domingo, 31 de janeiro de 2021

Como assim acabou janeiro?

Acabou 2020 e ninguém sentiu falta. Aliás, alguém viu, alguém tem notícias de 2020? Agora olho o calendário e acabou janeiro? Janeiro de que ano? Janeiro de 2021? Qiospi! Como assim? Não é possível! Então passou num Twiter ou num Whatsapp sem graça porque nem me lembro.

Quero minha vida analógica de volta. O tempo está passando em velocidade digital Core i7, chique no úrtimo, mas invivível. No tempo da onça a gente tinha tempo para coçar o saco, ah! e como era bom. Hoje, what's upp?

Pelo menos a última semana foi divertida. Opa! Janeiro de 2021 existiu! Teve até dia 21 às 21h 21m do ano de 21. Não me lembro mais dos textos que escrevi, mas nunca me lembrei, então não há novidade. A memória seleciona o que quer, sempre dependendo de inúmeras variáveis. A minha não lembra de nada, segundo alguns pensadores uma ignorância que não tem preço.

Mas a última semana foi divertida. Ou se ri da vida ou a vida ri de você.


Entrei no domingo passado com o pesadelo de ter que tratar de burocracia na terça; segunda-feira foi feriado. Tinha comprado tinta para a impressora e descobri que agora não se pode mais comprar só preto; ou se compra todas as cores do arco-íris ou nada feito. Como assim? A HP inventou um tal de HP Smart que simples não reconhece a impressora. Fuça daqui, dali, imprimi. Terça fui entregar os documentos no banco. Da forma como estavam não valem nada. Como assim? Refaz tudo. Odeio burocracia, papeis, formalidades legais. A noite ajoelhei ao pé da cama para ver se Deus me ouvia e ressuscitava Hélio Beltrão, meu queridíssimo Ministro da Desburocratização. Sim, tivemos um Ministro da Desburocratização, abençoado, Deus o tenha. Calor FDP! até pedalar é difícil. Falta o comprovante de residência, toca imprimir, saem quatro folhas, duas com propaganda. FDP! sabe quanto custou estes cartuchos. Quarta-feira o fogão do apartamento pegou fogo. Como assim? Lixo! PQP! Internet, busca por "fogão acendedor automático gás de rua", respostas, todas, fogão gás de bujão. Pesquisa, pesquisa, pesquisa, OK!, vai este em liquidação, bom preço. Aviso: recomendamos que se troque o cano flexível. Manhã seguinte pedal às compras; eu quero aquele, um metro, quanto?, desculpe, não entendi, pode repetir, desculpe, quanto? R$ 85,00? PQP! E, acreditem se quiser, o fogão chega no dia seguinte: gás de bujão. PQP! Como assim? Volto para onde gastei os R$ 85,00 para comprar o Kit conversão e ouço do educado atendente que cada marca e cada modelo tem um Kit específico; "Qual é o seu?" respondo Consul; "Só na autorizada". Toca para a autorizada Consul, calor 34°. "No Brasil não se fabricam fogões para gás de rua; não compensa, só GLP, gás de bujão. Entra pelo Whatsapp e pede para fazer a conversão"; e inocente pergunto "Desculpe, vocês não são a autorizada oficial? Não posso fazer por aqui?"; "Não, só pelo Whatsapp"; "E em quanto tempo vem?"; ele dá de ombros, dá boa tarde com um sorriso e fecha a porta. Entre meios, ia esquecendo, banco; numa aceitaram, noutro nem tanto. Volto para casa, marco a conversão, vou almoçar, sento à mesa, peço cerveja, vem geladérrima, delícia. Passa ao meu lado uma baixinha toda redonda, maravilha, destaque de escola de samba, anima qualquer homem de saco cheio. Senta na mesa em frente, linda, belos olhos, que é o que posso ver com ela sentada, pede algo, continuo melhorando meu humor, chega seu suco e ela tira a máscara. Pelo amor de deus minha filha, coloca esta máscara, toma de canudinho, não fode o momento de paz deste velho. Para sair dali como rápido, engulo a comida e a cerveja e saio correndo feliz para o calor de 35° da calçada sem sombra. Não tenho tempo sequer de tirar uma soneca e disparo no pedal para o banco, bem entendido, o segundo banco, este lá pela região da Paulista, ou seja, 35° + poluição dos carros na Rebouças + pouco tempo para chegar ou o banco fecha. Chego suando em bicas, sobe escada, pega informação, desce escada usa o caixa automático, sobe escada pega informação, desce escada caixa automático... Ufa, deu. Disparo para cartório, ufa, a tempo. Nossa, e acertei o cartório. Volto para casa. Semana terminou - felizmente. Paz! A internet não funciona. Pego o telefone fixo; não funciona. O 4G não funciona. Ligo para a Vivo para o fixo, ligo para a Vivo para a internet, ligo para a Vivo para o 4G. Fedido, exausto, tiro a roupa e vou para o chuveiro, abro a cortina, o celular dispara; família brigando, quebrando o pau. PQP! Liga para cá, liga para lá, pau geral, gritos, insultos, circo pegando fogo. PQP! Pego a bicicleta e vou exaurido ver o que posso fazer com a lona do circo, se é que sobrou uma. Não me lembro como, quando e onde cai duro. Não foi bebida, foi exaustão mesmo.

