sábado, 31 de dezembro de 2011

Ladeiras do novo trajeto da São Silvestre

31 de Dezembro de 2011
O Estado de São Paulo
São Paulo Reclama


Mudaram o trajeto da São Silvestre, mas não explicaram por que ou quem desenhou o novo trajeto. Quem conheceu a descida da av. Consolação, do antigo trajeto, sabe que este era o ponto onde mais pessoas se machucavam. Acredito que não deva haver estatísticas, infelizmente. Estatísticas podem colocar em situação desagradável as posições de alguns manda-chuvas.
Quem corre a pé sabe que as descidas da rua Major Natanael, logo no início da prova e av. Brigadeiro Luiz Antônio no final são muito íngremes para a maioria dos corredores. Hoje está chovendo, o que só deve piorar a situação. Descidas forçam demais as articulações e musculatura de qualquer corredor e não raro geram lesões. Qualquer evento esportivo deste porte, com mais de 10 mil participantes, acaba sendo questão de saúde pública e cuidados devem ser tomados para o bem estar geral. Provavelmente cuidar do bem estar dos atletas seja um deles.
Não sei de quem foi a idéia de mudar o trajeto. A razão principal provavelmente é o tumulto que a chegada causa na av. Paulista em razão do preparo para a festa da virada no mesmo local. Ou terá sido mais uma vez uma questão de fluidez do trânsito? Ou as duas coisas juntas e algo mais? O fato é que estes grandes eventos são fácil e freqüentemente mudados, o que acaba com a tradição. A Prova 9 de Julho, importante evento ciclístico paulistano e brasileiro, está confinada às moscas no autódromo de Interlagos; a Maratona de São Paulo saiu do Centro e perdeu o grande público... A leitura que se faz é que a cidade de São Paulo continua não sendo um prazer da vida para os paulistanos; mas um direito para a vontade e manias de uns poucos. Usos, costumes e tradições pouco ou nada valem. “São Paulo não pode parar” (‘sic’  tão repetido).

sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Natal, Cidade Natal

O preto velho cruza por trás do povo que assiste distinto o coro de músicas natalino que se concentra nos degraus da Catedral da Sé e pára na beira da rua. Tem os cabelos e barbas completamente brancos, desgrenhados pelo forte vento da chuva que vê vindo. Veste sobre seu velho e surrado terno um casaco de Papai Noel muito bem cuidado, vermelho intenso, gola branca impecável. Começa os primeiros pingos e a multidão foge para se proteger e se apinha do outro lado da rua debaixo de marquises, bares e cafés abertos. O preto velho permanece ali impassível, como se soubesse que aquela chuva não seria capaz de parar os acordes delicados do coral. Terminam uma música e o quase só se ouve o aplauso do solitário preto velho que sorri e aproveita o espaço dos que correram para se aproximar do coral e da escadaria. O maestro gira o pescoço, olha para os lados, vê nuvens passando rapidamente e o azul tomando o início de noite de verão. Olha para o coral feliz. Todos passaram pelo aperto dos maus tempos e lá permaneceram afinados. Olha para trás para agradecer o aplauso efusivo e dá com o Papai Noel preto de olhos e dentes intensos de alegria. Enquanto volta a cabeça para o coral percebe que os fugitivos estão aos poucos voltando. Umas últimas gotas caem sobre a partitura, sem mexer a cabeça ele lança um olhar para os céus e levanta os braços. “Dóóóó....”. Pára as mãos abertas para frente, aponta os tenores, move os lábios “um, dois, três” e a nova música vem num crescente de trás para frente, enche os pulmões e todos degraus sobrepõe vozes delicadas para formar o louvor.

As luzes da cidade começam acender. Pouco depois os holofotes amarelados da Catedral batem na fachada e contrastam com o cada minuto mais azul do céu com suas últimas nuvens apressadas. Entre a multidão e coral está o Papai Noel. Termina a música, mais aplausos, que aos poucos vão silenciando. O maestro virasse e agradece. Aponta o coral. E percebe um cantar suave, barítono cheio e preciso, mas baixo, bem baixinho, entusiasmo puro. “Estrela brasileira”, pesca o maestro, que percebe pelo sorriso envergonhado que a voz é do preto velho Papai Noel. Dá um sorriso de aprovação, volta-se para o coral e faz as últimas músicas da noite quase sem parada.

O povo já se espalhou feliz pela paz do silêncio da praça. O preto velho continua lá. O coral festeja nas escadarias junto com o maestro. O preto velho quieto e sorridente segue olhando. “Deve estar bêbado. Deixa para lá”; mas maestro e duas cantoras descem as escadas. O preto velho esconde os dentes, mas mantém o sorriso e brilho dos olhos. “O senhor gostou?” E a resposta veio muito positiva dos olhos tímidos. A roupa de Papai Noel impressiona pela beleza. E o preto velho pela magreza sob o terno surrado, mas bem cuidado. “O senhor canta bem. Ouvido de maestro pega tudo. Já contou?” “Só para meus filhos. E hoje para os netos. Mas me desculpem, mas tenho que ir andando para chegar em casa.” E sem saber porque o maestro pergunta “Onde o senhor mora?” O preto velho, um tanto envergonhado, continua sorrido, olha o infinito, e depois de um breve silêncio responde: “Umas 3 horas caminhando”.

Um pouco a frente o coral cerca o preto velho Papai Noel. “Vamos todos de bonde. Vamos acompanhar o senhor. Pode ser?”. “Meu filho; moro num canto muito simples, vocês não vão querer ver...”. E quando se dá conta já está a caminho de casa, Papai Noel ao lado do motorneiro, coral balançando ao gosto dos trilhos, pontuado pelo sino das paradas. Numa delas pediram e ganharam o goro vermelho que faltava ao velho.

Dizem que ali nasceu uma nova cidade. Aquele coro voltou um pouco tarde para suas casas, mas foram recebidos sem ressalvas. Havia sido uma noite mágica e ninguém sabe até hoje quem era aquele senhor, para onde o acompanharam, onde exatamente ele morava. Mas todos do coral lembram que entraram pela viela naquele lugar muito simples, pobre mesmo, cantando. Atrás deles entrou um bumbo, e aos poucos a marcação era de samba. Na casa do preto velho ele pediu silêncio e cantou para os netos “Noite Feliz”, e acabada esta mandou que todos voltassem para suas casas. “Tem gente esperando vocês. Não cheguem tarde. Vão embora. Obrigado”.

A boa notícia correu; primeiro boca a boca, depois pela rádio, jornal e TV. O maestro repetia que entrar naquele local cantando foi o momento mais feliz de todo coral, e que as pessoas precisariam experimentar, não importa o lugar. E um dos repórteres pergunta se valeu a pena. “Vão! É um milagre. Há uma cidade lá fora que não conhecemos. Natal não é um presente. Natal, de ‘nascimento’, é uma dádiva. A cidade não é um presente, é dádiva. Vão em coro, vão juntos; mas vão! Peguem o bonde”. “E o Papai Noel preto velho?” - pergunta outro repórter? “Ele deve estar cuidado da família e da comunidade. Este é o espírito”.

Feliz Natal

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Natal

1962

“A meia não entra, a meia não entra!”, reclama o menino de 6 anos angustiado, sentado na borda da cama, sem perceber que na pressa está colocando a meia de cima para baixo. Está praticamente pronto, banho tomado, roupas limpas, passadas e cheirosas, cabelo engomado penteado cuidadosamente para trás, um sapato preto lustroso no pé, outro no chão, e a meia que não quer entrar na mão. A família passa pela porta e olha fazendo caretas. “Não existe meia que não entra no pé. Olha com calma a meia”, diz a mãe; e o menino remexe na meia irritado e volta a reclamar que “a meia não entra”. A irmã mais velha entra no quarto com a toalha enrolada na cabeça, tira a meia da mão do irmão, olha bem e grita “Mãe, quem costurou o furo da meia? Costurou o buraco e fechou a meia. Ele não vai vestir nunca esta meia”. “Pega outra meia cor azul no armário e ajuda seu irmão a vestir”, responde lá do quarto a mãe. E completa “Deixa a meia fechada em cima da mesa que esta eu quero ver”. A irmã pega a meia no armário e o irmão diz que ele mesmo veste. Ela sorri, entrega as meias, faz um carinho, “Veste logo”, e volta para o banheiro desenrolando a toalha da cabeça. Ele termina de se aprontar e sai correndo escada abaixo.

Todos prontos. “Cadê este menino?” E de dentro da casa ele começa ouvir os chamados da família, primeiro calmos, depois aos gritos. “Estou aqui, estou aqui”, responde ele sem sair da sua pequena bicicleta. O pai vai até o corredor da garagem e vê o filho girando para cima, para baixo, não fala nada e volta para dentro da casa. Em seguida surge a mãe, linda, bem vestida, pronta para a festa, e no passo do salto alto com vontade de rir chama a atenção do menino “Você já está todo suado”, passa a mão com suavidade na camisa do filho, “Nós vamos para o Natal. Você não poderia ter ficado quieto por uns minutos? Não poderia ter ficado quieto na televisão? Sempre a bicicleta, sempre a bicicleta... Vamos, deixa ela lá dentro e vamos que já estamos atrasados”.

