sábado, 29 de maio de 2021

Jaime Lerner e a cidade do futuro em 70, e para onde caminha a atual 3 cidade das bicicletas

Jaime Lerner projetou e implantou em Curitiba, na década de 70, soluções sensatas, das quais se sabia que os números tirados da experiência apontavam para os melhores resultados. Cidade humana. As soluções de Lerner foram copiadas em várias cidades do mundo, mas não aqui. A preferência nacional foi seguir o que acontecia na cidade mais rica do Brasil, a São Paulo de Maluf. Aquilo deu nisso; o resultado está aí para quem quiser ver.
Lerner em seu primeiro mandato como Prefeito de Curitiba (1971 - 1975) pensou a cidade e a vida de seus cidadãos como um todo, criou uma estrutura de transporte coletivo eficiente, implantou um plano diretor adensando o uso de solo nas proximidades do transporte de massa, e fortaleceu a vida do centro da cidade tirando os carros e abrindo espaço exclusivo para pedestres e encontros da vida na mais importante rua comercial, a XV de Novembro, o primeiro calçadão do país.
Maluf, mais ou menos na mesma época, seguiu pelo caminho oposto. Deixou sua marca concentrando boa parte dos investimentos de São Paulo em "melhorias" para o transporte individual, leia-se carros particulares, então poucos e coisa de elite. Endividou a cidade com suas novas avenidas, pontes e viadutos, criticadas por urbanistas e até mesmo por engenheiros de trânsito. Estas ações deixaram na população a ideia que tudo se resolveria com novas obras, sem preocupações com efeitos colaterais na população. O desenvolvimento urbano passou a ser agressivo e desordenado. As transformações em várias grandes cidades da Europa e Estados Unidos já demonstravam que o futuro não era por aí.
A cidade proposta por Lerner tem uma relação íntima com a cidade humana, a "vivacidade - cidade viva", que hoje se luta para ter.
O legado de Maluf é justamente o modelo de cidade que entrou em colapso em todo planeta, a tão conhecida cidade do automóvel, desumana, poluída, desigual, de economia disfuncional, perigosa para as mobilidades ativas, incluindo a bicicleta. Mais, este modelo de desenvolvimento urbano parece facilitar desvios, corrupção, mal gasto. Maluf acaba com sua foto estampada em relatórios internacionais sobre desvio de dinheiro público, espécie de garoto propaganda da corrupção.

Aqui cabe uma explicação: o automóvel não é em si o problema, mas o mal uso que se fez dele é um imenso problema. A cidade de Lerner e de outros pensadores inclui o automóvel, mas com inteligência e agindo em cima do que a ciência aponta.

Interessante que exatamente da mesma forma como as grandes obras viárias de Maluf pelo bem dos motoristas tiveram amplo apoio por parte de uma população pouco esclarecida, para dizer o mínimo, e que se dane o resto da cidade, a situação de certa forma se repete com a questão da bicicleta. Implantar um sistema fechado em si mesmo, sem um olhar e diálogo amplo e irrestrito com toda cidade e sociedade costuma não dar certo. É naif acreditar que esta festa desordenada vai dar certo só por causa das inúmeras qualidades atávicas da bicicleta e do ser ciclista. Ciclo cloroquina?

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Aro 27 Bike Café

O sobrado que abrigou o Aro 27 Bike Café está em obras. Não faço ideia o que vá ser, mas sinto falta da boa, melhor, da ótima, divertidíssima confusão diária daquela bicicletaria, café; e depois restaurante. E porque não dizer sinto falta de Fábio e da tropa que lá trabalhou. Passei pela caçamba cheia e como sempre fui ver o que tinha de interessante. Em cima do entulho, um pouco suja, mas inteira, uma tela de silk screen "um carro a menos" dos tempos de máxima agitação. Peguei, tirei a poeira, olhei com emocionado saudosismo, deixei a no chão, contornei a caçamba, puxei um banner do meio dos tijolos partidos, o abri um pouco, apareceu o chique logo Aro 27. Tirei o segundo banner, abri, CicloCidade, que durante muito tempo fez suas reuniões no bike café.  Caçamba pronta para ser descarregada em algum lixão da cidade. Este é o Brasil. 

Não tenho receio em afirmar que o Aro 27 foi um dos marcos na história da bicicleta no Brasil. Bem mais que simplesmente mais uma bicicletaria, ou um café, um restaurante, ou até o primeiro bicicletário particular que oferecia segurança para as bicicletas, armários para as roupas suadas, ótimos chuveiros, e café da manhã feito com carinho para os trabalhadores dos edifícios comerciais em volta. Foi o ponto de encontro do zoológico social completo, de A a Z, todos gêneros, todas espécies, de radicais (simpáticos, educados) a liberais (simpáticos, educados) do mercado financeiro, dentre muitas que vez ou outra via por lá. Fábio Minori, o dono, "mediava" tudo com rara habilidade.

