terça-feira, 1 de maio de 2018

Risoto perfeito, impecável

Anthony Bourdain, um ex chef fez para TV fazer uma das mais inteligentes séries sobre culinária e restaurantes, e nele ouvi falar pela primeira vez sobre a Tratoria da Romano em Burano. O prato chefe, Risotto di Gó, é um risoto airado de gó, um pequeno peixe típico da região de Veneza, e airado porque durante o cozimento o arroz é jogado ao ar de tempo em tempo para chegar ao ponto. Gó tem um gosto muito particular, suave, muito suave, muito levemente adocicado, com um discretíssimo gosto de fruto do mar. Maravilhoso. O resultado é um risoto de uma delicadeza única. Bourdain, que gira o mundo atrás do melhor da culinária, terminou o programa dizendo que aquele era um dos melhores restaurantes que estivera e que o Risotto di Gó é o melhor risoto, um elogio raríssimo e merecido. 
Faz algum tempo encontrei um crítico de cinema que contou que vários críticos internacionais vão um dia antes para o Festival de Cinema de Veneza só para comer na Tratoria da Romano.

Do hotel em Mestre, visinha a Veneza, até Burano são duas horas de viagem e ansiedade. Entrei na Tratoria da Romano uma hora antes da hora da reserva, sentei, e decidi fazer um almoço digno de toda expectativa criada nestes anos. Que medo! Veio a entrada, petiscos de vários frutos do mar feitos no vapor. Perfeitos! Suaves! Primeiro prato, um Tagliarin al Nero di Sepia, perfeito, impecável, prato difícil, daqueles que dizem quem está na cozinha. Segundo prato, o famoso Risotto dei Gó. Primoroso! E terceiro prato, pequenas alcachofras muito macias suavente banhadas num azeite de oliva verdadeiro, levemente ácido e passado muito rapidamente no alho só para dar um levíssimo acento. Tudo perfeito.
O impressionante da Tratoria da Romano é a suavidade de todos pratos. Creio que só o pequeno restaurante de Alaçate, Turquia, tenha pratos com definição de gostos tão clara e uma suavidade tão marcante. Anthony Bourdain está absolutamente correto.

Não demorou muito a tratoria encheu com todo tipo de gente. Entrou de tudo, desde gente com dinheiro até um grupo turistas em excursão acompanhado da guia. E duas hobbit, aquelas do Senhor dos Anéis. Paciência, o restaurante precisa sobreviver.
A Tratoria da Romano é um velho e grande salão típico de época, muito bem cuidado e chique, todo decorado com pinturas, desenhos e fotos nas paredes. Garçons atenciosos, uma estrutura que deve ser cara para manter. Minha ṕreocupação é se aqueles turistas faz alguma ideia do que está comendo. Ruminar, mastigar, é muito diferente de degustar. Cultura culinária é algo que demanda tempo para se formar e não é todo mundo que tem a possibilidade e ou capacidade para entender o que está comendo, qual é o grau de sofisticação do que foi preparado. Meu medo é que para sobreviver tenham que fazer concessões. Se fizerem, como muitos estão fazendo, se perde muito da história humana, uma tradição que vem sendo passada a gerações.

Duas horas para ir, duas horas para voltar. Entra em bonde, vai para o primeiro barco, desce, pega o segundo barco, caminha numa Burano decepcionante. E valeu? Opa! sem a menor sombra de dúvida!
Comi muito e não pesou nada, só restou a deliciosa memória de uma refeição perfeita.

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