quinta-feira, 12 de abril de 2012

Paris , cidade, fluidez, acordo social




Parisiense para tranquilamente em fila dupla e simplesmente larga o carro no meio da rua e vai almoçar. Dane-se o carro estacionado corretamente e seu dono que vai conseguir sair de sua vaga. Em praticamente toda Paris as vagas de estacionamento especial, como as de carga / descarga, estão ocupadas por carros. À noite até a pontinha da esquina tem carro estacionado. Vi vários carros pequenos, como o Smart, estacionados na diagonal com duas rodas sobre a calçada. Parisiense só respeita mesmo os pontos onde a multa é praticamente imediata ou guincho retira imediatamente, como nas ruas centrais e principais avenidas e cruzamentos.

Como muitas ruas internas de bairro são bem estreitas e nunca há onde parar é fácil encontrar vãs, caminhões e até mesmo veículos particulares parados no meio da rua carregando ou descarregando, sem se preocupar que estão bloqueando a passagem de todos, algumas vezes até de ciclistas e pedestres. A maioria conhece a realidade da cidade e tenta não piorar ainda mais as coisas. As coisas por aqui, de certa forma, se acomodam. É óbvio que depois de um tempo buzinam, é óbvio que ficam irritados, é óbvio que são humanos, mas, de certa forma, sabem qual é o preço de ser civilizado.

Tudo é bonitinho em Paris? Seguramente não. Infelizmente encontrei a Cidade Luz muito mais suja, com uma quantidade espantosa de mendigos, gente dormindo nas ruas, pedintes e golpistas. Paris está cheia de obras por todo lado. É praticamente impossível voltar para casa com os sapatos limpos da poeira branca dos remendos das calçadas. Não vou falar sobre a quantidade de bosta de cachorro por todos os lados porque só vendo para crer. A quantidade de bituca de cigarro no chão também é inacreditável. O que francês fuma é um absurdo. Parisiense pede café, abre o saquinho de açúcar e automaticamente joga no chão. Vai tudo para o chão, apesar da abundancia de lixeiras. É fácil ver motoristas ou passageiros de carros, até mesmo dos chiques, atirando coisas pela janela. Por outro lado é dificílimo furar o pneu da bicicleta, sinal que não há vidro quebrado, grampos, ou outros. Ruas e calçadas são varridas e lavadas por máquinas toda manha. Antes deste pessoal passar as ruas estão imundas.

O desenho da cidade e técnica de sinalização das vias faz com que todos os fluxos, de veículos, pedestres, bicicletas e motos, se movimentem de uma forma harmoniosa. De certa forma a fluidez lembra Buenos Aires, mas mais organizada. De carro é muito tranquilo dirigir. Você vai se acomodando, se ajeitando com suavidade. Se a sinalização de solo está gasta, a sinalização aérea e os semáforos é abundante e de ótima qualidade. A sinalização é para todos, veículos de todos portes, pedestres e ciclistas; muito diferente da nossa, brasileira, que normalmente é dirigida quase que exclusivamente para a segurança dos motoristas.

Cruzar as grandes rotatórias de Paris pedalando é o máximo. Acho que contei isto, mas não vou cansar de repetir. Tudo vai se ajeitando na sua frente; basta seguir em frente. Nestes quase dois meses de Paris só um taxi fez uma aproximação realmente agressiva que poderia ter resultado em acidente. O trânsito de Paris é uma baba para os ciclistas. Qualquer pedestre cruza qualquer rua ou avenida sem susto. Crianças pequenas caminham soltas ou vão de patinete acompanhadas de longe pelos responsáveis.


