligados ao ciclismo de competição, um deles, Clovis, um dos melhores ciclistas olímpicos da história do Brasil. Com eles aprendi um bocado. Cleber, em particular, sempre teve a curiosidade para ir além dos usos e costumes do ciclismo. A razão, como o próprio contou na abertura da palestra, foi sua formação como técnico em mecânica e a faculdade de educação física. Bem vindo à biomecânica.

O curioso de ouvir Cleber falando agora é que nós, da Escola de Bicicleta, estamos preparando uma nova página para o site, exatamente sobre bikefit. O pouco que conheço sobre o assunto vem de leitura, da minha formação de faculdade (fisiologia para desenho), da necessidade do conhecimento do meu próprio corpo por causa das inúmeras lesões causadas pela diabete e as molecagens. Cleber esclareceu detalhes sobre a evolução das técnicas de bikefit, confirmou minhas suspeitas que fórmulas prontas costuma levar a erros de postura, alguns até grandes.

Valéria, ótima parceira e webmaster do site, é mais que uma curiosa, é uma estudiosa do assunto e conhece todas estas coisas muito melhor do que eu. Sempre está mostrando sites com formas e formulas diferentes de bikefit, o que nos faz pensar muito sobre como dar aos iniciantes uma melhor orientação. De minha parte sempre houve algo que eu não achava que estava no ar, afinal não tenho dúvida que somos todos um tanto diferentes, corpos e mentes tão próximos e tão distantes para os quais fórmula matemática pode até servir como referência, mas não como verdade definitiva.

Cleber matou minha xarada, óbvia por sinal: a diferença na forma e tamanho da bacia é o fator que fórmulas. Distâncias entre o acetábulo / cabeça do fêmur e os ísquios varia muito, o que faz com que o cálculo para chegar à altura do selim pela medida do cavalo não seja uma relação matemática exata. Cleber contou, mostrando várias anotações suas destes anos fazendo bikefit, que a diferença chega a alguns centímetros de pessoa para pessoa. Pela maneira que ele usa para chegar a altura correta basta o ciclista sentar no selim, largar as duas pernas e subir o canote até o calcanhar raspar no pedal. Dê uma olhada em http://www.andersonbicicletas.com.br/ ; > equipamento; >> bike na medida.

O velho genérico é este:


Outro ponto interessante foi sobre a questão da forma do selim. Dependendo da forma da bacia e alongamento do ciclista, (e digo eu do modelo de bicicleta que se vai pedalar, mais em pé ou deitado) o ponto de apoio dos ísquios no selim é diferente. Quanto mais alongado for a musculatura posterior do ciclista mais fino provavelmente será o selim ideal. Quanto menos alongado, mais largo. Forma da bacia!

Seguindo os passos da palestra, traseira da bicicleta ajustada corretamente para a perna, joelho e pé, então se vai para dorso e braços. Acertar posição correta de selim é possível até numa bicicleta errada para o ciclista, mas esta é traseira da bicicleta, falta a frente. O bikefit para dorso e braços só é possível com uma bicicleta de tamanho e geometria corretos para o ciclista que irá usá-la. Ai começa a sutileza que o público geral tem dificuldade de entender: ter uma bicicleta no tamanho apropriado não é necessariamente ter a bicicleta correta. Por que? Porque há diferenças na geometria empregada pelos fabricantes. De forma muito simples a diferença pode-se ver naquele desenho explicativo sobre pró / esportivas / básicas que temos no site. Para que e para quem aquela bicicleta foi projetada é algo que o mercado e compradores tem muita dificuldade de entender. Para este caso Cleber deu o exemplo das bicicletas femininas. Para algumas marcas menos sérias são simplesmente bicicletas masculinas com tubo rebaixado ou em tamanhos menores pintadas de maneira feminina. A geometria é a mesma da masculina, o que não atende à corpo feminino que é bem diferente. Não dá para fazer um bikefit correto.

No final fiz questão de lembrar aos formadores de opinião que eles têm quase uma obrigação de saber o que é uma bicicleta correta para o ciclista porque modelo, tamanho ou geometria errada é uma das principais razões para possíveis ciclistas se afastar dos pedais. Prova disto é o baixo índice de mulheres usuárias da bicicleta no Brasil. Mesmo os poucos modelos tamanho 17, que já é grande para a maioria das mulheres, vem com o mesmo avanço das masculinas, muito longo para elas. Tudo em nome da redução de custos.

Bicicleta chique não é a bicicleta status social, mas a luva que veste o ciclista. Fazer bikefit, que pode parecer um luxo ou frescura, ajuda demais a entender o que é de fato pedalar. E partir daí brincar de pedalar vira uma outra história, muito mais ampla, divertida e livre. Bicicleta é uma experiência humana mais ampla que parece; ao alcance de qualquer um, profissional, amador, transporteiro ou domingueiro.

cadeirante e o direito de passagem

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Oh dia!, oh vida!....

Este texto esteve esquecido por muito tempo. Estou com saudades de escrever para o meu blog e não venho conseguindo tanto por falta de tempo, quanto porque estou meio capengando num cansaço que só se explica num “issstressssi” sem tamanho.

Vamos lá que não vai fazer muito sentido mesmo, mesmo assim vamos lá:

Do texto antigo:
2009 foi um ano magnífico para mim e para a Escola de Bicicleta, provavelmente o melhor de sua história. Ai veio 2010, ano dos meus 55 anos, grandes esperanças, festas, etc e tal. Ups! Não está sendo bem assim.
A verdade é que de fato neste final de 2010 ainda acho que está sendo um dos anos mais estranhos de minha vida. O primeiro semestre, quando escrevi este lamento que aqui está postado em itálico, foi uma loucura porque praticamente não pintou trabalho e mesmo assim não parei de trabalhar um segundo. O segundo semestre acabou entrando um ótimo trabalho, que no devido tempo conto, e virando a maré de uma falência trabalhosa para uma trabalheira quase que monetariamente compensadora, mas como experiência de vida e aprendizado maravilhosos, exaustivos, mas maravilhosos.

Por onde começar as lamentações? Certamente lembrando o personagem de Hanna Barbera, Hardy, a hiena, que lamentava absolutamente tudo com a frase “Oh dia, oh azar...” . Sem dúvida faz muito tempo que não tenho tempos tão tumultuados tão demorados, como o direito a repetir “tão” tantas vezes. “Tão tantas” dá boa letra de rock pauleira, Aliás, tão e tantas quantas eu bem entender!, digo para mim mesmo, ou será para eu mesmo. Par ou impar. Não precisa, fico com a última hipótese. Ninguém tem nada a ver com meu mau humor e minhas mazelas. Mas me guardo o direito: “Oh dia, oh vida...”
Um dia, sentado à mesa com uma tia, Maria Elena, sem “h”, falava eu sobre minha diabete e ela mandou de bica um “Você está ficando hipocondríaco”. Boas verdades não deviriam doer porque é o que de mais honesto se pode fazer com quem se respeita. Pelo menos consigo próprio, já que algumas vezes não dá para agüentar tanta choradeira. E ali percebi que deveria mudar de canal. E mudei. Aquele comentário acabou sendo marco de vida.

Dos bons momentos de minha família, quando minha mãe ainda vivia, era quando meu irmão, coração de ouro, mas mal humorado de nascença para algumas coisas simples e bestas, ficava tão mal humorado que disparava a rir sobre seu próprio mal humor. Numa das feitas chegamos a ter que levantar da mesa de tanto rir da situação. Aliás eu e minha mãe rolamos no chão às gargalhadas – literalmente. Não me lembro bem sobre o que se tratava, mas com certeza era fato insignificante na vida de qualquer ser normal, o que meu irmão não é muito, e que para ele era um drama. Até hoje não usa computador por que o marcador de posição de digitação fica piscando sem parar. “Não dá para parar esta merda. Assim é impossível”rosna alto ele. Não adianta argumentar que sem a marcação não haverá forma de saber onde você está no texto. Ele é da geração que se fez em máquina de escrever mecânica, tornou-se livre docente e publicou alguns livros, e nunca precisou de “uma coisa enervante piscando”. Tem cacife intelectual para que os que o cercam digitem seus trabalhos. Aliás, não entrega o trabalho sem acertar pagamento. O cômico é que digita maquina mecânica sem olhar para o teclado, e o faz rápido.
Ter consciência de seus próprios defeitos é quase uma arte. Acredito que olhar os próprios defeitos, erros ou deslizes, é o melhor caminho para o crescimento, para o amadurecimento. Alguns a gente não corrige. Talvez eu tenha me apropriado do ditado “não jogue para os outros seus próprios erros” com um pouco demais de ortodoxia. Pouco demais é uma expressão ótima, tipicamente brasileira, bem em cima do muro. Enfim, parto do princípio que se houve alguma coisa errada na qual estava de alguma forma envolvido provavelmente eu tenho uma parte de responsabilidade ou poderia ter feito diferente e ter chegado a um outro resultado. O que é de fato verdade, mas qual é o ponto de equilíbrio para minhas próprias cobranças? Amadurecer a que custo? Chego a esta altura do campeonato consciente que se o custo for muito alto a maturidade não vem. É óbvio que chutando todos paus da barraca também não. O ponto de equilíbrio está num botão vermelho bem grande e visível que fica no meio do painel de controle de nossas vidas, de cada uma delas, onde se lê “FODA-SE!”, mas quem de nós sabe usá-lo com sabedoria?

