Tempo, tempo, tempo... Fala mestre Caetano Veloso. Mais uma palestra, mais um parto. Não sei bem quantas horas de trabalho para mais esta, mas foi mais de 10 horas sentado na frente do computador. No meio do parto saí para almoçar e conheci um palestrante ‘profissional’ que me deu o mesmo conselho que o que meus sócios vivem me dando em broncas: “Cria uma palestra (padrão) e usa sempre a mesma. (Sei lá quem) faz a mesma palestra há quinze anos e todos adoram”. Me pergunto se poderia fazer isto com a diversidade de público que costumo ter. Hoje será numa pequena escola estadual na quase periferia de Guarulhos.
Já estou na escola e ainda tenho um pouco de tempo antes de subir e fazer a primeira palestra. Será duas vezes a mesma palestra. Tempo, tempo, tempo... O tempo que passo preparando uma palestra dá a possibilidade de parar e pensar, um direito que deveria ser universal. Ainda tenho a forte experiência da Turquia nas costas e olho para minhas palestras passadas, mesmo as que repercutiram muito bem, com certeza de que falta muito, não consigo saber bem o que, mas falta muito. Esperam de mim que fale sobre bicicletas e ciclovias, mas isto não me basta. Sou cabeça dura, empacado, como dizia alguém de minha família. Quero levar os outros a entender que a questão é maior do que colocar a bicicleta na cidade de maneira tão simplória como numa ciclovia. Acredito que no fundo do desejo de cada um e de todos, quando estes pensam sobre bicicleta, está algo muito além da questão da bicicleta, que o sonho de liberdade desta vida anormal que temos em nossas cidades. Todos estão buscando um futuro menos massacrante e a bicicleta se apresenta com a ponta do iceberg. “Senhor, perdoai-os, eles não sabem o que dizem”; bicicleta virou ato de fé, não sabem bem do que, mas de fé.
O tema que me deram para as duas palestras desta tarde é “Sustentabilidade e qualidade de vida”. A cada dia que passa depois da Turquia eu mais vejo que brasileiro perdeu a noção do que é qualidade de vida. O que é qualidade de vida? Antes disto, o que é “qualidade”? Qualidade é um conceito mais fácil de explicar e resumi em 1=1 e 1+1=2. Mas o conceito de qualidade “depende da referência cultural”, coloquei num dos slides. Não vou falar sobre o ‘item’ “vida”. Não dá! Diariamente somos bombardeados com notícias que provam que nós, brasileiros, não temos o menor respeito pela vida. Não faz parte de nossa cultura. Exagero? Leia a matéria sobre a situação das polícias técnicas e legistas neste Brasil de nunca antes. Nela está a prova irrefutável que o número de mortes violentas é muitíssimo mais alto que o número oficial, 45 mil/ano. Maceió deveria ter pelo menos 88 médicos legistas, quando no Estado de Alagoas há só 21. E ai vai Brasil afora. Foi presuntado só virará morto oficial se for gente graúda. Graúna vai para a vala dos comuns. Povão morre, simplesmente, não importa a causa. E ai? Dá para explicar o que é “qualidade de vida” aqui, nesta escola? Dou uma de jornalista chapa branca em discurso de sindicato? “E ai, beleza?” Vou tentar levantar a bola sobre o que é “qualidade” e “sustentável” e a partir daí mostrar o que pode ser qualidade de vida numa cidade; sem entrar em maiores divagações. Tentar deixar uma semente.
As crianças que vejo pela pequena janela circulando no pátio parecem mais calmas e sadias que a média. A escola é respeitada por seu trabalho, considerado um dos melhores da região. Parece que na palestra estarão pais de alunos. O material que preparei é longo e denso, um tanto pesado. Tem sido sempre assim. Preciso mudar para algo mais simples e digestivo, sem cair no simplório imbecil. Hora do show. Desligo este computador o vou para fora ver a molecada, sentir o clima. “Arturo, boa palestra”. “Calma”.
As duas salas praticamente lotaram. Para minha surpresa só apareceu uma mãe e meu público foi uma garotada dos 12 aos 16 ou 17 anos. Baixei a bola e creio que tenha conseguido passar o recado. Ou estes estudantes são muito melhores que a média? Talvez um pouco dos dois. Para mim foi muito gratificante.
Terminado o parto, sento no carro e tento voltar para casa. Pego uma Dutra completamente parada, o que me dá tempo de sobra para rever meus passos em cada uma das palestras e procurar melhores caminhos para a próxima. Mais uma vez na vida confirmo que sou praticamente incapaz de repetir mecanicamente duas vezes a mesma coisa, no caso, a mesma palestra. Divagar é meu caminho. Uma menina faz um comentário e caio irremediavelmente num desvio de linha. Meu trem segue então para outro destino. A cabeça não pára mesmo que os slides na parede sejam exatamente os mesmos e eu tenha cuidadosamente ensaiado a fala em casa. Ainda me resta o direito de pensar.
Agradecemos por tudo quanto aprendemos com sua visita. Nós nos tornamos melhores pessoas depois desse dia.
ResponderExcluirNunca o esqueceremos!
Carinhosamente
Todos da EE Pref. Antonio Prátici