Peguei os três troféus e fui para casa, do outro lado da rua. Cruzando meu fundo corredor passou um longo filme do que vi nestes meus mais de 40 anos de bicicletarias. Imediatamente lembrei de Celso e sua Shop Cycle, boutique de bicicletas, a primeira bicicletaria chique da história do Brasil. Celso foi diretor na Caloi antes de abri-la, não me lembro de que área, creio que comercial, portanto sabia muito bem onde estava se metendo. Eram outros tempos, década de 70. Só fechou o negócio quando não tinha mais condição física. 
Fábio Minori, queria ter um negócio ligado à bicicleta, sua paixão, mas não sabia onde estava se metendo. O negócio da bicicleta não é para amadores. Um negócio que não é para amadores num Brasil que não é para amadores definitivamente não é para sonhadores, e Fábio é um destes mágicos sonhadores que estupidamente o Brasil faz questão de desperdiçar. 
A Shop Cycle ficava na rua João Cachoeira quase com esquina da Pedroso Alvarenga, o bairro da vez naquela São Paulo com uma classe média explodindo, única bicicletaria por perto. Celso mirou e acertou o público alvo que não fazia ideia do que era uma bicicleta, mas então bastante interessado em pedalar as Caloi 10 e Ceci, bicicletas da moda, objeto de desejo empurrado pelo tão falado Passeio da Primavera que acontecia uma vez por ano. 

Fábio abriu um negócio muito mais sofisticado, coisa de primeiro mundo, apostando que o público responderia a propostas ousadas que demandam um nível cultural que definitivamente não temos. Mesmo os que têm pecam por um pedantismo tupiniquim.  
Quando o Aro 27 Bike Café foi aberto estava claro que o entorno da Estação Terminal e Metro Pinheiros iria crescer, mas aconteceu uma explosão bem diferente da esperada.  

O Aro 27 Bike Café era chique. Quando entrei pela primeira vez adorei a decoração, os detalhes, as minúcias cuidadosamente espalhadas pelas estantes, penduradas nas paredes, a oficina de ferramentas de alta qualidade, o jardim bicicletário nos fundos e depois dele o vestiário e banheiro com acabamento que poucas academias e clubes da cidade ofereciam. Esta foi a primeira parte do projeto que não deu certo. Fábio imaginou que oferecendo serviço de alta qualidade o pessoal viria pedalando de casa para o trabalho, deixaria a bicicleta ali, tomaria um delicioso banho, guardaria a roupa de ciclismo no armário, se fosse o caso usaraia os serviços da bicicletaria, e iria trabalhar. Ledo engano. Um pouco depois vestiário e banheiro foram transformados na cozinha e o bike café ofereceria almoços, aliás bem boas refeições O detalhe é que na mesma rua outros restaurantes foram abrindo, e mais restaurantes, e outros... Enfim, antes da pandemia haviam 15 restaurantes próximos, a maioria quase ao lado. Não há santo que aguente. Hoje sobraram 3 ou 4 que vivem vazios.

O diferencial mesmo estava na diversidade de público que frequentava o "Aro". Duvido que tenha havido e exista qualquer outro ponto da cidade e do Brasil que tenha juntado zoológico tão diversificado, completo e com tamanha riqueza. Fábio foi o catalizador porque é pessoa rara, de inteligência aberta, fluente, conversa para horas, sonhador de primeiro mundo.   

terça-feira, 25 de maio de 2021

álcool gel, máscaras: como se faz o cálculo ambiental?

Mais um dia, mais uma máscara lavada na pia. Sempre a mesma coisa; tampar a pia, abrir a água, ensaboar a máscara, fechar a água e deixar a máscara ensaboada na água por um tempo. A água fica escura, cheguei pensar que fosse a tinta da máscara até que caiu a ficha: poluição do ar. Destampa a pia, escorre a água suja, aperta a máscara, tampa a pia, um pouco de água, máscara dentro. Subindo a av. Rebouças passou um caminhão pequeno soltando muita fumaça. Olho a água escura da segunda lavagem da máscara e entendo porque. Vejo o caminho que fiz e lembro da quantidade absurda de máscaras perdidas no chão. Quero chuva para melhorar o ar e diminuir o risco de racionamento de água que dizem ser uma possibilidade.    

