terça-feira, 25 de outubro de 2011

sonho vertical ou horizontal?

Dá para separar as coisas, colocando cada fator em seu lugar, isolado do resto que o cerca, que o gerou, que lhe dá presença, vida? Não creio. Tudo está interligado entre si, mesmo as coisas mais desconexas. Holístico? Acredito que sim, pelo menos não consigo pensar diferente.
Andei tomando umas broncas, bem dadas e pertinentes, sobre o que andei escrevendo neste blog; que está diretamente ligado à Escola de Bicicleta, portanto a questões pertinentes à bicicleta. Não é primeira vez que isto me acontece - esticar a corda além dos limites do que parece sensato. O que é sensato? Bicicleta e suas relações mais diretas é o sensato? Além é fio da navalha. Foi por esta razão que acabou minha coluna no Suplemento de Turismo do jornal O Estado de São Paulo, lá nos idos de 1987. Não sei exatamente sobre o que escrevi então, se não me falha a memória foi sobre a questão da qualidade das bicicletas, que então era entendido como fora do tema “turismo e bicicletas”. Depende..., mas... O fato, ir além, se repetiu em outros veículos, o último deles a Rádio Eldorado. “Trânsito, Arturo, trânsito!”, viviam me dizendo nesta segunda passagem por lá. Parecia que o trânsito não tem nada a ver com a vida da cidade, com o que acontece nas padarias...
Contestar faz parte de minha alma, meu sangue, meus ossos. Sonho de procurar sempre dias melhores ou burrice? Dizem que burro é muito mais inteligente que cavalo. Ponto para mim? “Que asno!” alguns devem estar pensando. Certamente! Onde está meu pasto?
Como se constrói um sonho? Vertical ou horizontal? Vertical é centrado em si próprio, no próprio ego. Horizontal é coletivo, holístico. Como você vê esta questão? Eu adoraria ter um sonho tipo “Tron”, completamente cartesiano, mas meus sonhos são holísticos. (Enquanto escrevo estas linhas ouço “The Long and Winding Road” dos Beatles, complementar, irônico, quase cômico, mas sem dúvida apropriado. Por ironia, o revisor do Word passou a revisar o texto em inglês e tudo está grifado em vermelho.)
Uma das janelas abertas em meu computador é um vídeo que conta a história de como e porque a Holanda construiu seu sistema cicloviário. Dêem uma olhada em http://www.youtube.com/watch?v=XuBdf9jYj7o&feature=email . Serve para justificar este meu azedume recente, que não tem sua causa somente nas mortes estúpidas do dia a dia. Comecei a desmoronar para valer depois de mais uma horrível experiência com o poder público. Não é só o fato de praticamente todo trabalho mais uma vez acabar engavetado, mas todo o processo, os desejos e sonhos implicados, o sem sentido geral e tão freqüente, a construção de algo que sabidamente não teria como dar certo, o futuro rasgado, o dinheiro público gasto de uma forma tão ineficiente. Foi uma aula magna do Brasil que estamos vivendo. Posso afirmar que é deprimente, literalmente deprimente. Hoje tenho praticamente certeza que este país não vai dar certo porque a quantidade de problemas sem qualquer esperança de solução é absurdo. O momento que estamos passando é como aquele cara que zera a poupança e gasta tudo rapidamente e de maneira irresponsável, e ainda oferece um churrasquinho no fim de semana para comemorar com a futura família falida e os amigos credores. Todo mundo acha ótimo, dá risada, volta de barriga cheia para casa e acha que está tudo indo muito bem obrigado. Não vai dar certo. E ninguém faz nada. E ai alguém me manda este vídeo sobre o processo de reorientação de um país chamado Holanda, que é minha referência, não pelas bicicletas, mas pelo que aprenderam trabalhando e respeitando as águas. Para o holandês a vida é simples: ou você faz o correto, que não é nem mais nem menos, ou morre afogado.  Poderia servir de exemplo para alguns de nós que estamos neste barco.
Horizontal ou vertical? Infelizmente minha forma de pensar sempre viaja, portanto não é vertical. Tenho grande dificuldade com o vertical. Também não é horizontal. Sonhos não são bidimensionais, cartesianos. Briguei muito para vender a idéia que não só de ciclovias se faz um sistema cicloviário, que quem pensa na bicicleta precisa entender que a qualidade da bicicleta é ponto vital, que no trânsito existe um histórico psico-social-neurológico que faz muita diferença de uma localidade para outra; que tem que ensinar ciclista a jogar o jogo do trânsito e não fugir dele, que cortesia é mais segura, que a quase totalidade dos motoristas quer chegar em casa sem matar um... Este é o vertical ou horizontal da questão da bicicleta? Não sei, confesso que não sei, juro que não sei, que não tenho capacidade de chegar a uma conclusão.
A experiência que tive nestes últimos anos me diz que ou se trabalha tudo junto, de maneira holística, ou não vamos chegar a um resultado adequado. O sistema maior, o macro, está tão desbalanceado que precisa ser pensado e trabalhado em cada uma de suas pontas com um olho no todo, no tudo. Também por ironia do destino saiu este texto http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-improviso-resume-a-historia-da-cidade-,789139,0.htm no Estadão, que me ajuda a sustentar meus pontos de vista.
Como qualquer um de vocês eu tenho um sonho: que um dia este país tenha equilíbrio social, paz, presente e futuro; que isto não seja esta baderna sangrenta, cheia de desmandos e políticos que cada dia parecem piores, a beira de traidores do pais. E eu revivo um pesadelo: uma população que acredita num discurso populista que dá esmolas, carros baratos que destroem nossas cidades, linha branca para ver uma Copa do Mundo de Futebol que nos vai empobrecer a todos e atrasar projetos de saneamento e educação cruciais para o povo não continuar escravizado pelo analfabetismo. Eu continuo tendo um sonho que a bicicleta pode ajudar muito na viagem para a construção do bem. Eu vou continuar sonhando, viajando na maionese, e tomando broncas. E agradecendo as broncas, que o que me dá referências que, como já disse, sou incapaz de entender bem.