Há muitos caros estacionados perto da casa velha. “Me ajuda a levar os presentes, por favor”, pede a mãe para todos filhos. A porta da frente está aberta e já da escada se vê muita gente passando entre as salas. Do porão dois primos sobem correndo, quase derrubando os presentes. No topo da escada a família faz uma parada. São bem recebidos e começa o “Feliz Natal” acompanhado de sorrisos que será repetido algumas centenas de vezes, tantas quantas os parentes que cruzarem a frente. É muita gente junta. Há algumas meninas mais velhas sentadas conversando na escada que leva aos quartos. Elas acenam e continuam conversando, ou provavelmente fazendo fofocas. O menino se desprende da mão da mãe e some no meio da multidão. Corre para ver a árvore de Natal e o pequeno Papai Noel que se mexe sozinho. Encontra os primeiros primos de sua idade. Conversam um pouco e logo saem correndo por entre as pernas dos adultos. O menino passa pela sala de jantar, pára para admirar a cuidadosamente a mesa preparada para a ceia. Dourados, brilho, uma toalha de renda, detalhes em cor vinho, velas, um grande arranjo central com frutas e nozes. Há três anjos pendurados e um grande lustre de cristal cheio de lâmpadas acesas. Cadeiras vazias. E no menino toma uma palmada carinhosa, “Vai brincar que aqui não é lugar de criança”, diz alguma tia que o menino já viu, mas não sabe bem quem é. E ele dispara. “Pela cozinha não!!”, grita a tia brava e inutilmente.

Lá fora estão muitos primos, distribuídos pelo jardim, agrupados por tamanho, e um velocípede que passa conduzido por garoto feliz e arrogante pelo seu novíssimo presente. Velocípede vermelho. O garoto passa sorrindo olhando nos olhos. ‘O velocípede é meu’. Os mais velhos acham a situação engraçada e fazem chacota do garoto. Ele não está nem ai e segue em frente costurando entre os primos.



1982

Um pouco antes do banho o mocassim foi engraxado com cuidado. Está brilhante. As roupas estão cuidadosamente estendidas na cama. São vestidas com bastante calma. Depois do mocassim vem o toque final: prender a perna da calça para ela não sujar na corrente. Ele sai do quarto, vai até a sala, dá um beijo na testa da mãe. “Você está muito chique. Abaixa um pouco para eu arrumar o nó de sua gravata”. E enquanto acerta gravata e colarinho desce os olhos e pergunta com falso tom de espanto: “Você vai de bicicleta?”. Olha nos olhos do filho com autoridade de mãe e dispara “Vai devagar para não chegar suado e vê se não suja roupa. Que hora você está de volta?”. “Fica tranqüila, eu volto cedo. Só vou dar uma passada para desejar Feliz Natal e rapidinho volto. Se eu for com o carro não vai ter lugar para estacionar. Vai ser um saco”. E quando a porta já está quase fechada ouve-se “Vai com cuidado. Volta rápido”. “Beijo”.



2002

O tempo que a chegada do ciclista na festa de Natal era quase aguardada como a chegada de um aventureiro ficou para trás. Já eram dois a ir para o jantar pedalando. Ele entra e já não perguntam mais “Você veio de bicicleta?” Mas ninguém esquece a primeira vez que o primo ciclista chegou na portaria do edifício e o porteiro desandou a repetir “Com a bicicleta o senhor não entra, com a bicicleta o senhor não entra...” Teve que descer o tio para convencer o porteiro. Nos Natais seguintes o ciclista foi recebido pelo mesmo porteiro com quase inaudível e acabrunhado “Boa noite, Feliz Natal para o senhor também”. De rabo de olho o nortista deixava sua contrariedade com aquela situação. A história virou piada obrigatória do Natal.



2011

Chegou o tempo das luzes da cidade, das ruas decoradas, do clima de festa. As ruas estão completamente lotadas, entulhadas de carros com suas janelas pretas e fechadas. Há uma reclamação geral que não dá mais para sair de carro. Muitos vão a pé ver o Natal criado para ser visto. Se as lojas ainda não estão cheias, os supermercados e as casas de comidas estão. Não dá para entrar. Não há mais espaço para tanta gente. Faz um bom tempo que a bicicleta tem dificuldade de encontrar espaços para passar entre os carros e até mesmo nas calçadas. Já não é mais só um fenômeno de Natal. O velho ciclista encontra um velho e querido primo na bicicletaria comprando uma bicicleta para a mulher. Linda bicicleta.

- Você saiu em algum passeio para ver as luzes?

- Saímos alguns dias atrás. Antecipamos por causa do trânsito. Provavelmente vamos sair de novo, mas bem mais tarde, lá por volta das onze, quando o trânsito melhora.

- Você viu o pessoal que saiu com Papai Noel bem gordo na frente e uma bicicleta carregando uma árvore de Natal grande decorada e iluminada? Estes leds fazem milagres. Tava muito divertido.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ir para escola pedalando



“Não dê esmolas. Dê futuro”. Sempre gostei deste slogan criado em 2005. Não dê esmolas, dê futuro - nada mais sensato. O que é este Brasil que está sendo construído agora? O que é nossa vida diária? O que somos? Somos fruto do que?
Ordem e progresso demandam ações que nem sempre são fáceis, principalmente quando a sociedade historicamente, como a nossa, tem mais olhos para seus direitos individuais do que deveres. Direitos, que por egoísmo, comodidade, ansiedade e até e principalmente ignorância, facilmente viram espécie de esmolas entregues como legítimas em ladainhas atraentes. Infelizmente passamos a aceitar com incrível normalidade o  “Deus lhe pague!” e pouco pensamos e respondemos “Ajuda-te e ajudar-te-ei”. Esmola é um vício, uma bebedeira que te deixa alegre hoje, mas vem com uma trágica ressaca social amanha.
Esmolas transformadoras de nossas cidades.
O que está acontecendo agora com nossas cidades? Cidades são seres vivos, sempre se transformam, ou se deformam. O que aconteceu no passado que levou nossas cidades a esta baixa qualidade de vida de todos, dos pobres aos ricos? Creio que o egoísmo de cada um e de todos, respaldado nos desejos de grupos específicos, e no silêncio conivente de todos, absolutamente todos, sem exceção. “A cavalo dado não se olha os dentes”. “Cuidado com teu telhado de vidro”.
Somos uma fábrica de presuntos. Mortos, se quiser. Ou, como faço questão de afirmar “casualidades de guerra”. Só pára uma guerra quem tem atitude. Só muda uma sociedade quem tem atitude. O resto é subjulgado pelos acontecimentos.
Segregar salva? Vidro preto, muro alto... Segregar é esmola ou futuro? Cidade é coletivo ou individual. Cidade é atitude ou aceitação incondicional? Cidadania é subjulgar-se?
 
Ter coragem

Hay que tener cojones! Isto aqui é uma guerra!
A Secretária Municipal de Educação de São Paulo está trabalhando para por em prática um projeto audacioso, fantástico e ao mesmo tempo politicamente arriscadíssimo: entregar aos alunos das escolas bicicletas para eles irem e voltarem da escola. O Governo Federal tem um projeto destes, mas em cidade pequena a história é outra. Aqui estamos falando sobre crianças no trânsito de São Paulo, o monstro mitológico. É preciso coragem! Parabéns.
A coisa que mais comum é ouvir que São Paulo não está preparada para a bicicleta. (E precisa?) Eu não perdi a conta quantas vezes ouvi mães e pais ciclistas afirmando que seus filhos jamais pedalarão nas ruas desta cidade infernal. A questão é que um monstro como São Paulo é muito diversificado e a realidade muda de bairro para bairro, de área para área, de rua para rua. Diz que é impossível quem faz questão de ficar dentro de seu castelo medieval, e a estes aviso que a Idade Média acabou já faz um tempinho. Na periferia a bicicleta é realidade. O jogo lá é outro. O pessoal não fica esperando, porque se ficar o bicho pega.

Dar bicicletas para adolescentes e crianças tem um grau de risco alto. Não dá para errar com as escolhas das escolas, professores, pais, bairro, trânsito... A segurança do ciclista depende de detalhes, disto não tenho dúvida. Com criança é inaceitável o “Com o tempo a gente vai arrumando”. Eles são o futuro hoje, agora, já, imediatamente. “Com o tempo a gente vai arrumando” construiu o Brasil atual. Está legal? Foi bom para você?
Se for feito o que tem que ser feito este projeto tem um potencial de transformação da sociedade e da cidade muito grande, imenso, quase imensurável. Bem feito vai desmontar muitas panacéias que estão ai. A sociedade tem apoiar o projeto, ajudar a burilar o processo e principalmente assumir os riscos. O pessoal que está envolvido no projeto tem passado e experiência para fazer bem feito. Cabe a nós sociedade assumir o risco.