Volto minhas lembranças para as águas de março. Cai uma tempestade, enche e transborda, sobe na calçada. Estou em baixo do toldo de uma loja de rua que como todas outras lojas destes muitos quarteirões, mais de dez, estão com álcool gel obrigatório em suas portas. Em muitas delas fica num totem e é espirado para as mãos com um apertar do pé. Sai um jato e boa parte cai no chão. Olho para baixo procurando onde vai manchar minha calça, mas desta vez o excesso acabou mesmo no chão. Quanto álcool desperdiçado, poluição ambiental. Tomei um expresso numa casa recém inaugurada e o assoalho em madeira, chique, bonito, está assustadoramente todo manchado. Perguntei para a dona o que havia acontecido. "Álcool gel. Já tentamos de tudo para tirar as manchas e nada funcionou. Vou ter que trocar todo o piso". 
Estico o pescoço para fora para ver em quanto tempo a tempestade para. Olho as lojas e tenho certeza que o álcool gel que caiu no chão de todas não deveria correr para a captação de água pluvial. Olho as pessoas que também estão ansiosas para ir embora sem se molhar e tenho certeza que entre encherem até transbordar suas mãos de álcool gel contra o Covid e tomar cuidado usando só um pouco pensando no meio ambiente a opção é óbvia: que morram os peixes que acabaram de voltar ao rio Pinheiros. 
Cada vez que entro em casa lavo as mãos. Como estarão as estações de tratamento de água da SABESP? Para onde vai todo o resíduo? Provavelmente os resíduos devem ter aumentado e muito na pandemia, principalmente as gorduras contaminadas vindas de sabonetes e detergentes. E os outros produtos de limpeza, onde vão parar? Boa parte dos trabalhadores de baixa renda que perderam seus empregos não tem esgoto encanado em casa, mas tinham no trabalho. Como estão os índices de poluição comparados a antes da pandemia?

O maluco só dá péssimo exemplo; não usa máscara e tira um sarro de quem usa. A turba o segue em raivosa festa. O problema do mal exemplo não termina só na pandemia, seus mortos, o colapso da economia que deve se alongar sem os devidos cuidados, mas no sabotar um olhar mais apurado da população em relação às próprias máscaras.   
Especialistas em meio ambiente estão chamando a atenção para o descuido com o descarte de máscaras. Muitas são carregadas para os bueiros, daí para córregos, rios e mares, causando contaminação, já comprovada, que ainda não se sabe bem as consequências, certamente boas não serão. A ciência já avisou que o problema não ficará restrito aos peixinhos, mas que com certeza retornará aos humanos. O cálculo de danos é muito mais complexo do que posso imaginar e até os próprios sábios e cientistas não conseguem fechar.

Assisto o Repórter Eco da TV Cultura. 
Como fazer o cálculo do impacto ambiental causado por esta pandemia? 

Ontem divulgaram dados inequívocos que provam que onde há negacionismo há mais mortes. Nas cidades onde Bolsonaro ganhou o número de internações, mortes e problemas econômicos é muito maior que nas localidades onde houve e segue havendo respeito à ciência. 
Onde vai parar isto?



terça-feira, 18 de maio de 2021

Erro de comunicação em cascata

No meio da conversa tensa saiu um "deixa de ser moleque" e o telefone foi bruscamente desligado. Uma única palavra não deveria ter consequências mais graves, mas há palavras que pegam na veia e esta foi uma delas, das que pegam na veia do pescoço e sobem direto para os mais doloridos e furiosos recantos do cérebro. Não bastasse, uns dias mais tarde uma situação estranha, a aparição de uma viatura da polícia, que não era PM, mas GCM, acontece do nada fazendo supor algo mais grave, e sucedem-se erros de comunicação em cascata, piorando mais ainda as dores emocionais causadas pelo dito "moleque" ao telefone. Estava estabelecido o ódio incondicional que encerrava qualquer possibilidade de conversa, explicação ou mesmo até discussão adulta.
Tudo tem um começo, que algumas vezes não se sabe bem se é ovo ou galinha. A meu ver está na forma e falta de limites das palavras. O que pode ser um exagero inconsequente, como "eu mato aquele filho da puta", ou "são todos bandidos, assassinos", também pode ser tomado como expressão literal. Este pode ser o fio da meada de um novelo grande de erros em cascata. Normalmente é inevitável que assim seja.