domingo, 16 de outubro de 2011

"Não foi acidente", perícia e o pé quebrado

Damasceno tem que ser operado com emergência do pé que fraturou faz 8 dias. A fratura no calcanhar é considerada grave, o pé está completamente solto, provavelmente há ruptura de ligamentos, mas não há vaga para a operação porque não para de entrar gente estropiada em acidentes de moto, atropelamento e outros. A operação de emergência não tem data para ser realizada, mesmo que o pé de Damasceno esteja muito inchado, que ele passe os dias chorando de dor deitado no corredor, que um dos médicos tenha deixado escapar que há a possibilidade de que o velho pião de obra, com seus 56 anos, venha a perder o pé. Ele está internado no Hospital Municipal de Campo Limpo, que não é considerado dos piores de São Paulo. Mas o trânsito não para, nem sua fábrica de estropiados.
A chuva não parou, mesmo assim a cada momento aumenta o número de pessoas que chegam e vestem as camisetas com a foto de mãe e filha de mãos dadas com a inscrição em baixo “Não foi acidente”. Balões brancos são distribuídos e inflados pelos participantes. A avenida foi interditada pela CET e alguns PMs se resguardam da chuva debaixo da cobertura de entrada do Colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, São Paulo. Um jovem magro, alto, de óculos respingados e capa cinza chumbo, está tranquilo, atendendo a imprensa com uma fala calma, mas um pouco cansada. Eis Rafael Baltresca, o que restou da família atropelada a alguns dias na Marginal. Junto, neste evento denso, debaixo de uma chuva que cada minuto fica mais forte, como um pranto doido vindo das entranhas, há mais outras 8 famílias de atropelados, todos jovens. Mortes estúpidas.
Um casal claramente envelhecido para idade dá uma entrevista para uma TV. O pai declara que não consegue parar de chorar pela morte do filho de 26 anos, que estava em seu primeiro dia de emprego, feliz. A mãe permanece ali, provavelmente sem perceber, agarrando o braço do marido num esforço para não despencar no barro; absolutamente imóvel, olhos desfocados na água que não para de cair dos céus. É um dia cinza. A movimentação da mais de centena que já chegou é pouca, quando há é lenta, silenciosa. Os organizadores circulam entregando as camisetas e colando adesivos com forma de borboleta em quem chega. A imprensa trabalha com discrição. Um abaixo assinado está numa das duas tendas, a azul. É feita a chamada para a passeata e para as falas preliminares.
Três falam, o tio de Rafael que lê um lamento / protesto / manifesto, Rafael e um amigo da OAB. Silêncio entre os 200 ou mais participantes, praticamente todos vestidos de branco, encharcados mesmo se protegendo com seus guarda-chuvas. A mãe de Victor Gurman está abraçada a um senhor, com um olhar plácido quase petrificado.  Um pouco atrás uma família estende uma faixa com a foto de duas meninas novas. É difícil identificar quem é familiar de atropelados e mortos porque a emoção forte e dura está em cada e todos os rostos. Terminam as falas e o protesto segue lentamente. Algumas pessoas vão encravando grandes borboletas de cartolina nos gramados. A chuva lentamente retorce suas formas e escorre as cores, bem próprio para uma representação de mortos, ou assassinados pelo trânsito. É o tom da passeata.
Um número absurdo de acidentados entrou nos hospitais durante a passeata, disseram lá atrás. “Um morto a cada quantos minutos?” O que não se vê não se sente. Eles não existem. Só vão passar a existir se sua própria roupa for manchada de sangue dos feridos ou mortos. Mortos passam rápido, alguns são mais doloridos que outros, mas depois de um tempo desaparecem. Não para os pais. O Brasil é um país que tem uma estranha relação cordial com a morte e os assassinatos. Números não mentem. Morre-se assim não mais e só sobra um abismo para os mais próximos, absolutamente indiferente para a sociedade. Os acidentados, aqueles que sobrevivem à carnificina, são em número tão grande que viraram carne de vaca. É tanta gente, tão cotidiano, que já não conta mais. Cansou! Portas fechadas. Quem passa na porta não nota nada. Quem lê jornal tem pequenas notas. A massa que cai no leito hospitalar tem direito a alguns minutos diários de companhia, quanto tem. O nosso sistema hospitalar está criado para dar votos, não para fazer parte de um sistema de saúde pública. É tão útil inaugurar hospitais. O que acontecerá depois é número, que pode ser eleitoralmente bom ou ruim.