Cidade de São Paulo incentiva o uso da bicicleta para ir à escola - http://vadebike.org/2011/12/cidade-de-sao-paulo-incentiva-o-uso-da-bicicleta-para-ir-a-escola/
 

O artigo do Gilberto Dimenstein sobre a proposta original do “Não dê esmola, dê futuro”, que creio que tenha acabado. Pelo menos não repercutiu na sociedade o que deveria. Deprimente. Vai ver que estou errado, e que o paizão veio mesmo para salvar. Enfim, eu não acredito. Responsabilidade se assume, não se passa para os outros. Quem não assume, subjulga-se.  http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/colunas/gd110405.htm .

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Opção pelo negativo

Tive contato com uma quantidade bem grande textos todos relativos a vários aspectos da questão “bicicleta”. A maioria destes, a quase totalidade, precisamente um pouco mais de 90%, com um discurso negativo, tipo “a bicicleta é muito legal, mas também é muito perigosa e o trânsito não respeita...” Já cansou ouvir este disco. Aliás, não dá mais. É impressionante como a maioria dos amantes da bicicleta tem um discurso que vende as piores situações que o ciclista pode experimentar.

Eu não tenho dúvida que o número de usuários da bicicleta está crescendo ‘apesar o que dizem os ciclistas e o setor da bicicleta’. Já disse que o melhor vendedor de motos no Brasil é o setor nacional da bicicleta. E um dos maiores empecilhos para o desenvolvimento da bicicleta como modo de transporte é o discurso dos ciclistas, principalmente de grande parte dos engajados.

Até quem não gosta de bicicleta reconhece as qualidades da bicicleta. Não dá para negar. infelizmente a bicicleta está perdendo oportunidade histórica político por causa deste constante discurso negativo. E pobre! A força de transformação da bicicleta é reconhecida, incrível; as boas lembranças que traz são marcantes para a sociedade, ninguém nega. Liberdade, bem estar, felicidade, meio ambiente..., blá, blá, blá, blá... E mais muito blá, blá, blá, blá, blá... para o discurso negativo. Que coisa mais monótona e chata! Este país precisando desesperadamente de uma transformação urbana. A bicicleta tem muito a oferecer e os amantes dela ficam matando a galinha dos ovos de ouro. Bem Brasil.
detalhe ciclovia Faria Lima, Largo da Batata, São Paulo
Nós, brasileiros, temos “um certo” apego pelo negativo. Parece que não podemos fazer o correto, o simples, o direto, o que dá resultados esperados e perenes, ou parece que negamos nossa identidade. Há uma aceitação do negativo, do “dá-se um jeito”, depois a gente acerta, faz de qualquer jeito...  Por que será? Colonização portuguesa? Influência da igreja Católica? Muito simplista, bobo, infantil. Será resultado ou princípio? Quem vem antes, o ovo ou a galinha? Não temos a capacidade de superar a inteligência galinácea? Ou estaremos fadados a procurar o ovo de cu lombo? Será que fazer correto cansa?

Um amigo fez um comentário assustador. Segundo ele o país tem uma geração de jovens vindos de uma elite e os pais destes não tem limites para empurrá-los para as melhores posições possíveis. O resultado é uma geração que ao primeiro problema começam a chorar “papai, papai...”. Sou professor e só não voltei a dar aulas porque colegas de profissão e donos de escolas pediram que não o fizesse. Afirmam que educação hoje se resume na história, real e muito freqüente, do pai ou mãe que é chamado à escola porque o filho está de mal a pior, entra na diretoria e grita “estou pagando e meu filho não vai ser tratado assim”. Não sei por que, mas estas duas histórias acima me lembram uma criança vestindo capacete.

Futuro se constrói com acertos, na busca constante da qualidade. Quanto mais acertos, menor é o custo, menores são as implicações, menores são os danos colaterais. Desmandos ou deixar a qualidade em segundo plano para chegar de qualquer forma ao objetivo normalmente não dá certo. Minha mãe sempre repetia: “O tempo diz tudo a todos”.

Não me lembro exatamente como é o bordão do Instituto Ethos na rádio, mas aqui está a definição tirada do site: “A ética é a base da responsabilidade social, expressa nos princípios e valores adotados pela organização. Não há responsabilidade social sem ética nos negócios. Não adianta uma empresa pagar mal seus funcionários, corromper a área de compras de seus clientes, pagar propinas a fiscais do governo e, ao mesmo tempo, desenvolver programas voltados a entidades sociais da comunidade. Essa postura não condiz com uma empresa que quer trilhar um caminho de responsabilidade social. É importante haver coerência entre ação e discurso.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

cidades amigáveis da bicicleta e um trabalho brilhante no Rio

Vale a pena ver estes dois links. E sentir prazer de um trabalho carioca brilhante.

http://copenhagenize.eu/index/index.html

http://www.copenhagenize.com/2011/10/cargo-bike-capital-rio-de-janeiro.html

Interessante este texto do Portella, que vem a calhar aqui:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joseluizportella/1011186-a-cidade-e-a-rua.shtml

E por agora, mais este artigo sobre acidentes dentro de parques de NY, que parece que foi escrito aqui e sobre nossos parques:
http://www.nytimes.com/2011/11/21/nyregion/after-collisions-prospect-park-attempts-to-slow-cyclists.html?_r=2&emc=eta1

Não sei como estará hoje, mas há alguns anos o local mais inseguro para se pedalar em São Paulo era dentro do Parque do Ibirapuera. Aliás, quem tinha contato com o que acontecia nos parques paulistanos dizia que o problema de colisões e tombos era comum em todos.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Protesto na Ciclofaixa de Moema e o chique

Escola Blogspot

Na minha primeira passagem por NY vi Robert Plant e Jimmy Page vestidos de roupas pretas de pelica, parados na esquina da 5ª Av. com a 57th esperando taxi sem que ninguém os incomodasse. Em NY, como toda a cidade que mereça o título de metrópole, há grande diversidade e a grande maioria é simplesmente um cidadão, independente das posições ou condição social. Mesmo os mais ricos evitam ao máximo demonstrações agressivas de poder social, que definitivamente não são chiques e bem vistas.

Infelizmente São Paulo, que é uma cidade de grande diversidade, tem problemas ridículos de intolerância como os ataques contra homossexuais na av. Paulista, o mesmo local onde acontece a maior parada da diversidade do mundo. Mas infelizmente, para esta cidade que quer ser uma das grandes metrópoles do mundo, suas intolerâncias não param por ai; muito pelo contrário. Em nome da segurança própria uma imensa parcela dos paulistanos se considera protegido atrás de muros, arame farpados, cercas elétricas, sistemas de segurança, homens de preto, carros com vidros pretos, blindados, shoppings centers, e tantas besteiras e inutilidades mais. Não faz muito eu e Jonas Hagen entramos na favela Paraisópolis para checar um trecho da proposta para o sistema cicloviário do Butantã e, não demorou muito, veio um garoto checar (provavelmente para os donos do pedaço) o que estávamos fazendo ali. Ou na vistoria da favela do Sape, km 19 (creio) da rodovia Raposo Tavares onde fui impedido de entrar. Lá, só com a mediação da Sub-Prefeitura. Ou na portaria do edifício de escritórios de nossa reunião de cada dia. Enfim, exemplos é que não falta.
Infelizmente a diversidade, a liberdade de idéias e de condição social não é artigo que possa encontrar na maioria da população paulistana. Infelizmente. Muita gente quer impor seus pontos de vista, sua individualidade, o famoso quem pode mais chora menos ou coisa que o valha. São Paulo não é coletiva. Com raras exceções, São Paulo é um amontoado de indivíduos, ou eventualmente grupelhos.
Quando começou a correr a notícia que haveria um protesto contra a declaração daquela senhora, proprietária de uma loja para ricos e famosos, segundo ela própria insinuou e afirmou, eu confesso que fiquei preocupado. No mesmo sábado pela manha encontramos um ciclista com jeitão de skinhead que havia ido numa das últimas manifestações de ciclistas na Paulista e contou que havia ficado realmente assustado com a dimensão e grau de tensão da manifestação. Ouvi notícias que havia intenção de uns poucos de ir com ovos... Ups! Não bom!
Hoje é segunda-feira e o que se tem notícia é que o protesto de Moema foi tranqüilo. Ótimo! Ufa!!! Como diz o sub-título da matéria do Estadão, caderno Cidades/Metrópole de Domingo 20 de Novembro de 2011, Ativistas pedem a manutenção da faixa exclusiva (ciclofaixa de Moema).
Sinto saudades dos protestos que fazíamos no passado. O foco, no geral, era o bom humor, que resolve mais do que deixa estragos. Quando deixa estrago é porque quem tomou a gozação é burro mesmo, então merece a (cômica) ofensa. E ai me lembrei de algumas músicas da época, como esta do Chico
Deixe a Menina