E depois de um bom tempo chegou uma mensagem especialmente formal, controlada, com cheiro de escrita a quatro mãos, que foi recebida e entendida como uma mágica fresta de comunicação. O melhor da mensagem foi o envio da mensagem em si e foi recebida festivamente com esperança.
Prazer em ter um comunicado sem palavras ou adjetivos ofensivos, o que só prejudica o entendimento das razões, boas ou más, e a comunicação, boa ou má, em si. 
Por pior que seja a raiva a conversa não deve ser unilateral muito menos monolítica. Conversar com uma porta ainda vai; com jeito ela pode abrir, gemer suas dobradiças. Com pedra nem isto.

E a resposta à mensagem foi cuidadosamente escrita, lida, revisada, reescrita, acabou inacabada e não enviada:

Não houve manipulação dos fatos, mas uma cascata de acontecimentos que remeteram a expressões fortes usadas no passado, fossem para expressar a mais profunda das intensões, ou até as que nunca seriam cumpridas, fossem por puro desbocamento.
Há uma enorme diferença entre ser manipulado e aceitar ou compreender uma informação que, por ser a versão de outro, é limitada a uma realidade particular. Não somos manipulados, nos fazemos manipulados em nome de auto proteção. É atávico ao humano.
O entendimento de qualquer situação se faz pelo que se vê e ou ouve. O que acontece no lado de quem fala tem variantes que nunca se sabe ao certo quais são por suas nuances envolvidas, só se supõe. Ter como certeza o que se supõe é a primeira pedra de muitas da cascata. Daí imputar a outros a própria responsabilidade. 
A Justiça, a das Leis escritas, a formal, julga (ou pelo menos deve julgar) pelos fatos e não por meras versões, suposições, diz que diz. Pode-se dizer que fatos levados em consideração e julgados pela Justiça tem que ser convincentes, ou são invalidados. O foco é não errar, mesmo assim erros acontecem. Para evitar erros existe todo um processo a ser seguido. 
Diferente da Justiça nós, indivíduos, com frequência trabalhamos nosso equilíbrio emocional segundo a versão que mais nos convêm. 
Nunca a palavra moleque foi tão mal entendida. Nunca o arrependimento foi tão grande.

O silêncio e o olhar fixo na porta do elevador se instalou na espera que chegasse ao térreo. Entraram, apertaram o botão do andar, a porta se fechou, olhares quietos para cima quebrados por uma piada que dali não sairia, mas descontraiu os últimos andares, até a porta do elevador abrir. Contendo o riso, mais leves, respiraram e apertaram a campainha. Vieram passos e porta do apartamento foi aberta com um sorriso contido expondo uma vontade muito contida de um aperto de mão ou até um abraço. 
A pizza da pizzaria nova tão bem falada pelo vizinho chegou bem menos cheirosa que o ansiado. Colocada sobre a mesa, caixa aberta, pescoços esticados para aquele centro com uma massa atropelada por um caminhão e um recheio deslocado para o canto. Escapou das visitas um comentário jocoso e perigoso para a delicadeza que o reencontro supostamente demandava. Uma pausa se fez, entre olharam-se e riram. "Só tem tu, vai tu mesmo". E conversaram longamente. 

domingo, 16 de maio de 2021

Pandemia sem coleta de dados e futuro sem respostas. Orgulhoso do que propus lá atrás

O que aprendemos com esta pandemia? Faz alguns dias cientistas começaram a cantar em coro sobre o grosseiro erro que o país cometeu (e segue cometendo) em não ter aproveitado as internações para colher dados sobre a saúde e hábitos dos brasileiros. No final das contas o que o país aprendeu (e está aprendendo) com a pandemia? Não resta dúvida que sairemos desta com informações desencontradas tiradas das diversas e confusas matizes de jornalismo, propaganda, política e ideologia que temos, mas com pouca ou nenhuma informação de real qualidade que de preferência possa ser espalhada entre a população que por conseguinte possa orientar no e para o futuro do bem de todos.
Brasil tinha antes da pandemia algo em torno de 35% de informalidade econômica, o que especialistas das mais diversas áreas afirmam que já era um problemão, um erro estratégico, um empecilho para resolvermos de verdade os gravíssimos problemas sociais deste país. O que tem por trás desta informalidade? Educação, resposta definitiva que está na ponta da língua de todo brasileiro. E o que mais? E o que mais?!? Óbvio, educação, mas se resume a isto? Os problemas que temos se resumem a respostas óbvias, curtas, grossas e definitivas? Terraplanismo? Deus é Fiel? Academicismo?

Óbvio simplório é mais que um perigo, é tiro no pé para sangrar até morrer, lenta e dolorosamente.

