sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Opção pela contra-mão.


Um dia após o feriado a Rodovia Castelo Branco estava como sempre; trânsito pesado, denso, rápido, cheio de caminhões e grandes ônibus, motoristas ansiosos e atentos somente aos outros veículos agressividade automática ligada ao som das notícias da manha. Pela marginal da rodovia, que no jargão técnico é “via local”, tão ou mais perigosa quanto a própria estrada, uma quantidade assustadora de ciclistas vem pedalando forte pela contra-mão, seguindo seu caminho para entrar na Marginal Tiete, também na contra-mão. A ligação entre a rodovia e a marginal é uma curva de raio longo que permite que os carros a façam em velocidade elevada. Os ciclistas não se importam ou não fazem idéia do grau de perigo que estão correndo, mas por uma questão de cuidado se espremem um colado na roda do outro junto ao meio fio. Aqueles trabalhadores só querem alcançar um pouco à frente a Ponte dos Remédios por onde irão cruzar o rio Tiete divididos, uns continuando a pedalar pela contra-mão, outros na mão e até mesmo há os sem mão nenhuma, seja pelo asfalto ou mesmo pelas calçadas. Não cumprem nenhuma regra, não atendem aos pedidos pacientes e educados dos marronzinhos da CET. Só tratam de seguir em frente sem contrariar o ditado “atrás vem gente”.

Guerra é guerra? Pedalar na contra-mão é uma tentativa de se virar, de sobrevivência (burra, por sinal), é um ato de insubordinação e uma demonstração inconsciente de revolta pela falta de reconhecimento das autoridades sobre o direito de um cidadão optar pela bicicleta. Bicicletas e pedestres não existem, os números provam isto. Volta na minha cabeça sempre a abertura de minha palestra para a ANTP (2000 creio) dada para uma platéia de especialistas, técnicos e pessoas do setor: “O que vocês imaginam que o ciclista pensa sobre o que vocês pensam sobre os ciclistas (que usa a bicicleta como modo de transporte)?”. A pergunta jogou um vácuo gelado sobre a platéia. Deixei-os paralisados por uns instantes e completei seco: “Deixa morrer, não faz diferença, é pobre mesmo. Deixa morrer!” Infelizmente passada quase uma década a situação é praticamente a mesma. Guerra é guerra!

Eu havia escrito aqui que ir contra-mão é uma revolta do cidadão, mas do fundo do coração eu tenho minhas duvidas que ciclista pobre saiba o que é isto. Ele quer sair de casa e chegar no trabalho ou estudo com segurança e no meio da baderna de nossas ruas ele vai se virando. Há mil razões para optar por pedalar na contra-mão, desde simplesmente não conseguir cruzar a rua para mão correta, aquele ser o caminho mais curto, até o “eu quero que se foda!”. Há umas tantas razões para este pessoal ir para contravenção e o que acontece mesmo só estando lá e conversando com o pessoal para saber a realidade, de qualquer forma contra-mão é tentativa (inocente ou burra) de sobrevivência.

Bicicleta não significa nada para o pessoal do trânsito, a não ser algo que “Ciclista enche o saco”. (sic). Infelizmente esta posição não afeta só o ciclista. É muito mais grave a situação do pedestre no Brasil e esta afeta a todos, inclusive os filhos, pais, parentes e todos amigos destes mesmos que se fazem de baluarte da fluidez e segurança no trânsito. “Se eu der 8 segundos a mais para o pedestre cruzar a rua eu paro o trânsito” (sic). Sobre fluidez são mestres – bem dizendo, fluidez dos motorizados. Sobre segurança também o são – a segurança de não cometer deslizes e serem processados. Se ninguém reclama melhor ainda. Neste processo todo mundo se cruza na contra-mão do bom senso. E se eles não têm conhecimento do que é uma bicicleta porque vão mexer no vespeiro? Você mexeria? Ninguém reclama; então deixa como está. Afinal de contas é bom não contrariar ou criar constrangimentos para o “corpo” e jogar o jogo da casa, do contrário vai que você, como funcionário, cai em desgraça e é fritado, e aí como fica o futuro dos filhos ou as prestações e contas a pagar?

PAUSA: Escrevi praticamente todo este texto há um ano e ele já caducou. Fui eu ou foram os fatos que mudaram? Tudo junto, com certeza. Fui fazer vistorias a mais localidades, convivi com mais gente, aprofundei meus conhecimentos, fiquei maduro. É certo que neste exato momento preciso de descanso, parar por completo todo trabalho, recompor as energias, mas este texto original está fora do eixo, como se houvesse sido escrito há uma década. Mas não foi. Tem menos de um ano e o que mudou, e muito, é o diz que diz que “agora sai”.