Não é por estar na sua presença
Meu prezado rapaz
Mas você vai mal
Mas vai mal demais
São dez horas, o samba tá quente
Deixe a morena contente
Deixe a menina sambar em paz

Eu não queria jogar confete
Mas tenho que dizer
Cê tá de lascar
Cê tá de doer
E se vai continuar enrustido
Com essa cara de marido
A moça é capaz de se aborrecer

À tarde fui a um churrasco e ficamos conversando sobre tempos passados, os protestos, as brincadeiras, as molecagens, o ultrapassar limites, e a conclusão de todos, incluindo os meninos de então que hoje estão na faixa dos 35 anos e na época eram moleques, é que havia inteligência, um certo charme, limite, bom senso, até quando a coisa ia além dos limites. Como disse Gino Meneguetti, famoso ladrão da primeira década do século XX, em entrevista sobre sua carreira e o crime como “ladrão” e sua crítica ao crime do fim dos anos 70, que ele dizia que só havia bandido.
Quem viveu aquela época sabe que hoje é diferente, muito diferente, quase o contrário da vida chique que se teve até os anos 80. E só fez piorar. Hoje há quase uma guerra social, uma guerra de identidades, guerra por pequenos espaços, por impor limites ao outro, ao oponente. Sociedade? Cuma???
Chique.
O que é chique? Sobre todas as coisas chique é o inteligente, o culto, o aberto, o que não agride, que não tolhe, que abre portas, compreende, aceita mesmo discordando, o coletivo, cidadania, etc....
Ciclistas chiques sempre houve em São Paulo. Não me lembro no nome da modelo que via pedalando na rua Dinamarca, Jardim Europa, lá pelo início dos anos 90. Ela era chique porque era blasé, completamente blasé. Provavelmente havia morado na Europa e a bicicleta era simplesmente uma opção de modo de transporte. Era linda, bem vestida, conversa simples, mas educada e inteligente. Ela não estava sozinha. Há muito pedalavam pela cidade ciclistas em terno, camisa, gravata finos; ou vestidos em esporte social pedalando de mocassim argentino da Guido com solado de borracha colocado na sapataria da esquina. Meninas e mulheres também vestidas socialmente, ou seja, com roupas normais do dia a dia, incluindo salto alto quando necessário. Lembro a vocês que uma das razões para o mountain bike ter virado mania foi porque este começou no meio de famílias tradicionais da sociedade paulistana (que expressão maluca!!!, mas era o que usava na época). Chiques no vestir e chiques no comportamento social.

Na época pedalar era nada chique, muito pelo contrário. Boa parte da sociedade paulistana achava estes ciclistas uma aberração. Hoje é chique. Os tempos mudam, as pessoas também. O conceito de chique muda, algumas vezes empobrece. As “madame” shique, de sarto arto, socialaite e famosa ou wannabe, como queira o seu senso de humor ou mal-humor, pretensamente ou impropriamente citadas pela proprietária da loja, se forem chiques mesmo vão deixar de ir lá por vergonha da baboseira dita. Chique mesmo tem educação e cultura para não embarcar numa situação destas. Chique é discreto e gosta de discrição. Desculpe minha senhora, mas o problema não é a ciclofaixa que cruza a porta de seu estabelecimento, mas sua indiscrição. Não expor clientes é imprescindível na condução de qualquer negócio. Se a proprietária tivesse alguma finesse iria a público e pediria desculpas, especialmente a si própria.


Infelizmente alguns acreditam que só vamos ir para frente com uma luta de classes. “Ora, dona Maria, pára de pedalar e vai lavar roupa!”. “Os motoristas (todos?!?) não respeitam os ciclistas”. “É um absurdo dar mais tempo para o pedestre (cruzar a rua). Você imagina o que vai acontecer com o trânsito?”. E ai vamos até chegar ao politicamente correto particular de cada grupelho.


Discordar pode ser chique. Ter ataque histérico definitivamente não o é. Ou será um “fi-lo porque qui-lo”?


Vale a pena ler este artigo do NY Times -
http://artsbeat.blogs.nytimes.com/2011/11/08/mad-about-bike-lanes-in-both-senses-of-the-word/?scp=2&sq=bikelanes&st=cse - que trata sobre esta mesma questão. Não, não é uma mulher fora de controle falando o que não deve. É sobre as discordâncias e a construção de uma nova cidade, uma nova sociedade.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Ciclofaixa de Moema e apoio a esta

O Estado de São Paulo
São Paulo Reclama

 A gritaria sobre a Ciclofaixa de Moema seria normal caso não viesse de todos lados, incluindo dos próprios ciclistas. A questão não é a proposta de criação de um sistema cicloviário, tão necessário a São Paulo, mas  a qualidade do que foi entregue à população. A quantidade de problemas é grande e freqüente, alguns deles colocando em risco a segurança de motoristas, pedestres e até dos próprios ciclistas, objetivo final da ação.

A alegação que os problemas decorrem por conta da novidade para a CET não cabe. A primeira proposta no sentido da criação de um sistema cicloviário contemplando ciclovias, ciclofaixas, trânsito partilhado, acalmamento de trânsito, sinalização e estacionamento para bicicletas para toda a cidade foi apresentada e entregue em 1983 à CET, por ordem do então Prefeito Mário Covas, com encaminhamento do Secretário de Transportes Getúlio Hanashiro. Desde então tem havido várias entregas de propostas e projetos, oferecimento de colaboração e treinamento técnico do corpo técnico da CET por parte de particulares, profissionais liberais, ciclistas e entidades de grande respeito internacional especializadas na questão da mobilidade não motorizada e transporte público. Há vários precedentes bem sucedidos, como as ciclovias do centro de Ubatuba que também ficam à esquerda da via, solução que deve ser adotada só em casos muito específicos e que aqui em São Paulo estão tornando-se fato comum e a meu ver de forma até inadequada. Em Buenos Aires todo sistema à esquerda foi retirado para dar vez a outro mais bem pensado.

É inaceitável entregar um trajeto para ciclistas com buracos, água correndo, arbustos invadindo a via, sinalização insuficiente, dentre outros. A CET tem uma história que deve ser respeitada, inclusive por seu próprio corpo. Lembro a todos que esta ciclofaixa foi realizada em local público e com verba pública, sob a responsabilidade de uma empresa mista que atende a obrigações legais e presta serviços públicos, o que, segundo lei Federal, implica em responsabilidade legal sobre os resultados. Alegar “que com o tempo nós vamos corrigindo” é não dar o trato devido e esperado ao dinheiro público, que é meu, seu, de todos, incluindo ciclistas.

No meio desta gritaria, que não pára, apareceu um abaixo assinado de apoio à Ciclofaixa de Moema. Na Internet circulam mensagens de apoio irrestrito ao trabalho realizado, seguido de agradecimentos. Dizem que se não houver apoio ao projeto a CET volta atrás e pára o processo, o que não creio porque a CET já se deu conta que a bicicleta é uma questão a ser resolvida, e Kassab sabe que o tema é um dos poucos pontos positivos de seu governo e crucial para seu futuro político. Parece que os ciclistas não se dão conta que há uma sensível diferença entre demandar um sistema cicloviário para a cidade e dar apoio a um amontoado de erros infantis. Eu, como usuário da bicicleta há quase quatro décadas, apoio qualquer melhoria para cidade que tenha qualidade, mas não servir de inocente útil, mesmo que seja para dar apoio a pessoas conhecidas e velhas lutadoras. Avançar aceitando qualquer coisa é perpetuar erros recorrentes que corroem qualidade de vida de todos.


Arturo Alcorta
RG.: 3.472.416 SSP SP
rua Eugênio de Medeiros 465, Pinheiros, 05425-001
São Paulo, SP
011-9248-8747
arturoalcorta@uol.com.br  

domingo, 6 de novembro de 2011

Ciclorrotas São Paulo

Neste último sábado de Outubro foi lançado o Ciclorrotas de São Paulo, mapeamento de caminhos alternativos para ciclistas, com os trajetos mais tranqüilos, seguros, as subidas menos íngremes, paisagens mais agradáveis, enfim, os melhores caminhos para o ciclista. É ótimo que finalmente alguém tenha conseguido realizar o mapa e torná-lo palpável para a multidão de ciclistas, principalmente leigos e novatos. Encabeçado pelo CEBRAP, uma boa equipe trabalhou para oferecer algo que qualquer cidade deveria ter, principalmente São Paulo, que é tirar o ciclista dos caminhos do carro, ou seja, avenidas e vias expressas, e apresentar uma cidade, a dos internos de bairro, que a maioria da população simplesmente desconhece.

