segunda-feira, 28 de maio de 2018

Greve dos caminhoneiros: oportunidade única de aprender

Temos com a greve dos caminhoneiros uma oportunidade de ouro para aprender que Brasil temos e o que devemos fazer para melhorar. O país está entrando em colapso numa rapidez impressionante e há sinais que talvez a coisa não pare por aí. O que vamos tirar desta história toda? Vai depender de nossa capacidade de analisar todos os fatores envolvidos, e não estou falando sobre os fatores ligados diretamente ao protesto, à greve, como o preço do diesel, mas as consequências, estas sim são ouro puro da melhor qualidade para ser pesado, avaliado e trabalhado.
Situações de emergência expõe o nível de racionalidade e inteligência dos envolvidos nela. É aí que deve entrar o bom senso, a sabedoria, a experiência com a vida, e principalmente a capacidade de pensar em prioridades, ou a crise se aprofunda
Está claro que os brasileiros não primam pelo bom senso. Povo dualista, ou 'bipolar' como prefiro me referir aos brasileiros,  é a prova viva de falta de bom senso; pelo menos neste momento. Incrível é que no meio de toda esta bagunça a maioria dos que criaram o Brasil bipolar se retiraram de cena, e aí falo dos dois lados, a esquerda que não é esquerda e a direita completamente anacrônica e estúpida dos dias de hoje. 
Estamos mal. Acreditar na experiência, capacidade de pensar e em prioridades também não é nosso forte. Brasileiro tem profunda vergonha de sua história e quando olha para trás não consegue (ou quer) ver experiências vividas dentro de seu contexto para aprender algo. O isto ou o aquilo viraram verdades incontestáveis; as sutilezas não interessam. Vai tudo na ideologia, no dualismo pobre, na psicose bipolar.
Prioridade? A prioridade de melhorar a vida dos pobres imediatamente é uma ótima causa, a mais justa de todas, mas como a experiência da história diz que o "imediatamente" é tiro certo no pé a longo prazo. Mingau quente se come pelas bordas, aos poucos. O que temos hoje é prioridades a curtíssimo prazo, ou seja, sair desta e ver como voltamos ao normal o mais rápido possível. Mais: que lição tirar daí.


Leiam! Ouçam rádio! Vejam os raros programas de TV que tentam analisar a situação mais profundamente. Vejam os vários lados da questão. Este é o momento certo para procurar informação, a mais variada possível, se possível de qualidade, neutra, se não for neutra, pelo menos inteligente. É hora de aprender sobre o Brasil e quem somos. 

Respeite seu inimigo! Não são inimigos, são brasileiros, são diferentes, pensam diferente, mas é muito possível que queiram chegar ao mesmo fim, só que por caminhos diferentes.
Meter fogo em linha férrea, como está acontecendo numa das linhas da CPTM neste exato momento, é querer que a situação saia completamente do controle. É ir para o perde - perde geral, até para os mais radicais; infelizmente eles não percebem isto. 


A oportunidade que estamos tendo é rara, é bom aproveitarmos.

O lado bom é que se pode ver o que deveria ser uma cidade normal, com pouco trânsito, com tempo para fazer coisas, ler inclusive, ler muito. Fazia muito tempo que não sentia tanto prazer em pedalar nas ruas e avenidas. Esta é a São Paulo que eu pedalei, conheci e amei, e que sinto muitas saudades. A vocês que não faziam ideia, desfrutem.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