A passeata chega à Marginal Pinheiros e segue para o ponto exato onde mãe e filha morreram atropeladas na calçada por um motorista jovem, bêbado e a 150 km/h onde é permitido 70 km/h. Paro a bicicleta na esquina e fico olhando o povo passar. Só eu e mais um outro senhor de bicicleta. Onde estarão os outros ciclistas tão preocupados com a violência no trânsito?
Lembro de uma tarde de sábado de outono quando tive contato com meu primeiro ciclista morto. Ia pela av. Cidade Jardim para a casa de Renata, do outro lado do rio, e na cabeceira da ponte havia um ciclista estendido no asfalto, sem sangue escorrendo, de olhos abertos, como se olhando o caminho para onde deveria continuar seguindo. Estava imóvel. Sua bicicleta estava um pouco mais a frente não muito retorcida. O trânsito começava a parar. Deitei minha bicicleta aos pés do acidentado, me agachei, tomei seu pulso ainda quente, e aprendi que o morto tem por um bom tempo uma circulação de fluidos que é estranha, silenciosa, elétrica sem eletricidade, o último suspiro de vida. Cruzou alguém, olhou para mim e fuzilou: “Está morto”. Fiquei ao lado do morto mais uns segundos e depois segui meu caminho. O ciclista deitado no asfalto continuou lá em seu derradeiro anoitecer de outono. Não havia mais nada a fazer, pelo menos naquele momento.
A passeata segue em frente pela Marginal Pinheiros e eu não me sinto em condição de acompanha-la. Fico pensando na Petição INICIATIVA POPULAR SOBRE CRIMES DE TRÂNSITO QUE ENVOLVA A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N15216 e nas ações que se pode fazer daqui para frente.
Prevenção, eu acredito em prevenção. Prevenção deve ser baseada na ciência. Infelizmente o pouco que se luta contra este estado de coisas, esta barbárie de mortes violentas no trânsito e por assassinato, são pequenas ações sempre posteriores ao acontecido. Como fazer que este país, que convive tão normalmente com a violência, a ter atitudes preventivas? Preventivo não gera votos. Brasil é um país festeiro, ou festivo, como queiram, e o que vale mesmo, como dizem os americanos, é que “o show deve continuar”. É comum no sertão acontecerem brigas no meio das festas, dos forrós, e quando há um assassinado o corpo é recolhido, colocado do lado de fora do salão, encostado à parede, para que o baile não pare. Simples. Mais ou menos como o trânsito que amaldiçoa os motoboys acidentados. “Tira este f.d.p. da rua que estou atrasado!” ouve-se o grito anônimo. Igual ao entregador com sua Fiorino que para ao lado do marronzinho da CET, pergunta o que está acontecendo e sai xingando o protesto. Não há visão da busca de uma solução definitiva, só do ter os problemas pessoais resolvidos imediatamente.
Quem se interessa por reivindicar melhorias para o trabalho da Polícia Científica e do corpo de Legistas? Quantos legistas há no Brasil com especialidade em acidentes de trânsito, principalmente atropelamentos e acidentes envolvendo bicicletas? Em relação à bicicleta em si creio que não exista um sequer. Com dezenas de milhões de ciclistas circulando não há um especialista sequer. Bravo! O show deve continuar! Minha experiência diz que não adianta ter lei se não houver instrumentos e ferramentas para sua aplicação, no caso o trabalho acurado das duas Polícias, civil e militar, da Polícia técnica e dos Legistas. E de escrivão. É neste ponto que toda sociedade brasileira empaca. Nós queremos ver, queremos já, queremos ser enganados pelos nossos desejos infantis de uma justiça que não funciona e é frustrante, a dos nossos próprios delírios e a oficial, do poder público. E ai, acreditamos em falastrões de ocasião, todos, sem exceção políticos.