DA CAPO AL FINE: Me contaram, lá pelos anos 80 ou antes, que esta mania de brasileiro de pedalar na contra-mão começou na ditadura militar depois de uma ordem de um militar de alta patente que teve uma filha ou neta ciclista acidentada e como solução para todos problemas de insegurança dos ciclistas mandou o Conselho Nacional de Trânsito, ou alguém em seu nome, baixar uma norma ou recomendação para que todos pedalassem na contra-mão para poder ver os carros e desviar. Como as coisas daqueles tempos eram muito estranhas e cheias de histórias e versões, mentiras e maldições, é muito possível que não venhamos a saber se a ordem existiu de fato ou tudo são lendas da “dentadura”. É possível que sim, que tenha acontecido mesmo, por mais absurdo que pareça, porque ouvi a mesma história de várias fontes, de gente do mercado, fabricantes, até de ex-militares graduados. Por exemplo, diziam que bicicletas de competição, que eram fabricadas em bom aço, estavam proibidas de entrar no Brasil porque poderiam ser derretidas e transformadas em armas. Só não explicavam qual a vantagem de derreter uma obra prima de milhares de dólares para fazer uma arma caseira de centena de dólares, se tanto. Voltando; o fato é que a contra-mão foi praticamente lei na cabeça do pessoal durante a “dentadura”. Reverter a asneira ainda hoje é difícil.

Daí eu não gostar nada da Ciclo Faixa de Domingo do jeito que foi colocada nas ruas. Está á esquerda de uma via de alta velocidade e induz sim a confusão. Prova disto é o aumento de ciclistas domingueiros pedalando à esquerda da via em grandes avenidas até não muito próximas da área da Ciclo Faixa. Se a moda colar vamos ver qual o custo teremos no futuro. É a filosofia da contra-mão: se todo mundo faz de um jeito nós podemos fazer o contrário porque somos melhores, mais espertos. No mundo todo ou se fecha a área ou se obriga a diminuição de velocidade (traffic calming). Não teria sido mais prático, barato e educativo diminuir a velocidade do trânsito nas avenidas escolhidas e manter o ciclista na direita? Não custa mais barato operar radares e ainda ter a chance de ganhar um dinheirinho com multas? Não se educaria para o CTB? Está bem, me desculpem a minha contra-mão de opinião, mas não consigo cruzar esta via para pegar mudar meus princípios

A contra-mão da bicicleta é fruto de outras contra-mãos incrustadas em nossas vidas brasileiras. Bicicleta é coisa de pobre é uma delas. O inverso de pobreza é opulência e desperdício. O automóvel foi na (ou a) direção do progresso durante muitos anos, mas desde a década de 70 é sabido que a evolução da cidade tem que ser pensada para a vida e não quase que somente para em benefício do carro. Num país onde a economia tem como alicerce a indústria automobilística e a construção civil tentar construir uma cidade voltada para todos, para a vida, fica difícil. Dai insanidades como ter um prefeito como Janio Quadros, que fez a maior cidade do país dar meia volta nos planos de introdução de um transporte de massa de qualidade para construir obras caríssimas voltadas exclusivamente para o automóvel. Quem da população paulistana reclamou? “Tomóvel é manero”. “Ô meu, é pôguéço”. A partir de então São Paulo entra na contra-mão de seu próprio futuro. Assim foi com as interferências no espaço urbano livres para empreiteiras de toda espécie e ordem. Quem olhou o futuro? Algo foi planejado na mão da direção que aponta a sustentabilidade, o equilíbrio econômico e social (ou vice-versa como queiram os pseudo-revolucionários), ambiental, humano, biológico. Como a população vê o tampão sobre o rio Tamanduatei? Como vê o custo linear do orçamento da “nova marginal”? Mão ou contra-mão?