Acordo sábado muito cedo completamente zureta. Pego a bicicleta, saio para as ruas ainda completamente vazias no caminho de volta para casa. Delícia de pedal, fresquinho matinal, silêncio. Passo pela padaria que em 10 minutos vai abrir, pego pão quente, tomo um belíssimo café da manhã, faço a barba numa chuveirada rapidíssima, e ouço gritos no meu portão: Vivo! Vivo! Como assim? E não é que apareceram! Ótimo técnico, olha aqui, olha ali, abre a caixa na rua e descobre que para ligar a internet do vizinho cortaram a fibra ótima da minha internet e desligaram meu fixo. Conserto? Vai ser amanhã cedo, com o supervisor junto. Uau! e acreditem se quiser, instalaram o fogão. "Mas por favor troca a tomada (por uma três pinos do Lula)". PQP!

Quase esqueci da boa notícia; ganhei um pet, um morcego que está cagando toda minha varanda. Estou bravo? Muito pelo contrário, feliz da vida: meus mosquitos acabaram.
Estou triste, meu morcego desapareceu.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Laranjada no peito / A lei do não é comigo

Mãos saíam abanando das janelas do ônibus que ululava em coro monossílabo o grito de guerra do time que jogaria mais tarde no Pacaembú. Dois ônibus, inúmeros torcedores uniformizados e entulhados no meio de trabalhadores e gente do povo, num calor e suor agressivamente festivo pronto a explodir. Da janela ao lado do cobrador, de uma destas mãos voou certeira uma laranja no peito da senhora que descia a avenida pela sombra das árvores. Sem entender o marido ouviu o barulho seco e surdo, a viu curvar-se, ajoelhar-se e desandar a chorar de dor mal respirando. O sinal fechou e os ônibus pararam cheios de festa. Ela gritou para o marido com ódio do fundo de suas dores apontando para o ônibus. 
- Pega o filho da puta! e vendo a laranja no chão, a sujeira na blusa e vê e o vermelhão que queimava saiu correndo atrás do ônibus que parado pouco a frente. Na esquina três PMs conversam. Um vê o homem correndo para os ônibus e batendo enfurecido na lataria. O PM o afasta do ônibus e pergunta o que houve. Os dois outros PMs se aproximam. Enfurecido aponta para sua mulher que caminha rosto transtornado e os PMs agem. 
- Abre a porta e desliga o motor; pede um PM ao motorista enquanto o outro para a frente do ônibus mão estendida e fecha todo trânsito.
O PM entra no ônibus seguido pelo marido. Acabou a festa, não se vê mais torcedores fanáticos, mas jovens em camisas do time assustados, em silêncio e alguns de cabeças baixas comprometedoras. Alguns trabalhadores que voltam para casa olham para os PMs como que pedindo para tirar toda aquela turba dali para seguirem na merecida paz para o trabalho ou suas casas.
- Quem foi? Quem jogou a laranja na mulher? fala com voz firme e alta, sem grito, o PM. Não há resposta.
- Quem foi? Repete agora num completo silêncio. Vê-se na cara dos trabalhadores um olhar de medo do que poderá vir a acontecer.
- Vocês não vão calar? Não vão passar a vergonha de ver uma mulher agredida e silenciar? fala forte o marido. O PM segura firme no seu braço e manda ele ficar quieto. A mulher chorando com seu peito muito vermelha entra pelo corredor, só alguns olham. O outro PM a contém. Silêncio, constrangimento, medo, raiva, indignação. Nem uma palavra.
O marido fica ao lado dos garotos que estão sentados no meio do ônibus grudados na janela, visivelmente expressam culpa. Um deles, petrificado, aperta as cochas como escondendo algo redondo que se pode ver. O marido para ao lado e fala sobre a agressão. Silêncio total.
Os PMs andam lentamente pelo corredor. Silêncio total. 
- Ninguém se acusa, ninguém denuncia. Não podemos levar todo ônibus para a Delegacia. 
- Como assim? Olha o estado de minha mulher! diz apontando a blusa suja e o vermelhão redondo que até de longe emana dor.
Todos passageiros olham para frente. Só ouve se os motores e uma buzina do trânsito parado. Silêncio conivente. Olhares mortos. Silêncio. O PM passa os olhos sobre os garotos uniformizados. O marido acha que sabe quem é, e provavelmente deve ser. O PM com sua prática diária tem certeza; está na cara, mas não pode fazer nada, não tem autoridade para tanto, não tem lei que o garanta, e até pelos companheiros de farda não fará. Assim é, ponto final.
- Motorista, por favor, abre a porta de trás. Vocês, diz apontando para o casal, nos acompanha, por favor. Descem em silêncio. Na calçada o PM cercado pelos dois outros PMs se explica.
- É a lei. 
Abre o sinal e seguem os ônibus em silêncio com o trânsito. É assim.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Cliente chinfrim