Antes de deixar a passeata tenho uma última visão da mãe de Victor Gurman. Até hoje não entendo o que aconteceu. A qual velocidade estaria o carro? Há um cálculo, mas com um grau de imprecisão grande. Quem estava dirigindo? Afirmam que era a motorista, mas ainda pairam dúvidas. Me pergunto se o exame de corpo de delito, que deveria ter sido feito logo após o acidente no motorista, ele ou ela, e no passageiro, ele ou ela, não é citado por nenhuma reportagem. A Land Rover do acidente é um carro sofisticado que tem airbags, que supostamente devem ter aberto no acidente. Se isto aconteceu, deve haver marcas nos corpos dos dois que estavam no carro. Se o airbag não foi acionado provavelmente os corpos devem ter sofrido outros hematomas. Mas numa batida daquelas seguida de capotagem corpo sem hematoma só por milagre ou pura cegueira. Em qualquer das duas hipóteses as marcas dos corpos devem provar quem de fato estava na direção no momento do acidente. Nem se sabe o grau de teor alcóolico dos dois. Pelo que li, ela também afirma ter bebido, mas só um copo.
Mas a questão da perícia não deveria parar por ai. E a questão da condição da via na área do acidente? Como é a sinalização vertical e horizontal, como está o geométrico da via? A calçada existente no local oferece condição para o pedestre? Se há erros na técnica da segurança viária, de quem é a responsabilidade? Houve outros acidentes? Há especialistas nesta área legista que tenham independência e isenção para fazer uma análise? E o corporativismo, como vai? Vai bem? Não existe?
Pelo menos o acidente de Victor parece ter andamento. Do outro lado da Marginal está a USP, e me vem à memória de outra tragédia que vem torcendo minhas entranhas. Estive com a mãe e o irmão de Leonardo Araújo dos Anjos, atropelado e morto no começo do ano na Rod. Raposo Tavares depois de sua festa de calouro da FEA USP. Ao que tudo indica nunca saberemos o que realmente aconteceu. Os fatos continuam não fazendo sentido. O tempo passa e nada parece acontecer. Leonardo está prestes a entrar nas horrorosas estatísticas que trucidam nosso futuro. É um mal, um câncer que vai invadindo a de todos, sem exceção. Ninguém está isento. Segurança no trânsito é saúde pública, ou pelo menos deveria ser.
A imprensa? Quantos jornalistas têm formação ou capacidade para acompanhar qualquer destes casos e escrever matéria coerente? A maioria dos jornalistas que tenho conversado faz sua pauta em cima da Assessoria de Imprensa da CET, o que é uma boa fonte, mas é um pouco como perguntar para o lobo o que está acontecendo. CET ou outros órgãos são os culpados por tudo? Não, não necessariamente, mas responsáveis pela questão de engenharia. Há filigranas que fazem muita diferença, para o bem e para o mal. Ou todos erram e a engenharia de trânsito é impecável?  Não há quem possa dar informação técnica isenta, o que levaria a sociedade ter outra visão dos fatos, que também levaria a uma mais apurada autocrítica dos próprios técnicos e responsáveis pelo trânsito, o que finalmente e mui provavelmente levaria a uma diminuição no número de acidentes, hospitalizados e mortos. Esta é a matemática que qualquer lugar civilizado do mundo faz. Tal qual Oswaldo Cruz fez em sua batalha pela saúde pública. Trânsito é saúde pública.
Eu me sinto culpado por estar escrevendo textos tão pesados e publicando-os no blog. Ao mesmo tempo me sinto culpado pelo silêncio. Silêncio mata, normalmente mui lentamente, sem que a gente perceba ou morra de fato. “Não adianta ficar só falando de desgraça”, dizia alguém. É verdade. Falar só não adianta, é preciso agir. Mas como agir?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Novos impostos. Velhos impostores?