Nem o macro conseguimos resolver. A sensação que tenho, e não sou o único, é que o micro que se dane.
Falou economia parece óbvio falou sobre macro economia. Uai, macro inclui tudo, se inclui tudo inclui não só o dinheiro grosso, o que é grande. Até falam sobre os 35% informais, mas falam em ajuda. Dar o peixe ou ensinar a pescar. O povo quer esmola ou quer aprender a caminhar firme com suas próprias pernas? Esmola é humilhante.

Não existe solução macro sem levar em conta os detalhes, as situações que parecem pequenas, desprezíveis. Num país onde antes da pandemia a economia informal respondia a mais ou menos 35% da macro não conhecer nos mínimos detalhes toda a verdade do informal beira a completa irresponsabilidade. 
 
No começo da pandemia soltei dois textos que chamei de "break down" do que pensei que deveria ser olhado, discutido, levantado, selecionado, apresentadas alternativas, soluções e trabalhado para que enfrentássemos parte do caos que vinha pela frente. Aliás, nunca imaginei que a baderna chegaria nesta escala, erro meu. E fiquei muito emocionado, para o bem e para o mal, quando ouvi o primeiro cientista falando que precisávamos ter organizado (lá trás)...   


segunda-feira, 10 de maio de 2021

mães

Dia das Mães e Leandro Karnal soltou no Estadão um ótimo texto, Entre filhos e filhotes, sobre a história do ser mãe usando como base a relação da Rainha Vitória e de Elizabeth II com seus filhos. Como um simples ignorante, mas com alguma leitura, digo que o conceito de mãe que temos hoje, carinhosa, acolhedora, preocupada, protetora... se estabelece a partir da revolução industrial que acabou permitindo que criança virasse criança e que depois um certo tempo mulher pudesse ser mãe. Explicação simplória, mas não longe dos fatos.

Passei minha vida cercado por mulheres, achei e continuo achando ótimo. Por muita sorte tive uma mãe excepcional, Lollia, uma mulher de rara sensibilidade e inteligência que sabia levar a família e seus filhos com sabedoria. Resolvia ou contornava os problemas com voz baixa e pensamento linear para não deixar dúvidas. Bastava seu olhar e tudo entrava nos eixos. Usava de muito humor em momentos espinhosos. Não me lembro de ouvi-la gritar, nem quando levantava a voz para o famoso "Comporte-se" dito em tom de gozação.
Lollia faz falta. Definitivamente foi mãe. 

Mas tive a imensa sorte de ter tido outras mães, direito imposto pelas próprias palavras delas. Por ordem: Conceição, minha baba; Yedda minha segunda mãe com sua infinita paciência, Laurita Frugone, uma argentina de fina educação que desde a primeira vez que me viu se apaixonou por mim e me tratou como o terceiro filho. Com Carminho, minha avó por parte de pai, tive um ótimo relacionamento até praticamente o final de sua vida. 

Creio que não havia Dia das Mães quando ainda estavam vivos meus bisavôs. Por parte de pai conheci todos, só não me lembro de Arturo Maria, meu bisavô argentino que dizem ter sido uma pessoa boa. Posicionou-se contra Peron, foi perseguido, preso, exilou-se, e alguns anos depois morreu de desgosto. Contam que foi um maravilhoso pai e avô, pelo que contam praticamente uma mãe. Conheço muitos pais que foram ou são verdadeiras mães. Zé Maria W., primo irmão de meu pai está aí para provar, perdeu a mulher cedo e criou sozinho seus 10 filhos.
Mamita Elena, mulher de Arturo Maria, e Amélia bisavó por parte de avó e de pai foram pessoas distantes de mim, então criança, e a relação se resumia em pedir a benção ao entrar em suas casas. 
De Mamita Elena tenho uma lembrança gozada. Eu tinha 11 anos, estava em Buenos Aires, numa manhã meu avô entrou no quarto e disse "Se veste que você vai acompanhar Mamita. Ela tem que fazer umas coisas na rua". E fui, e descobri que a velhinha não andava, corria, era ligada no 220. No meio do caminho foi a primeira vez na vida que entendi o "mata a velha!".
Incluiria nesta lista Jeannete, mas aí sou eu que incluo, porque muitas vezes ela deve ter pensado "mata o pentelho!", no caso eu. Devo muito a ela. Muitos devem demais a ela, que não foi mãe de ninguém, mas foi mãezona de todos.  

Ontem, por razões pandêmicas, não pude dar um abraço e um beijo em Conceição e Yedda. Lollia se foi faz tempo, mas continua viva. Laurita foi-se não faz muito. Tive a grata sorte de estar em Buenos Aires no Dia das Mães e entregar-lhe um belo buque de flores alegres, como ela sempre foi, um pouco antes de sua morte.