A paralização dos caminhoneiros e o custo das mentiras

E se o diesel custasse R$ 10,00 o litro e os caminhoneiros estivessem rodando felizes? Nenhum caminhoneiro estaria parado se no final do mês tivesse dinheiro para viver com dignidade. 
Como é a formação de custos de um caminhoneiro? esta é a pergunta que todos nós deveríamos estar fazendo, mas não estamos. O custo do diesel é o único problema que os caminhoneiros estão enfrentando ou é a gota d'água?
Faz muito tempo que vem saindo reportagens sobre o drama que se transformou a vida dos caminhoneiros. E não é um drama qualquer: rentabilidade baixíssima, jornada interminável na direção, estradas que sequer podem ser chamadas de estradas, absurda falta de segurança contra a criminalidade, logística de transporte insana, filas intermináveis para entregar a mercadoria por falta de estrutura portuária, praticamente inexistência de assistência, caminhões velhos, duros, pesados nos comandos, barulhentos, pouco confortáveis, custo de caminhão novo proibitivo, seguro caro, auto estima lá em baixo, estradas mal conservadas e sinalizadas, corrupção de agentes do poder público, atravessadores, custo e qualidade de manutenção... 
Aí os caminhoneiros pararam o país. É óbvio que eles são e serão serviço básico e essencial para o funcionamento deste país e se quiserem estrangulam sem dó nem esforço todo país em poucos dias. E como sempre os brasileiros acham que problema dos outros se não lhes afeta não lhes diz respeito, até que o outro diga 'respeito!'. Mais uma vez, como sempre, o brasileiro acorda assustado com mais um monstro esmurrando à porta de vidro e como sempre, e sempre é assim, passa a discutir as soluções com leviandade, de forma simplória, com soluções banais, como se jogando sanduíche de mortadela pela janela o mostro vá se acalmar e vá embora para sempre. Nunca vai, sempre ronda a casa. Nós nunca aprendemos nada do passado.
Não faço ideia de qual diferença faz uma estrada perfeita no consumo (e custos) de um caminhão, mas imagino que deva ser sensível. Imagino que a diferença no rendimento para uma estrada esburacada deva ser bem grande. Deve pior ainda naquilo que estamos tão acostumados a ver na TV. Posso afirmar isto como ciclista. Pega uma bicicleta de estrada e vai pedalar nas mais diversas condições de piso e sinta no corpo a diferença de rendimento, mas não só, a diferença de durabilidade dos pneus, aros, freios, e até dos rolamentos, todos eles, isto se a bicicleta não partir em dois, o que já vi acontecer. Michel Bogli conta que quando morava nos USA fazia uma limpeza na bicicleta a cada seis meses. Aqui? Toda semana, quando muito. A diferença entre o custo de uma estrada perfeita e estas picadas que temos aqui que chamamos de estrada está até no custo do filtro de ar do caminhão. Nossas estradas são tão ruins que a Mercedes Bens do Brasil tem que desenvolver caminhões próprios para a guerra.

No meio desta paralisação um representante dos caminhoneiros com sabedoria diz que a situação está assim porque 'o Brasil não tem (transporte por) trens, o custo do transporte de carga por avião é um absurdo...' Alexandre Garcia sempre repete que "num país de dimensões continentais como o Brasil não ter trens é um monumental erro estratégico". 

Não é o custo do diesel, é o custo Brasil. Tenhamos dignidade. Simples: se a Copa do Mundo de Futebol fosse agora no Brasil ainda não estariam entregues obras em 11 das 12 cidades sede da Copa, incluindo ai estádios incompletos. Mobilidade? Transporte? E agora que a bicicleta começa a sair da moda, como fica?

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar

"Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar" - é a frase que melhor define o grau de imbecilidade que reina absoluta neste país.
E agora o corrimão da escada! No edifício onde mora Teresa vão trocar o corrimão da escada porque depois de 60 anos de construção passou a ficar fora da norma. Daí entro no Google e vou ver o que pode estar errado com o ótimo corrimão que lá está. E vem a instrução técnica de Goiás, a norma ABNT brasileira, a instrução técnica nº 011\2010 - em REVISÃO de São Paulo, a instrução técnica nº 012\2010 - em REVISÃO de São Paulo,  a instrução técnica nº 011\2013 - em REVISÃO de São Paulo... um projeto de lei de autoria da USP de 2016... Procura, procura e descobre que em nome da segurança todas escadas agora tem que ter corrimão redondo com 6 cm de diâmetro, distanciamento de 4,00 cm da parede e aguentar uma carga de 900 Newtons. A alegação do Corpo de Bombeiros é que o que está lá tem uma forma que não permite que se agarre com a devida firmeza. Esqueceram de perguntar a vizinha de frente à porta de Teresa que tem 86 anos e desce e sobe aquelas escadas todos dias desde que o edifício foi entregue aos moradores. 
Arranquem a tapas os moradores de Paris de seus apartamentos em edifícios históricos! Aliás, de Paris, Londres, Amsterdam, Madri, Milão, de toda Europa! Em nome da segurança mandem trocar todos corrimãos! Coloquem placas preventivas "Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar" em todos elevadores europeus, americanos, japoneses, do planeta, inclusive nos de porta pantográfica. Todos estão correndo perigo! São todos uns idiotas que não percebem a verdade! Aproveitem que o Trump está no poder!
Pela nossa lei esta escada está interditada! Multem o dono!
Vamos olhar por um outro prisma: geração de lixo. 
Em 1998 o CTB obrigou que toda bicicleta vendida e rodando no Brasil tivesse instalado refletores dianteiro, traseiro, de pedais e rodas. A lei está absolutamente correta! A maioria dos acidentes envolvendo ciclistas acontecem a noite, principalmente no entardecer e amanhecer. Há números inequívocos que provam a eficiência dos refletores. Há norma ABNT para o refletor, mas esqueceram de especificar as qualidades do suporte e sistema de fixação dos refletores. Resultado? Os refletores caem e vão para o chão, com sorte muita terminam no lixo.
O Brasil produz algo em torno de 5 milhões \ ano de bicicletas, portanto em 20 anos foram 100 milhões de bicicletas. Cada bicicleta leva 6 refletores. Portanto, tivemos 600 milhões de refletores gerando resíduo que degrada em pelo menos 100 anos. 
E o entulho da troca do corrimão, como fica? A lei vale para a cidade, para o estado, para o Brasil?