Entra na bicicletaria o sujeito meio gordinho, roupas maltratadas, empurrando respeitosamente uma bicicleta básica e já um tanto surrada. De dentro do balcão todos, mecânicos e vendedor levantam os olhos, mas voltam imediatamente aos seus trabalhos desprezando o cliente.
- Bom dia, fala alegre o gordinho.
Ouve se um "bom dia" abafado perdido pela bicicletaria vindo de duas cabeças baixas. O gordinho vai entrando, olhando as bicicletas, esticando os olhos para a vitrine de peças. Pergunta por uma peça, repete a pergunta e novamente ouve se uma resposta cabeça baixa que quase se perde. O gordinho não entende; repete a pergunta. A cabeça se ergue e deixando transparecer impaciência diz "Desculpe, não entendi". Paciente o gordinho pergunta novamente. Disfarçando alguma educação, mas mais impaciente ainda, o vendedor pergunta "O que?". O gordinho mal vestido aponta para a vitrine e recebe uma resposta cabeça baixa, desinteressada de onde praticamente se lê na testa não enche; "R$ 150,00". O gordinho encosta com muito cuidado sua bicicleta na parede e passa a olhar as bicicletas novas. É esquecido por todos.
- E esta bicicleta aqui, quanto custa?
Levanta se a cabeça, olha enfadonho e responde já abaixando a cabeça "Esta aí custa 7 mil".
- Só tem desta cor?
Um tanto irritado pela interrupção de seu trabalho a cabeça se levanta, toma um longo e visível fôlego.
- Temos em vermelha.
- Quero uma.
A resposta muda o clima na bicicletaria, uns começando a prestar atenção, outros com vontade de rir. O vendedor se move um pouco e completa;
- Esta só podemos parcelar em 3 vezes.
- Não tem problema. Pago a vista. Tem para mulher? Preciso uma para minha esposa mais duas para as filhas.
Todos levantam a cabeça e há um hiato. As expressões denunciam 'como assim?'. Um comentário sarcástico é disparado entre os mecânicos e escapa uma risada. O vendedor muda de cara.

O conto acima é baseado tantas histórias reais frequentes em várias bicicletarias, principalmente as voltadas para público exclusivo, seja lá o que isto signifique. Uma marca americana, em especial, parece desinteressada em público chinfrim, seja lá o que isto signifique. Eu próprio procurando uma peça já passei por situações semelhantes, das quais guardo com desgosto duas, uma próxima do Metro Vila Madalena, e outra em Santos, bem grosseira, quando o funcionário contornou uma indelicadeza (?!?) do proprietário; dentre outras.

Muitas destas bicicletarias sobrevivem ou porque tem público fiel ou são a moda da vez. Os clientes destas são os mesmos que te olham horrorizados quando você pedala com uma bicicleta obsoleta, barata, fora de moda...
Divertido é ver estes ciclistas(?) tomando pau de pé de chinelo, ou seja, pião de sandália Havaiana pedalando bicicleta remendada. Ninguém segura eles, nem a bicicleta caríssima comprada em mil vezes no cartão de crédito no vermelho. Status é outra cousa.

sábado, 23 de janeiro de 2021

Qual a justificativa para desperdício de verba pública? Desperdício?