Lollia nos seus últimos dias, na UTI, o único filhote que queria ter visto e acariciado era o Zumbi, seu pequeno puddle preto, filho de última hora. Eu e Murillo, meu irmão, estávamos em segundo plano. Eu a entendo. Muito, muito estranho, uns dias após sua morte uma pomba branca pousou serena praticamente no meu pé vinda de não sei onde. Aceitei como bom sinal.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

Grandes diferenças; uma conversa civilizada, agradável sobre Boulos

Na porta da maravilhosa padaria Fabrique, na rua Itacolomi pouco abaixo da Pará, o jovem pai adesivado com 50 Boulos me cumprimenta esticando a mão dedos fechados, cumprimento pandêmico, "E aí, amanha é 50?". "Não, não vai ser. Concordo com boa parte das propostas de vocês, mas não com invasão de áreas públicas, principalmente pelo problema que a cidade tem com água e que afeta principalmente a população mais pobre" respondo. A conversa seguiu bem civilizada, sem que houvesse uma reação mais forte da parte dele que contou ter participado de ações do MST. "Chique, morador de Higienópolis, comprando na Fabrique, participando do MST", penso eu. Invejo sua experiência social. Ele está com o filho pequeno, um amigo e a mãe deste amigo que despeja feroz sua contrariedade com invasões e outras ações mais radicais. Enquanto espero meu café ser entregue acabamos travando conversa interessante. Ambos conhecemos Cidade Tiradentes, um bairro que não só eu chamo de gueto, uma tragédia de projeto urbano mal estabelecido que até um pouco mais de uma década estava largado no meio da Zona Leste. Hoje melhor depois que Serra ordenou ações, mas ainda problemático. E falamos sobre águas, nascentes, córregos, e a absurda invasão neles. Nos despedimos. 

Urnas fechadas, votos contados, Boulos não ganha, mas se sai bem.      

Cheguei em casa, escrevi este texto e por alguma razão que não me lembro não o publiquei. Infelizmente nunca mais encontrei o jovem pai com quem conversei para esticar o papo. Nem olhei os rascunhos deste blog.

Boulos se transformou numa peça política de peso. Interessante, mas continuo discordando não da essência social que propõe, mas da forma de ação, principalmente no que toca a invasão de área públicas, em especial qualquer que envolva matas virgens e água, o que considero inaceitável. Aliás, as entrevistas de seu pai, Marcos Boulos, especialista em doenças infecciosas, são muito interessantes. Boulos filho teve mui boa formação.

Temos que mudar, disto não tenho a mais remota dúvida, e tem que ser uma mudança para valer, o que não se vai conseguir colocando fogo no circo. Vira cinzas, ninguém sai ganhando.

Empresas se unem pela responsabilidade social

Empresas se unem e abraçam causas sociais e de diversidade / Cresce o engajamento em frentes que vão da busca por vacinas à união contra desmatamentos da Amazônia. - O Estado de São Paulo, Domingo. 02 de maio de 2021, matéria de capa. (tentei achar o link, mas o site do Estadão...)

É impossível negar que chegamos ao progresso geral a melhora do bem estar que temos hoje, inclusive a diminuição da miséria, pela livre iniciativa. Mesmo o que se chama de esquerda, até a mais radical, só aconteceu por livre iniciativa de um punhado de cidadãos.
Da livre iniciativa surgiram as empresas e ONGs, que são cruciais para o funcionamento da sociedade não importa em que regime se esteja.
Para o capital privado quanto maior o público alcançado melhor. A crítica que se tem em relação às empresas é pertinente em certos sentidos, mas a equação de funcionamento de tudo que a sociedade de nossos dias tem não funciona direito ou entra em colapso se o pescoço delas for simplesmente cortado, para fazer um paralelo com a Revolução Francesa. Aliás, um tempo depois os próprios revolucionários tiveram suas cabeças cortadas. O que se tira desta e de outras histórias da história é que é melhor ajustar que chutar o pau da barraca.

Só vamos conseguir mudar a situação que vivemos quando deixarmos de "implicar" e passarmos a transformar. É a única saída para o planeta, é a ação correta para com os mais necessitados.
Não existe milagre.
Olhar o outro tendo como princípio que é um canalha e culpado de todos seus males costuma não dar certo, mesmo que ele o seja. 

Hoje, 07 de maio de 2021, José Luiz Tejon, respeitado especialista no agronegócio, desabafou no Jornal Eldorado (FM) sobre a loucura que estamos vivendo no Brasil e as oportunidades que estamos perdendo e que perdemos. A pandemia é uma enorme oportunidade para melhorar tudo, inclusive discutir e tomar providências sérias e produtivas em relação ao meio ambiente e à pobreza. Infelizmente ainda não subiram o áudio.