Corrimão é a prioridade número um para a segurança dos moradores? Como vai a parte elétrica? Como vai a educação do povo para o uso da energia elétrica? Como vai o gato? Com a filha adolescente troca o sofá por cadeiras plásticas?

Quando vamos aprender o que é preventivo, o que é prioridade, o que é custo benefício, o que é resultado? Que Brasil você quer?

Não vote em quem vende plaquinha de elevador, nem em quem garante que teremos corrimão seguro, muito menos em tomada não dá choque.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

De volta ao bang bang.

Meus últimos dias em cidades que eu gosto geralmente são melancólicos. Não o fim das férias, mas é o deixar para trás a vida civilizada, o poder viver leve. Nossa vida no Brasil está muito pesada, muito grotesca, com uma qualidade de civilização inaceitável. Nada a ver com minhas paixões, Amsterdam, Paris, NY, Milão as preferidas, cada uma a seu estilo, todas abertas para vida, todas olhando para o futuro, todas cosmopolitas, todos cheias de liberdade, cultura, civilidade. Meus últimos momentos em cada uma delas é melancólico. Saio para andar, sento num café ou praça, me despeço de cada rua, construção ou monumento como numa despedida de alguém muito amado.
No passado eu voltava para casa cheio de ideias e esperanças; já faz um bom tempo volto com uma raiva que só aumenta. Hoje em dia se um imbecil vier com aquela frase idiota "Se fala mal do Brasil porque não vai embora?" com certeza vou levantar a voz e responder "Por que quero lutar para derrotar os que destroem o meu país". Esperança ainda não morreu, mas minha esperança está se desvanecendo.

Todos nós temos problemas. Minhas cidades preferidas têm problemas. Os cidadãos das minhas cidades amadas têm um dia a dia com suas mazelas. Não é vida de turista, definitivamente não é, onde quer que se esteja. A diferença para o que temos é a qualidade geral, em tudo. Me veio a mente um monte de situações civilizadas e comecei a digita-las; este texto estava ficando enorme e apaguei tudo. Não preciso escrever nada, basta abrir o NY Times, o Le Monde, o El Pais em papel que tirei do avião e estou lendo agora. Está lá, em textos com princípio, meio e fim. Nossa imprensa sobrevive porque soube se curvar a mediocridade geral dos brasileiros, nossos jornais são magros, nossos textos são curtos, as notícias não conseguem fugir do moto perpétuo da violência, da política esquizofrênica, do futebol 7 X 1. Pão e circo.

Meu irmão, Murillo, quando voltou de sua viagem primeira viagem à Europa em 1969 desceu a escada do avião (não existiam os fingers) e a primeira coisa que disse foi "De volta ao bang bang!" Nossos problemas são de longa data e as soluções que foram dadas a eles não deram os resultados esperados, digamos de passagem foram medíocres. 

Incluiria Buenos Aires e Rio de Janeiro, e mesmo com todos seus problemas eu as amo. Com dor e confusão na cabeça incluiria São Paulo, minha terra, cidade que conheci praticamente inteira pedalando antes da devastação sofrida pela especulação sem limites apoiada pela mediocridade geral de todos. As cidades brasileiras vêm num processo de degradação lento e inaceitável.  Digo e repito: Brasileiro não sabe o que é uma cidade; brasileiro usurpa a cidade. A fala de Alexandre Garcia sobre seu retorno das férias hoje na Rádio Eldorado - Estadão diz tudo.
Buenos Aires parece que está chegando no ponto de retomada de sua grandeza porque o portenho vive com amor e respeito sua Buenos Aires querida. Choro pelo Rio, todos nós choramos. São Paulo? A Sampa que temos hoje pode bem ser definida pelo edifício patrimônio histórico favela que desabou no Centro.

Nas primeiras pedaladas aqui pensei neste texto e fiquei na dúvida se estava sendo muito duro. São Paulo, dependendo de onde se esteja, não é tão ruim assim. Será? Ou estamos tão acostumamos com o ruim e sem saída que apagamos rapidamente a normalidade?