Eu, em particular, fico muito feliz e um tanto invejoso de ver o trabalho concluído por outros. Em 1982 apresentei pela primeira vez a idéia na Casa Madre Teodora, Projeto de Governo para o Estado de São Paulo de Franco Montoro, e desde então vim apresentando a idéia para a Prefeitura de São Paulo e outras. Nunca obtive sucesso e depois de 2005, quando tive patrocínio para o mapeamento, sinalização completa das ruas (uns 270km), educação, treinamento dos técnicos envolvidos, comunicação, etc..., e o projeto não obteve autorização da CET por motivos não esclarecidos, confesso que cansei. Um pouco depois desta história Leandro Valverde chegou de Londres com a mesma idéia e começou a se mexer para realizá-la. Buscou caminhos diferentes e conseguiu. Tenho a imagem clara dele sentado na sala de espera do então Secretário de Esportes Walter Feldman para mostrar a idéia. Eu estava de saída e ele de entrada.

Acertos e erros

Por que o mapa ciclo rede não saiu pelas minhas mãos? Há inúmeras razões, erros em cascata. Projeto apresentado antes do momento correto, desconhecimento das autoridades sobre o que se estava falando, erro de comunicação e venda da proposta, personalismo,...

Tenho um sentimento de culpa em relação a uma série de atitudes e ações que tomei. Minha comunicação em todo processo foi falha, inadequada. Com meu perfil eu nunca deveria estar a frente da venda de qualquer produto, principalmente de um projeto do qual sou pai e responsável. Conhecer um produto, saber todos detalhes, ter uma relação muito forte com ele pouco serve para a venda do produto. O trabalho de convencimento deve ser feito por quem tenha a facilidade de convencer, de vender, de finalizar o acordo ou negócio. Venda tem a ver com negócio, troca, desprendimento, nunca com paixão.

Outro erro crasso foi acreditar piamente nos outros: políticos, técnicos, empresários e mesmo parceiros. Não se deve acreditar que alguém tenha a resposta absolutamente correta e a plena capacidade de chegar ao resultado desejado. Soberba é burrice. Somar acreditar mais esperar é faz você muito vulnerável às vontades alheias.

Na coisa pública, entre executivos, políticos, e principalmente técnicos, teve muita gente que falou que o projeto sairia, mas por trás dos panos agiu de forma a frear qualquer progresso no processo. É necessário saber jogar o jogo, entendendo as regras e esticando a corda o máximo possível, mas nunca deixando de lado a ética e honestidade. Quem age sem ética e honestidade um dia fica em aberto, e se não ficar é porque os beneficiários aceitam a situação. Aproveitadores de ocasião há muitos e provavelmente alguns vão para história como bonzinhos, mesmo que para isto peguem seu trabalho, tentem copiar a idéia, façam qualquer coisa e ganhem reconhecimento.

Uma das coisas que aprendi com esta história é que a maioria da esquerda brasileira não acredita na bicicleta como meio de se alcançar melhorias urbanas, sociais, econômicas e ambientais, o que é um contra-senso em relação às suas crenças políticas. “Ao socialismo se vai de bicicleta”; isto ninguém duvida. Para a maioria da pseudo-esquerda brasileira, que é o que mais tem, a bicicleta só é interessante quando eles descobrem nos ciclistas possíveis inocentes úteis e votos, o que tem de montões também. Vale para todos partidos e principalmente para do PT que está no poder. Acredito há um PT sério que ainda não saiu do partido e por isto já não sei se é tão sério assim. No governo Martha Suplicy, quando se fez o plano diretor da cidade, a bicicleta só entrou muito no final da reta, às pressas, aos trancos e barrancos, mesmo tendo eu e Sérgio Luis Bianco tentado inúmeras vezes abrir caminhos para mostrar propostas amplas, consistente, realistas e realizáveis para quase toda a cidade. Foi uma das piores experiências que tive na vida. Detalhe: Sérgio Luis Bianco era PT de carteirinha no bolso e havia trabalhado então nas campanhas de Lula, Genoino, Martha e mais alguém que não me lembro. Para ele a experiência foi pior ainda. Hoje eu tenho certeza que não dá para confiar em nenhum partido político, mesmo que uns sejam um pouco piores que os outros.

“Não foi um erro seu. Quem quer que fosse não teria conseguido que a CET aprovasse qualquer projeto pró bicicleta” – já me repetiram isto um milhão de vezes. Provavelmente sim, mas e se eu tivesse tido mais cuidado com as palavras, com a forma, com as propostas, com a venda da idéia? Quanto fui inábil? Sei bem do poder e da vaidade da vaidade do pessoal da CET. Sei a história deles. Sei que por lei a CET existe para dar fluidez aos veículos motorizados. Sei que era uma missão difícil, quase impossível, mas se houvesse agido de outra forma não teria chegado a outros resultados? Quando fui o responsável por não dar certo, pelo demora na aceitação, pelo atraso de ações que resultaram em acidentes e mortes?

Num processo destes é muito importante não demonstrar conhecimento porque pode ofender o outro, principalmente quando o outro se acha macaco velho no assunto. Os projetos apresentados eram de minha autoria, mas tinham a revisão e assinatura de vários técnicos e especialistas, dentre eles ex-funcionários da própria CET. Isto foi mais um erro? Eu trouxe para dentro do projeto uma briga política? Ou houve ai uma disputa de competências? Quem está dentro sabe das coisas; quem está fora deve ficar calado?

O triste é que os projetos apresentados tinham princípio meio e fim, e davam inúmeras possibilidades de correção de rota. Propunham estágios de implantação para que o processo servisse de treinamento e adaptação para técnicos. Dava para escolher o ponto de partida do processo, áreas de implantação, tempo e volume de implantação... Teve apoio de entidades internacionais, teve dinheiro privado, muito dinheiro privado. Uns anos mais tarde foi apresentado o Ciclo Rede Butantã, que seria o sistema de alimentação das ciclovias Eliseu de Almeida e av. João Jorge Saad, que foi apresentado com mais detalhes, patrocinado pelo ITDP, e mesmo assim não foi para frente.

A vida é um passar de bastões, disto não tenho dúvida. O que aconteceu com os projetos apresentados no passado não deve se repetir.

O Ciclorrotas está no ar: http://vadebike.org/ . Bem vindo e parabéns a equipe que o realizou. São Paulo ganha muito com isto

terça-feira, 25 de outubro de 2011

sonho vertical ou horizontal?

Dá para separar as coisas, colocando cada fator em seu lugar, isolado do resto que o cerca, que o gerou, que lhe dá presença, vida? Não creio. Tudo está interligado entre si, mesmo as coisas mais desconexas. Holístico? Acredito que sim, pelo menos não consigo pensar diferente.
Andei tomando umas broncas, bem dadas e pertinentes, sobre o que andei escrevendo neste blog; que está diretamente ligado à Escola de Bicicleta, portanto a questões pertinentes à bicicleta. Não é primeira vez que isto me acontece - esticar a corda além dos limites do que parece sensato. O que é sensato? Bicicleta e suas relações mais diretas é o sensato? Além é fio da navalha. Foi por esta razão que acabou minha coluna no Suplemento de Turismo do jornal O Estado de São Paulo, lá nos idos de 1987. Não sei exatamente sobre o que escrevi então, se não me falha a memória foi sobre a questão da qualidade das bicicletas, que então era entendido como fora do tema “turismo e bicicletas”. Depende..., mas... O fato, ir além, se repetiu em outros veículos, o último deles a Rádio Eldorado. “Trânsito, Arturo, trânsito!”, viviam me dizendo nesta segunda passagem por lá. Parecia que o trânsito não tem nada a ver com a vida da cidade, com o que acontece nas padarias...
Contestar faz parte de minha alma, meu sangue, meus ossos. Sonho de procurar sempre dias melhores ou burrice? Dizem que burro é muito mais inteligente que cavalo. Ponto para mim? “Que asno!” alguns devem estar pensando. Certamente! Onde está meu pasto?
Como se constrói um sonho? Vertical ou horizontal? Vertical é centrado em si próprio, no próprio ego. Horizontal é coletivo, holístico. Como você vê esta questão? Eu adoraria ter um sonho tipo “Tron”, completamente cartesiano, mas meus sonhos são holísticos. (Enquanto escrevo estas linhas ouço “The Long and Winding Road” dos Beatles, complementar, irônico, quase cômico, mas sem dúvida apropriado. Por ironia, o revisor do Word passou a revisar o texto em inglês e tudo está grifado em vermelho.)
Uma das janelas abertas em meu computador é um vídeo que conta a história de como e porque a Holanda construiu seu sistema cicloviário. Dêem uma olhada em http://www.youtube.com/watch?v=XuBdf9jYj7o&feature=email . Serve para justificar este meu azedume recente, que não tem sua causa somente nas mortes estúpidas do dia a dia. Comecei a desmoronar para valer depois de mais uma horrível experiência com o poder público. Não é só o fato de praticamente todo trabalho mais uma vez acabar engavetado, mas todo o processo, os desejos e sonhos implicados, o sem sentido geral e tão freqüente, a construção de algo que sabidamente não teria como dar certo, o futuro rasgado, o dinheiro público gasto de uma forma tão ineficiente. Foi uma aula magna do Brasil que estamos vivendo. Posso afirmar que é deprimente, literalmente deprimente. Hoje tenho praticamente certeza que este país não vai dar certo porque a quantidade de problemas sem qualquer esperança de solução é absurdo. O momento que estamos passando é como aquele cara que zera a poupança e gasta tudo rapidamente e de maneira irresponsável, e ainda oferece um churrasquinho no fim de semana para comemorar com a futura família falida e os amigos credores. Todo mundo acha ótimo, dá risada, volta de barriga cheia para casa e acha que está tudo indo muito bem obrigado. Não vai dar certo. E ninguém faz nada. E ai alguém me manda este vídeo sobre o processo de reorientação de um país chamado Holanda, que é minha referência, não pelas bicicletas, mas pelo que aprenderam trabalhando e respeitando as águas. Para o holandês a vida é simples: ou você faz o correto, que não é nem mais nem menos, ou morre afogado.  Poderia servir de exemplo para alguns de nós que estamos neste barco.
Horizontal ou vertical? Infelizmente minha forma de pensar sempre viaja, portanto não é vertical. Tenho grande dificuldade com o vertical. Também não é horizontal. Sonhos não são bidimensionais, cartesianos. Briguei muito para vender a idéia que não só de ciclovias se faz um sistema cicloviário, que quem pensa na bicicleta precisa entender que a qualidade da bicicleta é ponto vital, que no trânsito existe um histórico psico-social-neurológico que faz muita diferença de uma localidade para outra; que tem que ensinar ciclista a jogar o jogo do trânsito e não fugir dele, que cortesia é mais segura, que a quase totalidade dos motoristas quer chegar em casa sem matar um... Este é o vertical ou horizontal da questão da bicicleta? Não sei, confesso que não sei, juro que não sei, que não tenho capacidade de chegar a uma conclusão.
A experiência que tive nestes últimos anos me diz que ou se trabalha tudo junto, de maneira holística, ou não vamos chegar a um resultado adequado. O sistema maior, o macro, está tão desbalanceado que precisa ser pensado e trabalhado em cada uma de suas pontas com um olho no todo, no tudo. Também por ironia do destino saiu este texto http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-improviso-resume-a-historia-da-cidade-,789139,0.htm no Estadão, que me ajuda a sustentar meus pontos de vista.
Como qualquer um de vocês eu tenho um sonho: que um dia este país tenha equilíbrio social, paz, presente e futuro; que isto não seja esta baderna sangrenta, cheia de desmandos e políticos que cada dia parecem piores, a beira de traidores do pais. E eu revivo um pesadelo: uma população que acredita num discurso populista que dá esmolas, carros baratos que destroem nossas cidades, linha branca para ver uma Copa do Mundo de Futebol que nos vai empobrecer a todos e atrasar projetos de saneamento e educação cruciais para o povo não continuar escravizado pelo analfabetismo. Eu continuo tendo um sonho que a bicicleta pode ajudar muito na viagem para a construção do bem. Eu vou continuar sonhando, viajando na maionese, e tomando broncas. E agradecendo as broncas, que o que me dá referências que, como já disse, sou incapaz de entender bem.