Nossas leis são maravilhosas, o que há de melhor e mais moderno no mundo jurídico internacional, mas não funciona. Estamos na contra-mão da civilidade, da ordem, dignidade, honestidade, auto-respeito. Hoje, 26 de Novembro de 2009, no Bom dia Brasil da TV Globo, http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL1392967-16020,00-ALEXANDRE+GARCIA+CODIGO+DE+TRANSITO+PRECISA+SER+SEVERO+POIS+NINGUEM+OBEDECE.html , Alexandre Garcia soltou no meio de comentário enfurecido (com razão) que “Quem morre no hospital não entra na estatística. Na verdade, são 80 mil mortos por ano, segundo o professor Mauri Panitz, da PUC-RS, que considera os mortos até 90 dias depois do acidente. Dá 219 mortos no asfalto brasileiro por dia. É mais que um avião cheio caindo por dia.”, diz Garcia. Ao total de nossos mortos, os brasileiros, temos que incluir mais os que têm morte violenta, tiro, facada, linchamento, estas coisinhas do cotidiano, que são 45 mil oficialmente. Me pergunto: quantos serão se contados os que morrem nos hospitais até 90 dias após a ocorrência? Com certeza não estamos na mão do que se chama civilização, dos direitos humanos, da declaração dos direitos do homem, e etc..

Como a coisa é bicicleta e contra-mão podemos cair numa metáfora sobre a “maravilhosa” qualidade de nossas bicicletas, que tem como um dom divino de mandar uma pá de brasileiros para o Céu. Montes deles. Dizem uns 35%. É divertido. Você vem pedalando e o guidão quebra, ou o garfo parte, ou o freio pára – de funcionar, ou o selim muda de posição e você bate o saco na bicicleta, ou o pedal cai na estrada, a corrente pula fora justamente na hora que você está cruzando a estrada. Na contra-mão do Código do Consumidor, lei boa e bem aplicada, a população, incluindo ai a classe média maravilha de todas classes, simplesmente não busca seus direitos. Arrebenta-se, pára no hospital, pega uma dispensa médica, fica em casa uns dias, e está pronto para outra. Aproveita e assiste com calma seus iguais perseguir a Geisy.

Nossa indústria do setor da bicicleta é um dos maiores do mundo, mas não entra no mercado mundial, não gera divisas, empregos, futuro. Está neste mesmo nheco-nheco há décadas. Na contra-mão do empresariado de tantos setores de nosso país, referência mundial de qualidade, não conseguem rever seus procedimentos, forçar um ISSO de qualidade qualquer interno, colocar dinheiro para treinar os coitados das bicicletarias para ter um negócio mais digno, melhor para o setor, melhor para os usuários da bicicleta, e portanto melhor para a comunidade onde está a bicicletaria, melhor para o meio ambiente, melhor para o futuro. Pelo que me contaram a Brinquedos Bandeirantes deu a meia volta e pegou o caminho correto. Espero que um dia voltem a fazer o jeepinho de lata movido a pedal que tive quando criança. No sentido contrário, a contra-mão da história, diz-se que “não se poderia ter um melhor vendedor de motos que o setor de bicicletas”. A maioria não entende o comentário e as implicações dele. Como há gente que sequer sabe se está na mão ou contra-mão. Aliás tem gente ainda discutindo para onde vamos. Lindo!

O que parece é que para o brasileiro o negócio é ver o carro vindo de frente e na hora “H” tentar pular fora.

Como não me lembro do exato da brilhante frase de Laura Ceneviva escrevo a continuação: “Não se obtém resultados sem legitimidade de processo”. Ou a frase perspicaz e incisiva de minha querida mãe: “O tempo diz tudo a todos”. Duro é cair na real que contra-mão não funciona depois que você quebrou a cara, pernas e braços no capo de uma lata velha que jamais deveria ter saído da garagem. Tá tudo errado.

PS.: Parece que mais um pseudo-caudilho populista sulamericano irá assumir, agora no Uruguai. Deprimente, hermanos.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pedalar na chuva


Haja saco! Não sei como vamos lembrar esta estação das chuvas, mas seguramente para mim é a primeira vez que não sou capaz de prever o que irá acontecer dentro de uma hora. Uma das coisas que mais marcou no meu relacionamento com a bicicleta é que por causa dela aprendi a ver e sentir a natureza, a simplesmente olhar para o céu e determinar com certa precisão se chove ou não. Sem um teto para obstruir a visão é fácil olhar para o céu e saber de onde vêm as nuvens e em quanto tempo elas chegarão até você. Eminência de temporal também pode ser sentida pelo olfato livre de latarias ou vidros. Fácil. Pelo menos era assim. Por alguma razão há algum tempo estou errando a previsão; eu e o mundo. Aquecimento global?

Provavelmente fiquei muito esperto com ventos, tipos de nuvens, cheiros de ozônio e outros detalhes porque molhar-se numa bicicleta tem seu lado chato. Se você tem que enfrentar a chuva é bom preparar-se, da bicicleta, à vestimenta, e principalmente o espírito. Este último é a princípio o mais complicado, mas depois será o mais prazeroso.