segunda-feira, 9 de abril de 2012

Acidente em Paris e segurança no trânsito

Ontem, voltando da escola de francês aqui em Paris, dei de cara com um atropelamento, ou pelo menos o final dele. O senhor atropelado já estava na ambulância, e dois policiais, um homem e uma mulher, estavam tomando as providencias tranquilamente com a motorista de um pequeno Toyota que tinha seu para-brisa trincado. O que impressionou foi a absoluta tranquilidade com que corria toda a cena. O policial preencheu o formulário e terminado o processo dispensou a senhora, que por sua vez entrou no carro e foi embora. Em nenhum momento ouvi qualquer alteração no tom das vozes, não houve demonstração de agressividade, angustia; nada. Tratou-se ali de um acidente, aliás, bem incomum por aqui, e foi tratado dentro do que determina a lei, como um fato que todos sabem que será encaminhado à justiça, que provavelmente será rápida, eficaz e justa. Ponto! Os números de acidentes de trânsito daqui são ridiculamente baixos (ver link no fim da matéria) quando comparados à carnificina brasileira. A razão principal é que acidente é tratado com a seriedade devida, sem drama, nem qualquer efeito pirotécnico. Aconteceu? Cumpra-se a lei. O parisiense faz besteira no trânsito? Olha, faz, muita. Em algumas situações talvez até mais que os paulistanos. Nós cometemos bem menos infrações leves, do tipo as de estacionamento. Parisiense para tranquilamente em fila dupla e até simplesmente larga o carro no meio da rua e vai almoçar, sem se importar com quem está estacionado corretamente e não pode sair. Faz a descarga do caminhão e para todo trânsito porque sua vaga de carga e descarga está lotada de infratores. A grande diferença para nós é que o parisiense tem um senso de conjunto, de cidade, de cidadania, que infelizmente não temos. Há um grau de aceitação de algumas barbaridades porque todos sabem a realidade da cidade. As coisas por aqui, de certa forma, se acomodam. É óbvio que buzinam, é óbvio que ficam irritados, é óbvio que são humanos como nós. A diferença é que em movimento são realmente civilizados. Por aqui é regra desacelerar ou frear bem antes. A civilização está na clara direção defensiva praticada pela maioria. Param para pedestres, deixam o ciclista se acomodar... O desenho da cidade e técnica de sinalização das vias faz com que todos os fluxos, de veículos, pedestres, bicicletas e motos, se movimentem de uma forma harmoniosa. De certa forma a fluidez lembra Buenos Aires, mas muito mais organizada. Não peguei o carro ainda e talvez venha alugar uma scooter, mas imagino que a forma de conduzir seja bem parecida. Você vai se acomodando, se ajeitando com suavidade. Em Buenos Aires aprendi a dirigir praticamente sem uso dos espelhos, simplesmente fazendo movimentos antecipados, longos e suaves, técnica muito comum ao que se usa em rotatórias. Cruzar as grandes rotatórias de Paris pedalando é o máximo. Tudo vai se ajeitando na sua frente; basta seguir em frente. Nestes quase dois meses só um taxi fez uma aproximação agressiva que poderia ter resultado em acidente. O trânsito de Paris é uma baba para os ciclistas. Quem é exceção? Infelizmente e como em qualquer parte do mundo, principalmente entre os endinheirados e suas possantes máquinas maravilhosas, há o grupo que se considera acima do bem o do mal. Não é difícil ver carro grande, de luxo, dos bem caros, em velocidade alta ou indo para cima do pedestre. Com as motos acontece o contrário do que se vê no Brasil. Boa parte são motos e scooters grandes e normalmente o pessoal que as leva tem um comportamento bastante tranquilo e educado. Infelizmente há uma molecada de scooter pequena que faz barbaridades, principalmente cruzar sinal vermelho e desrespeitar pedestres. Vi policiais parar infratores, o que é relativamente comum. Eles são a lei, ditam a regra, não há qualquer concessão, como bem deve ser. Ponto final! Há uma quantidade grande de guinchos circulando. Carro sendo rebocado aos montes, inclusive os caros, como por exemplo uma Maserati e uma BMW 750i novas. Fiquei pasmo. Repito sempre que somos todos humanos, tupiniquins ou não todos iguais. A diferença entre paz e guerra é a consciência geral da necessidade do respeito restrito pela lei. Não há outra forma de sobrevivência social civilizada que não seja o legalismo.

Policiais controlam invasões na ciclovia e corredor de ônibus.

Números sobre acidentes de transito na França publicado em artigo da Motorbiker.org: http://news.motorbiker.org/blogs.nsf/dx/france-2007-official-traffic-accident-statistics.htm

terça-feira, 3 de abril de 2012

Um dia em Paris


Seis horas da manha. Ainda está escuro, mas saio da cama para mais um dia em Paris. Vou até a cozinha e termômetro marca 10 graus centígrados; bem mais quente que nos últimos dias. Tomo café, leio jornal, faço a barba e vou para rua. O céu está completamente azul, límpido. As primeiras crianças começam a chegar à escola do outro lado da rua. Fico parado na escada do edifício olhando. Estou de camiseta, suéter nas costas e mochila. O frio bate na pele dos braços nus e suavemente queima, uma sensação que me faz sentir bem e lembra o passado distante. Feliz! A cada barbear vejo no espelho um novo-velho feliz, enrugado. Não me lembro de meu rosto no espelho quando criança, ou quando estudante, mas desta sensação de pele, do ar gelado preenchendo agradavelmente os pulmões, do odor particular que a umidade destas manhas tem. Inesquecível. Depois de tudo e todos estes anos sou o mesmo que faz estender lentamente o olhar pelo céu.  Sinto-me, aos 57, um garoto indo para escola a pé através do meio do bairro. Ainda não me movi da escada. Minha memória entra em cada um daqueles meninos que caminham rápido pela calçada, cruzam o portão e desaparecem na multidão de alunos da escola. Descubro que o caminho da ida sempre me provocou uma magia especial.
            Há pequenos estudantes circulando por todas as partes, falantes, apressados, acompanhados de seus pais, amigos. Uns vem a pé, poucos em bicicleta, uns tantos pequenos em patinetes, alguns acompanhados de seus pais também em patinetes. Umas poucas mães chegam pedalando com seus filhos na cadeirinha da bicicleta. Vários pais de scooter com os filhos ou agarrados às costas ou ente as pernas entregam seus filhos e saem acelerando rapidamente. Quase ninguém vem de carro.  Algumas mães, e raros pais, ficam logo ali na porta da escola conversando longamente, despreocupadas com a pressa dos atrasados que ainda dobram para dentro do portão, procuram amigos ou o caminho da classe. Toca a campainha e o portão logo se fecha. O som das crianças logo silencia. Faço algumas fotos e tomo meu caminho.