Os novos impostos para bicicletas são os que estão no link abaixo

http://www.transaex.com.br/noticias.php?id=719

• Pneus de borracha, dos tipos utilizados em bicicletas (NCM 4011.50.00): de 16% para 35%;

• Bicicletas (NCM 8712.00.10): de 20% para 35%;

É literalmente uma vergonha! Agora que a coisa está caminhando bem. Boneca deslumbrada?

A alegação de proteção à indústria nacional, na forma de aumento destes impostos, só serve para quem tem interesses individuais ou pessoais. Quem atendeu a este pedido, de aumento de impostos sobre bicicletas e pneus importados, desconhece o que é o setor brasileiro de bicicletas e suas práticas. Do contrário não daria um tiro no próprio pé.

Conhece a verdade dos fatos, coloca no lápis, faz contas básicas e tira suas conclusões. Um mais um são dois e provavelmente consideraria uma burrice sem tamanho aumentar estes impostos. Proteção a indústria nacional? Proteção a geração de empregos? Ora, faça-me rir! Só não entenderam que talvez que esta indústria nacional não atenda aos interesses do futuro do Brasil. Este é o ponto. Conheçam e façam uma análise isenta. Conheçam as histórias, conheça a realidade, investigue. Não ouça só uma versão dos fatos. Governo existe para mediar a sociedade, no sentido de construir um futuro melhor para todos, e não para atender interesses individuais. Bicicleta é ou não interesse do Brasil?

Quem fabrica pneus no Brasil? Levorin? Quem mais? Quem tem peso para fazer pressão para mudança de impostos? Alguém do Governo Federal tomou o cuidado de ir até qualquer loja que venda bicicletas com pneus nacionais (made in Brazil) e apertou os ditos pneus para ver se estão cheios? Perguntou ao vendedor por quanto tempo ficam cheios? Tiveram o cuidado de ir às bicicletarias e ouvir de quem vende pneus e câmaras nacionais o que eles acham sobre a qualidade dos produtos? Ouviram os usuários? Por que não fazem teste comparativo com os importados? Durabilidade, resistência a furos, perda de ar, grau de atrito, aderência, deformação, assentamento no aro, pressão máxima... Há técnicos especializados em acidentes envolvendo ciclistas para definir a responsabilidade de pneus nos acidentes?

Industria nacional de bicicletas: Quem prejudica as grandes marcas nacionais? As importadas? Ou as informais? Sim, as informais que os próprios afirmam existir e ser responsável pela metade do mercado? Então, qual é o problema para o Brasil: umas poucas centenas de milhares de bicicletas importadas (provavelmente não deve chegar a 200 mil) que pagam impostos, ou mais de 2 milhões e meio de bicicletas fabricadas informalmente no Brasil que não existem, portanto não pagam nada de imposto? Por que não foi colocado no lápis esta conta simples? Quanto arrecada o Governo com o imposto de importação X o que não se arrecada com a indústria informal? Quem realmente prejudica a indústria nacional oficial? Será efeito “Zona Franca de Manaus”? Ou vontade pessoal de mauricinho em foder a alma de uma marca brasileira nanica? Qual é a verdade? Proteger a indústria nacional?

Alguém colocou no lápis o tamanho do estrago que estes aumentos de impostos fazem para bicicletarias, ciclistas, projetos de viabilização da bicicleta como modo de transporte e o futuro das cidades? Alguém pensou no que significa isto em termos de custos hospitalares? Sim, hospitalares! Custo de ciclista acidentado! Qual é o percentual real de ciclistas que sofrem acidentes por falha mecânica da bicicleta? Bicicletas importadas com padrão internacional têm índice praticamente zero de defeito. Qual será o nacional?

Por que não se manda qualquer bicicleta nacional, principalmente as básicas, para um organismo internacional de avaliação de qualidade e segurança? Vamos lá, Governo Federal, façam isto, tenham coragem, há milhões de trabalhadores se transportando com elas. Bicicleta é veículo por lei (CTB) e deve oferecer segurança. Vamos, manda um lote de "bicicleta indústria brasileira", com vários modelos, de várias faixas de preço, para ser avaliada lá fora. Vai ser interessante.