Normalidade? Simples: é ver John Carrie, Secretário de Estado dos Estados Unidos, segundo homem da administração Obama, andando a pé com um amigo, sem segurança, com um cidadão comum que agora o é, pelas ruas de Milão. Não entendeu? Ok, desculpe.






quinta-feira, 10 de maio de 2018

Quem ajudar? Como ajudar?

A história de um cachorro meio abandonado está batendo forte na minha cabeça desde de ontem. A dona está no meio de uma grande confusão e não consegue lidar com os cuidados que o cachorro realmente necessita. Não consegue por causa da confusão ou não quer por causa do seu carater, esta é minha dúvida. O cachorro é só a gota d'água de um contexto bem maior, mas parece ser mais uma ponta do iceberg.
Na situação caótica que estamos vivendo quem se deve ajudar? E como? Com quem se deve usar o próprio tempo? Como gerar futuro?
Não falo especificamente de ajudar os que optam pela vida simples, espartana, pobre para alguns, mas dos que estão ou são fora do padrão de normalidade, incluindo a pobreza. Falo dos outsiders, incluo ai os que definitivamente não são pobres.

O Giro de Itália começou. Ciclismo, como qualquer esporte coletivo, tem como regra a colaboração conjunta para chegar ao melhor resultado possível. Caso um ciclista perca sua condição de competição ele será descartado do time para que o resto prossiga sua missão. Esta forma de se chegar ao objetivo é humana, fruto dos tempos, ou será inerente a nosso instinto animal? Descartar?

Nossa sociedade ocidental está montada sobre uma sólida base de pricípios judáico-cristãos. Não há menor sombra de dúvida que as escrituras sagradas são um código de conduta social. Funcionaram, bem ou mal o resultado está ai. Igreja, texto sagrado, e uso destas ferramentas, são peças completamente diferentes. O uso da culpa para unir pelo bem comum é altamente eficiente.
Mal carater pode ser definido por aquele que não compra a culpa?

Quem ajudar? Como ajudar? Com qual objetivo ajudar?
E no meio destas perguntas e contextos entra o carater de quem se ajuda. Como distiguir confusão, objetivos mal traçados, de mal carater?
A decisão está no grau de urgências. Decisão, não resposta. A resposta não interessa mais por que temos que usar todas as ferramentas possíveis para sair desta. Mas como manter sob controle os danos causados pelos mal carater, este é o ponto. Em que ponto simplesmente se deve descartar quem não vale a pena?
Que se dane os textos sagrados e as ideologias. Não estão obsoletos. Provavelmente estamos fazendo mal uso deles.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Milão: o arco iris de via Monte Napoleone