Quando tinha uns 20 anos eu dei uma exagerada na festa e tive o que parece ter sido uma morte, um desligar completo dos sistemas. Muito provavelmente minha glicemia zerou eu apaguei para valer. Uma sensação bem diferente das minhas 4 pré-comas glicêmicas, quando meu corpo inteiro entrou em cãibra, um terror principalmente para quem vê. O fato é que no dia seguinte,voltando da faculdade, parei na frente de um jardim e descobri que a vida para valer era outra, e a partir daí comecei a ver minha felicidade de frente. A outra experiência mais forte foi num Cactus Cup, prova que sempre foi meu sonho chegar bem, ir para o pódio. Larguei mal, estava com a bicicleta errada para o circuito, e quando vi estava muito atrás, lá nos “úrtimo”. Na subida forcei demais e quando chegou na descida não dei um tempo para acalmar, o que resultou num desmaio em cima da bicicleta que só não resultou em chão porque raspei com a lateral no barranco e voltei uns metros depois. Ainda dei um grito com o cara que estava na minha frente, passei e ai caiu a ficha que aquilo ali era simplesmente uma prova esportiva e não uma batalha real de guerra. O peso da besteirada toda foi pesado, mas muito educativo.
Vira e mexe recebo a notícia que alguém que conheço foi atropelado ou sofreu algum acidente com sua bicicleta. Não consigo entender. Não sei se minha auto-cobrança me manteve distante dos acidentes ou se tive muita sorte. Provavelmente os dois. Tenho certeza que disciplina técnica na condução da bicicleta faz muita diferença na segurança no trânsito. Ai sim se acontece alguma coisa errada o erro é (em 95% dos casos) meu. É dado estatístico, científico e ponto final. Não dá para ficar nem no “Oh vida!, Oh dia!...”; nem no sempre passar a responsabilidade para os outros. E no meio destas disciplinas de pilotagem tem que saber usar o botão “FODA-SE!” – e saber usá-lo com bom senso e sabedoria, do contrário quem se fode é você próprio. Não tenho a menor dúvida que a pior coisa para quem pedala na rua é brigar com o trânsito. Daí minha distância da Bicicletada. Para mim a bicicletada deveria ser da paz, simpatia, do agregar e da boa vida.

Durante uns três dias fiquei tentando mandar as respostas de mensagens da Escola de Bicicleta sem sucesso. Não saía do computador. Tenta, tenta e nada. Valéria acabou vindo aqui e depois de muito olhar percebeu que um endereço tinha uma vírgula no lugar do ponto. “Pode ser isto” disse e foi ai que olhei os outros endereços e vi que praticamente todos estavam errados. Resultado da transferência dos endereços do velho computador para o novo. Ou melhor, foi um problema de “Vista”, não a minha, mas aquele maravilhoso programa da Microsoft que, dizem os teóricos do complô, foi criado nos Estados Unidos; mas todos sabemos que foi criado no Centro de Estudos Avançados de Softers da Coréia do Norte, que usava então os fantásticos computadores HP 6615br, iguais aos que acabo de me livrar, a pedido de um padre exorcista.
Há momentos ou coisas que acontecem na vida da gente que simplesmente não temos como controlar. Faz parte do jogo. Com alguns ficamos neuróticos, com outros simplesmente desligamos, ou seja, metemos uma porrada tão forte no “FODA-SE!” que ele emperra para aquela situação. Procurar ver a própria balança e buscar seu melhor equilíbrio torna-se então crucial. E que não se engane que conseguimos o feito do equilíbrio, da maturidade, num piscar de olhos. Tudo se consegue um passo por vez. E dependendo do desequilíbrio o passo deve ser maior ou menor, mais rápido ou mais lento, mais suave ou pisado... A vida não é fácil e ai está justamente a graça dela.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Boa sorte Dilma

Como brasileiro faço questão de desejar a Dilma uma boa presidência. Que cumpra seu mandato com a tranqüilidade que demonstrou em suas primeiras entrevistas após a eleição, quando apresentou-se mais centrada do que durante o tiroteio eleitoral, ou hilário eleitoral. Que consiga formar um governo sério, que sob o manto da democracia, voltado para o bem público, a construção de um futuro sustentável, a qualidade, e sobre o manto da honestidade. E, Dilma, pelo amor de Deus, fala menos que seu padrinho. Olhe antes para o Brasil do que de para si própria, o que creio que acontecerá. Espero que tenha forças, sabedoria e calma para manter o seu próprio caminho, que talvez seja das tarefas mais árduas.

Deixo aqui meu pedido para que o SeMob não só seja mantido, mas que tenha seu poder de trabalho e resultados efetivamente ampliado. Que seu governo olhe com seriedade para todas as mobilidades não motorizadas, pedestres, ciclistas e deficientes de mobilidade, até hoje relegados ao segundo plano ou levados numa espécie de cala boca, com honestidade moral e ética. Deposito minha confiança que ser avó vai lembrá-la continuamente da necessidade de construção de uma nova cidade, de uma nova cidadania, de uma nova forma de entender as mobilidades, a vida, todas as vidas.

Espero que tenha uma postura mais positiva do que a do PT em relação à bicicleta e seus usuários. Lembro mais uma vez (última em 1981) o IBGE incluiu a contagem de bicicletas no Brasil, o que só pode ser visto como resultado da visão política que o PT tem sobre trânsito e transporte. “Ao socialismo se vai de bicicleta”, diz a história. À senhora caberá provar que ainda existe um PT além do populismo sindicalista ligado à indústria automobilística. A isenção de impostos para veículos que não incluiu veículos não motorizados que o diga.

Boa sorte Dilma

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Às falas

O Estado de São Paulo - Fórum do Leitor
Folha de São Paulo - Painel do Leitor

Venho por meio desta pedir ao Ministério Público, ou a quem de direito, que chame às falas aqueles que durante a campanha eleitoral insinuaram conhecer irregularidades sobre os então candidatos à Presidência da República de 2010; como no explicito depoimento de um dos artistas apoiadores de Dilma gravado e divulgado em rede nacional em propaganda eleitoral no qual Luis Fernando Veríssimo dizia “conhecer histórias sobre Serra”. Se há histórias que sejam tornadas públicas; se houver irregularidades que os culpados que sejam punidos, para o bem da ordem pública e principalmente da nossa democracia que, do jeito que vai, se fragiliza a cada pleito. Esta foi a eleição marcada pela vontade popular de haver uma ficha limpa efetiva e por isto tem que ser o marco da verdade, do fim da calúnia, até para que a Lei da Ficha Limpa chegue à próxima eleição com legitimidade. Que se cumpra a lei com todos que deram depoimentos, prestaram informações ou caluniaram quaisquer dos candidatos: Dilma, Marina e etc...

domingo, 31 de outubro de 2010

Aos eleitores e ao eleito

É 8:30h da manha deste dia 31 de Outubro, segundo turno da eleição 2010, e acordei com uma angústia sem fim. Quando esta carta for publicada já teremos um novo Presidente da República. O que se pode tirar desta campanha é que a discussão política que fazemos, brasileiros, é muito imatura, absolutamente incompatível com a grandeza do país que geramos “todos” com nosso suor do dia a dia. Todos: a dita elite (????), a classe média e os abandonados ou desprovidos. Há um abismo entre o país que nos leva para o futuro, que é o país da qualidade, das coisas bem feitas, honestas, com busca de resultados sustentáveis, de muito trabalho, o que é fato em vários setores de nossa economia; e o país dos que crêem que “se melhorou é por que está tudo certo”, do “pior que está não fica”, dos discursos inflamados, da falácia, esmola, mentira, inconsistência, do populismo, perigoso e deprimente populismo praticado por estes e aqueles em maior ou menor grau. Faço minhas as palavras de Hélio Bicudo, que caíram praticamente no vazio, mas também não deixo de ter certa crítica aos que apoio. Entre a população, os de cá e os de lá, principalmente os de melhor esclarecimento, perderam a noção das coisas e a discussão do futuro deste país caiu num processo bipolar, muito parecido ao dos fanáticos por futebol. Corinthians ou Palmeiras (quase que literalmente)? É muito provável que não adiante urrar que nunca mais poderemos curvar nossa decisão a debates tão precários, trinta segundos pergunta, dois minutos para resposta, dois para réplica, dois para tréplica. Ninguém faz idéia do é melhor ou pior de verdade, mas todos conseguem recitar o que os marketeiros venderam. Que país é este? Quem sabe?

Devemos, como leitores deste jornal, nos preocupar com a integridade do O Estado de São Paulo (e todos meios de comunicação) porque este teve a coragem de posicionar-se por uma das partes e já está sobre longa censura absolutamente inadmissível. Há um silêncio da sociedade sintomático e apavorante que prova nossa imaturidade. O Brasil chegou ao ponto de não atinar que liberdade, esta sim, literalmente não tem preço. Sem liberdade não há diálogo, sem diálogo não há acordo, sem acordo não há futuro sustentável, ordem e progresso.