Quando pequenos em dias de chuva nos guardávamos para ouvir música e ler juntos. Foram tardes maravilhosas. Mas não nos furtávamos de ir à praia ou jogar futebol. Um bom banho quente, roupa seca, um leite quente com o carinho e preocupação da mãe, e tudo ficava bem. Saber estabilizar a temperatura do corpo é o segredo. Calor é fundamental, mesmo molhado. Saber ler sua condição momentânea e ter um corpo adaptado a condições adversas é a receita para ser saudável. De bicicleta não é diferente.

Qualquer que seja a chuva você terá que pedalar numa velocidade compatível com a segurança e com o não molhar-se mais ainda. Girou rápido e as rodas vão espirar uma água suja que mancha quase que irremediavelmente a roupa. Quanto mais rápido for, maior o spray, e nada escapa, da bainha da calça à gola da camisa. Ir devagar na chuva é sábio, para sua mãe não ralhar sobre a sujeira e até para não encharcar mais a própria bicicleta do que ela merece. É pela sujeira nas ruas que se mede o grau de cidade e cidadania e, infelizmente, a nossa é bem subdesenvolvida.

Chuva é natural

Quando você está num local úmido e chuvoso e todo mundo usa a bicicleta é que acaba descobrindo que dá para fazer. O povão não se acabrunha com a chuva e segue a pé ou nos pedais com guarda-chuva e ou capa de chuva e pertences guardados numa boa sacola. Chegam lá, onde quer que seja, e se recompõe. Faz parte da vida e nunca foi segredo. Povão tipo holandês, nórdicos, frances, alemão, destas localidades que ainda por cima pode nevar. Povão de “Ubachuva” ou Ubatuba, como queira, Caraguatatuba, São Sebastião, Ilha Bela, Paraty, Blumenau, Joinville, e de todas localidades tropicais obviamente sujeitas a chuvas e tempestades.

Viver as intempéries deveria fazer parte de nossa vida biológica, ou seja, natural. Redoma de proteção costuma não dar bons resultados psicológicos, clínicos, sociais e principalmente ambientais. Como é bom viver a vida! Nós, brasileiros, classe média de todos níveis de país emergente (ou submergente, como queiram), vemos a vida a cada dia mais a partir do status de um bom carro afrescalhado (ou embaça). Sai de casa; de carro para o shopping sequinho e lá não se vê o como está o universo lá fora. Tudo protegidinho, perfeitinho, bonitinho, agradável, confortável, climatizado. Quanto mais entramos neste círculo, menos contato temos com a realidade da qual irremediavelmente não temos escapatória.

A verdade é que não temos neste país bicicleta e acessórios que tenham qualidade para enfrentar nosso clima tropical e equatorial. O que há de bicicleta de transporte é muito ruim até no seco. São pesadas, freiam mal, enferrujam, os paralamas são curtos e espiram água, as manoplas escorregam, o selim encharca... É muito difícil encontrar no mercado capas apropriadas para pedalar. Por este lado é muito provável que o carro seja mais prático.

As velhas holandesas, as senhoras e suas bicicletas, também chamadas de velhas holandesas, dispõe de equipamento adequado. Talvez não só pela questão da água, mas por causa da neve. As bicicletas ou não tem marchas, ou tem câmbio interno, são projetadas e fabricadas para agüentarem mal tempo e serem usadas por quem precisa chegar ao destino relativamente limpos e secos. Tudo está disponível numa bicicletaria ou num mercado próximo. O sistema vê a bicicleta não como lazer para dias de sol, mas como um modo de transporte. O carro continua sendo mais seco, mas a bicicleta ganha pontos porque passa a ser mais inteligente.

Como é que se pára esta coisa?

Um dia dei de cara com uma bicicleta inglesa nova para a época, 1990, e ela vinha com um pequeno selo redondo de advertência sobre o tubo superior. Dizia mais ou menos assim: “Tome cuidado em caso de chuva porque a bicicleta demora a parar”. Provavelmente hoje eu faria alguma relação com aquela placa de aviso imbecil que todo elevador de São Paulo é obrigado a ter: “Antes de entrar neste elevador certifique-se que o mesmo encontra-se parado neste andar”. Conhecendo bem das estatísticas sobre acidentes com bicicletas sei que os ingleses têm lá sua razão; afinal, tem muito freio que molhou dançou. Mesmo assim é idiota; só não sabe disto quem não sai na chuva para se molhar.