domingo, 16 de outubro de 2011

"Não foi acidente", perícia e o pé quebrado

Damasceno tem que ser operado com emergência do pé que fraturou faz 8 dias. A fratura no calcanhar é considerada grave, o pé está completamente solto, provavelmente há ruptura de ligamentos, mas não há vaga para a operação porque não para de entrar gente estropiada em acidentes de moto, atropelamento e outros. A operação de emergência não tem data para ser realizada, mesmo que o pé de Damasceno esteja muito inchado, que ele passe os dias chorando de dor deitado no corredor, que um dos médicos tenha deixado escapar que há a possibilidade de que o velho pião de obra, com seus 56 anos, venha a perder o pé. Ele está internado no Hospital Municipal de Campo Limpo, que não é considerado dos piores de São Paulo. Mas o trânsito não para, nem sua fábrica de estropiados.
A chuva não parou, mesmo assim a cada momento aumenta o número de pessoas que chegam e vestem as camisetas com a foto de mãe e filha de mãos dadas com a inscrição em baixo “Não foi acidente”. Balões brancos são distribuídos e inflados pelos participantes. A avenida foi interditada pela CET e alguns PMs se resguardam da chuva debaixo da cobertura de entrada do Colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, São Paulo. Um jovem magro, alto, de óculos respingados e capa cinza chumbo, está tranquilo, atendendo a imprensa com uma fala calma, mas um pouco cansada. Eis Rafael Baltresca, o que restou da família atropelada a alguns dias na Marginal. Junto, neste evento denso, debaixo de uma chuva que cada minuto fica mais forte, como um pranto doido vindo das entranhas, há mais outras 8 famílias de atropelados, todos jovens. Mortes estúpidas.
Um casal claramente envelhecido para idade dá uma entrevista para uma TV. O pai declara que não consegue parar de chorar pela morte do filho de 26 anos, que estava em seu primeiro dia de emprego, feliz. A mãe permanece ali, provavelmente sem perceber, agarrando o braço do marido num esforço para não despencar no barro; absolutamente imóvel, olhos desfocados na água que não para de cair dos céus. É um dia cinza. A movimentação da mais de centena que já chegou é pouca, quando há é lenta, silenciosa. Os organizadores circulam entregando as camisetas e colando adesivos com forma de borboleta em quem chega. A imprensa trabalha com discrição. Um abaixo assinado está numa das duas tendas, a azul. É feita a chamada para a passeata e para as falas preliminares.
Três falam, o tio de Rafael que lê um lamento / protesto / manifesto, Rafael e um amigo da OAB. Silêncio entre os 200 ou mais participantes, praticamente todos vestidos de branco, encharcados mesmo se protegendo com seus guarda-chuvas. A mãe de Victor Gurman está abraçada a um senhor, com um olhar plácido quase petrificado.  Um pouco atrás uma família estende uma faixa com a foto de duas meninas novas. É difícil identificar quem é familiar de atropelados e mortos porque a emoção forte e dura está em cada e todos os rostos. Terminam as falas e o protesto segue lentamente. Algumas pessoas vão encravando grandes borboletas de cartolina nos gramados. A chuva lentamente retorce suas formas e escorre as cores, bem próprio para uma representação de mortos, ou assassinados pelo trânsito. É o tom da passeata.
Um número absurdo de acidentados entrou nos hospitais durante a passeata, disseram lá atrás. “Um morto a cada quantos minutos?” O que não se vê não se sente. Eles não existem. Só vão passar a existir se sua própria roupa for manchada de sangue dos feridos ou mortos. Mortos passam rápido, alguns são mais doloridos que outros, mas depois de um tempo desaparecem. Não para os pais. O Brasil é um país que tem uma estranha relação cordial com a morte e os assassinatos. Números não mentem. Morre-se assim não mais e só sobra um abismo para os mais próximos, absolutamente indiferente para a sociedade. Os acidentados, aqueles que sobrevivem à carnificina, são em número tão grande que viraram carne de vaca. É tanta gente, tão cotidiano, que já não conta mais. Cansou! Portas fechadas. Quem passa na porta não nota nada. Quem lê jornal tem pequenas notas. A massa que cai no leito hospitalar tem direito a alguns minutos diários de companhia, quanto tem. O nosso sistema hospitalar está criado para dar votos, não para fazer parte de um sistema de saúde pública. É tão útil inaugurar hospitais. O que acontecerá depois é número, que pode ser eleitoralmente bom ou ruim.
A passeata chega à Marginal Pinheiros e segue para o ponto exato onde mãe e filha morreram atropeladas na calçada por um motorista jovem, bêbado e a 150 km/h onde é permitido 70 km/h. Paro a bicicleta na esquina e fico olhando o povo passar. Só eu e mais um outro senhor de bicicleta. Onde estarão os outros ciclistas tão preocupados com a violência no trânsito?
Lembro de uma tarde de sábado de outono quando tive contato com meu primeiro ciclista morto. Ia pela av. Cidade Jardim para a casa de Renata, do outro lado do rio, e na cabeceira da ponte havia um ciclista estendido no asfalto, sem sangue escorrendo, de olhos abertos, como se olhando o caminho para onde deveria continuar seguindo. Estava imóvel. Sua bicicleta estava um pouco mais a frente não muito retorcida. O trânsito começava a parar. Deitei minha bicicleta aos pés do acidentado, me agachei, tomei seu pulso ainda quente, e aprendi que o morto tem por um bom tempo uma circulação de fluidos que é estranha, silenciosa, elétrica sem eletricidade, o último suspiro de vida. Cruzou alguém, olhou para mim e fuzilou: “Está morto”. Fiquei ao lado do morto mais uns segundos e depois segui meu caminho. O ciclista deitado no asfalto continuou lá em seu derradeiro anoitecer de outono. Não havia mais nada a fazer, pelo menos naquele momento.
A passeata segue em frente pela Marginal Pinheiros e eu não me sinto em condição de acompanha-la. Fico pensando na Petição INICIATIVA POPULAR SOBRE CRIMES DE TRÂNSITO QUE ENVOLVA A EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N15216 e nas ações que se pode fazer daqui para frente.
Prevenção, eu acredito em prevenção. Prevenção deve ser baseada na ciência. Infelizmente o pouco que se luta contra este estado de coisas, esta barbárie de mortes violentas no trânsito e por assassinato, são pequenas ações sempre posteriores ao acontecido. Como fazer que este país, que convive tão normalmente com a violência, a ter atitudes preventivas? Preventivo não gera votos. Brasil é um país festeiro, ou festivo, como queiram, e o que vale mesmo, como dizem os americanos, é que “o show deve continuar”. É comum no sertão acontecerem brigas no meio das festas, dos forrós, e quando há um assassinado o corpo é recolhido, colocado do lado de fora do salão, encostado à parede, para que o baile não pare. Simples. Mais ou menos como o trânsito que amaldiçoa os motoboys acidentados. “Tira este f.d.p. da rua que estou atrasado!” ouve-se o grito anônimo. Igual ao entregador com sua Fiorino que para ao lado do marronzinho da CET, pergunta o que está acontecendo e sai xingando o protesto. Não há visão da busca de uma solução definitiva, só do ter os problemas pessoais resolvidos imediatamente.
Quem se interessa por reivindicar melhorias para o trabalho da Polícia Científica e do corpo de Legistas? Quantos legistas há no Brasil com especialidade em acidentes de trânsito, principalmente atropelamentos e acidentes envolvendo bicicletas? Em relação à bicicleta em si creio que não exista um sequer. Com dezenas de milhões de ciclistas circulando não há um especialista sequer. Bravo! O show deve continuar! Minha experiência diz que não adianta ter lei se não houver instrumentos e ferramentas para sua aplicação, no caso o trabalho acurado das duas Polícias, civil e militar, da Polícia técnica e dos Legistas. E de escrivão. É neste ponto que toda sociedade brasileira empaca. Nós queremos ver, queremos já, queremos ser enganados pelos nossos desejos infantis de uma justiça que não funciona e é frustrante, a dos nossos próprios delírios e a oficial, do poder público. E ai, acreditamos em falastrões de ocasião, todos, sem exceção políticos.
Antes de deixar a passeata tenho uma última visão da mãe de Victor Gurman. Até hoje não entendo o que aconteceu. A qual velocidade estaria o carro? Há um cálculo, mas com um grau de imprecisão grande. Quem estava dirigindo? Afirmam que era a motorista, mas ainda pairam dúvidas. Me pergunto se o exame de corpo de delito, que deveria ter sido feito logo após o acidente no motorista, ele ou ela, e no passageiro, ele ou ela, não é citado por nenhuma reportagem. A Land Rover do acidente é um carro sofisticado que tem airbags, que supostamente devem ter aberto no acidente. Se isto aconteceu, deve haver marcas nos corpos dos dois que estavam no carro. Se o airbag não foi acionado provavelmente os corpos devem ter sofrido outros hematomas. Mas numa batida daquelas seguida de capotagem corpo sem hematoma só por milagre ou pura cegueira. Em qualquer das duas hipóteses as marcas dos corpos devem provar quem de fato estava na direção no momento do acidente. Nem se sabe o grau de teor alcóolico dos dois. Pelo que li, ela também afirma ter bebido, mas só um copo.
Mas a questão da perícia não deveria parar por ai. E a questão da condição da via na área do acidente? Como é a sinalização vertical e horizontal, como está o geométrico da via? A calçada existente no local oferece condição para o pedestre? Se há erros na técnica da segurança viária, de quem é a responsabilidade? Houve outros acidentes? Há especialistas nesta área legista que tenham independência e isenção para fazer uma análise? E o corporativismo, como vai? Vai bem? Não existe?
Pelo menos o acidente de Victor parece ter andamento. Do outro lado da Marginal está a USP, e me vem à memória de outra tragédia que vem torcendo minhas entranhas. Estive com a mãe e o irmão de Leonardo Araújo dos Anjos, atropelado e morto no começo do ano na Rod. Raposo Tavares depois de sua festa de calouro da FEA USP. Ao que tudo indica nunca saberemos o que realmente aconteceu. Os fatos continuam não fazendo sentido. O tempo passa e nada parece acontecer. Leonardo está prestes a entrar nas horrorosas estatísticas que trucidam nosso futuro. É um mal, um câncer que vai invadindo a de todos, sem exceção. Ninguém está isento. Segurança no trânsito é saúde pública, ou pelo menos deveria ser.
A imprensa? Quantos jornalistas têm formação ou capacidade para acompanhar qualquer destes casos e escrever matéria coerente? A maioria dos jornalistas que tenho conversado faz sua pauta em cima da Assessoria de Imprensa da CET, o que é uma boa fonte, mas é um pouco como perguntar para o lobo o que está acontecendo. CET ou outros órgãos são os culpados por tudo? Não, não necessariamente, mas responsáveis pela questão de engenharia. Há filigranas que fazem muita diferença, para o bem e para o mal. Ou todos erram e a engenharia de trânsito é impecável?  Não há quem possa dar informação técnica isenta, o que levaria a sociedade ter outra visão dos fatos, que também levaria a uma mais apurada autocrítica dos próprios técnicos e responsáveis pelo trânsito, o que finalmente e mui provavelmente levaria a uma diminuição no número de acidentes, hospitalizados e mortos. Esta é a matemática que qualquer lugar civilizado do mundo faz. Tal qual Oswaldo Cruz fez em sua batalha pela saúde pública. Trânsito é saúde pública.
Eu me sinto culpado por estar escrevendo textos tão pesados e publicando-os no blog. Ao mesmo tempo me sinto culpado pelo silêncio. Silêncio mata, normalmente mui lentamente, sem que a gente perceba ou morra de fato. “Não adianta ficar só falando de desgraça”, dizia alguém. É verdade. Falar só não adianta, é preciso agir. Mas como agir?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Novos impostos. Velhos impostores?