Limpando a poeira de minha estante achei isto:
Em 2005 ou 2006 fui chamado à Prefeitura para olhar uns mapas e ajudar a resolver um problema. Cheguei lá e me foi entregue um belo caderno com mapas e descrições dos bicicletários que foram implantados nas estações do Expresso Tiradentes, aquele elevado absurdo que Maluf implantou sobre o rio Tamanduateí, vulgarmente chamado de Fura Fila, que começa no Parque Dom Pedro e termina em Vila Prudente. 
O pequeno problema em questão é que implantaram os bicicletários (Que ótimo! Que bom para os ciclistas! Que progresso para a cidade!), mas esqueceram, simplesmente não pensaram, nos acessos, na funcionalidade, na localização... Em suma, os bicicletários não serviam para nada, não tinham usuário, eram dinheiro público jogado no lixo. O que fazer?
CPTM é do Estado. A Prefeitura foi avisada do lindo presente, toma que o filho é teu, pegou, abriu o pacote e... Fazer o que?
Nada foi feito até porque esqueceram de ver se tinha usuário da linha que era ciclista, que chegava nas estações pedalando, um pequeno detalhe no projeto e construção dos bicicletários, alguns já em funcionamento. Não tinha. Assunto encerrado.
Não foi a primeira vez que isto aconteceu, muito pelo contrário. Talvez com boa vontade, talvez não, talvez com outras intensões, um funcionário ou um departamento de um órgão público simplesmente age. Que lindo! Sem conhecimento do resto da coisa pública, tipo compra a bola, aluga o campo, paga o juiz e os bandeirinhas, chama a imprensa e esquece de avisar os times que vai ter jogo. O triste é que eles acabam fazendo a partida num campinho de terra da periferia. A melhor de todas foi a ponte que já estava praticamente pronta, mas era desconhecida por funcionários da CET que deveriam estar no projeto. Tem montes desta histórias. 

Projetos não darem o resultado esperado é relativamente normal. A Estação Pinheiros do Metro teve 3 vezes mais usuários que o projetado porque a linha do metro que deveria ligar a Estação CPTM Santo Amaro a Moema e a linha Norte Sul atrasou. 
   
Agora, tem um limite ou o erro não deve ser encarado como erro, mas no mínimo como malversasão de verba pública (sempre achei que era má versão, mas é malversasão). 
Estou sendo muito chato, repetindo demais, mas não dá para aceitar esta festa ddo caqui que nunca termina. São dois crimes que como civil burro não consigo aceitar: a indústria de projetos que de princípio se sabe que não serão executados, mas sustentam inúmeras empresas de engenharia e custam muito dinheiro público, leia-se nosso, e a indústria das jaboticabas, obras inúteis, dinheiro público jogado no lixo, resta saber lixo de quem. Está cheio de pontes e viadutos abandonados pelo Brasil afora. Tem ferrovia, porto, conjunto habitacional... 
Há um outro detalhe aí, que são as assinaturas técnicas que têm que ser dadas por funcionário público, do engenheiro ao burocrata. Ninguém responde por nada?
O nível de ineficiência e desperdício da coisa pública no Brasil é aterrador. Corrupção é um problema sério? Sim, óbvio, mas como fica quando comparada com os custos da infeciência e desperdício do setor público. 
Tem que cair a ficha: somos um país pobre e não sepode brincar com dinheiro público.

Olhando o que se tem feito em nome da bicicleta sinto vergonha de ser ciclista. Passar por ciclofaixa que não serve para nada e depois passar por um cidadão passando fome me embrulha o estômago.
Eu tive um sonho... e definitivamente não era isto que está aí.  




quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Novas ciclofaixas, o mesmo critério: dane-se o pedestre

São Paulo Reclama
O Estado de São Paulo

Não entendo o critério que agora se está adotando para as novas ciclofaixas que vem sendo implantadas numa rapidez impressionante. Qualquer que seja, se é que há algum, parece a repetição pura e simples do quanto mais melhor. Quanto mais melhor o que e para quem? Para os ciclistas? Que ciclistas, qual o público alvo, qual a base técnica, qual o O.D. (Origem \ Destino)? Fiquei pasmado pela administração Covas estar reformando, asfalto e pintura novos, alguns trechos implantados na administração Haddad, leia-se Tatto, pelos quais não passa ninguém, automóveis, ciclistas, pedestres, como nas ruas do Jardim Guedala. 
No Alto de Pinheiros estão implantando ciclofaixas em ruas e avenidas onde o trânsito de automóveis e principalmente de bicicletas não demandaria qualquer intervenção. Não tenho a mais remota dúvida que implantar acalmamento de trânsito pelo bairro não só seria uma boa solução para todos, principalmente para a sensível quantidade de pedestres que por lá caminham e correm. Por que implantar ciclofaixas, o que há por trás disto? Na época de Haddad, leia-se Tatto, e neste caso direcione-se para Tatto, Secretário de Transporte, havia desconfiança de um bom número de ciclistas e até petistas sobre os custos. E agora, como se justifica? Qualquer que seja a justificativa é difícil de engolir quando logo ali, bem próximo, duas pontes, Cidade Universitária e Cidade Jardim tem calçadas saturadas e com constantes conflitos entre pedestres e ciclistas. De novo, estas novas ciclofaixas sinalizam mais uma vez: 'O pedestre que se dane!'