Via Monte Napoleone estava fechando, final de dia, umas últimas lojas ainda abertas. Local para poucos consumidores, preços absurdos para pobres mortais. Porteiros \ seguranças sorridentes para abrir as portas (e evitar possíveis roubos). Aqui em MIlão são raros - seguranças e roubos. Itália é muito segura, Milão mais ainda. Qualquer um que tenha um mínimo de noção de normalidade sente um profundo incomodo vendo um segurança de loja, mesmo estes aqui que são educadíssimos. Isto aqui é Europa. Entro numa loja e pergunto porque dos seguranças. A resposta é simples: "uma vez roubaram um casaco muito caro e perceberam que o casaco custa muito mais que o salário de um segurança". A bolsa de couro na vitrine custa 4.500,00 Euros. Matemática fácil.
Muitos clientes são chineses, ditos ainda comunistas, e russos,  positivamente ex-comunistas, alguns saudosos. São fáceis de identificar andando pelas ruas. Chineses no geral andam em bando e entram em bando nas lojas, falam alto, são meio escandalosos. Uma chinesa, solitária, se trancou no provador de uma loja COS aos berros no celular, provavelmente por que a atendente lhe disse que tinha a blusa só em branco ou preto. Ela se recusou a entender que não tinha em cor rosa e se trancou no provador. Saiu sorrindo depois de meia hora e entregou tudo que estava provando como se nada tivesse acontecido. A saber, COS, Collection off Stile, é uma das mais chiques redes de lojas de roupas masculinas e femininas da Europa, com roupas de desenho limpo, inteligente, modernas\classicas de origem sueca e preços honestíssimos.
Chineses gastam uma barbaridade sem o menor pudor comunista, seja lá o que quer que seja isto, se for significar algo. Russos, ex-comunistas, são facilmente identificáveis por que fazem questão de mostrar seu poder de compra e seus exageros, principalmente as mulheres, umas tantas com aparência muito além de peruas. Também começa com "p".
Perguntei ao atendente quem roubava? Esquivou-se da resposta com uma polidez exemplar e um sorriso irônico. Passei por todos, inclusive brasileiros, mas sequer piscou ao responder. Chines só ousa roubar se for completamente louco. Pelo resto não respondo. O fato é que chineses e russos compram, muito, isto é certo, e provavelmente todo este desvario não existiria sem eles. Ok, devesse incluir ai os árabes e outros que tais, e outros bilionários do planeta. É lógico que se pode incluir os milionários da corrupção, o que inclui muito brasileiro.
A riqueza de uma rua como via Monte Napoleone é impressionante. Mas a rua é discreta. é mais uma rua na cidade, nada mais. Tirando a gozação com chineses e russos, merecida, e outros comentários, a verdade é que o rico daqui é normal, bem mais discreto. É secular, está sustentada pela história, pela vontade de fazer grande, de crescer, de construir para o futuro. Não há crime em ser rico, não há vergonha da riqueza, não se julga pela riqueza. Pode não ser justa, nem honesta, mas não tem aquele rançoso que temos no Brasil.
É logico que um senhor chiquérrimo dirigindo um Bentley azul marinho conversível com estofamento bege chama a atenção, mas não grita como numa Oscar Freire. As Ferraris são muitas, menos barulhentas, normais. Não grita por que é normal, tem aos montes, passando para todo lado. Destoa quem precisa mostrar riqueza, quem precisa se empoderar de poder.
Complexo de inferioridade imaturo pega muito mal, estraga o que é bom ou pode ter futuro.
Ver aquelas vitrines, entrar nas lojas, admirar a loucura, a qualidade, a criatividade de cada uma das peças, cada estilo, cada loucura, algumas completa e deliciosamente desvairadas, é uma aula magna de arte, cultura, de... de... de... da maluquice em que o planeta está envolvido. E põe maluquice nisto! Ou chiquérrimas. É uma aula primorosa de inteligência. Valentino!
Entrei em várias lojas, entrei como um qualquer, sem discriminação. Está na cara que não sou rico. Fui atendido com gentileza.
Esta não é a única nem a verdadeira demonstração de riqueza de Milão. A riqueza está em tudo, em cada fachada preservada, nos que os bondes de 1950 que ainda circulam transportando a população representam, da cidadania de pobres a podres de ricos, as muitas praças, o patrimônio histórico, as crianças sendo levadas pelos professores para os museus ou mesmo a Galleria Vittorio Emanuelle. Vizinho a Galleria Vittorio Emanuelle está o Scala di Milano, um simples "teatro" se for levado em consideração sua impressionante história, um imensurável contraste com a besteirada que se pensa, diz e faz nestes tempos com a riqueza e seu poder.

Recebi um Whatsapp com um filme de uma jovem cientista brasileira que desenvolve seu trabalho em Harvard. Ela fala sobre a falta de atenção (eu diria desprezo) dos brasileiros pela pesquisa... e não vou me alongar no que ela falou com sabedoria porque é deprimente, real e deprimente.
É difícil de explicar para brasileiros, até para muitos cultos e viajados, o que é riqueza. Não só brasileiros. Idiotice e complexo de inferioridade mal resolvido tem em todas as partes.

E dobrei a esquina da via Monte Napoleone olhando para tudo e vi o arco iris. Andei apressado até achar o melhor ângulo para vê-lo quando começaram a cair pingos grossos de chuva, poucos, esparçados. E o povo que passava em volta sem parar se refugiou nas calçadas cobertas. A chuva diminuiu, continuei olhando arco iris só no meio da rua, isto chamou a atenção de uns poucos que perceberam o arco iris. Ficaram felizes. Fotografaram.
O Duomo ganhou um brilho amarelado que foi esvanecendo aos poucos, até o acender da iluminação noturna, branca, teatral. O arco iris tinha desaparecido, como deveria. Milão continuava lá, e assim continuará. Foi construída para ser eterna. Sua riqueza o é. Poucos percebem.

segurança no trânsito a italiana


O resumo da ópera é o seguinte:

Trânsito é um dos espelhos mais fieis de uma sociedade. Itália tem um trânsito meio bagunçado, que não se preocupa com detalhes, vamos dizer assim, mas que é tranquilo, civilizado num outro senso. Para os ortodoxos ou politicamente corretos, aqueles que se preocupam demais com a própria segurança em nome da segurança coletiva, provavelmente assusta, mas funciona. Há respeito, há individualidade, há um profundo senso de coletividade. E a Itália tem cidades, num sentido mais amplo.