Os novos impostos para bicicletas são os que estão no link abaixo

http://www.transaex.com.br/noticias.php?id=719

• Pneus de borracha, dos tipos utilizados em bicicletas (NCM 4011.50.00): de 16% para 35%;

• Bicicletas (NCM 8712.00.10): de 20% para 35%;

É literalmente uma vergonha! Agora que a coisa está caminhando bem. Boneca deslumbrada?

A alegação de proteção à indústria nacional, na forma de aumento destes impostos, só serve para quem tem interesses individuais ou pessoais. Quem atendeu a este pedido, de aumento de impostos sobre bicicletas e pneus importados, desconhece o que é o setor brasileiro de bicicletas e suas práticas. Do contrário não daria um tiro no próprio pé.

Conhece a verdade dos fatos, coloca no lápis, faz contas básicas e tira suas conclusões. Um mais um são dois e provavelmente consideraria uma burrice sem tamanho aumentar estes impostos. Proteção a indústria nacional? Proteção a geração de empregos? Ora, faça-me rir! Só não entenderam que talvez que esta indústria nacional não atenda aos interesses do futuro do Brasil. Este é o ponto. Conheçam e façam uma análise isenta. Conheçam as histórias, conheça a realidade, investigue. Não ouça só uma versão dos fatos. Governo existe para mediar a sociedade, no sentido de construir um futuro melhor para todos, e não para atender interesses individuais. Bicicleta é ou não interesse do Brasil?

Quem fabrica pneus no Brasil? Levorin? Quem mais? Quem tem peso para fazer pressão para mudança de impostos? Alguém do Governo Federal tomou o cuidado de ir até qualquer loja que venda bicicletas com pneus nacionais (made in Brazil) e apertou os ditos pneus para ver se estão cheios? Perguntou ao vendedor por quanto tempo ficam cheios? Tiveram o cuidado de ir às bicicletarias e ouvir de quem vende pneus e câmaras nacionais o que eles acham sobre a qualidade dos produtos? Ouviram os usuários? Por que não fazem teste comparativo com os importados? Durabilidade, resistência a furos, perda de ar, grau de atrito, aderência, deformação, assentamento no aro, pressão máxima... Há técnicos especializados em acidentes envolvendo ciclistas para definir a responsabilidade de pneus nos acidentes?

Industria nacional de bicicletas: Quem prejudica as grandes marcas nacionais? As importadas? Ou as informais? Sim, as informais que os próprios afirmam existir e ser responsável pela metade do mercado? Então, qual é o problema para o Brasil: umas poucas centenas de milhares de bicicletas importadas (provavelmente não deve chegar a 200 mil) que pagam impostos, ou mais de 2 milhões e meio de bicicletas fabricadas informalmente no Brasil que não existem, portanto não pagam nada de imposto? Por que não foi colocado no lápis esta conta simples? Quanto arrecada o Governo com o imposto de importação X o que não se arrecada com a indústria informal? Quem realmente prejudica a indústria nacional oficial? Será efeito “Zona Franca de Manaus”? Ou vontade pessoal de mauricinho em foder a alma de uma marca brasileira nanica? Qual é a verdade? Proteger a indústria nacional?