Arturo Alcorta
ciclista urbano e ativista desde 1977

Costa Carvalho

rua no Alto de Pinheiros

Jardim Guedala

Eugênio de Medeiros - porta de casa, não passa mosca

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Negacionismo: praxe brasileira

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Negacionismo não é novidade no Brasil, muito pelo contrário. Faz parte de nossa história optarmos pelo caminho contrário do que diz a experiência, a inteligência e a sensatez mundial. Fomos o último país a abolir a escravatura; lutamos contra a vacinação de Oswaldo Cruz; transformamos nossa boa educação pública num completo caos; substituímos a saúde preventiva por uma farmácia em cada esquina; insistimos na irracionalidade fiscal, burocracia, o altíssimo custo Brasil, mas nos negamos a corrigi-los e assim diminuir nosso abismo social; damos incentivos questionáveis... Negamos o básico: tratamento de esgoto. Faz décadas que o mundo vem transformando suas cidades para serem mais sadias, prazerosas, para dar mais espaço para a vida, para pedestres, idosos, mães, crianças, pessoas com necessidades especiais, para o lazer produtivo, para a liberdade que agrega. Curitiba já na década de 70 entendeu este caminho e ainda hoje é considerada bom exemplo internacional, mas desprezado aqui no Brasil. Negando dados precisos que apontam o alto número de veículos motorizados circulando como causa de deterioração urbana, desagregação social, aumento da violência, piora da saúde pública, diminuição de atividades econômicas e de impostos recolhidos, num populismo anacrônico e irresponsável foram concedidos incentivos fiscais de todos tipos para a compra de veículos novos. Negando o princípio básico "unidos venceremos" os ditos socialistas iniciaram a divisão do "Brasil, País de todos" em "nós e eles". Por puro negacionismo aceitamos Bolsonaro. Não dá para negar que a incerteza de uma vacina se encaixa nesta nossa história.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Consertar, recuperar, reaproveitar, ser ambientalmente honesto

Com a pandemia o jornal Estadão passou publicar a série de artigos "Retomada Verde" que ofereceu, e segue oferecendo, ideias para o que se pode e deve ser feito de nossas vidas e do planeta daqui para frente. Um deles, com título " 'DIREITO DE CONSERTAR' GANHA ESPAÇO; Iniciativas para alongar a vida útil dos produtos levam cidadão a adotar consumo consciente" de João Prata, publicado em 13 de novembro de 2020 é ótimo e ficou no chão ao lado de minha cama para ser base de texto neste blog. Chegou o momento.
Ao lado do texto sobre o 'Direito de consertar' está uma caixa com título "Venda de usados representa grande ajuda para o planeta" e é, como é. Quem conserta, recupera, reaproveita está ajudando e muito nosso futuro. Ninguém duvida que é inaceitável desperdiçar, descartar, jogar no lixo.

Dependendo de como é usada e mantida a bicicleta pode ser prejudicial ao meio ambiente, portanto prejudicial a nossas vidas. 

Quem imagina que na Holanda todas a bicicletas são novinhas, bonitinhas, se engana. Europeu usa suas bicicletas até onde não tem mais conserto, até o osso. Mesmo assim há várias ONGs que pegam bicicletas que estão destinadas à reciclagem e ainda dão um jeito para uma sobrevida. Só vendo para acreditar.

Quem já pedalou pelo litoral paulista sabe que o povo tira da bicicleta até a última gota de sangue, comum em qualquer localidade de renda baixa, exatamente como em qualquer país rico, com alto IDH. Bicicleta bonitinha, perfeita, limpinha, cheirando a nova, é coisa de moda, da necessidade de status, ... de gente que desperdiça. Quem é ambientalmente consciente preserva.