E pergunto aos fabricantes nacionais: o que aconteceu há uns anos atrás, naquela história que me contaram dos pneus, não vai se repetir novamente? Vocês vão colocar a produção nas palavras de um único fornecedor nacional? Parabéns! Ou o acordo foi muito bom, ou vocês vão ter que correr de novo e desesperadamente para fornecedores de fora. E ai, se a situação se repetir, quem vai pagar o custo do imposto mais caro? O comprador? Genial. Aliás, pensando bem, como vocês vão fazer o cálculo de custo das bicicletas topo de linha? Vai ficar muito mais caro ou vão vender com pneus impróprios? Vão mudar as características técnicas das bicicletas? Ou o pneu importado que entrar pela Zona Franca não paga a mesma coisa? Ou ainda vão fazer como uma famosa marca de motos obrigada a montar (na Zona Franca de Manaus) as motos com um pneu inseguro para aquele modelo, mas nacional? Feita a venda da moto os pneus importados, apropriados para as características da moto, eram entregues como brinde (custo incluído no preço final da moto, é lógico)? Enfim, como vai ser com as bicicletas nacionais mais sofisticadas?

Organizar um setor como o das bicicletas requer planejamento, principio, meio, fim "e futuro". Atender a demanda de um ou dois sem olhar o todo é repetir erros grosseiros do passado. Fizeram igual na década de 90 e o resultado é que o mercado deu uma freada violenta, e, acredito eu, esta foi uma das razões para a Caloi quebrar na administração da família Caloi. Aumentar imposto da concorrência é uma doce e burra ilusão porque, por mais que queiram, não há qualidade para ser concorrência.

Se as autoridades querem mesmo organizar e incrementar a questão da bicicleta é necessário olhar com seriedade para o todo e não só ficar restrito ao cabresto do sistema cicloviário, obras, asfalto, sinalização... Negam assim que circula neste sistema cicloviário um veículo chamado bicicleta. A história moderna da humanidade prova: “ao socialismo se vai de bicicleta”.

O Governo Federal, que presta serviços à sociedade, deve explicações sobre esta história. Ou dá mais uma prova de seu interesse pouco sério por este veículo tão popular chamado bicicleta.

Vocês acreditam mesmo que vamos chegar a algum lugar com este nível geral de qualidade de bicicletas? Creio que a resposta está na “piãozada” que assim que pode troca a bicicleta, que sempre dá problema, por uma moto. Custa menos. Como já disse um milhão de vezes: o melhor vendedor de motos deste país é a indústria nacional de bicicletas.

Ou se faz com qualidade ou se faz com jeitinho brasileiro. Eu fico com qualidade, que tem critério, princípio, meio e fim: segurança, conforto, sustentabilidade, equidade. Eu fico com as Embrapas deste Brasil. Há muitos exemplos a seguir aqui. Basta escolher o que se quer.

domingo, 2 de outubro de 2011

Mudança de regras: novo imposto para bicis

O imposto incidente sobre bicicletas importadas vai aumentar para 30%. O Brasil já viu esta história, lá pelo início da década de 90, não lembro exatamente o ano. Naquela época, que acabou sendo o final da triste era do oligopólio Caloi / Monark, o pessoal do setor responsabilizava o então todo poderoso Bruno Caloi pela mudança de regra. Ele tinha cacife para conseguir com Brasília, em nome da proteção a indústria nacional, um aumento sensível no imposto de importação de bicicletas. A intensão então, como agora, foi pegar os importadores de bicicletas básicas. Ninguém era santo. Ouvia-se as mais diversas histórias sobre os mais diversos trambiques. Mandos e desmandos autoritários, imaturidade geral do setor, tiveram como resultado óbvio uma retração muito grande de todo mercado, que afetou inclusive a própria Caloi, então o único fabricante nacional de bicicletas concorrentes às importadas. Interessante, mas uns anos depois a Caloi quebrou e só não desapareceu por vontade pessoal do Musa pai que segurou uma barca furada sem tamanho.