Lembro claramente da primeira vez que peguei uma chuva forte pedalando. Era uma Caloi SS3 que já freava mal no seco. Depois de uns minutos de aguaceiro tive que frear, apertei os manetes até o talo e ela seguiu reto como se nada houvesse acontecido. Divertidamente apavorante. Alguém do além segurou as pontas e felizmente não aconteceu nada. Que paciência ou senso de humor o Pessoal lá de cima tem.

Desde muito criança sabia que em piso molhado qualquer movimento brusco significa chão. Pior é quando há folhas e flores no paralelepípedo; que é chão praticamente inevitável. Numa destas cai tão forte sobre a bacia e a dor foi tão lacerante que pensei ter quebrado a cabeça do fêmur. Das piores experiências de toda minha vida. Pior até quando depois de uma chuva saímos para pedalar, eu e Renata Falzoni, e ao pular um obstáculo o pé escapou do pedal, cai sobre o selim, que cedeu, enchi as bolas no tubo superior, ainda tentei equilibrar com os pés arrastando no chão, mas a frente da bicicleta escorregou em folhas molhadas e finalmente terminei chapando de frente o tronco de uma árvore. Renata caiu na gargalhada e até hoje ri muito da história. Meu saco ficou lindo, parecido com uma laranja podre, e minhas férias acabaram. Dói!

Molhou tudo

Chamou a atenção, já numa das primeiras leituras da Bicycling, a recomendação para que em locais com tempo instável um ciclista previdente sempre saísse de casa com seus pertences embrulhados em sacos plásticos. É óbvio e funciona perfeitamente. Na época desta “incrível descoberta” eu já havia tido que pôr para secar minha carteira e documentos, e tirar muita ferrugem do chato e pesado conjunto de ferramentas que sempre carregava comigo. Molhava ou por causa da chuva ou de meu próprio suor.

No domingo Luiz foi pedalar debaixo do aguaceiro. No dia seguinte falou sobre a aventura, que não é nada seu estilo, mas que foi encarado com certa galhardia. Só reclamou do estado que havia ficado tudo que ele portava então.

“Saco plástico, meu caro; saco plástico! Os malditos saquinhos de supermercado estão contaminando o planeta, mas se bem dobrados e usados com sabedoria prestam grande serviço. Com eles você não teria molhado suas coisas. Se não tivesse chovido poderia passar no mercado e levar suas comprinhas sem usar um saco novo. Ou daria para ser gentil com a moça bonita e catar a caquinha do cachorrinho – em troca do telefone do bichinho... Tá vendo as vantagens da sacolinha de supermercado”

Mas e a bicicleta? “Tomou chuva, vira de ponta cabeça e deixa vazar toda água. Assim que puder não deixa de sair para dar uma voltinha coma bicicleta, o que faz toda diferença para o bem estar dos eixos e da própria corrente. Vê se a corrente precisa de uma lubrificada. É muito deixar a bicicleta parada”.

Mas e as roupas molhadas? O ideal é lavar tudo logo depois que chega em casa, mas se isto não for possível deixa ela pendurada num cabide para secar. Os tênis ou sapatos vão secar mais rápidos com jornal por dentro. Deixa o jornal absorver a águia e troca por um seco.

Dá para chegar seco

É lógico que o carro é muito mais agradável na chuva que uma bicicleta. Mas quem não sai para a chuva não consegue entender que há garoas, chuvas e tempestades, e com suas devidas variações de intensidade. Não queira passar pela experiência de pegar uma tempestade numa bicicleta, por melhor que seja todo seu equipamento, porque você sairá completamente ensopado. Estar pedalando no meio de uma chuva de gelo pode ser doloroso. Chuva com muito vento é impossível. Nestas situações um carro é muito bom, mesmo assim pode ser dispensável. Basta esperar a intempérie passar. Basta reprogramar a sua jornada, sua agenda, sua vida, o que é possível e aprazível.

Pedalar no molhado, na chuva, vai ser vantajoso e até mesmo divertido em condições amenas, com equipamento apropriado e com espírito aberto. Seco, completamente seco provavelmente você não chegará. Por mais fina que seja a garoa o seu sapato sempre acabará úmido, mas que importa? Sentir que você está vivo e faz parte da natureza é mais que maravilhoso, é preciso.

sábado, 14 de novembro de 2009

Morre!