Mas por que se conserta tão pouco?
Branco está mudando sua bicicletaria de endereço e com isto descobriu que tinha caixas e caixas de peças ainda aproveitáveis. Fez um bazar. Boa parte das bicicletarias não tem mais estes "lixos" por diversas razões, principalmente pela falta de espaço e o famoso "tempo é dinheiro".
A maioria dos ciclistas quando tem algum problema com a bicicleta entra na bicicletaria e quer ela para ontem. Para atender os clientes e não perder dinheiro o caminho mais rápido, rentável e seguro para a bicicletaria é trocar a peça com defeito por uma nova e descartar no lixo a defeituosa. 
Consertar ou remendar demanda habilidade, conhecimento, paciência, e principalmente tempo. Tempo é dinheiro, dogma econômico de nossos dias. É deprimente ver na lixeira muitas câmaras novas com pequenos furos, fáceis de remendar. Bicicletarias tem que fazer assim porque a maioria dos clientes não quer câmara remendada em suas bicicletas.

Consertar, recuperar, reaproveitar é dever de todo ciclista, melhor, de todo cidadão com um mínimo de consciência social e ambiental.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

A saída da Ford surpreende quem?

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

A notícia da saída da Ford do Brasil é uma surpresa horrível? Para quem? Mesmo antes do início inchaço do setor automobilístico no Brasil, resultado de todo tipo de estímulos e incentivos fiscais, já era longa e aprofundada a discussão mundial sobre o que fazer com o automóvel e qual seria seu futuro. Desde 1970 inúmeras cidades europeias começaram a restringir a circulação de automóveis como forma de recuperar áreas degradadas, diminuir as tensões sociais e principalmente como forma de fortalecer suas economias. Mais uma vez e como sempre o Brasil optou por seguir o caminho inverso. Poderia ter sido uma estratégia caso tivéssemos um macro plano de desenvolvimento para médio e longo prazo, o que há décadas não temos. Foram dados incentivos ficais de dezenas de bilhões ao setor para gerar trabalhos diretos e indiretos, mas ninguém apresenta cálculos de qual foi o custo / benefício para toda nossa economia, sem exceção. "Gerou tantos empregos" é uma boa forma de deixar as questões numa superfície enganadora. O futuro está no auto elétrico. Nosso futuro, não muito promissor, estará no que fazer daqui para frente com todo um setor econômico gigantesco que pelas perspectivas já está obsoleto. Quem vai querer nossas carroças?

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Como? (.... silêncio)

Preocupado saiu correndo do vídeo de segurança para avisar os outros seguranças e gritou; 
- Passou um cone sozinho correndo lá para a avenida. 
Cara de espanto com a notícia os outros seguranças perguntaram em coro - Passou o que? 
- Passou um cone correndo lá pra avenida; respondeu agitado e movendo os braços. Passou um cone... de quatro patas..., o cone gente, gesticulando os braços para apontar algo. O cone... o tratador foi correndo atrás. 
- Cone? tentou entender um dos seguranças enquanto os outros riam 
- É, um cone. Um conei! Conei!!! O cavalinho pequeno. 
- Ah! Um pônei. O pônei fugiu..., o pônei da casa da esquina? 
- É, gente, o conei, isto aí, o conei. Vamo lá ajudá"



A discussão que acabou doendo nos nervos. Falavam as duas sobre a prima com pontos de vista diferentes, plausíveis, uma com viés amistoso, outra ardendo em lembranças desagradáveis. E foram ganhando posições mais radicais que já não diziam respeito a prima, mas traziam a tona profundas e enraizadas más lembranças, e suas fraquezas das próprias que discutiam. 
- Fala baixo; num momento ordenou a enraivecida
- Estou falando baixo; e estava. Você é que está levantando a voz; responde com um leve sorrisinho sínico.
Naquela discussão interminável de vozes que subiam, ordens inúteis dadas, não entravam mais argumentos, razoabilidade, mas manter a qualquer custo a própria posição. Cada palavra, respiro, ponto, empurrava para a mais dolorosa discordância, fosse de fato um ataque pessoal ou não. Não passavam de comentários sobre a prima, coitada, de quem falavam, ou imaginavam estar falando. A origem da discussão desaparecera em meio a velhas desavenças das duas irmãs, rito habitual sempre que se encontram. Não houve basta dos mais velhos que estancasse o show. 
- Estou sendo franca.
- Não está. 
Com frases curtas e rostos doloridos finalmente se fez silêncio. TV ligada, volume aumentado. 
- Fraqueza não é franqueza; a primeira pode ser digna de pena, a segunda torna obrigatória a atenção aos que sabem ouvir quietos, mas não é este o caso aqui; disparou quase sussurrando o velho que entrara na sala em meio a fervente discussão.
Atônito o pai vestiu a carapuça até o umbigo e se sentiu mais uma vez profundamente envergonhado de seu passado.
O silêncio da TV ligada...
- Pica-pau! disse uma das irmãs
- Não me ofenda! Como pica-pau? Que é isto? Pica-pau? gritou o velho
E a gargalhada geral estourou na sala.
- Olha para a televisão. Tá passando o Pica-pau, o velho. Desculpe, sem ofensa, o antigo
E uma das irmãs teve a sabedoria de segurar a mão do velho que consternado ria.