Rezo para que este momento, esta eleição, não seja um réquiem. Que eu esteja errado.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ciclovia Parque Ecológico Tiete e Ciclovia Ayrton Senna


Este filme com o Saia na Noite foi feito há um pouco mais de um mês - http://www.youtube.com/watch?v=EWFhDRInbIM e mostra como foi rápido o término do primeiro trecho da Ciclovia do Parque Ecológico do Tiete, que vai até da ponte Nordestinos, Penha, próximo ao parque Tiquatira, à ponte nova avenida Jacú-pessego sobre a rodovia Ayrton Senna. Como se pode ver no filme do Saia na Noite as obras estavam então na altura da ponte sobre o rio Tiete um pouco antes do acesso ao aeroporto de Cumbica. Há este filme oficial sobre o novo trecho http://www.youtube.com/watch?v=ZgV36B-SCSk com uma vista das obras já terminadas.
Este link - http://www.youtube.com/watch?v=c-JrmfaqH6g - é uma breve entrevista com Roberval sobre uma ciclovia pouco conhecida até por aqueles que estçao no olho do furacão, a da rodovia Ayrton Senna, que margeia a estrada na altura de Guarulhos, sentido Rio - São Paulo. Eu próprio não acreditei quando contaram sobre sua existência, até porque em certos trechos é praticamente invisível para os motoristas.
O ideal é interligar as duas ciclovias, o que com o conhecimento e ajuda de todos vamos conseguir

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Manifesto aos candidatos para manter o SeMob

Venho por meio desta reforçar meu pedido aos dois candidatos deste segundo turno à Presidência da República, José Serra e Dilma Rouseff, para que o SeMob - Secretaria Nacional de Transportes e Mobilidade Urbana, ligado ao Ministério das Cidades, não só seja mantido como ampliado. No primeiro turno entrei em contato com nomes das principais campanhas e apresentei uma pauta de reivindicações referentes a questão da bicicleta, dentre elas a importância da continuidade do corpo que hoje trabalha no SeMob. Como em campanhas passadas tive a palavra de reconhecimento da situação por parte de PSDB e PV, mas infelizmente não obtive retorno do pessoal do PT, talvez por falha minha. A palavra dos que normalmente falo sempre valeu no passado porque vi resultados.
Para entender a importância do SeMob, é a Secretaria que cuida, dentre outros assuntos, da questão da bicicleta e dos deficientes de mobilidade, o que inclui deficientes físicos. Trata-se pelo menos de algo em torno de 14% da população brasileira só contando os deficientes; mais a massa usuária de bicicletas, a qual o IBGE estranhamente mais uma vez não contou, mas calcula-se que esteja em torno de 45 milhões de usuários/dia. Para cuidar desta imensa população está trabalhando numa sala de um edifício do setor de autarquias de Brasília um mínimo grupo de abnegados que devem ter seus trabalhos reconhecidos, aproveitados e continuados. De minha parte considero inaceitável a possibilidade perda do trabalho de qualquer destes funcionários, como Claudia Oliveira da Silva, responsável pela bicicleta, porque o conhecimento até aqui adquirido é novo, específico e política de estado.

Minha preocupação tem razão de ser já que Dilma tem sido sistematicamente questionada por Serra sobre a questão dos deficientes e nunca citou uma única palavra sobre o SeMob.

Este texto foi enviado para o Forum do Leitor do Estadão e para leitor@ da Folha de São Paulo.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

eu, ator da vida

Aqui vale uma valiosa explicação. Todos nós representamos constantemente vários papéis em nossas vidas. Para sobreviver temos que viver em grupo, em sociedade, portanto temos interações com outros seres, com outras vidas. Somos biologicamente masculinos ou femininos, mas em relação ao social, fomos bebês, crianças, adolescentes, adultos, e quando adultos, continuamos a ser filhos, mesmo sendo pais. Somos também amigos, companheiros, solteiros, casados, pais, tios, avós, idosos, conhecidos, amantes, trabalhadores, etc... Cada uma dessas funções tem vida própria, o que estabelece uma condição de relacionamento específico.

Uma criança necessariamente tem pais e sua relação com eles é de filho para pai e mãe, mesmo que esta não seja biológica, mas social. A relação ideal dos pais, portanto seres adultos, com esta criança deve ser de pai ou mãe para filho. Um pai pode eventualmente ser companheiro, pode e deve ser amigável, mas não deve assumir o papel de amigo ou concorrente do filho ou haverá uma distorção de papeis o que irá criar problemas de relacionamento. Assim como o papel de companheiro é diferente do de amigo, que é diferente de ser amigável. As razões que estabelecem estas configurações vão desde a maturidade biológica (leia-se idade), responsabilidades inerentes até a diferença de vivência que define forma de pensar e capacidade de ação. Pai é pai, filho é filho, amigo é amigo.

Uma mulher adulta e casada é sempre mulher, principalmente quando dá tempo e cuida de si mesma e de sua biologia específica; mas também pode ser companheira ou esposa; se tiver filhos será mãe, com as amigas é amiga, com os irmãos é irmã, com os pais segue sendo filha, com os avós sempre será neta, e no trabalho será sempre parte de uma equipe de trabalho, uma operária, gerente, diretora, etc... O mesmo vale para homens, adolescentes, crianças, e até mesmo para animais caseiros que normalmente são tratados erroneamente como humanos. Qualquer inversão ou mudança de atitudes nas relações provavelmente trará problemas para si ou para os outros, ou pior, para todos. O coitado do cachorro vestido de Fred Astaire passeando na rua que o diga.

Praticamente todos nós misturamos os papéis. Vivemos numa sociedade imatura, confusa, mistificada. Quem já não considerou o melhor amigo um irmão? Quem não teve uma companheira de trabalho que foi uma verdadeira mãe? Quem não esqueceu sua função e posição social, confundiu sentimentos, fatos e momentos? É absolutamente normal fazer confusões, mas inapropriado porque o resultado final, muitas vezes ou quase sempre, costuma não ser o melhor. Fazer o que? Somos todos humanos, o que quer que isto signifique finalmente.

Conseguir entender cada um dos papeis e as funções decorrentes deles, facilita demais a vida. Na verdade exercer o papel correto para o momento nos oferece uma base segura para evitar conflitos, portanto desgastes. Para o ciclista é importante, quase vital, pelo menos entender que a bicicleta é uma bicicleta, o que muita gente tem uma dificuldade imensa de sacar. Bicicleta é uma máquina, maravilhosa, mas é uma máquina, um veículo, divertido e que traz bem estar; mas um veículo, e que qualquer extrapolação pode fazer mal ao usuário. E como há ciclista que extrapola! Somos humanos!

Muitos pedalam como estivesse conduzindo um carro, com a cabeça de um motorista, o que talvez seja de fato o maior perigo. Basta olhar um e outro para ver que há diferenças. Daí sempre repetirmos na Escola de Bicicleta: ciclista é ciclista, motorista é motorista. A rua da bicicleta é uma, a do carro é outra, as duas podem ser a mesma, mas as dinâmicas envolvidas são completamente diferentes. Até ai vamos praticamente todos. O que é difícil é chegar a maturidade de conseguir interagir com o trânsito geral como ciclista, sem conflitos, sem faniquitos, sem ficar exposto desnecessariamente ao perigo, sem confundir tensão com perigo, sem julgar, sem reagir. Pedalar no meio do trânsito com naturalidade e segurança. A culpa, como mostra todas as pesquisas, normalmente é do próprio condutor, incluindo ai ciclista.

Quem sabe jogar o jogo, posicionar-se e agir corretamente, não culpa os outros. A vida não é um jogo só de poderes. Não me lembro quem disse isto, mas é brilhante: a vida gosta de quem gosta da vida. Viva. Viva!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Helio Bicudo fala sobre Lula

Veja o que Hélio Bicudo, uma das referências nacionais de luta pela justiça, um dos fundadores do PT e Vice-Prefeito de Marta Suplicy, fala sobre Lula e seu governo:
http://www.youtube.com/watch?v=WoaUYi4Rf6E .

Considero que aqueles que querem fazer a questão da bicicleta caminhar e com isto ajudar a reconstrução de nossas cidades e mobilidades são de alguma boa forma socialistas, não no sentido pobre e subvertido que se faz hoje do termo, mas no seu sentido literal. Equidade, esta é uma palavra para definir nossa busca. Bicicleta leva a este caminho naturalmente, nós que pedalamos sabemos.
No meio da bicicleta há muitos que, por falta de mautridade, acreditam nesta "coisa" que está ai. Sempre repito que vi praticamente ao vivo, entre 1969 e 90, o que é o "peronismo" e sei dos estragos que causaram e seguem causando à Argentina. Basta ler para crer. Desde o primeiro momento do governo Lula achei que o Brasil havia entrado num peronismo brasileiro, o que agora reconhecem como "lulismo", (leia-se fascimo) o que há quem ainda não se dê conta. Há uma diferença brutal entre o populismo sindicalista de um paizão só, facismo que já se repetiu muitas vezes na história, e socialismo até dos vagabundos. Socialismo busca o bem comum, a equidade. Já Lula e sua tropa...  Hélio Bicudo que o diga. Obrigado Hélio

sábado, 9 de outubro de 2010

Marcelo Madureira fala sobre Lula

Dê uma olhada na fala de Marcelo Moreira, do Casseta e Planeta, no Manhattan Connection, que foi censurada:
http://www.youtube.com/watch?v=XajuL1zT7TM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=uHxENREHRl0&feature=related
Aliás, censura que é cada dia mais comum. Quem terá sido o responsável? Advinha!

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Eleições sem debate real

O Estado de São Paulo
Fórum dos Leitores

Espero que não se repita esta falta de debate real nas próximas eleições. Não podemos nos dar ao luxo de ver os candidatos tratando de forma “marketeira” assuntos que são de importância vital para nosso futuro. Desculpe, mas quem não tem condições de acompanhar que aprenda, que se aprofunde, que estude, para conseguir acompanhar um debate de fato, onde números, dados, e outros instrumentos da vida real da administração pública possam de fato ser comparados. O que se viu foi de uma superficialidade ridícula para o porte da economia e do futuro que construímos até aqui. Não se enganem porque qualquer que seja o resultado destas eleições o que se tira é nada, o desconhecimento quase pleno sobre todos candidatos. Infelizmente falo só sobre os majoritários porque inexistiu debate entre federais e estaduais. Ai vira torcida de futebol: ou gosta deste ou daquele time, sem a menor racionalidade e objetividade. Desculpem, mas este processo é de uma falta de maturidade sem tamanho e muito provavelmente não irá continuar dando certo. É absolutamente crucial discutir que país é este e o que queremos. Meus caros, o sonho acabou há muito. E sonho não é uma TV de plasma grande. Ou o pessoal só vai se dar conta quando faltar luz?