Trânsito bagunçado? Velocidade máxima está nas placas para constar. Não tente andar nos 110 km\h que está determinado pela sinalização da estrada por que até os Smarts vão passar por você. Como se fosse piada posso dizer que vi uma velhinha dirigindo bem enrugada, cabelo branco, rosto grudado no volante, dirigindo um Fiat 500 antigo, 1980, (não dá mais que 120 km\h, se tanto) carrinho pequeno, do tamanho de um Smart, se tanto, rodando numa autoestrada à direita, na borda do acostamento, no limite de velocidade, 90. Foi a única. Mesmo dentro das cidades, até os mini-carrinhos, elétricos ou de dois tempos, vão rápido. Motos então…, barulhentas, potentes, nada de CG 125, aceleram forte. Mas….

Param! Se perceberem que o pedestre está cruzando param; ou diminuem. Tão seguro quanto Londres, NY, Paris, mas diferente. Nâo o “vejam todos, eu parei, sou bom cidadão, sou correto, estou dentro da lei”. Na Itália tudo se ajeita. Como na política. Eles tem sei lá quantos partidos, fazem sei quantas coligações, não sei se parece ou é uma baderna, mas a coisa vai. O mesmo no trânsito, bem mais organizado. Na calçada do café tem um Jeep estacionado com duas rodas na calçada. Não, olhando bem, tem mais alguns outros. Lá na frente tem moto também na calçada, e scooters, monte delas, todas sobre as calçadas ou qualquer espaço onde se possa estacionar. Atrapalha o pedestre? Para os puristas com certeza: a calçada é sagrada. Para estes cidadãos italianos é uma situação dos tempos que vivemos. Para resolver, acordo!

Um pouco além do fora de regra está a nova geração de ciclistas. Milão tem bicicleta por tudo quanto é canto, a maioria bicicletas clássicas, originais, de babar. Tem montes de femininas da década de 60 com freio varão correndo por dentro do guidão, de enlouquecer. A quantidade de ciclistas idosos é muito alta, maravilhosamente alta. A maior porcentagem de ciclistas é adulta. Como em qualquer parte do mundo pedestre sofre com os ciclistas mais jovens, e ai falo de homens e mulheres jovens, da faixa dos 25 para baixo.

Como tudo se ajeita por aqui, bicicleta circula em qualquer lugar, incluindo áreas preferenciais para pedestres, entulhadas de pedestres, onde os ciclistas que tem bom senso empurram. Ciclista pedalando rápido no meio da Galeria Vitorio Emanuelle é um absurdo, mas vê-se com certa frequência.

Interessante, são poucos os skatistas. Patinete se vê, skate difícil.

Ninguém reclama, é raro ver um xingando o outro. O jogo é aberto e civilizado. 






Acabei de ver (mais uma vez) uma boa definição do que é o trânsito italiano. Eu estava num bonde, atrás vinha um furgão grande de entrega, que ultrapassou pela direita, parou em fila dupla atrás de um carro de polícia. O policial estava encostado no capô anotando algo num papel, olhou para trás, viu o motorista descer do carro, os dois se cumprimentaram educadamente, e o policial voltou ao seu afazer e o entregador foi fazer seu serviço.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Diferença abissal

Mudando canais dei na RAI 5 com este maravilhoso programa produzido pela BBC, sempre BBC. Conta um pouco da história do trem na Europa refazendo a viagem escrita e publicada num livro em 1913.  Great Continental Railway Jorneys é mais um primor, ótimo exemplo do que pode chegar a ser uma TV educativa.
Antes, vi no mesmo canal um programa com uma visão muito interessante sobre o Renascimento, que, segundo o historiador, tem seu apogeu em um dos mais importantes momentos da história humana, o Maneirismo. E ai vai numa análise sobre outras razões que normalmente não são incluídas no conceito básico de renascimento.
Em algum horário estão passando na TV italiana uma série sobre a Segunda Guerra Mundial que apresenta fatos e imagens, brutais que nunca havia visto. Só agora começa a cair a censura. Trechos de filmes sobre mortos, muitos, dezenas, centenas, pelas ruas, estradas, campos, mortos sendo soterrados pelas esteiras de tanques no barro das estradas, corpos sendo arrancados do chão, pedaços; se começa a falar sem meias verdades sobre a juventude hitlerista, sobre campos de concentração não só de judeus, mas de inimigos de guerra de todas nacionalidades,  ossos capengas ainda em pé, quando em pé, japoneses sendo queimados vivos, japoneses se explodindo... A localização de campos de concentração, não os que sempre ouvimos falar, mas de centenas. Tinha campo de concentração espalhado por tudo quanto era canto. Filme sobre as populações locais que foram obrigadas a visita-los por que desconheciam o que acontecia vizinho de suas casas, mas desconheciam e por isto não acreditavam. A loucura foi infinitamente maior do que sabíamos, do que imaginávamos, ou que permitiram que soubéssemos.