Mal entendido

"Aviso aos passageiros; antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra se para neste andar". 


A menina, jovem mulher nos seus gloriosos 20 e poucos anos, corpo magro, acinturado, shortinho de jeans bem curto, pernas vistosas ao ar vai pedalando uma bicicleta muito muito simples e barata que visivelmente acabou de sair da caixa; segue tentando trocar as marchas. Por mais que faça força o passador não se move. Vai seguida por ciclista experiente, paramentado, que diminuiu sua velocidade para vê-la e alegrar sua vida. Para ao lado dela no semáforo e muito entusiasmado com a beleza pergunta se pode dar uma olhada para tentar resolver o problema. Ela aceita, entrega a bicicleta, fica parada sorrindo segurando a bicicleta dele enquanto ele sai para um teste. Ele volta, mexe nos cabos, olha aqui, ali, sabe que provavelmente não pode resolver, e para tentar estender a conversa dá sua bicicleta para que ela teste e entenda como deve funcionar um passador e uma bicicleta; então quem sabe poderá acompanhá-la até uma bicicletaria, quem sabe o que mais. Ela sai pedalando meio sem jeito pela ciclovia até a outra esquina, para, desce da bicicleta, dá meia volta, sobe, prepara o pedal e cheia de sensualidade pedala para o sorriso incontido do ciclista, que tenta manter sua postura de entendedor, nada mais. Ela para desajeitada e titubeante, dá um sorriso inocente. 
- Ganhei a bicicleta ontem, presente de aniversário de 15 anos. 
Assustado o ciclista diz para ela conversar com o pai para ele consertar; clipa a sapatilha com força e vontade, olha o trânsito e sai rápido dali. 


Aproximando-se da porta de entrada do colégio o senhor cumprimenta o jovem que está na calçada fumando. 
- Bom dia! e mal ouve uma resposta balbuciada num bafo fedorento quase inaudível, 
- Falou! 


- Numa reunião de família quem senta na cabeceira? Quem senta próximo? Qual a ordem, a hierarquia? Onde sentam os mais velhos? pergunta a professora de etiqueta para a classe de 100 jovens universitários de turismo. Num silêncio constrangedor pergunta espantada, 

- Quem senta numa mesa em reunião familiar levanta a mão. 
Poucos levantaram a mão. A professora segue com a pesquisa para entender a situação. Mais de 70% fazia as refeições só e boa parte destes sequer tinham uma mesa de jantar em casa. Na maioria dos casos, mesmo que outros familiares estivessem em casa, fazia seu prato no fogão e sentava onde dava e na hora possível. Refeição em família, mesmo com todos reunidos, também era assim, sem horário ou local para ficarem juntos. 

Sentada num café, mesa na calçada, a professora para de contar a situação, olha o povo passando na rua, pensa com testa franzida. Volta os olhos para a mesa, manuseia a xícara com o café que esfria e continua. 
- Ali descobri o abismo. Como explicar etiqueta social em refeições para quem nunca comeu sentado numa mesa junto com os pais, irmãos, amigos; gente que sequer tem mesa em casa?

sábado, 9 de janeiro de 2021

Ameaça fanática

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Anulei meu voto e fico feliz. Não sabia que iria dar esta loucura, mas não cheirava bem, e sabia o que foi ser discriminado por fanáticos petistas por não pensar igual, mesmo envolvido num trabalho de claro viés social. O que vem matando há muito este país é o fanatismo. Trabalhei com um petista de carteirinha, literalmente, e nos divertíamos fazendo piadas críticas sobre nossas posições. Ele se foi num derrame e sinto muita falta daquela relação sadia. Convivi muito com pessoas de direita socialmente responsáveis, dignas, produtivas, justas, e ouvindo aprendi muito. A diferença entre eles se não eram detalhes poderia ser se seus discursos tivessem sido colocados no contexto correto. Aceitamos entender diferenças como discursos fanáticos, portanto fora do contexto normal. Aceitamos o populismo puro e suas segundas intenções de uns poucos apoiadas no fanatismo, o que é bem mais maléfico que o discurso fanático em si. Passados dois dias da invasão do Capitólio a pergunta que se deve fazer é o que realmente há por trás desta massiva manipulação de fanáticos. Foram insuflados por um maníaco egocêntrico e é só? O passado de Trump dá inúmeras razões para duvidar. A preciosa lição está sendo dada para nós brasileiros que temos um pretenso arremedo de Trump, resta saber se vamos aprender. Bolsonaro, o que crê amigo inseparável de Trump, está aí, leve, livre e solto. O Brasil é um país de problemas gigantescos e nós não somos uma horda de fanáticos boçais. Ou somos? Minha mãe dizia que "não interessa o que você diz; me interessa o que você faz". Vamos esperar mais dois anos no bla bla bla e ver no que dá?