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Entre a proposta, o projeto e a realidade pública e civil

Antes de começar: como funciona a realização de uma melhoria que necessite obras neste país? Aqui, este caso, o viário. Por lei é obrigatório iniciar todo trabalho por um Termo de Referência, que orienta sobre o que se trata, o que se pretende, cronograma de trabalho, qual deve ser o resultado final desta ação. Depois de redigido, revisado e aprovado por especialistas da coisa pública, o que demanda tempo, o Termo de Referência é aberto à concorrência pública. Quem ganha a concorrência terá que fazer, por ordem: (proposta) Funcional, que é um primeiro croqui de todo o futuro projeto, serve como norte de discussão sobre o proposto e sobre modificações necessárias, caso haja alguma. Ao Funcional segue-se o (projeto) Básico que refina mais ainda o que virá a ser o (projeto) Executivo, que será o projeto final entregue para quem irá executar a obra em si. Cada uma destas etapas tem tempo de feitura estabelecida por um cronograma implícito no Termo de Referência. Terminada esta segunda etapa – Funcional, Básico, Executivo – é lançada outra concorrência pública, ou licitação (lei 8.666), para a execução da obra em si. Há um tempo previsto em lei para a concorrência. Há ainda a possibilidade de alguém ir para justiça no meio ou final do processo, o que normalmente atrasa tudo. Já me disseram que o tempo mínimo para vencer todo processo, da feitura do Termo de Referência até a entrega da obra ao público vai aproximadamente 2 anos; mas outro dia ouvi uma entrevista da Dilma sobre suas propostas de campanha e o PAC onde ela afirmou que o processo demora 5 anos ou um pouco mais. Justificativa para os atrasos do PAC ou realidade? Infelizmente deve estar mais para a realidade. Estamos fodidos e mal pagos.
Mas há mais problemas do que simplesmente a lerdeza deste processo todo, que são as decisões e até vontades individuais dos que detém o poder das assinaturas técnicas necessárias, como a mais conhecida liberação ambiental, dentre outras. Projeto de implantação de melhorias para pedestres, ciclistas e deficientes de mobilidade leva irremediavelmente a uma mudança no trânsito existente, aquela beleza que vemos no nosso dia a dia. Dependendo da escala de mudança proposta os efeitos serão sensíveis no local e nos arredores um pouco mais distantes que os simples mortais conseguem imaginar. É o efeito de uma pedra atirada em água parada de lago. É uma questão física: dois corpos, veículos rápidos e ciclistas lentos, veículos rápidos e pedestres e deficientes mais lentos ainda (para quem?), não ocupam o mesmo lugar no espaço e tempo. Mexer no estabelecido faz com que a decisão seja técnica e política ao mesmo tempo. A meu ver, mais política do que técnica. Com um rápido e desordenado inchaço no uso de veículos motorizados nas cidades, que é uma decisão política, a decisão de mudança para o bem de todos e o surgimento de uma cidade viva é quase que puramente política. Não se pode esquecer que o técnico, aquela figura escondida atrás de uma mesa que decide com pleno poder sobre sua decisão (lei Federal) sofre uma pressão grande não só do chefe, mas da família e não tão indiretamente de toda sociedade, portanto sua decisão não é pura e simplesmente técnica.
Mesmo quando a implantação de uma melhoria para ciclistas e pedestres (aparentemente) não influi direta e imediatamente no fluxo de veículos, hoje um fator muito sensível para todos, até para atropelados, em seu devido tempo influenciará de alguma forma. Bom e simples exemplo é a ciclovia das praias de Leme –Copacabana – Ipanema – Leblon que fez aumentar sensivelmente o número de ciclistas e com isto durante um bom tempo foi gerador de inúmeros acidentes, principalmente atropelamentos de pedestres. Se a decisão foi técnica as conseqüências foram políticas e neste caso foram assumidas e levadas adiante, hoje com bons resultados. Um deles é criação das ruas com velocidade limitada para 30 km/h, o que melhora muito a segurança de quem está vivo e usa a via. Hoje, Dia Mundial sem Carro 2010, soltaram algumas entrevistas que já fala sobre duplicação de todo sistema de ciclovias cariocas. Pedra no lago.
Não é raro que o Termo de Referência seja a base de um grande erro. Na caso questão da bicicleta sonha com soluções perfeitas para a segurança do ciclista no trânsito, principalmente ciclovias. Todos sabem que inexiste ciclovia sem cruzamento. O óbvio é chato. Delirar é muito mais divertido. A verdade é que se há cruzamento há conflito, se há conflito este deve ser resolvido e isto só acontece com diferença no fluxo, com alguma perda para um dos lados, ou melhor, os dois lados. No caso, o ideal seria uso de semaforização em cada esquina de cruzamento da ciclovia com o resto do trânsito, de motorizados e pedestres. No mínimo estamos falando de um sensibilíssimo aumento nos custos da obra. E no ter que mexer em todo projeto de trafego de uma vasta área no entorno da ciclovia. Com ciclofaixa é um pouco menos crítico, mas o problema também é difícil de resolver porque acredita-se que todo o motorista é uma assassino em potencial e que todo ciclista é suicida. Bom mesmo é segregar, quanto mais distante dos carros melhor. De fato é, mas na realidade não funciona assim. E isto leva a um jogo de interesses e princípios pertinentes entre técnicos, gerentes, secretários, e governante. E tem ainda a consulta pública... Como praticamente todos são só motoristas...
Tenho pouca prática com Termos de Referência, mas tenho vivência suficiente para saber que praticamente inexiste técnicos de trânsito e transporte, urbanistas, advogados neste país que usem de fato a bicicleta como modo de transporte diário, que tenham larga vivência para conhecer a realidade do ciclista médio e que sejam capazes de redigir um Termo de Referência realista. Ademais, sempre repito, vivemos em cidades com desenho urbano europeu, quando não medieval, se medieval, queremos ter um sistema viário com o fluxo americano que só se vê em filmes românticos, e o pedestre praticamente não existe, ou pelo menos não deveria existir porque atrapalha. E ainda sonhamos que poderemos construir no meio desta baderna ridícula ciclovias iguaiszinhas às da Holanda. Genial, não é? Não sei não, mas eu acho, só acho, que não dá certo.
A questão toda é que pedestres, ciclistas e deficientes foram, continuam e seguirão sendo praticamente esquecidos, quando não desprezados, e que dar-lhes o que é seu direito irrefutável é enfrentar o estabelecido; o que todos nós sabemos. Mas negamos a ver o quanto isto é profundo, arraigado e literalmente lesivo às nossas urgências e sonhos, às nossas vidas. Pelo menos descobriram que a bicicleta é simpática, mas ainda não se sabe o que fazer com ela, apesar da boa vontade de alguns tantos. As propagandas de carros, condomínios e outros ficam mais bonitas com ciclistas. Pedestres e deficientes? Ops! se assustam até os próprios ciclistas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

declaro meu voto em vídeo

Em vídeo, sem meias palavras, declaro meu voto pelo http://www.youtube.com/watchv=KzXO18M_6FQ .
Só fazendo alguns esclarecimentos: tudo o que não está explícito nas palavras é relacionado à questão da bicicleta e dos ciclistas, propostas e projetos cicloviários, e algo mais relacionado a pedestres e deficientes físicos.
  1. Walter Feldman tem lei que obriga a construção de ciclovias no Estado e no Município de São Paulo.
  2. Fábio Feldman (que não tem nenhum parentesco com o Walter) foi quem levou, através de uma de suas assessoras / advogadas, um conjunto de leis para inclusão no que hoje é o novo Código Brasileiro de Trânsito.
  3. Sobre a questão do governo Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo, me refiro à proposta São Paulo dá Pedal para o São Paulo 450 anos, e a inclusão da bicicleta no Plano Diretor, que posso explicar com  mais calma (gostaria que Sérgio Luiz Bianco estive vivo para contar ele, filiado ao PT de carteirinha, sobre as reuniões que tivemos). A conversa com Marta se deu antes de um passeio noturno que aconteceu na Praça Patriarca, porque nunca se conseguiu uma agenda com ela no gabinete. Nem por intermédio de Sérgio.
  4. sobre a questão do Peronismo, que vi em minhas férias com a família, avós e tios, na Argentina entre 1969 e 1990. Aprendi lá que populismo o quanto populismo é destrutivo para um país. É estranho, mas ler sobre a história de populismos pelo mundo é uma coisa, ver pessoalmente dá outro tom a este cancer. No caso da Argentina é ver os números e perceber que a entrada do peronismo desequilibra um país que teria tudo para ir para frente. O resultado é mais de 50 anos andando para trás por causa de problemas patéticos. Desde o primeiro dia de Lula no governo venho dizendo que rezo para o Brasil não caia num Lulismo, que é bom só para Lula e seus mais próximos. Como sempre afirmo: há uma diferença abismal entre socialismo e populismo sindicalista. O Brasil precisa diminuir suas diferenças sociais, que são acima de tudo burras, mas não o fará com falácias e factóides. Já passamos por isto no passado. Espero que não se repita. 

