terça-feira, 3 de abril de 2012

Um dia em Paris


Seis horas da manha. Ainda está escuro, mas saio da cama para mais um dia em Paris. Vou até a cozinha e termômetro marca 10 graus centígrados; bem mais quente que nos últimos dias. Tomo café, leio jornal, faço a barba e vou para rua. O céu está completamente azul, límpido. As primeiras crianças começam a chegar à escola do outro lado da rua. Fico parado na escada do edifício olhando. Estou de camiseta, suéter nas costas e mochila. O frio bate na pele dos braços nus e suavemente queima, uma sensação que me faz sentir bem e lembra o passado distante. Feliz! A cada barbear vejo no espelho um novo-velho feliz, enrugado. Não me lembro de meu rosto no espelho quando criança, ou quando estudante, mas desta sensação de pele, do ar gelado preenchendo agradavelmente os pulmões, do odor particular que a umidade destas manhas tem. Inesquecível. Depois de tudo e todos estes anos sou o mesmo que faz estender lentamente o olhar pelo céu.  Sinto-me, aos 57, um garoto indo para escola a pé através do meio do bairro. Ainda não me movi da escada. Minha memória entra em cada um daqueles meninos que caminham rápido pela calçada, cruzam o portão e desaparecem na multidão de alunos da escola. Descubro que o caminho da ida sempre me provocou uma magia especial.
            Há pequenos estudantes circulando por todas as partes, falantes, apressados, acompanhados de seus pais, amigos. Uns vem a pé, poucos em bicicleta, uns tantos pequenos em patinetes, alguns acompanhados de seus pais também em patinetes. Umas poucas mães chegam pedalando com seus filhos na cadeirinha da bicicleta. Vários pais de scooter com os filhos ou agarrados às costas ou ente as pernas entregam seus filhos e saem acelerando rapidamente. Quase ninguém vem de carro.  Algumas mães, e raros pais, ficam logo ali na porta da escola conversando longamente, despreocupadas com a pressa dos atrasados que ainda dobram para dentro do portão, procuram amigos ou o caminho da classe. Toca a campainha e o portão logo se fecha. O som das crianças logo silencia. Faço algumas fotos e tomo meu caminho.

A diferença de meus dias atuais para os de estudante é que hoje saio da escola e almoço sozinho num restaurante que tem mesas na rua e ao sol, como o que quero e tomo um copo de vinho. Agora sou adulto. Ou acho que sou. Na classe continuo sentando no fundo e fazendo bagunça. As três mulheres russas de minha classe de francês me odeiam. Coisa de adolescente. Tomo consciência do fato e caio na gargalhada. Uma delas deve estar lá pelos 50, continua uma gostosa, mas meteu um botox no lábio que me faz lembrar o Pato Donald.  Tenho que parar de olhar e não posso rir... Vida de estudante é dura!

            Volto para casa no final da tarde e a criançada está saindo da escola. Eu os olho como avô que já sou. O dia segue maravilhoso. Deixo no apartamento a pesada mochila com cadernos e livros da escola (como uma criança aguenta este peso?), tomo água e saio correndo para pegar a bicicleta. Bem vindo a mais vida.

            Há muito movimento nas ruas. Melhor dizendo: calçadas. Em ruas estreitas, onde praticamente não passam carros, sempre há pedestres. Não raro há algum café com mesas na calçada com seus clientes que não param de conversar.

            O asfalto de Paris é liso, regular, extremamente agradável de rodar com uma bicicleta, mesmo com pneus mais finos. Comprei uma velha Batavus de Cromo com rodas 700 e pneus 25. Desliza com uma suavidade exemplar. Primeiro prazer. O trânsito de final de dia parece não estar tão pesado hoje. Deve ser o calor. Eu me divirto. Pura molecagem, dou voltas completas na rotatória do Arco do Triunfo cercado por todos lados; carros passam, emparelham, vão, ficam, ajeitam-se e saem da rotatória. Eu pedalo livre, simplesmente vou. Ironia do destino uma banda marcial começa a tocar em baixo do Arco do Triunfo e eu sigo mais uma vez no caos ao ritmo cadenciado do batuque e metais. “Dá para sair um jazz?” Perdidos que estão na sua comemoração, enfileirados tocam uma marcha oficial. Minha euforia ouve um dixieland.

            Desço a larga e imponente Campos Elísios e entro no centro velho com suas ruas estreitas e até um pouco desagradáveis de pedalar. Praticamente não há espaço para carros, scooters e ciclistas. Todos param para os pedestres que cruzam apresados para todos lados. Chego à ilha Sant Louis e procuro a famosa sorveteria Bertillon. “Será que posso tomar um sorvete antes do jantar?”.

Vou bordeando o rio Sena, passo por baixo de três pequenas pontes sobre um canal com comportas, e dou de cara com velhos barcos, iates e dois silenciosos pescadores. Um casal jovem, bonito, sobriamente vestido, vem numa passada leve, bastante feliz, perdidos no meio do imaginário que aqueles iates provocam e de seus próprios sonhos futuros. O mar da felicidade é justamente um mar: calmarias tranquilas que arrastam o tempo, vento que faz o barco subir, descer, adernar, navegar na emoção; tempestades de velas baixas e recolhimento silencioso na cabine. E o chegar ao porto seguro pelos canais e rio de Paris. Eu cruzo eles e desejo uma boa noite. Eles retribuem e sorriem. Não se ouve o transito das ruas e avenidas, só o grasnar de duas ou três gaivotas. E o delicioso cheiro de camarão passado suavemente ao alho vindo de um dos barcos.

O sol começa a baixar. Tenho que cruzar o Sena. Paro no meio da ponte e lá fico. Passa por baixo da ponte uma longa e pesada barcaça indo no sentido da Ilha de Saint Germain, Notre Dame e Torre Eiffel. Seu comandante a leva com o teto aberto. Sua mulher vai em pé ao seu lado e acompanhada por uma grande taça de vinho tinto. Atrás da grande cabine, uma casa flutuante, bem na popa, vai um carro, duas scooter e duas bicicletas. A barcaça dobra lentamente à direita na ilha Saint Louis e desaparece. O céu de azul cada vez mais forte traz o frio. O barulho do metro passando sobre o elevado da ponte me faz girar a cabeça e voltar à realidade. Tenho que seguir. Faço o caminho mais curto, por avenidas, em alguns momentos acompanhado por outros ciclistas, homens e mulheres, algumas jovens, outras senhoras, magras, bonitas, bem vestidas. O ritmo de todos é bem forte. Bicicleta no dia a dia faz diferença. Paris fora do centro turístico tem gosto de cidade grande, mas não enlouquecida. Paro no meio do caminho para um rápido croissant. Chego a Torre Eiffel para novamente cruzar o Sena, e novamente paro no meio da ponte. “Boa noite Paris!”. O apartamento está logo ali e eu estou bem cansado. Dormiria aqui mesmo, ao relento desta maravilhosa paisagem. Dias como este não deveriam acabar.

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