Em 1968 os Beatles lançam o álbum branco que é aberto com a emblemática música Revolution 1. A letra diz tudo, mas infelizmente parece que não foi entendida até hoje. Interessante que a pandemia faz de Revolution mais uma vez atualíssima.  

quarta-feira, 5 de maio de 2021

A chacina de SC, Bolsonaro e Paulo Gustavo

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Brasil está estarrecido com o ataque de um jovem a uma creche que resultou em três crianças pequenas e duas professoras brutalmente mortas. Não resta dúvida sobre a culpa do rapaz, mas como disse um delegado com sabedoria "É preciso entender as razões". Só é possível evitar futuros atos insanos como este se forem descobertas e compreendidas as razões que levaram ao trágico desfecho, do contrário barbárie como esta provavelmente se repetirá. As razões para o Brasil ter hoje mais de 410 mil vítimas estão muito em parte no passado de Bolsonaro, aquele que a negou, chamou de gripezinha, coisa de maricas, disse deixa de mi mi mi, não sou coveiro, respondendo ao jornalista "vontade de encher tua boca com porrada, tá?". O nada abonador passado Bolsonaro e de quem no passado não lhe impôs limites se apresenta hoje nos números assustadoramente crescentes de mortos pela Covid19 que parecem não estarrecer mais o Brasil. Ontem, algumas horas após a chacina na escolinha de Santa Catarina, veio a notícia da morte por Covid19 do brilhante comediante Paulo Gustavo, entristecendo a multidão e gerando inúmeras manifestações e reações. O personagem mais marcante de Paulo Gustavo foi Dona Ermínia, uma mulher sem papas na língua, com reações fortes e nada recomendáveis. Só se constrói um bom personagem de comédia tendo como base os vícios atávicos da sociedade ou a piada cai no vazio. Dona Ermínia, um fenômeno de bilheteria, fez o Brasil gargalhar por que é espelho. Bolsonaro, Presidente destemperado, avesso à formalidades do cargo, grotesco, é aplaudido em suas grosserias, é uma espécie de Dona Ermínia da vida real, bem real. O Brasil votou nele, um espelho de nosso momento. Paulo Gustavo mais que vítima da Covid19 foi vítima de nossa pandêmica falta de civilidade, nossa falta de educação e respeito coletivo. Dona Ermínia que o diga. Bolsonaro confirma. Urge entender as razões.

Manifesto para o ciclista não ficar na contramão da história

A filha de um general teve um acidente de bicicleta. Como era ditadura o General ordenou que o CONTRAN baixasse uma norma ou recomendação obrigando os ciclistas pedalar no sentido contrário dos carros para que os ciclistas pudessem ver e desviar, se for o caso. Ouvi a mesma história de várias fontes, até de gente que estava dentro do governo e sabia muito bem o que falava. Fato é que até hoje tem ciclista que tem como verdade única e exclusiva que pedalar na contramão é a forma mais segura, ou a única forma segura, não importa que todos os dados apontem que é uma das situações com maior índice de fatalidade. Mais, pedalar na contramão aumenta muito a possibilidade do ciclista se acidentar, ficar aleijado ou morrer 

O que se constrói hoje em palavras, fatos, ações ou obras vai gerar consequências no futuro. É absolutamente impossível negar isto. Nada é inconsequente. Como diz o velho ditado: Aqui se faz, aqui se paga.

Não reconhecer que a cidade que temos hoje no Brasil vive um tempo de baderna é ou desconhecimento do que pode ser uma cidade normal ou falta de vontade. 
Não reconhecer que o que está acontecendo com uso da bicicleta em nossas cidades está uma baderna... é muita inocência para dizer o mínimo.
Bicicleta é! transformadora. Nossa vida urbana pode melhorar muito com a introdução da bicicleta, mas com as coisas bem feitas. Pedalar onde e como quer, independente dos outros, não é o caminho. Contramão hoje é o símbolo do que está o uso da bicicleta e a compreensão do que é nossas cidades. Não é assim, não pode ser assim. Ciclismo cloroquina não dá certo.     