Como já disse, o imposto vai subir 30%, ou para 30%, a bem da verdade não sei bem. O mercado já começa sentir os efeitos da alta, justamente num momento que parece que a bicicleta está tomando o espaço que todos nós lutamos há tanto tempo. A maioria que veio dar as más notícias afirma que este aumento saiu novamente de dentro da Caloi.
De quem quer que tenha saído esta ideia de jerico, a meu ver é de uma burrice sem tamanho. Ou má fé. Com a escala de produção que as indústrias brasileiras têm para bicicletas com preço venda público acima de US$ 250,00 é praticamente impossível conseguir preencher o mercado das grandes marcas internacionais, a não ser que conte com um protecionismo descarado. Mesmo assim um dia o bicho pega. Não dá para concorrer com a escala de produção e dumping de uma China. A não ser que os fabricantes importem bicicletas e montem aqui naquela maravilha chamada Zona Franca de Manaus. Maravilha para os abençoados. Neste sentido o aumento de imposto não protege a produção e o trabalhador brasileiro, mas o importador dito fabricante nacional. Vão sentar no protecionismo, aproveitando que o mercado brasileiro é patético e aceita qualquer coisa, e continuar vendendo bicicletas com problemas inadmissíveis em qualquer lugar civilizado. Aliás, inadmissíveis pelas leis brasileiras, CTB e Código Consumidor incluídos ai. Bom exemplo é uma mountain bike 21 marchas dita de qualidade produzida com as forquilhas traseiras com abertura própria para 24 marchas, a versão mais sofisticada. Obviamente uma redução de custos patética. Ou será ignorância sobre tolerâncias do alumínio usado?

Se houvesse boa fé a indústria nacional teria pressionado o Governo Federal pela diminuição dos impostos para bicicletas fabricadas no Brasil, principalmente as básicas. Com esta ação equilibrariam o mercado interno, que dizem ser de uma produção interna de 5 milhões de bicicletas/ano, sendo que pelo menos metade destas vem de fabricantes “informais”, piratas, e até literalmente inexistentes. Sim, fabricantes de bicicletas inexistentes, ou seja, sem ter registro em qualquer órgão regulatório. Este é realmente o problema, aliás, um puta problema! Por que não há interesse em diminuir os impostos sobre bicicletas? Por que não conseguimos ser global players?
Se houvesse boa fé com o Brasil teria sido apresentado um plano de reestruturação para todo setor de bicicletas no Brasil, com investimento em pesquisa, desenvolvimento e melhoria de qualidade geral. Não dá para comparar uma bicicleta básica brasileira da faixa de US$ 150,00 com qualquer do mercado americano, europeu ou internacional sério. As nacionais começam a desmontar em poucas semanas enquanto a similar distribuída no mercado internacional irá durar anos sem apresentar defeitos. Há quem afirme que uns 35% dos ciclistas morrem por falha mecânica da bicicleta. Vá até qualquer lugar onde a bicicleta seja usada para valer pela população e converse com os mecânicos locais. Revire o lixo das bicicletarias. “Irresponsabilidade do ciclista” – afirmam alguns cara de pau.

Parte desta baderna é responsabilidade direta do consumidor. Eu apontaria em especial o dedo no sentido do pessoal dito ciclo-ativista, que ainda se recusa entender que para ter ciclistas circulando nas cidades precisa uma coisa a mais que ciclovias e respeito. Para ter ciclistas nas ruas precisa de bicicleta, meus caros. E bicicleta é por lei, CTB, um veículo, portanto tem que ter qualidade. Bom, enfim, a classe média vai ao paraíso e quer que se dane o resto. E nossa maravilhosa esquerda está ai para dar carros para o povo. As cidades que se danem. Bom, melhor não entrar nesta confusão porque a história vai longe, bem longe, para o Brasil de nunca antes. Aliás, não me lembro de ter visto operários e sindicatos em manifestações pró bicicleta.

O setor da bicicleta no Brasil evoluiu, está um pouco mais organizado que há umas décadas, mas muita coisa que ainda acontece de forma patética e a prova disto é este aumento dos impostos sobre as importadas. Triste.

sábado, 1 de outubro de 2011

A surpresas de cada palestra

Tempo, tempo, tempo... Fala mestre Caetano Veloso. Mais uma palestra, mais um parto. Não sei bem quantas horas de trabalho para mais esta, mas foi mais de 10 horas sentado na frente do computador. No meio do parto saí para almoçar e conheci um palestrante ‘profissional’ que me deu o mesmo conselho que o que meus sócios vivem me dando em broncas: “Cria uma palestra (padrão) e usa sempre a mesma. (Sei lá quem) faz a mesma palestra há quinze anos e todos adoram”. Me pergunto se poderia fazer isto com a diversidade de público que costumo ter. Hoje será numa pequena escola estadual na quase periferia de Guarulhos.