Alguém colocou no lápis o tamanho do estrago que estes aumentos de impostos fazem para bicicletarias, ciclistas, projetos de viabilização da bicicleta como modo de transporte e o futuro das cidades? Alguém pensou no que significa isto em termos de custos hospitalares? Sim, hospitalares! Custo de ciclista acidentado! Qual é o percentual real de ciclistas que sofrem acidentes por falha mecânica da bicicleta? Bicicletas importadas com padrão internacional têm índice praticamente zero de defeito. Qual será o nacional?

Por que não se manda qualquer bicicleta nacional, principalmente as básicas, para um organismo internacional de avaliação de qualidade e segurança? Vamos lá, Governo Federal, façam isto, tenham coragem, há milhões de trabalhadores se transportando com elas. Bicicleta é veículo por lei (CTB) e deve oferecer segurança. Vamos, manda um lote de "bicicleta indústria brasileira", com vários modelos, de várias faixas de preço, para ser avaliada lá fora. Vai ser interessante.

E pergunto aos fabricantes nacionais: o que aconteceu há uns anos atrás, naquela história que me contaram dos pneus, não vai se repetir novamente? Vocês vão colocar a produção nas palavras de um único fornecedor nacional? Parabéns! Ou o acordo foi muito bom, ou vocês vão ter que correr de novo e desesperadamente para fornecedores de fora. E ai, se a situação se repetir, quem vai pagar o custo do imposto mais caro? O comprador? Genial. Aliás, pensando bem, como vocês vão fazer o cálculo de custo das bicicletas topo de linha? Vai ficar muito mais caro ou vão vender com pneus impróprios? Vão mudar as características técnicas das bicicletas? Ou o pneu importado que entrar pela Zona Franca não paga a mesma coisa? Ou ainda vão fazer como uma famosa marca de motos obrigada a montar (na Zona Franca de Manaus) as motos com um pneu inseguro para aquele modelo, mas nacional? Feita a venda da moto os pneus importados, apropriados para as características da moto, eram entregues como brinde (custo incluído no preço final da moto, é lógico)? Enfim, como vai ser com as bicicletas nacionais mais sofisticadas?

Organizar um setor como o das bicicletas requer planejamento, principio, meio, fim "e futuro". Atender a demanda de um ou dois sem olhar o todo é repetir erros grosseiros do passado. Fizeram igual na década de 90 e o resultado é que o mercado deu uma freada violenta, e, acredito eu, esta foi uma das razões para a Caloi quebrar na administração da família Caloi. Aumentar imposto da concorrência é uma doce e burra ilusão porque, por mais que queiram, não há qualidade para ser concorrência.

Se as autoridades querem mesmo organizar e incrementar a questão da bicicleta é necessário olhar com seriedade para o todo e não só ficar restrito ao cabresto do sistema cicloviário, obras, asfalto, sinalização... Negam assim que circula neste sistema cicloviário um veículo chamado bicicleta. A história moderna da humanidade prova: “ao socialismo se vai de bicicleta”.

O Governo Federal, que presta serviços à sociedade, deve explicações sobre esta história. Ou dá mais uma prova de seu interesse pouco sério por este veículo tão popular chamado bicicleta.

Vocês acreditam mesmo que vamos chegar a algum lugar com este nível geral de qualidade de bicicletas? Creio que a resposta está na “piãozada” que assim que pode troca a bicicleta, que sempre dá problema, por uma moto. Custa menos. Como já disse um milhão de vezes: o melhor vendedor de motos deste país é a indústria nacional de bicicletas.

Ou se faz com qualidade ou se faz com jeitinho brasileiro. Eu fico com qualidade, que tem critério, princípio, meio e fim: segurança, conforto, sustentabilidade, equidade. Eu fico com as Embrapas deste Brasil. Há muitos exemplos a seguir aqui. Basta escolher o que se quer.

domingo, 2 de outubro de 2011

Mudança de regras: novo imposto para bicis

O imposto incidente sobre bicicletas importadas vai aumentar para 30%. O Brasil já viu esta história, lá pelo início da década de 90, não lembro exatamente o ano. Naquela época, que acabou sendo o final da triste era do oligopólio Caloi / Monark, o pessoal do setor responsabilizava o então todo poderoso Bruno Caloi pela mudança de regra. Ele tinha cacife para conseguir com Brasília, em nome da proteção a indústria nacional, um aumento sensível no imposto de importação de bicicletas. A intensão então, como agora, foi pegar os importadores de bicicletas básicas. Ninguém era santo. Ouvia-se as mais diversas histórias sobre os mais diversos trambiques. Mandos e desmandos autoritários, imaturidade geral do setor, tiveram como resultado óbvio uma retração muito grande de todo mercado, que afetou inclusive a própria Caloi, então o único fabricante nacional de bicicletas concorrentes às importadas. Interessante, mas uns anos depois a Caloi quebrou e só não desapareceu por vontade pessoal do Musa pai que segurou uma barca furada sem tamanho.

Como já disse, o imposto vai subir 30%, ou para 30%, a bem da verdade não sei bem. O mercado já começa sentir os efeitos da alta, justamente num momento que parece que a bicicleta está tomando o espaço que todos nós lutamos há tanto tempo. A maioria que veio dar as más notícias afirma que este aumento saiu novamente de dentro da Caloi.
De quem quer que tenha saído esta ideia de jerico, a meu ver é de uma burrice sem tamanho. Ou má fé. Com a escala de produção que as indústrias brasileiras têm para bicicletas com preço venda público acima de US$ 250,00 é praticamente impossível conseguir preencher o mercado das grandes marcas internacionais, a não ser que conte com um protecionismo descarado. Mesmo assim um dia o bicho pega. Não dá para concorrer com a escala de produção e dumping de uma China. A não ser que os fabricantes importem bicicletas e montem aqui naquela maravilha chamada Zona Franca de Manaus. Maravilha para os abençoados. Neste sentido o aumento de imposto não protege a produção e o trabalhador brasileiro, mas o importador dito fabricante nacional. Vão sentar no protecionismo, aproveitando que o mercado brasileiro é patético e aceita qualquer coisa, e continuar vendendo bicicletas com problemas inadmissíveis em qualquer lugar civilizado. Aliás, inadmissíveis pelas leis brasileiras, CTB e Código Consumidor incluídos ai. Bom exemplo é uma mountain bike 21 marchas dita de qualidade produzida com as forquilhas traseiras com abertura própria para 24 marchas, a versão mais sofisticada. Obviamente uma redução de custos patética. Ou será ignorância sobre tolerâncias do alumínio usado?

Se houvesse boa fé a indústria nacional teria pressionado o Governo Federal pela diminuição dos impostos para bicicletas fabricadas no Brasil, principalmente as básicas. Com esta ação equilibrariam o mercado interno, que dizem ser de uma produção interna de 5 milhões de bicicletas/ano, sendo que pelo menos metade destas vem de fabricantes “informais”, piratas, e até literalmente inexistentes. Sim, fabricantes de bicicletas inexistentes, ou seja, sem ter registro em qualquer órgão regulatório. Este é realmente o problema, aliás, um puta problema! Por que não há interesse em diminuir os impostos sobre bicicletas? Por que não conseguimos ser global players?
Se houvesse boa fé com o Brasil teria sido apresentado um plano de reestruturação para todo setor de bicicletas no Brasil, com investimento em pesquisa, desenvolvimento e melhoria de qualidade geral. Não dá para comparar uma bicicleta básica brasileira da faixa de US$ 150,00 com qualquer do mercado americano, europeu ou internacional sério. As nacionais começam a desmontar em poucas semanas enquanto a similar distribuída no mercado internacional irá durar anos sem apresentar defeitos. Há quem afirme que uns 35% dos ciclistas morrem por falha mecânica da bicicleta. Vá até qualquer lugar onde a bicicleta seja usada para valer pela população e converse com os mecânicos locais. Revire o lixo das bicicletarias. “Irresponsabilidade do ciclista” – afirmam alguns cara de pau.

Parte desta baderna é responsabilidade direta do consumidor. Eu apontaria em especial o dedo no sentido do pessoal dito ciclo-ativista, que ainda se recusa entender que para ter ciclistas circulando nas cidades precisa uma coisa a mais que ciclovias e respeito. Para ter ciclistas nas ruas precisa de bicicleta, meus caros. E bicicleta é por lei, CTB, um veículo, portanto tem que ter qualidade. Bom, enfim, a classe média vai ao paraíso e quer que se dane o resto. E nossa maravilhosa esquerda está ai para dar carros para o povo. As cidades que se danem. Bom, melhor não entrar nesta confusão porque a história vai longe, bem longe, para o Brasil de nunca antes. Aliás, não me lembro de ter visto operários e sindicatos em manifestações pró bicicleta.

O setor da bicicleta no Brasil evoluiu, está um pouco mais organizado que há umas décadas, mas muita coisa que ainda acontece de forma patética e a prova disto é este aumento dos impostos sobre as importadas. Triste.