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

O louco, a invasão do Capitólio e a sociedade sem limites

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Um ditado árabe diz que o que sábios demoraram anos para construir um imbecil destrói em minutos. Foi o que vimos hoje nos Estados Unidos. Da mesma forma que Hitler dava sinais claros que levaria a Alemanha a uma guerra generalizada, Trump desde sempre dá sinais claríssimos de sua insanidade e completa falta de limites, que de certa forma todos aceitaram. Trump, Presidente, passou inúmeras vezes por cima da democracia do país mais poderoso do planeta para atender a interesses próprios, e de certa forma todos aceitaram. Culminou hoje com o estímulo velado(?) para a invasão do Capitólio por milicianos e fanáticos negacionistas que o apoiam cegamente. A sequência de absurdos destes últimos quatro anos provavelmente tira dos Estados Unidos, e da democracia, o protagonismo mundial, restará saber quais as consequências de médio e longo prazo não só para os americanos. No final da noite autoridades americanas já falavam em invocar a 25 Emenda da Constituição Americana para declarar Trump incapaz e retirá-lo imediatamente da Presidência. Antes que Bolsonaro repita mais uma vez seu ídolo, Trump, temos que tomar consciência que o Brasil não pode ficar nas mãos de um inépto alucinado. Interessante a declaração do ex Presidente Americano George W. Bush, Republicano, onde diz que "o protesto (dos pró Trump) é coisa de pais de bananas". Com Bolsonaro e seus bolsonaristas o Brasil acabou de ser rebaixado a que?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Pauladas da vida

Cristine, família europeia, pedalou desde seus primeiros dias, e pedalou bem. Dá prazer vê-la pedalando morro acima e conversando como se nada houvesse enquanto o ciclista ao lado de língua de fora, rosto e roupa encharcados, tenta acompanhá-la e pede ambulância. 

Nunca se preocupou em ter uma bicicleta melhor do que a tranqueira velha e enferrujada que sempre usou, o que só reforça a origem européia de seu nome. Cuidou da mãe até seus últimos dias, senhora culta e inteligente, de conversa sóbria, farta, cativante. Neste tempo de cuidados a velha bicicleta ficou um tanto largada num quartinho, poucas vezes usada para alguma pequena compra de emergência na farmácia ou mercadinhos próximos. Foi-se a mãe, foi-se a casa onde nasceu e viveu toda a vida, passou pelo luto e pelas incertezas que uma perda destas irremediavelmente traz. E meses depois numa de suas longas caminhadas a pé passou pela vitrine de uma bicicletaria. Parou, olhou, olhou, ouviu a voz delicada e precisa da mãe francesa, entrou na bicicletaria e sem delongas apontou "quero esta" e pagou. Bicicleta novinha, linda, macia, pintura alegre como o sorriso da mãe quando a chamou até a garagem no meio de uma noite de Natal de sua adolescência. Vermelha igual. Sem culpa, de novo pensando no que a mãe lhe daria, não pensou no preço, comprou bicicleta sofisticada, para durar toda uma vida, pensamento europeu, como um marco de lembrança para o resto da vida de tempos que não voltam mais.

Em frente a vitrine vazia deixou fechar o sinal da esquina, o trânsito acalmou, quase parou, e as duas, Cristine e bicicleta nova, foram para o asfalto rumo ao parque. Homenagem à mãe e a liberdade ainda um pouco dolorosa daquela nova vida.

Entrou no parque, fez a primeira volta completa, a segunda, e na terceira, próxima ao lago, de trás de uma árvore saiu uma paulada no meio de seus seios.

- Você compra outra; diz a amiga sem mais preocupações sentada no sofá, taça de vinho tinto na mão, no jantar com amigos. 
- Como assim compro outra? Estou toda roxa. Dói muito. Não vou mostrar aqui, mas estão roxos, muito doloridos; respondeu com raiva em voz baixa.
- A dor passa e você compra outra, termina a amiga.
- Pegaram o ladrão? pergunta outra amiga desviando o mal estar