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Jornal do Brasil - última edição

Hoje é a última edição do Jornal do Brasil que circulará em papel. É uma mui triste notícia. O JB tem uma história muito especial na vida deste país. Foi muitas vezes inovador, sempre consistente. Lá em casa éramos apaixonados pelo sua edição dominical com seus artigos de fundo e editoriais de rara inteligência. Resta daqui para frente a dição eletrônica - http://jbonline.terra.com.br/ - que espero dê certo e siga os passos tão bem dados do passado. De qualquer forma acabar a versão em papel é uma perda imensa para este país tão pobre em verdades e pensadores. Obrigado a todos que fizeram este maravilhoso jornal e boa sorte aos que o farão.

domingo, 29 de agosto de 2010

Bárbara Gancia e a liberdade de imprensa

Fica aqui a minha recomendação para que releiam as duas colunas de Bárbara Gancia, Cicloativíssima e A burca do talibiker, agora que a tormenta passou e está bem longe. Não acompanhei tudo o que saiu, mas quem o fez, e muitos o fizeram, conta sobre várias mensagens que vão além da discordância e partem a agressão; quase uma reação histérica coletiva, o que é realmente triste. Sei que há muita gente que acha que a solução de todos os problemas é ir para o próprio extremo. “Minha verdade é o que vale!”. Um julgamento bipolar, numa sociedade que está sendo encaminhada para o bipolar. Aos nossos e por nossa causa vale tudo. Já ouvi esta história antes. Toda humanidade ouviu-a antes várias vezes. E toda vez, sem exceção, que assim foi todos, sem exceção, se deram mal, os caga-regras, os amigos, os inimigos e supostos inimigos, e principalmente quem não tinha a ver. Bipolaridade é doença individual ou coletiva. Liberdade de expressão é santo remédio para estes casos.
No Brasil temos a história da “Escola Base”- http://www.igutenberg.org/biblio6.html - muito simbólica e esquecida. Não é caso isolado, muito pelo contrário. Brasileiro tem uma queda pelos linchamentos, como apontam várias pesquisas nacionais e internacionais. “Minha verdade é o que vale e dela não arredo pé!”. Há até tentativas recentes de criar várias mordaças, das quais discordo em grau, gênero e número. Não se pode falar mal, fazer piadas ou divulgar notícias sobre erros ou falcatruas de gente ligada a um determinado grupo político bem popular ou eles tem chiliques e tentam bloquear a verdade. Talvez tenham medo da verdade e seu conseqüente linchamento. Mas quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? E coloco desta forma efetivamente para provocar.
Eu fico com a plena e completa liberdade de expressão. Sou contra difamações ou mentiras, o que é tipificado pela lei. Gostaria demais que este país fosse discutido a sério, pontualmente, e com números, verdades, estatísticas, que apóiem princípios, filosofias, a própria verdade (novamente e sempre). Eu fico com o politicamente incorreto, o deboche, a sátira, o grotesco. Fico com os loucos, os que se fazem de, os que são incompreendidos e por isto ditos loucos. Repito, o texto de Bárbara é exagerado no geral, mas fora o que deve ser tipificado na lei por inverdade, é só uma forma de expressão, de liberdade, a qual ela tem pleno direito. E com o que nós deveríamos tirar bom proveito.
Outro dia saiu um artigo bem interessante sobre a relação de liberdade completa e a estabilidade social de um país; no caso a Dinamarca. Interessante, vale o mesmo para qualquer pais ou cidade do planeta onde a verdadeira e sábia liberdade impera. Todos têm em comum o limite estabelecido pela lei, que por sua vez é feita por quem vive e sabe das benesses da liberdade responsável, da importância da expressão individual na formação de uma coletividade sólida. Aliás, não há liberdade nem progresso perene de outra forma.
Passados pelo menos duas décadas de luta mais organizada pelo respeito ao ciclista creio que já passou da hora de aprender a ouvir vozes discordantes. É uma questão de maturidade. E destas, as piores que sejam, devemos aprender a tirar algo de bom para nosso lado. Chutando o pau da barraca é que não dá.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Bárbara Gancia e a falta de humanidade

Folha de São Paulo

Suzana Singer - ombusdman
24 de Agosto de 2010

Bárbara Gancia e a falta de humanidade

Menina, que coisa estes artigos da Bárbara Gancia! Eu não me meti porque o que me afetou pesado foi a forma como ela se referiu aos companheiros de Renata, que a meu ver foi o único ponto que caberia resposta e uma provável ação na justiça. Se Renata não o fez, pelo menos não que eu saiba, não sei mais o que se pode publicar na imprensa. Seria um comentário pesadíssimo feito pessoalmente e, a meu ver, impensável de se publicar num dos mais importantes jornais do país, mesmo que de fato fossem repugnantes. Depõe contra o jornal, contra o próprio redator, que sai desta como pessoa menor. Conheço a quem Bárbara se refere e o comentário é de uma baixeza sem tamanho. Não falo sobre injustiça porque creio que é praticamente inexistente no Brasil, injustiça moral e legal. Um dos citados inclusive é ou foi fotografo da própria Folha, pai da Tati, filha de Renata; aliás amado pai, querida presença para todos. Os outros são pessoas de boa conversa, inteligentes, divertidos, educados, expoentes dentro de seus meios. Sente um pouco com o balonista (meu caro, desculpe, como sempre não me lembro de nomes), gente finíssima, exemplar, querido por todos. Sobre o que Bárbara escreve? Beleza? Desculpe, mas não dá para ir por ai, não mesmo! Não dá para publicar uma coisa destas. Deprimente, realmente deprimente, deprimente geral. É um dos maiores absurdos a coisa ficar por isto mesmo. Não sei como correu ai por dentro da Folha, mas Bárbara deveria minimamente uma retratação pública, que parece que não o fez e não é mais hora. O fato mostra muito do que nos transformamos como povo. Estamos há muito na época do "Foda-se o respeito pelo outro, eu quero o meu". Deprimente. Tomaram as dores da bicicleta, da Renata e de outros fatos ligados a vida individual dos que protestaram, urraram, xingaram, mas e o respeito humano, como fica? O texto todo “Cicloativíssima” é um pouco “over”, mas é compreensível e até bom depois de uma segunda lida com mais calma. Agora, chamar alguém de repugnante num jornal como a Folha extrapola muito, principalmente levando em conta que tudo leva a crer que Bárbara conhece os implicados. Lembra o apedrejamento da iraniana. Aliás, lembra muito. De parte da autora e de parte do silêncio de todos leitores.

Sobre o Pacaembu:
Sou usuário do Pacaembú desde 1973 e um dos mais velhos usuários da piscina hoje em dia. Vi aquele importante conjunto esportivo cair aos pedaços "literalmente" e durante décadas pouco se fez para reverter a situação. A administração de Mauro, que foi colocado lá por Walter Feldman, colocou as coisas em ordem, na piscina e no resto. Outros nomes deveriam ser citados, mas, me perdoem, não me lembro agora. Hoje o Pacaembu é um senhor velhinho, bem cuidado, funcionando, limpo, organizado, civilizado. Walter está absolutamente correto quando diz que não fez nada para aparecer, mas dou meu depoimento que fez o necessário e mais um pouco para aquilo voltar a funcionar; o que agora acontece. Perguntem aos que freqüentam lá há anos e vejam o que dizem. Pacaembu tem lá seus problemas, mas insignificantes se comparados ao que estava antes. Repito, hoje funciona, é bom, prazeroso. A melhor prova é a quantidade de usuários hoje comparada com uns anos passados. A administração foi o que se espera de qualquer uma: correta, eficiente, funcional, discreta, atenciosa. Para terminar: este meu comentário não inclui o que foi realizado na frente do Pacaembu, o Museu do Futebol, o que infelizmente e vergonhosamente ainda não conheço, e a organização do restaurante que dá para a praça. Falo do conjunto poli-esportivo que fica nos fundos e que poucos sabiam da existência. O tempo em que um pequeno grupo de usuários fazia manutenção e a limpeza dos banheiros pessoalmente para poder usar a piscina passou, e eu agradeço.

Os textos de Bárbara, bons no geral, algumas vezes passam a sensação de porre ou ressaca, ainda não consegui definir direito. São uma boa referência de como calibrar um tiro, mas valido para os sóbrios e sensatos.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Guarapiranga escondida e uma ciclovia

Silvia e Lili falam sobre um sonho, talvez um pouco mais próximo da realidade que vocês possam imaginar. E eu faço uma abertura mal ajeitada de minhas perguntas. (Desculpe Sílvia)