O Brasil do nunca antes, e toda sua população, absolutamente toda a população, faz e anda para cultura e história. Temos alguns canais, como a TV Cultura, talvez o melhor de nossa TV educativa, que não recebe o devido apoio e respeito. Infelizmente se usou alguns canais educativos para fins ideológicos, o que é um crime social e também legal. Uns poucos tiraram proveito, o Brasil perdeu. Não temos história, não temos referências, não temos crítica, não podemos fazer uma análise honesta e construir um futuro digno. Deprimente. Brasil do nunca antes não, Brasil de sempre.

Hoje, 04 de Maio, meu irmão, Murillo de Azevedo Marx, faria 73 anos. Falar sobre história e memória é o mínimo da homenagem que posso lhe fazer.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Risoto perfeito, impecável

Anthony Bourdain, um ex chef fez para TV fazer uma das mais inteligentes séries sobre culinária e restaurantes, e nele ouvi falar pela primeira vez sobre a Tratoria da Romano em Burano. O prato chefe, Risotto di Gó, é um risoto airado de gó, um pequeno peixe típico da região de Veneza, e airado porque durante o cozimento o arroz é jogado ao ar de tempo em tempo para chegar ao ponto. Gó tem um gosto muito particular, suave, muito suave, muito levemente adocicado, com um discretíssimo gosto de fruto do mar. Maravilhoso. O resultado é um risoto de uma delicadeza única. Bourdain, que gira o mundo atrás do melhor da culinária, terminou o programa dizendo que aquele era um dos melhores restaurantes que estivera e que o Risotto di Gó é o melhor risoto, um elogio raríssimo e merecido. 
Faz algum tempo encontrei um crítico de cinema que contou que vários críticos internacionais vão um dia antes para o Festival de Cinema de Veneza só para comer na Tratoria da Romano.

Do hotel em Mestre, visinha a Veneza, até Burano são duas horas de viagem e ansiedade. Entrei na Tratoria da Romano uma hora antes da hora da reserva, sentei, e decidi fazer um almoço digno de toda expectativa criada nestes anos. Que medo! Veio a entrada, petiscos de vários frutos do mar feitos no vapor. Perfeitos! Suaves! Primeiro prato, um Tagliarin al Nero di Sepia, perfeito, impecável, prato difícil, daqueles que dizem quem está na cozinha. Segundo prato, o famoso Risotto dei Gó. Primoroso! E terceiro prato, pequenas alcachofras muito macias suavente banhadas num azeite de oliva verdadeiro, levemente ácido e passado muito rapidamente no alho só para dar um levíssimo acento. Tudo perfeito.
O impressionante da Tratoria da Romano é a suavidade de todos pratos. Creio que só o pequeno restaurante de Alaçate, Turquia, tenha pratos com definição de gostos tão clara e uma suavidade tão marcante. Anthony Bourdain está absolutamente correto.

Não demorou muito a tratoria encheu com todo tipo de gente. Entrou de tudo, desde gente com dinheiro até um grupo turistas em excursão acompanhado da guia. E duas hobbit, aquelas do Senhor dos Anéis. Paciência, o restaurante precisa sobreviver.
A Tratoria da Romano é um velho e grande salão típico de época, muito bem cuidado e chique, todo decorado com pinturas, desenhos e fotos nas paredes. Garçons atenciosos, uma estrutura que deve ser cara para manter. Minha ṕreocupação é se aqueles turistas faz alguma ideia do que está comendo. Ruminar, mastigar, é muito diferente de degustar. Cultura culinária é algo que demanda tempo para se formar e não é todo mundo que tem a possibilidade e ou capacidade para entender o que está comendo, qual é o grau de sofisticação do que foi preparado. Meu medo é que para sobreviver tenham que fazer concessões. Se fizerem, como muitos estão fazendo, se perde muito da história humana, uma tradição que vem sendo passada a gerações.

Duas horas para ir, duas horas para voltar. Entra em bonde, vai para o primeiro barco, desce, pega o segundo barco, caminha numa Burano decepcionante. E valeu? Opa! sem a menor sombra de dúvida!
Comi muito e não pesou nada, só restou a deliciosa memória de uma refeição perfeita.