Entramos, eu e João Lara, então responsável pela Rádio Eldorado, no elevador. Encostamos nossos corpos na parede do fundo, apertei o botão, fechou a porta e João, sem mudar seu olhar para frente, perguntou: “Eu ouvi você dizendo ‘mortoboy’ (na transmissão dos informes do Bike Repórter Eldorado FM)?”. Não respondi nada, continuei olhando para frente, mas com o canto da visão pude ver que com a pergunta João deixou escapar um sorriso quase impossível de controlar. A porta se abriu, eu saí para a direita, João para esquerda, e ouviu-se sonoras gargalhadas dos dois. A bronca do chefe estava dada e eu não voltaria a chamar os coitados de mortoboys. Assunto encerrado com classe. Foi um imenso prazer ter trabalhado para gente inteligente. Obrigado João e toda equipe da velha Eldorado.

Fazer humor negro é o que nos resta. Entenda-se aqui o “negro” não como esta coisa (ridícula) do politicamente incorreto, que é patético, mas como algo ligado á crítica “non sense” com dose de inteligência e humor funesto. Politicamente incorreto cerceia a liberdade da inteligência, do bom humor que só o tem quem usa a massa cinzenta. Enfim, é triste. Politicamente incorreto é de uma violência incrível, mortal, das trevas.

Violência e motoboy, sinônimos? Os números, quaisquer que sejam, nos dizem que a vida de motoboy é violenta, que seu relacionamento com a sociedade é violento, infelizmente. Quantos morrem por ano em São Paulo, oficialmente aproximadamente uns 400? Quantos são atendidos por dia, uns 50, 70? Quantos conflitos de trânsito onde eles estão envolvidos não são relatados? Quem já não soube de uma história de alguém que tenha tido seu espelho retrovisor arrancado por um motoboy que levante a mão. Eles prestam um serviço vital para todos nós, mas a que preço? Como aceitamos este tipo de situação? Como aceitamos este tipo de situação, me diga? Incrível!

Da mesma forma que nossas casas são muradas à maneira medieval, motoboys são encastelados no seu senso de corpo. Sabem brigar pelo que consideram seu direito, lutam por um espaço social. São temidos. Aconteceu a algum deles um acidente ou entrevero e juntam-se e atacam o oponente como abelhas irracionalmente furiosas. Não tenho conhecimento se têm o mesmo comportamento para visitar e dar apoio aos que vão parar nos hospitais. Pelo que sei não. Ai abandonam seus pares às dores do acidente sofrido. Abandonam porque tem trabalhar, ganhar a miséria de cada dia, servirem de completos inocentes úteis para uma sociedade bárbara, estúpida, boçal, brutal propriamente dita. Sociedade que se sente vítima no trânsito, que urra a urgência dos motoboys, e que reclama dos custos que os conseqüentes acidentes geram. E ainda deixa escapar “Morre, maldito!”. Lutar para mudar a situação é outra história, dá trabalho, então a atitude cidadã se restringe às conversas e más falas.

“O cara está desinformado pela informação” diz meu caro visinho Carlos Clémem no cafézinho que acabamos de tomar. Brilhante! A verdade é que estamos todos desinformados, não queremos ser informados. Ou a coisa é tão violenta que não temos condição de agüentar a informação correta, a verdade. O desequilíbrio geral é tão grande que nos resta a fuga da realidade. O valor da vida é nada.

Faz muito que venho dizendo que os ciclistas serão os futuros “mortoboys” de São Paulo. Agora já começa a aparecer um e outro dentro da coisa pública, inclusive e principalmente dentro da CET, que diz os números apontam que teremos de fato a violência dos motoboys duplicada com os ciclistas. Ou pior. Proporcionalmente já deve estar elas por elas, o que falta é igualar o número bruto. Há 83 ciclistas mortos / ano contra aproximados 400 motoboys / ano. Mas quem se importa. Motoboy é um morto que já não conta mais porque virou carne de vaca. Ciclista provavelmente também não contará porque é tudo pobre e pobre morto não conta. Politicamente incorreto? Desculpe, mas politicamente corretíssimo! “O cara está desinformado pela informação” Carro é que vale.

Entrou no jogo é para jogar, não para choramingar. “Se tem que morrer, pelo menos morra com classe!” O que preocupa é que cresce a cada dia o número de ciclistas que acha que a postura dos motoboys está absolutamente correta e é eficaz para transformar a sociedade. Para eles o ciclista é um coitado cheio de direitos, a única saída está em agredir todos motoristas, chutar espelhos retrovisores ou portas. “São todos uns assassinos”. Não é fantástico seguir os bons exemplos? Qual será? Dos motoboys, MST, ou dos discursos do grande pai protetor dos pobres e oprimidos? Se eles podem, nós ciclistas também podemos.