domingo, 15 de agosto de 2010

andropausa

Fica aqui meu pedido de desculpas para o João, Fábio e principalmente para a Shimano Brasil, mas estou mal disposto e decidi ficar na cama. Hoje e amanha realizam um grande evento em Santana do Parnaíba, a uns 30 km de São Paulo, e eu deveria estar lá, mas não tenho condição. Já há algum tempo venho notando algumas diferenças no meu condicionamento e resistência física e creio que a resposta tenha sido dada numa piada feita por Teresa: “menopausa”. Ainda não fiz exames, que é a única forma de descobrir o que realmente acontece, mas há sim a possibilidade de aos 55 anos meus índices de hormônios terem baixado. Já falei com o Bettarello, meu médico, e ele disse que também precisa ser medida a glicêmia (sou diabético). Menopausa para as mulheres, andropausa para homens, o rito físico de passagem para velhice, situação normal, coisa da vida. Não estou triste, muito pelo contrário. Nunca tive um momento tão bom na vida. Faço as coisas com menos ímpeto, com mais sabedoria, no geral obtenho melhores resultados. É a vida e ponto. Este é o barato da maturidade, falar “é a vida e ponto” sentindo que é a vida e ponto e nada mais, que as coisas são assim, que esta é a normalidade, sem brigas, sem drama, sem ressentimentos, com tranqüilidade. Cara, é muito bom. Ter tranqüilidade, mesmo depois de velho, é muito bom. Ô dificuldade que eu tive para controlar o trem. Quem me conhece há tempo sabe bem sobre o que falo. É lógico tudo tem seus dois lados e gostaria de sair e correr a pé diariamente 10 km, minha grande paixão, o que ainda vou voltar a conseguir, mas agora os 3 km têm um sabor incrível. A cabeça é outra e aceita a realidade, o que é imutável ou tem seu curso natural, o que torna as coisas mais simples. O futuro não terminou, mas mudou. Os objetivos mudaram. E mesmo ter que ficar em casa, cuidando da saúde, passa a fazer parte. No passado teria ficado muito desgostoso de não conseguir cumprir um trabalho. Não deu para ir, não é o que pretendia, mas é o que é. Sempre soube que a diabete iria cobrar um envelhecimento precoce, o que faz parte do meu jogo de vida. Definitivamente não estou doente, simplesmente estou mais velho. Fico aqui quieto, lendo e escrevendo. Amanha ou depois de amanha volto a luta.
Faço um paralelo. Este texto está sendo digitado num labtop que deve ser de 2000, um IBM ThinkPad com “Me”, com uma tela que tem 25 cm de largura e 20 de altura, bem pequena. O velhinho é uma delícia de teclar, mas é muito limitado se comparado ao que tenho hoje. A comparação é alguma coisa como se eu tivesse sentado ao lado do Leandro Valverde numa reunião, que participa, digita o celular e ainda trabalha no computador, tudo ao mesmo tempo e sem se perder. Ou com a Renata, vovozinha para lá de enxuta e ligada, que não fica atrás com aquela coisa que outrora foi chamado de telefone e hoje faz de tudo um pouco, inclusive deixar alucinado o dono.
Mudou muito, demais. Está melhor em alguns aspectos e pior noutros. Quando bem pequeno, antes de uns 6 anos, vi ligação telefônica sendo feita em um aparelho de baquelite preto que ficava preso na parede que para falar era necessário girar uma alavanca lateral e chamar a telefonista. Você pedia a ligação, colocava o fone no gancho, ia fazer sua vida e só depois as duas campainhas metálicas, altas e estridentes, tocavam avisando que a telefonista iria completar a ligação. Meu pai conta que você pedia para a telefonista ligar para fulano de tal e ela normalmente sabia o número de todos na cidade (leia-se São Paulo para o caso). Usava-se o telefone só em casos especiais. Ainda quando criança, portanto lá por 1961 ou 2, o número de telefone de minha casa era 2999, o que depois de uma grande crise, quando havia uma grande demora infernal para conseguir linha, passou para 8.2999. A crise deve ter sido causada pela nova geração de usuários que descobriu que dava para fofocar pelo telefone e as conversas eram intermináveis. Minha irmã e suas amigas tomaram muita bronca. Passaram mais uns anos e adicionaram mais um número, e outro e mais outro até chegar a estes 8 números que temos hoje. Provavelmente as fofocas ficaram mas sofisticadas. Demorou muito para desaparecer a figura da telefonista, que continuavam entrando em ação para chamadas interurbanas e internacionais, que, aliás, eram raríssimas por serem dificílimas e caríssimas. Em Lima, Peru, 1975, tive que ir até um rádio amador para tentar me comunicar com São Paulo, o que de outra forma era impossível. Mais ou menos parecido como este computador aqui que não tem modem interno e mais ou menos como me sinto em relação a algumas coisas da vida.
Tudo foi mudando, principalmente a forma de pensar, de sentir, de viver o tempo que passa sempre igual nos ponteiros do relógio. Criar um texto em máquina de escrever era um processo completamente diferente do que temos hoje. Era tão chato fazer correções que nos obrigava a pensar com calma o texto antes de digitar. Corrigir o grosso do texto significava trocar o papel da máquina por uma folha nova e começar tudo do zero. Mesmo aqui, neste laptop obsoleto estou escrevendo solto e só depois é que vou ordenar os pensamentos, copiando e colando os parágrafos, modificando erros e fechando o sentido completo do texto numa última leitura. O que pode atrapalhar é a carência de tempo, imposta pela vida, para completar o processo. Na época da máquina mecânica eu teria alinhavado o texto completo na cabeça e escrito com muito cuidado parágrafo por parágrafo para não cometer erros. É um processo diferente: criar, escrever, ler, pensar, revisar, voltar a escrever, entregar. Com as máquinas de escrever elétricas começou a era da correção automática, ou pelo menos mais simples. No caso do erro de uma letra bastava acionar o corretor e ao mesmo tempo teclar a letra errada e a máquina apagava. Tinha uma barulheira bem chata porque a máquina acionava uma fita corretora, depois andava sozinha para trás dois espaços e automaticamente batia novamente a letra errada sobre fita corretora branca. Quando a máquina não tinha corretor passava-se branquinho, uma santa ajuda feita de uma tinta branca opaca que vinha numa espécie de vidro de esmalte de unha de mulher. Nossa! como ficou mais fácil!
E nesta brincadeira de lembrar meus tempos de colunista e redator e folhas batidas numa Hamington portátil (o labtop da época) lembrei-me do começo de tudo. Um dos atos de passagem que tive foi quando ganhei de meu pai uma caneta tinteiro Scheiffer para ir à escola. Recebi-a com grandes honras. Mal sabia o coitado que o filho não seria exatamente um aluno brilhante e nem exatamente um santinho. Como sempre fui um pouco estabanado logo em seguida ganhei um tinteiro que capotava e não deixava cair tinta. Para que? Era comum ter que recarregar a caneta no meio da aula. Você apertava a borrachinha ou puxava o embolo e enchia a caneta de tinta azul. Limpava o excesso na pena, e escrevia de preferência sem errar. Ah! E nos meus primeiros anos de escola usávamos mata-borrão para sugar o excesso de tinta que ia para o papel. Quando surgiram as primeiras esferográficas foi um sucesso. Com elas o esmero no fazer cada letra, obrigatório para não causar borrões, tinha virado coisa do passado. A letra começou a correr rápida e o pensamento teve que aumentar sua velocidade. E aqui vale aquela máxima da história: os americanos gastaram milhões para criar uma caneta que escrevesse no espaço, e os russos continuaram a usar lápis. Uma não descarta a outra, esta é a verdade.
Preciso de silencio, de ficar quieto no meu canto. As pessoas mais próximas sabem bem disto. Não consigo acompanhar a velocidade dos dias de hoje. Passei toda minha vida acreditando em construção de sabedoria, da maturidade, da mistura do conhecimento empírico com a ciência. O tempo desta construção é muito diferente do frenesi de nossa época. Avançamos muito, mas a um custo de perdas valiosas. O encanto do futuro nos engana diariamente. Ficou para trás minha Atibaia da infância, da pimenta comarí colhida no mato, da casinha simples, do gramofone tocando Édith Piaf chiada, a maravilhosa galinha caipira feita em fogão a lenha, o aquecimento de água feito por serpentina de cobre que passava pelo fogão a lenha e que obrigava a banhos rápidos, da trem a vapor que apitava, do ter tempo. Do ter tempo. Tempo.
Imagino quanto tenha custado este IBM hoje obsoleto. Coloca verdinhas ai. Também é fácil imaginar a cara de espanto dos que o viram funcionando em sua época áurea. Foi o fino da tecnologia, o sonho de todos apaixonados por computadores. Eram poucos, raros, cobiçados. Como tudo, teve seu tempo, ficou obsoleto, mas não a história inerente. Esta teria que estar viva, agora mais que nunca. Caminhamos a passos, um após o outro, e o processo continua seguindo em frente através da “história”, querendo ou não. Não se pode negar o valor de cada passo, certo, aparentemente inócuo ou errado. É medíocre e perigoso deixar de aprender com a distância que o tempo dá aos fatos. O ideal seria que fossemos educados para a neutralidade da leitura dos fatos, para tirar proveito da história. Infelizmente isto não acontece. Somos bipolares, ainda pensamos muito como na Santa Inquisição. E ai vem a dualidade do que a tecnologia nos traz. A grande vantagem é justamente esta rapidez absurda de comunicação que traz muita informação. Ao mesmo tempo esta gigantesca quantidade de informação disponível é uma grande desvantagem histórica porque o problema está em conseguir fazer uma boa análise e não gerar mais distorções. As distorções do passado se davam pelo excesso de tempo, que gerava uma verdade imaginária, que por sua vez era usada justamente por falta de referências precisas. As de hoje ocorrem porque não nos damos tempo para viver e pensar, para amadurecer e frutificar.
A revolução dos bichos” do George Orwell, que acabei de ler, fala sobre a questão da perda da memória, sobre a distorção da história, de coisas que provavelmente levaram este texto para onde está indo. Leitura rápida e imperdível. Leiam antes desta eleição para presidente que pode ajudar o Brasil.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Massa, Rubinho, regras e contratos