A diferença de meus dias atuais para os de estudante é que hoje saio da escola e almoço sozinho num restaurante que tem mesas na rua e ao sol, como o que quero e tomo um copo de vinho. Agora sou adulto. Ou acho que sou. Na classe continuo sentando no fundo e fazendo bagunça. As três mulheres russas de minha classe de francês me odeiam. Coisa de adolescente. Tomo consciência do fato e caio na gargalhada. Uma delas deve estar lá pelos 50, continua uma gostosa, mas meteu um botox no lábio que me faz lembrar o Pato Donald.  Tenho que parar de olhar e não posso rir... Vida de estudante é dura!

            Volto para casa no final da tarde e a criançada está saindo da escola. Eu os olho como avô que já sou. O dia segue maravilhoso. Deixo no apartamento a pesada mochila com cadernos e livros da escola (como uma criança aguenta este peso?), tomo água e saio correndo para pegar a bicicleta. Bem vindo a mais vida.

            Há muito movimento nas ruas. Melhor dizendo: calçadas. Em ruas estreitas, onde praticamente não passam carros, sempre há pedestres. Não raro há algum café com mesas na calçada com seus clientes que não param de conversar.

            O asfalto de Paris é liso, regular, extremamente agradável de rodar com uma bicicleta, mesmo com pneus mais finos. Comprei uma velha Batavus de Cromo com rodas 700 e pneus 25. Desliza com uma suavidade exemplar. Primeiro prazer. O trânsito de final de dia parece não estar tão pesado hoje. Deve ser o calor. Eu me divirto. Pura molecagem, dou voltas completas na rotatória do Arco do Triunfo cercado por todos lados; carros passam, emparelham, vão, ficam, ajeitam-se e saem da rotatória. Eu pedalo livre, simplesmente vou. Ironia do destino uma banda marcial começa a tocar em baixo do Arco do Triunfo e eu sigo mais uma vez no caos ao ritmo cadenciado do batuque e metais. “Dá para sair um jazz?” Perdidos que estão na sua comemoração, enfileirados tocam uma marcha oficial. Minha euforia ouve um dixieland.

            Desço a larga e imponente Campos Elísios e entro no centro velho com suas ruas estreitas e até um pouco desagradáveis de pedalar. Praticamente não há espaço para carros, scooters e ciclistas. Todos param para os pedestres que cruzam apresados para todos lados. Chego à ilha Sant Louis e procuro a famosa sorveteria Bertillon. “Será que posso tomar um sorvete antes do jantar?”.

Vou bordeando o rio Sena, passo por baixo de três pequenas pontes sobre um canal com comportas, e dou de cara com velhos barcos, iates e dois silenciosos pescadores. Um casal jovem, bonito, sobriamente vestido, vem numa passada leve, bastante feliz, perdidos no meio do imaginário que aqueles iates provocam e de seus próprios sonhos futuros. O mar da felicidade é justamente um mar: calmarias tranquilas que arrastam o tempo, vento que faz o barco subir, descer, adernar, navegar na emoção; tempestades de velas baixas e recolhimento silencioso na cabine. E o chegar ao porto seguro pelos canais e rio de Paris. Eu cruzo eles e desejo uma boa noite. Eles retribuem e sorriem. Não se ouve o transito das ruas e avenidas, só o grasnar de duas ou três gaivotas. E o delicioso cheiro de camarão passado suavemente ao alho vindo de um dos barcos.

O sol começa a baixar. Tenho que cruzar o Sena. Paro no meio da ponte e lá fico. Passa por baixo da ponte uma longa e pesada barcaça indo no sentido da Ilha de Saint Germain, Notre Dame e Torre Eiffel. Seu comandante a leva com o teto aberto. Sua mulher vai em pé ao seu lado e acompanhada por uma grande taça de vinho tinto. Atrás da grande cabine, uma casa flutuante, bem na popa, vai um carro, duas scooter e duas bicicletas. A barcaça dobra lentamente à direita na ilha Saint Louis e desaparece. O céu de azul cada vez mais forte traz o frio. O barulho do metro passando sobre o elevado da ponte me faz girar a cabeça e voltar à realidade. Tenho que seguir. Faço o caminho mais curto, por avenidas, em alguns momentos acompanhado por outros ciclistas, homens e mulheres, algumas jovens, outras senhoras, magras, bonitas, bem vestidas. O ritmo de todos é bem forte. Bicicleta no dia a dia faz diferença. Paris fora do centro turístico tem gosto de cidade grande, mas não enlouquecida. Paro no meio do caminho para um rápido croissant. Chego a Torre Eiffel para novamente cruzar o Sena, e novamente paro no meio da ponte. “Boa noite Paris!”. O apartamento está logo ali e eu estou bem cansado. Dormiria aqui mesmo, ao relento desta maravilhosa paisagem. Dias como este não deveriam acabar.

Paris, transporte não motorizado