Sei que é difícil discutir a realidade com sensatez, principalmente no país do futebol, carnaval e coitados. Em Guaianazes, no meio de uma palestra, um pai ciclista que leva seu filho todo dia para escola contou sobre duas mortes ocorridas e afirmou que é necessário punir os responsáveis, ou seja, os motoristas. Eu disse “Não tenho piedade de ciclista e é necessário punir o responsável, quem quer que seja. Ver o ciclista como coitadinho só piora as coisas”. Ele ficou bravo, disse que trabalhava com direitos humanos, mas depois de um boa conversa parece ter concordado comigo. Uma boa conversa sempre dá bons resultados, mas há a cada dia mais gente procurando evitar boas conversas, mas resolver as coisas na porrada. Exemplos é que não faltam, começando pelo MST e terminando na fúria dos alunos da UNIBAN São Bernardo.

Andei buscando o texto que usei numa de minhas primeiras palestras, dada para a ANTP no extinto Hotel Hilton da avenida Ipiranga. Abri minha fala com uma frase que não me sai da cabeça: “O que vocês pensam que o ciclista pensa sobre o que vocês pensam sobre os ciclistas?” A pergunta foi feita para uma platéia cheia de técnicos e especialistas em bicicleta, segurança no trânsito e ciclistas. Foi um branco total na platéia. Fiz uma breve e macabra pausa e bombardeei com a verdade (para os ciclistas de então, lá por 2000): “Deixa morrer! É tudo pobre, não faz diferença. Deixa morrer!”. Aquela minha palestra seguia atacando todo o setor, do pessoal que desprezava a bicicleta e o ciclista, à ausência de responsabilidade dos fabricantes e dos próprios ciclistas. Infelizmente passados tantos anos seguimos no mesmo barco. Aliás, talvez o país tenha se perdido mais ainda. “Os caras estão desinformados pela informação”. Viva tudo o que não foi realizado e salve os novos mortos. Haloween!

Meu avô, Fernando de Azevedo, vivia dizendo que a solução para certos casos é “paredão” (pelotão de fuzilamento). Um dia, numa reunião do Movimento Nossa São Paulo, fiz humor negro dizendo que seria um grande programa de domingo. Teve gente, principalmente a menina que estava ao meu lado, que ficou furiosa. A história diz que não funciona, mas que dá vontade, isto dá. Morre maldito! Não é uma solução fácil. Mas não são malditos, mesmo que sejam de fato, porque tem lá suas razões, mesmo que sejam totalmente insensatas. E o melhor que há é procurar entender a burrice e fazê-la ter algum valor social. Presunto gera ódio, que gera violência, que nos fazer permanecer nesta situação ridícula que temos como sociedade.

Acreditar em besteira é o maior perigo, mas não se preocupem: “o cara está desinformado pela informação”. Nós não somos um país de coitadinhos. Só seremos se aceitarmos nos fazer de coitados.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Cadê a Ciclo Faixa?

Neste domingo passado, 08 de novembro de 2009, de tempo virado e céu de poucos amigos, fui para os lados do Parque do Ibirapuera, passei por dentro dele, fiz meu caminho sossegado no sentido do Parque das Bicicletas pelo Jardim Luzitânia e na rua que desce para o Clube Monte Líbano, já quase esquina com a av. República do Líbano, vi que praticamente não passava ciclista algum na Ciclo Faixa de Domingo. Mais perto e..., ops...., não há ciclo faixa. “Ops..., opssss!!!! Porra, tem ciclista circulando na esquerda da avenida sem os cones e os carros estão circulando a 70 km/h, alguns deles invadindo a ciclo faixa cuja pintura já começa a desaparecer. Uau! que loucura!”

Dobrei à direita na República do Líbano, no sentido de volta para o Ibirapuera, fui pedalando á direita da via e ai vi o tamanho da completa insanidade. Passam por mim jovens, um que quer sair do meio da avenida e não consegue, outro que pedala certo que está tranquilíssimo e protegido pela tênue linha vermelha; e mais a frente uma família com seu filho adolescente sendo barbeado pelos carros que passam voando a sua direita. Infelizmente não filmei ou fotografei a cara de desespero do agente da CET. Sua expressão era de quem rezava sem parar para aquela loucura terminar logo e ele poder voltar para casa sem presenciar uma presuntada qualquer. Comparti seu desespero e horror, mas fui covarde e fugi do local em desespero.