Felipe Massa e Rubinho Barrichello são dois profissionais de ponta que sabem muito bem o que são regras e contratos a serem respeitados e cumpridos. É difícil aceitar que o melhor não receba o merecido, que os acontecimentos não tenham desfecho que parece natural, mas a vida normalmente não é uma terra de fantasias onde todos vivem felizes para sempre. Todo mundo sabe disto, ou pelo menos deveria saber. Ficar chateado ou até desgostoso vendo o ídolo deixar o companheiro de equipe passar para a vitória é uma reação normal, mas dependendo do tamanho da reação deve ser tomada no mínimo como falta de maturidade. Gostaria muito de saber o que mais dói nestes dois excelentes profissionais, se é a dureza do cumprimento do dever ou ser execrado pela torcida de seu país. Rubinho foi e continua sendo motivo de chacota aqui no Brasil e Felipe Massa provavelmente vai passar pelo mesmo escárnio. A diferença dos dois para os que lhes fazem chacotas é que ambos trabalham para o que há de melhor em matéria de organização, tecnologia e resultados, e são profundamente respeitados fora do Brasil; e os furibundos daqui vivem em cidades mal organizadas, sujas, violentas, alem de ter um presidente que diz em tom de piada que se for necessário para o Brasil ser campeão em nossa provavelmente malfadada Copa pára o jogo no meio, ou seja, rouba para vencer. Bem poucos aqui reclamaram da falta de bom senso de nosso representante máximo, o que é uma pena ou péssimo sinal da situação das coisas.
Rubinho neste fim de semana, depois de ter sido deslealmente emparedado por Schumaker, campeão um tanto kid vigarista, que acabou ficando para trás, respondeu que preferia ensinar seus filhos a chegar em segundo do que agir com mau caráter. A meu ver ele está certo. Chico Buarque descreve bem o que nós, brasileiros, somos em sua “Geni e o zepelim”. Pelo menos é como estamos nos comportando. Minha preocupação é o tamanho do estrago que a aceitação geral da venda da falta de caráter vinda de cima nos trará no futuro. Se ainda queremos construir um país descente, este que vai para frente na ordem e progresso é bom demonstrar um mínimo de bom senso, respeito e apoio pelos que têm como norte respeitar regras e cumprir contratos. Como minha mãe sempre disse: “O tempo diz tudo a todos”.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ortodoxia e resultados

Preocupação todo mundo tem, umas consigo, outras com os outros, umas menos outras mais, algumas exageram na busca do melhor.
Quando a pequena criança, Guilherme, de dois anos incompletos, subiu no banco o tio ouve um pequeno barulho, pára a leitura e dá uma olhada sem mexer cabeça e livro. O tombo dali não será grande, provavelmente só um bom e educador susto. Guilherme senta, ajeita-se melhor, olha em volta, agarra com suas pequenas mãos a borda da mesa, admira o refletor de luz sobre a mesa. O tio volta à leitura. Mais um ruído suave do banco chama a atenção do tio, que vê a criança ficar em pé no banco e lançar o corpo para apoiar-se na borda da mesa. A leitura do tio começa a ficar incomoda, mas ele não se mexe. Guilherme então torce o dorso e lança um pé para cima da mesa tateando um apoio. O tio presta atenção incrédulo, um pouco tenso, ainda sentado e imóvel. Abrindo bem a perna a criança tem o apoio desejado e assim move o corpo para cima da mesa, rasteja para longe da borda, olha em volta, se sente seguro e pára. Senta. O tio sabe destas estripulias e acha graça, mas já está aflito e pronto para agir. Guilherme fica lá por um instante, olha em volta, percebe o tio e sorri; e o tio retribui quieto. A criança está segura e há tempo suficiente para chegar à mesa antes de um tombo maior. Sabe o que o pai faria em seu lugar. E então Guilherme gira mais uma vez o corpo, apóia as mãos na mesa, fica de quatro e rapidamente em pé. O tio dá um pulo da cadeira, joga o livro para o lado, e em dois passos largos agarra o moleque de maneira abrupta, gira o pequeno corpo assustado no ar, olho no olho, e o coloca no chão. Já no chão Guilherme assusta com a reação e ainda toma uma dura bronca. Desanda a chorar. O tio a princípio sente que agiu corretamente, mas com a chegada do pai e as devidas explicações se questiona sobre toda a situação. O pai não acha ruim, sabe o filho sapeca que tem. Teria sido melhor agir antes de Guilherme subir no banco? Ou quando subiu na mesa? Ou quando ficou em pé e aproximou a mão da lâmpada acesa? O filme sobre a própria infância do tio e de seus primos, todos muito levados, passa junto com questionamentos, muitos. A experiência de vida diz que os superprotegidos se saíram pior do que os que aprenderam por experiência própria e orientação sensata e continua dos pais. Guilherme, mesmo com menos de dois anos tem uma noção sobre experimentar e sobre limites invejável, todos reconhecem. O pai está sendo sábio em deixá-lo aprontar e só intervir quando a situação chega próxima do perigo real. É pai exemplar e o faz com boa dose de carinho. O garoto é bom aluno. O tio foi exagerado por inexperiência. Bastaria tê-lo segurado com calma na hora em que ele se levantou sobre a mesa e dito que aquilo pode machucar. Guilherme normalmente entende e não repete. Inexperiência, desconhecimento e excesso de preocupação; erros básicos e perigosos. Tivesse Guilherme se assustado com aproximação rápida e violenta do tio e ai sim poderia ter sido causado um grave acidente. Calma e ação correta são amigas da segurança. Educação baseada na sensatez é o caminho.
Repetimos nossos algozes. Aprendemos com nossos educadores tanto o bem quanto o mal, mesmo que este só tenha tido a intenção de transmitir o melhor. O mal vem sempre junto porque nos recusamos a reconhecer o mal como algo que simplesmente existe e definitivamente não pode cortado pela raiz. Depois vamos repetir praticamente os mesmos atos de quem foi nossa referência sem nos aperceber do que realmente estamos fazendo. Fazemos porque fomos criados desta forma e porque não é possível negar a própria essência. Alguns ainda se perguntam por que, por que, por que? Encarar a porção de mal que existe dentro de nós como fato é além da conta do que podemos suportar. E assim sendo espalhamos o que somos pelo universo.
Nossa comunicação acaba virando um desastre. “Não faça isto” dito em tom paternal é em muitos casos um grande estímulo para quem ouve fazer exatamente o contrário, o que não deve. Ameaça faz parte de praticamente toda educação. Ameaça caminha no sentido contrário da sensatez. Ameaça deveria ser o extremo e lidar com o extremo sem a devida base de conhecimento é procurar problema. Bombeiro trabalha com fogo porque sabe como lidar com ele. A maioria dos mortais viraria churrasco no meio das situações que eles enfrentam. O que dá aos bombeiros segurança é um passado de conhecimento, de estudos, pesquisas, ciência, erros e acertos, toda a história da humanidade em lidar com situações de extremo perigo e um treinamento voltado para a sensatez. Para não sair queimado vale a verdade e não os mitos. É também crucial saber lidar com a questão humana. Esta sim é complicada, muito complicada, o fator decisivo para obter bons resultados, quaisquer que sejam.
Um bombeiro bem intencionado não é um bombeiro cheio de vontade, crenças, desesperado para fazer o bem. Este tem uma grande chance de ampliar ainda mais os problemas. O bom resultado vem através de técnicas, do meio termo, da ponderação, do bom senso, do trabalhar em equipe. Desequilibrou a equipe e quem se está ajudando com posições pessoais e há grande possibilidade de perder controle da situação. Quem quer resolver tem que saber se comunicar bem, objetivamente, sem deixar dúvidas, com argumentos claros, convencendo pela sensatez. Formadores de opinião de verdade sabem disto.
Desagradável
A conversa sobre capacetes e segurança no trânsito sempre foi dura, mas recentemente extrapolou. Um pai preocupado, K, entrou no jogo comum do fanatismo sobre capacetes. Há muita gente que acha que a questão do uso do capacete é absolutamente inquestionável. Tem que usar e ponto. Para estes, quem não usa deve ser execrado. Já passei pela esta situação mais de uma vez. Na esquina da Gabriel Monteiro da Silva com Groelândia um destes fanáticos teve a capacidade de parar seu grupo de ciclistas, uns 30 ou 40, e me passar uma descompostura pública, grosseira, insolente, pela falta de capacete. Em outra ocasião, na avenida Paulista, final de noite, voltando do trabalho para casa, fui alcançado por um grupo cujo líder, responsável por um dos clubes de ciclistas mais importantes do pais, simplesmente disse que não eu poderia continuar rodando próximo a eles sem capacete, insinuando que não tinha direito de usar a bicicleta naquela condição. Outra feita, numa mesa de debates em um programa de TV, estava explicando porque considero o capacete para ciclistas urbanos questão menor para a sua segurança, expondo sobre dados de inúmeras pesquisas especializadas, quando fui interrompido por um “Não li e não quero saber, sem capacete não saio”. A discussão e informação para público foi baixada para o irracional, o sem base, o emocional puro, pior, para os interesses do patrocinador de quem fez o comentário. Fim de papo!
K estava em uma lista de debates sobre a construção de melhoras para o ciclista e empacou pesado no capacete como salvação da humanidade. Extrapolou completamente quando afirmou que Rafael, filho de Cissa Guimarães, atropelado e morto quanto andava de skate num túnel do Rio de Janeiro, não teria morrido se estivesse usando um capacete. Não me surpreende a postura, comentário com muito de “eu tenho minha posição e preciso mantê-la a qualquer custo”, normal em várias discussões, não só a sobre o capacete. Nível de sensatez bem baixo.
O algoz se repete.
Ainda somos uma sociedade que discute pouquíssimo em cima de argumentos, de dados, do racional. O passional católico e latino fala forte. Ainda não chegamos ao fundo do poço do “sabe com quem está falando”, autoritarismo nosso de cada dia fruto dos senhores escravagistas. Não se discute par chegar a um consenso, nem se busca resultados, mas briga-se por posição. Não interessa se o skatista foi atropelado por um carro a uns 100 km/h e nesta velocidade é praticamente zero a possibilidade de sobrevivência. É uma questão de física e de biologia, sem mais ou menos. Mas o que é física perante a importância do capacete?
A resposta brasileira para seus problemas mais agudos tem sido muros, vidros pretos, desconfiar de todos, seguro saúde, shopping center, escola particular; uma busca desesperada da própria segurança. O resto que se exploda. Ninguém acredita na verdade: ou todos têm segurança ou ninguém tem segurança; ou todos temos saúde ou ninguém tem saúde, ou temos uma educação de qualidade para todos ou não há futuro. A ignorância de ontem é o algoz de hoje.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Trem bala na cabeça