Já estou na escola e ainda tenho um pouco de tempo antes de subir e fazer a primeira palestra. Será duas vezes a mesma palestra. Tempo, tempo, tempo... O tempo que passo preparando uma palestra dá a possibilidade de parar e pensar, um direito que deveria ser universal. Ainda tenho a forte experiência da Turquia nas costas e olho para minhas palestras passadas, mesmo as que repercutiram muito bem, com certeza de que falta muito, não consigo saber bem o que, mas falta muito. Esperam de mim que fale sobre bicicletas e ciclovias, mas isto não me basta. Sou cabeça dura, empacado, como dizia alguém de minha família. Quero levar os outros a entender que a questão é maior do que colocar a bicicleta na cidade de maneira tão simplória como numa ciclovia. Acredito que no fundo do desejo de cada um e de todos, quando estes pensam sobre bicicleta, está algo muito além da questão da bicicleta, que o sonho de liberdade desta vida anormal que temos em nossas cidades. Todos estão buscando um futuro menos massacrante e a bicicleta se apresenta com a ponta do iceberg. “Senhor, perdoai-os, eles não sabem o que dizem”; bicicleta virou ato de fé, não sabem bem do que, mas de fé.

O tema que me deram para as duas palestras desta tarde é “Sustentabilidade e qualidade de vida”. A cada dia que passa depois da Turquia eu mais vejo que brasileiro perdeu a noção do que é qualidade de vida. O que é qualidade de vida? Antes disto, o que é “qualidade”? Qualidade é um conceito mais fácil de explicar e resumi em 1=1 e 1+1=2. Mas o conceito de qualidade “depende da referência cultural”, coloquei num dos slides. Não vou falar sobre o ‘item’ “vida”. Não dá! Diariamente somos bombardeados com notícias que provam que nós, brasileiros, não temos o menor respeito pela vida. Não faz parte de nossa cultura. Exagero? Leia a matéria sobre a situação das polícias técnicas e legistas neste Brasil de nunca antes. Nela está a prova irrefutável que o número de mortes violentas é muitíssimo mais alto que o número oficial, 45 mil/ano. Maceió deveria ter pelo menos 88 médicos legistas, quando no Estado de Alagoas há só 21. E ai vai Brasil afora. Foi presuntado só virará morto oficial se for gente graúda. Graúna vai para a vala dos comuns. Povão morre, simplesmente, não importa a causa. E ai? Dá para explicar o que é “qualidade de vida” aqui, nesta escola? Dou uma de jornalista chapa branca em discurso de sindicato? “E ai, beleza?” Vou tentar levantar a bola sobre o que é “qualidade” e “sustentável” e a partir daí mostrar o que pode ser qualidade de vida numa cidade; sem entrar em maiores divagações. Tentar deixar uma semente.

As crianças que vejo pela pequena janela circulando no pátio parecem mais calmas e sadias que a média. A escola é respeitada por seu trabalho, considerado um dos melhores da região. Parece que na palestra estarão pais de alunos. O material que preparei é longo e denso, um tanto pesado. Tem sido sempre assim. Preciso mudar para algo mais simples e digestivo, sem cair no simplório imbecil. Hora do show. Desligo este computador o vou para fora ver a molecada, sentir o clima. “Arturo, boa palestra”. “Calma”.

As duas salas praticamente lotaram. Para minha surpresa só apareceu uma mãe e meu público foi uma garotada dos 12 aos 16 ou 17 anos. Baixei a bola e creio que tenha conseguido passar o recado. Ou estes estudantes são muito melhores que a média? Talvez um pouco dos dois. Para mim foi muito gratificante.

Terminado o parto, sento no carro e tento voltar para casa. Pego uma Dutra completamente parada, o que me dá tempo de sobra para rever meus passos em cada uma das palestras e procurar melhores caminhos para a próxima. Mais uma vez na vida confirmo que sou praticamente incapaz de repetir mecanicamente duas vezes a mesma coisa, no caso, a mesma palestra. Divagar é meu caminho. Uma menina faz um comentário e caio irremediavelmente num desvio de linha. Meu trem segue então para outro destino. A cabeça não pára mesmo que os slides na parede sejam exatamente os mesmos e eu tenha cuidadosamente ensaiado a fala em casa. Ainda me resta o direito de pensar.