Tendo em vista que o trânsito na cidade e em suas vias varia de ponto a ponto, assim como seus perigos
Tendo em vista que trânsito é uma ordem coletiva dentro de um espaço específico, onde o equilíbrio e segurança do sistema 
  • direito a liberdade de pedalar livre de segregação
  • abertura imediata dos gastos públicos relativos ao sistema cicloviário implantado
  • abertura dos números e razões dos acidentes, e não só mortes
  • olhar a cidade do futuro, não a cidade que foi criada a mais de cinco décadas
  • menos gastos com km, muito mais educação, como obriga a lei
  • não atrapalhar, causar problemas para a circulação do transporte de massa
  • implantar depois de diálogo não só com ciclistas, mas com todos afetados
  • respeito aos pedestres, respeito aos cidadãos com necessidades especiais 
  • olhar prioritariamente áreas de grande circulação de pedestres, principalmente no entorno de estações, terminais; pedestre é prioridade por lei e bom senso
  • fiscalizar, policiar, organizar e mediar, poder público cumprindo seu Dever Constitucional
  • desmentir e desmistificar conceitos prejudiciais ao bem estar público

segunda-feira, 3 de maio de 2021

O culpado (de sempre)

- Foi atropelamento. Este pessoal da Globo é mal intencionado. Como assim foi colisão? Foi atropelamento; o caminhão atropelou o ciclista! disse o ciclo ativista enfurecido com a reportagem que acabara de ouvir na TV Globo.
- Foi colisão. Bicicleta é pela lei um veículo, está no CTB, portanto foi colisão com vítima. Por sorte não foi fatal, respondeu o amigo com voz um pouco enfadonha e tranquila
- Atropelamento! Foi atropelamento! Maldito motorista de caminhão, são todos uns assassinos.
- Como assassinos? levantou um pouco a voz em resposta e o ativista suavizou sua expressão, desviando os olhos, de alguma forma reconhecendo que havia exagerado. Fez-se um silêncio.
- Muda a lei e tira do CTB que a bicicleta é um veículo, daí vai ser atropelamento. Mas fica atento que não vai mais poder circular no asfalto das ruas e avenidas, só vai poder pedalar na calçada. E vai ter que cruzar as ruas nas faixas de pedestres, empurrando a bicicleta. Não vai poder ir para estradas. Coisas do tipo.
- Como assim, tá louco?
- Eu não, você que está dizendo que foi atropelamento e que os motoristas são assassinos. Se todo motorista ou caminhoneiro fosse um assassino não teria sobrado um ciclista para contar história.


O pequeno pelotão uniformizados em um amarelo limão pedalava conversando e roda a roda e não percebeu quando um dos seus ficou só e distante a uns cinquenta metros. Era o único que vestia um preto meio desbotado que mais parecia uma camuflagem urbana. Todos passaram rápido por mim e vi o pelotão cruzando o acesso à ponte. Estavam pedalando lado a lado o que melhora a visão para o trânsito; ficam quase da largura de um carro pequeno. Mal via o ciclista retardatário, solitário e porque não dizer camuflado que fez a aproximação do acesso à ponte com corpo abaixado na tentativa de se aproximar do pelotão. Pedalando forte, não sinalizou, não olhou para trás, posicionou-se á direita pensando em proteção, mas também como se sinalizando que fosse entrar no acesso. Eu já o tinha percebido, mas o motorista do carro que me ultrapassou pela esquerda em velocidade normal e sinalizando provavelmente não, tanto pelo ciclista solitário estar na minha sombra, pela sua camuflagem, por não estar sinalizando para onde pretendia ir com o braço estendido. É provável que o olhar do motorista estivesse no pelotão a frente que chamava a atenção com seu amarelo limão e ciclistas lado a lado. O motorista me ultrapassou e veio suave para direita, deu com a traseira do ciclista e deu uma guinada brusca de volta para esquerda, reflexo preciso para evitar a colisão. Acelerou e cortou a frente do ciclista como pode, reação instintiva e arriscada, mas bem sucedida; exceto pelo susto do ciclista que seguiu sua linha reta gesticulando e xingando o motorista. 


- Por favor, qual é o acidente mais frequente que vocês têm nas estradas, perguntei ao socorrista de uma concessionária de rodovia do interior de São Paulo que dava a palestra. 
- Os acessos e saídas são críticos. O ciclista não consegue entender que os veículos vêm com uma diferença grande de velocidade ou estão olhando para trás para entrar na estrada. Eles (ciclistas) seguem (pedalando) em linha reta (quando cruzam o acesso ou saída da estrada) como se fossem um carro ou uma moto, o motorista não vê e pega ele por trás. Não dá para culpar o motorista, ele simplesmente não consegue ver; principalmente se a saída ou acesso for de alta velocidade. É muito rápido.
- E tem muito acidente?
- Muito. Geralmente são gravíssimos (os acidentes). Ou fatais.