Acho incrível que a população brasileira não esteja reagindo contra a idéia do trem bala, mas dada a baixa escolaridade geral também não espanta muito. Mesmo assim é inacreditável que não consigam entender o que é prioridade e ver o tamanho da encrenca que queimar R$ 50 bilhões irá representar para o futuro de cada um e de todos. É pegar o cartão de credito nacional para realizar uma fantasia infantil e assim esquecer o tamanho dos problemas que temos na área de transporte de pessoas e mercadorias. Mas faz sentido. Perdemos completamente a noção do que é a base de nossas vidas, do que é uma cidade descente, do que é um bairro agradável, do que é ter crianças nas ruas brincando, do que é mobilidade, ir e vir sem ter que gastar horas inúteis. Infelizmente a má qualidade de vida socializou-se com incrível eficiência. Brasil, o país do futuro, virou a utopia de uma sociedade alienada tentando circular em carros de vidros pretos que ofuscam olhar a paisagem e o próximo. Dentro de um destes carros o mundo de fora não existe. O contrário também é válido, porque se o individuo do lado de fora não existe, o coletivo de indivíduos é impossível se ser realizado. Mas o trem bala é notícia, boa notícia, sinal de progresso. Quem se pergunta “qual progresso vale a pena?”. Ouvissem um pouco de rádio ou lessem com cuidado jornal talvez soubessem que o que dizem especialistas. Há outras prioridades, inúmeras outras prioridades, muitas, tantas que é difícil contar. Inclusive e principalmente fazer funcionar o transportes aéreo e ferroviário existente. Parece que não sabem fazer conta, sequer a divisão destes R$ 50 bi pelo número de passageiros transportados para chegar ao custo unitário e daí fazer uma comparação com o custo da passagem aérea. Quem se acha formado parece estar deslumbrado com a possibilidade de um dia passear como na Europa. É impressionante estar num trem a 269 km/h, mas e daí? Tão emocionante quanto sair de Ferrari domingo pela manha nas ruas esburacadas da cidade. Vai ser interessante ver expressão destes mesmos que não reagem hoje contra o trem bala quando chegarem ao destino e descobrirem que na estação do moderno trem não há conexão de qualidade para o transporte de massa e que inevitavelmente irá gastar horas de carro num congestionamento. O investimento acabou no trem bala. Cansado ele irá chegar em casa e tentar entrar em contato com o mundo, a família, o trabalho, e descobrirá que não houve investimento para ter comunicações dignas. A internet será lenta, o sinal do celular cairá, tudo insuficiente para as necessidades individuais e para o porte econômico de uma pretensa potência. Lá fora a cidade, bairro, rua e a própria casa continuarão com as deficiências de organização e espaço que perpetuam a violência, barbárie. Os gargalos são fato comum hoje, continuarão iguais depois do trem bala. Mas passear nele será uma beleza; pelo menos para os que conseguirem e durante a curta viagem; e só entre as principais capitais do país. Desculpem, e até Campinas, o início da Califórnia brasileira. Todos terão orgulho do trem bala. Sobre nossas mazelas não se falará porque estraga a cervejinha. Quando esta população, ricos, classe média e os esquecidos, se dará conta que o preço de um trem bala, mais a Copa, mais Jogos Olímpicos, mais outras coisinhas aqui e ali, fazem uma conta que dificilmente será paga? Nem tanto pelo dinheiro, mas pelo abismo social que agora se aquieta com TV de plasma. Os que não têm acesso a qualidade e aos delírios hoje já percebem que onde e como vivem é muito degradante. Trem bala é lindo – lá!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

atropelada

Na esquina da Galeria dos Pães havia um carro de polícia e na sua frente algo escondido, que de longe não se via. Só era possível perceber que a situação era anormal porque a frente da viatura umas pessoas a olhar para baixo e outras com ar de preocupação, mas sem sinal de pânico. Era final de hora do almoço de um dia ensolarado, céu de almirante, e o número de pedestres circulando era grande, principalmente ali, praticamente na porta de entrada e saída desta imensa e sofisticada padaria que símbolo da metrópole que não pára.
Curioso como sempre, cruzei a rua, contornei a viatura e dei de cara com duas mulheres sentadas no chão, praticamente no meio fio. Estavam calmas, uma deitada no asfalto com sua amiga confortando-a. Mais um atropelamento, mais um número para a vergonhosa estatística paulistana. Metade dos nossos mortos no trânsito é pedestre, e não é um número qualquer, mas algo em torno de 750 ao ano, uma barbárie que insiste em não baixar e que infelizmente tenho que repetir como papagaio paranóico. Paranóico? Estarei eu louco? Números são meu escudo.
Tenho dito em reuniões que não interessa mais os mortos, que hoje a meu ver é simplesmente casualidade de guerra. Sim, guerra. Números como os que temos em nosso trânsito são compatíveis com um conflito estabelecido e não com os que deveria ter uma das cidades mais ricas do planeta, principalmente numa de suas áreas mais sofisticadas, talvez a mais. Nesta seara eu não me meto porque depende do ponto de vista do cidadão.
A acidentada está lá no chão, como lhe foi pedido. “Estou bem. Até sai do meio da rua para não atrapalhar o trânsito”. Fiquei ali uns bons 10 minutos e o socorro não chegou. Ela já esperava há mais tempo. Estranho porque o trânsito de férias e de época de Copa da África estava muito bom e o socorro não fica longe, talvez uns 3 km.
Um dos guardas que atende o acidente sai de perto de todos e vai conversar em separado com o motorista. Achei estranho, afinal acredito que o que rege a infração e o crime é a lei, o Código de Trânsito Brasileiro, portanto qualquer ação de um representante da lei deve ser pública. Talvez desconfiança minha infundada, fruto de tantos anos vendo pedestres, ciclistas e outros menos privilegiados sendo preteridos. Já vi este carnaval antes. Como prova a própria atropelada que saiu do meio da rua para não atrapalhar o trânsito, todos nós atrapalhamos a fluidez dos motorizados. Também não nos deixa mentir a CET em suas respostas para várias cartas enviadas para os jornais Estadão e Folha. Dizem eles algo como “fomos até o local e não constatamos nenhum problema”. Problema para quem? Quando? Com certeza o pedestre não sabe cruzar e é imprudente, outro discurso corrente. As dores na perna da atropelada que o diga.
Ela mexe os pés e movimenta levemente a perna, o que me acalma. Não quebrou o fêmur e provavelmente nenhum outro osso. Bateu a cabeça quando voltou do vôo e aterrissou no capo do luxuoso carro preto.
A viatura dá ré e deixa o corpo estendido no chão sem uma proteção, uma barricada. Se houver outra imprudência a pedestre e todos em volta irão para o hospital juntos. Romântico! Comento que trabalho com segurança no trânsito (não sei se cito a questão bicicleta) e peço à amiga que chame um advogado para acompanhar a feitura do B.O. Um senhor educado ouve e quando me levanto ele repete mais uma vez o eterno chato discurso. “Se trabalha com segurança e é ciclista onde está o capacete?”. Confesso que nestas horas tenho vontade de responder que a coisa que mais mata é burrice. Burrice é fulminante, mas dependendo do grau mata o próximo e não a besta que relincha. Óbvio que depois da primeira afirmação segue-se mais uma longa história do porque usar capacete. São todas iguais, já as ouvi o suficiente. Ai que vontade de fazer aquela piada – “eu não uso capacete porque não caio em linha reta”...., mas o que fazer..., deixa quieto....
Dou meu cartão para a amiga da acidentada e tomo meu caminho. Não há mais o que fazer... a não ser bater nas teclas, como sempre. É o que nos resta, uma luta lenta, muito lenta, algumas vezes com sabor inglório, mas luta de tão persistente eficaz, pelo menos é o que diz a história. Estou cansado de tentar fazer história. Só quero que todos possam cruzar as ruas. Aliás, estou tão resignado neste momento que me daria por satisfeito se conseguisse caminhar na calçada em paz. Há muito não se consegue mais porque muito ciclista acha que este último reduto da mobilidade espontânea é também seu direito. Faz lembrar que fiz mais de uma vez um convite para o Prefeito Kassab sair para caminhar comigo e os 3 netos. Eu escolheria as armas, ou seja, caminhar na Oscar Freire, a rua mais cara do Brasil, mas na calçada norte, onde em alguns cruzamentos estar vivo e ser pedestre vale pouco, bem pouco, como na esquina da Ministro Rocha Azevedo e seu Pão de Açúcar. Entre ele e a farmácia, que fica exatamente na esquina em frente, só dobram livremente os carros. Pedestres esperam, sobrevivem ai por medo, a paciência inerente e o milagre de vez em quando parar o trânsito ou a passagem de carros. Mas quem se importa. Vai lá saber. Talvez, mesmo com a existência da lei, pelos usos e costumes a atropelada da rua Estados Unidos com rua Antilhas, esquina da famosa e muito freqüentada Galeria dos Pães, seja a responsável pelo próprio atropelamento. É o que várias entrevistas de responsáveis pelo trânsito, sempre imputando a responsabilidade ao pedestre, fazem crer.

Espero que ela esteja e infelizmente não fotografei