Mestre, Veneza

Mestre:
"O que é isto no meio desta rua? Um bonde de trilho único?" e a imaginação correu solta. "Não pode ser um monotrilho com duas rodas em linha. Como se equilibra?" A resposta estava logo a frente, um bonde, ou VLT - veículo leve sobre trilhos - normal, mas, olhando bem de perto, sobre rodas pneumáticas que usa o trilho como guia e segundo polo do sistema elétrico. A fiação é aérea e ele tem uma 'antena' para fazer contato.
O interessante de ser trilho único é que a rua fica visualmente mais limpa. A existência de bondes, VLTs, não fica tão marcante como quando se tem dois trilhos por linha, ou quatro trilhos na rua para a circulação deles nos dois sentidos. O som deles com rodas pneumáticas é muito mais baixo que com rodas de aço, o também faz muito diferença para o ambiente e o prazer de  estar na rua. Ciclovia e calçada estão separadas do espaço dos veículos e entre si, mas não é raro ver ciclistas circulando no espaço de pedestres mesmo com a ciclovia logo ali. Como o espírito italiano é bem mais calmo que do holandês, o trânsito geral também o é. Ciclista italiano pedala com uma tranquilidade invejável, deliciosa. Parecem felizes.  É normal e frequente ver ciclista parando para o pedestre passar ou se ajeitar.
Gostei muito de Mestre, mais que poderia imaginar. Tem traços de cidade moderna, é bem uniforme, com espaços públicos pensados para a população local. Praças gostosas, as verdes e as cimentadas para convívio, comércio local básico, nada agressivo, quase sem grandes grifes. Pero de onde fiquei há uma biblioteca pequena, instalada numa bela construção restaurada, com um interior aconchegante e sempre frequentada. Algumas construções de época preservadas, não uma cidade histórica, mas uma cidade com história.
Veneza fica logo ali, uma viagem curta ou de bonde ou ônibus, quase sempre cheios, em horário de pico lotados. Dá para ir pedalando ou mesmo a pé. Dentro de Veneza nem bicicleta circula, muito menos automóvel ou motos. Todas rodas param e estacionam no terminal da Praça de Roma de onde se pega o transporte por barco para qualquer parte de Veneza.
O transporte público por barcos de Veneza está subdimensionado. Suas barcos quase sempre circulam cheias; perigosamente lotadas nos horários de pico, isto quando não se tem que esperar a próxima.
Infelizmente Veneza virou um shopping center a céu aberto, lotado, maltratado. Recebe 30 milhões de turistas \ ano, um absurdo que se está colocando em discussão. Não dá mais para continuar assim. Vi agora uma Veneza fora de temporada e fiquei muito assustado com que vi. Em vários momentos foi desagradável. Num deles dei meia volta e quis voltar para Mestre, felizmente dobrei uma esquina e fugi dos malditos turistas (incluindo eu próprio). Não posso nem quero imaginar como fica em alta temporada.
Agradável é ficar distante das rotas turísticas e caminhar na Veneza residencial, calma, charmosa, silenciosa, colorida, um labirinto sem fim com poucos pontos de comércio local. Perto da Igreja de São Francisco della Vigna, quase de frente a Ilha e cemitério de San Michele, bem longe dos turistas, almocei na tratoria Ale do Marie, que vive de atender a piãozada local. Simples, ótima, saborosa comida com jeito de caseira. 
A Piazza San Marco estava longe de lotada, mas já chata. Para onde se olha tem alguém fazendo self, excursão, ou barracas vendendo bugigangas. Barracas de bugigangas no meio da San Marco? Incrível! Aquela maravilhosa história contada por aquelas construções indescritíveis não merece toda esta porcaria. Cheguei em barca muito emocionado com a maravilhosa visão do Palazzo Ducale. No meio da praça e daquela bagunça agradeci a Deus por estado ali em 1976 e ter a sorte de poder dizer que eu vi Veneza. Hoje, aquilo é Veneza?
Renata Falzoni me recomendou com vários elogios ao ficar em Lido, a longa ilha que fica ao sul de Veneza, e terminou dando a entender que prefere Lido a Veneza. Agora entendo perfeitamente. Não foi desta vez, quem sabe no futuro. Lido é um balneário que preservou suas casas e pequenos palácios, lugar que remete a um passado delicioso, mas perdido.
A Veneza não pretendo voltar. Espero que coloquem um limite no número de turistas circulando e cobrem ingresso, exatamente como se faz nos mais importantes museus do mundo. Este tipo de turista não é educativo para ninguém.
No Duomo di Siena, La Catedrale, que é de uma beleza raríssima, entrei, dei de cara com uma jovem mulher fazendo self, visitei com calma, uma meia hora depois quando eu saída, dei de cara com a jovem exatamente no mesmo lugar fazendo self. Eu não sou tão democrático: imbecis não devem ser permitidos em certos lugares. Eles não tem o direito de arruinar a história da humanidade.