Houvera uma competição antes, cedo pela manha, e a CET decidira não montar a estrutura da Ciclo Faixa de Domingo. Simples. O cidadão comum ciclista de fim de semana que se foda! E que se fodam Secretários. Aliás, provavelmente que se foda o Prefeito também. A população não motorizada que se exploda - quanto a isto parece não haver novidades! Vai que ver que eles têm cacife para pensar assim, ou agir assim, ou pensar, agir e vai lá saber se delicadamente não deixaram todos subentender a verdade. Eu só posso entender desta forma. Ou estarei errado? A única coisa que sei e estou farto de afirmar é que eles têm poder político e legal para fazer o que bem entenderem, porque acho absolutamente impossível somar os pontinhos de minha experiência e ter resultado diferente.

O fato é que tem muita gente furiosa com a brincadeira. Parece que nos Twiters da vida, que eu não sigo, há mal humor generalizado. Desculpe, é ou não é brincadeira? Não? Então, desculpe de novo, eu não entendi nada. Não me digam que não avisei!

Eu fico triste com todos, da CET e principalmente com os inocentes úteis. E fica a frase muito bem sacada, que não é minha: “Os piores inimigos da bicicleta é o pessoal de ponta da bicicleta”. Como dizem estes: “Arturo é louco”. Infelizmente a cada dia faz mais sentido. “Pelo menos fez algo” me dá arrepios. Louco posso até ser, mas não sou burro.

Erro grosseiro

Colocar o material do site no ar não é simples, principalmente para quem não corre nas veias a técnica e facilidade que um jornalista tem para finalizar textos. Qualquer texto que vá para o site passa por um parto que demora no mínimo alguns dias. Primeiro pensa, daí escrivinha uma diretriz num pedaço de papel, joga no computador, faz a primeira revisão, que normalmente mostra erros crassos, faz a segunda revisão, com um pouco de sorte a coisa está resolvida por ai. Se não, deixa quieto uns dias, revê mais uma vez e finalmente manda para a revisão do português e só então sobre para o site.
Repensar o que você já escreveu inúmeras vezes é um pouco mais complicado porque os vícios fazem com que as mãos sempre caiam nas mesmas seqüências de letras, palavras, frases e pensamentos; mesmo que o que você queria escrever não tivesse nada a ver com o que acabou saindo. O óbvio sempre está grudado no nosso nariz e não o conseguimos enxergar. Repensar aqui não é escrever com outras palavras, mas transformar a idéia em algo mais apropriado, corrigindo os velhos erros. Quando a idéia implícita no texto já está vendida para sua própria alma há tempo os erros da leitura deste novo texto simplesmente são ajustados pelo celebro e o resultado da pretensa nova idéia escrita em novas palavras costuma continuar igual ao que era antes. Mudam a idéia, seguem as mesmas palavras.

Não vou dizer onde está, mas colocamos no ar um novo texto que deveria ser a releitura de velhos conceitos. Velhos, mas mais que nunca próprios. Mas da forma como estavam expostos havia, além de anacronismos, erros de venda do conceito em si. O óbvio sempre atrapalha porque é tão óbvio que o outro tem que entender automaticamente o que você não expressou verbalmente. Ninguém enxerga o letreiro passando dentro do seu celebro.

Feitos todos processos, revisões, correções, etc... e tais e quais, o material novo subiu para o site e quando abri para ver como havia ficado tive uma luz. Obrigado ao pessoal lá de Cima. Fizeram o mesmo que quando eu já tinha metade do meu livro de contos pronto, mas com mais bondade com minha estupidez. No caso do livro Eles (desculpem eu dedurar ou me eximir de minha própria culpa), provavelmente com sabedoria, simplesmente torraram o computador e tudo que havia dentro. O livro devia ser uma vergonha, mas Eles poderiam ser piedosos e pelo menos deixar o computador recuperável. Desta vez fizeram diferente: me induziram a abrir o texto e sentir-me uma besta. Paguei meus pecados com dor na consciência. Pior que ajoelhar em milho.

Minha melhor qualidade é pensar horizontal e ter grande dificuldade de pensar vertical. Com a maturidade estou aprendendo, a duras penas, a separar o joio do trigo, a farinha do pão, a padaria do cliente. Não sei se esta minha característica é coisa pessoal, se foi formação de família, ou se é algo inerente ao país que vivemos. A bem da verdade os três juntos, mas minha imaturidade ainda não me dá ferramentas para saber o que mais pesa na balança. Não tenho dúvida que a formação brasileira não faz o pensar racional e cartesiano, o que é uma pena.