terça-feira, 22 de setembro de 2009

22 de Setembro de 2009


Quem sou eu?
Quem é você?
Quem é cada um de nós?
O que é nossa cidade?

Hoje é o Dia Mundial sem Carro, ou o “22 de Setembro” como chamam os mais íntimos. Mas o que é isto? Como chegamos a esta situação?
A primeira vez que ouvi, ou li, já não me lembro mais, que o primeiro rodízio da história aconteceu na Roma antiga, comecei a dar risada de minha falta de cultura e arrogância típica de um homem comum do século XXI. Bem que meu irmão, Murillo, sempre diz que a maior besteira que fazemos é acreditar que somos inovadores, modernos, que tudo são novidades. Agrupamentos humanos em vilas, cidades é coisa milenar, mesmo nesta escala maluca e desordenada que temos hoje nas metrópoles. A diferença é a quantidade.
Normalmente as coisas são anteriores do que cremos. Nossa modernidade não costuma ser tão moderna assim. O FAX foi patenteado em 1843, mas fora inventado e testado muito antes. A invenção da TV foi no começo dos anos 1900 e passou a operar ao público em 1933 (BBC) na Inglaterra. A primeira calculadora automática, mecânica ainda, é muito anterior a 1840, quando passou a ser produzida em série e vendida a público. Isto para só citar “as coisa” que acabaram construindo o nosso moderníssimo computador e todas as novidades que vivemos hoje. Acreditamos que nunca antes uma sociedade haja vivido coisa igual. “Besteiras” diz meu irmão que está trabalhando para fazer um paralelo entre a época das ferrovias e a atual da informática. E há um paralelo, tenham certeza disto. Mudaram os detalhes, mas continuamos humanos.
A ironia de se ter um dia mundial sem carro é a volta no círculo que sempre fizemos e fazemos – e que certamente ainda faremos. O que nos diferencia do passado é a velocidade com que as transformações estão acontecendo, mas daí dizer que tudo é completamente novo é acreditar numa onipotência boba. Somos humanos e a vida é cíclica, nada mais que isto. Pode ter cores diferentes, mas o tema final é o mesmo, afinal somos seres biológicos, animais, vivendo num ecosistema delicado, etc... O resto é resto
Já passamos por uma série de fases na história do transporte: a pé, arrastando coisas, a roda, a carroça, o trem, o automóvel, o caos. Não é assim que conta a história da humanidade? De repente, neste relato escolar sobre a história, o pedestre desapareceu, a bicicleta não existe, vem a era do automóvel e o resto vira resto. O foco é único. Praticamente ninguém fala sobre a cidade onde o automóvel se circula, na vida que se desloca com o automóvel, ninguém fala sobre a vida que está ai e faz o trânsito. O tema é o automóvel e ponto. Ou agora está mudando o foco e se pretende que será o pedestre, a bicicleta, o transporte coletivo. E a cidade?
Somos todos humanos e a coisa se repete, gira em círculos. Nós nascemos, vivemos e morremos. E outros vão nascer, viver e morrer. É a vida. Passamos por ela tendo curiosidade, aprendendo, fazendo tentativas, erros, acertos, e caindo no que chamamos de maturidade. O que geramos tem a nossa cara. Uma cidade é o que seus habitantes a construíram e a fazem. Como nós a cidade nasce, vira bebê, criança, passa pela transformação tumultuada da puberdade, adolescência, chega à maturidade, à andropausa ou menopausa, velhice, a rabugice e a demência senil. Todas as fases da vida podem ter uma boa ou má qualidade de vida. Depende de como é tratada.
Então pergunto:
· em que fase está a vida urbana brasileira?
· em que fase está o cidadão brasileiro?
· em que fase estão os que são responsáveis pela formação do que está ai?
E puxando a conversa para os que são diretamente responsáveis pelo que está acontecendo hoje em nossas cidades, os “pais” desta história, continuo nas perguntas:
· quem é a cidade brasileira?
· somos bons pais?
· fomos bons pais?
· a cidade de hoje tem que cara? Dos nossos sonhos ou pesadelos?
Ser pai, ou responsável, segue, mesmo com variações, um determinado roteiro: amor, responsabilidade, experiência, trabalhar com visão de longo prazo, ver crescer e deixar viver. Se bem feito o filho irá cuidar bem de nós na velhice e rabugice.
Nosso filho é sempre nossa cara, nosso espelho mais real. Ele reflete o mais profundo de nossa alma, sem vernizes. Se eles são felizes ou não, se vivem bem ou não, se são eficientes ou não, se tem futuro ou não, tem muito a ver com a forma que agimos no passado, na sua formação. A cidade de hoje é também e muito nossa responsabilidade. Quantos de nós conseguimos nos olhar no espelho e ver quem de fato somos? Basta olhar a cidade que temos.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Pedal tropical e o temporal


O dia estava radiante e nós pedalávamos com tranqüilidade, sem a menor pressa de voltar. Havíamos passado por Interlagos, pela represa de Guarapiranga, visto o velho hidroavião decolar para mais um vôo turístico, paramos e almoçamos em um lugar como sempre bem escolhido pelo velho e bom amigo Tio Lu. Infelizmente o sol estava muito alto e acabamos não indo atrás do restaurante alemão que fica próximo a Clube de Campo. Fazia uns 25 anos que não via o pequeno bairro cheio de gosto europeu e verde. Estávamos por conta do nada, como se diz. Uma nuvem aqui, outra ali, o vento crescendo as velas, as marolinhas da represa batendo nos cascos; um dia lindo. Mas..., hora de voltar.
Coisa de cidade tropical o vento aumentou rapidamente, o azul tomando tons cinza chumbo, o horizonte dizendo outra história. A cadência dos três começou a ficar mais rápida, sem desespero, mas com o gosto de chegar em casa, ou pelo menos na padaria, com sobra para tomar um café ainda seco. Longa distância ainda por percorrer; isto se a vontade divina fizesse chover naquele domingo glorioso.
Muito rapidamente o vento passou a nos frear e nem as bruxas conseguiam mais voar. O céu enegreceu. Continuar pedalando passou a ser um pesadelo, mas como tudo até aquele momento havia sido tão fantástico o sofrimento foi levado com certa graça, cheio de piadas e provocações. Quem era o pior no pedal? O corpanzil de quase 2 metros de altura e bem mais de 100 quilos era uma barreira dura de empurrar contra a ventania e praticamente chegamos a parar em certos momentos, por mais que nos esforçássemos. Fiquei a sua frente para cortar o vento, mas pouco serviu. Chegamos até debaixo da Ponte Morumbi quando as primeiras grossas gotas estalaram no asfalto quente. Não adiantou, foi tão violenta a tempestade, cruzando em um diagonal rasa, que mesmo imaginando-nos protegidos pelo teto da imensa ponte rapidamente estávamos ensopados.
E logo começou a ficar perigoso. Da água correr para o bueiro, pronto passou a cobrir o asfalto e logo o rio ali formado começou a carregar o entulho da esquina. No momento em que o sofá passou por nós indo na contra-mão e atropelando os carros chegamos a conclusão que aquele canteiro alto não era ilha segura e ir para o interno do bairro seria uma ação, digamos, inteligente. Mágica de domingo maravilhosamente divertido exato momento que deixamos o falso abrigo a tormenta acalmou-se e conseguimos pedalar, mesmo com as rodas afundadas n’água.
Tempestade tropical passa como que por mágica e o sol voltou. As águas que corriam e escondiam o asfalto passavam, assim como os carros que faziam questão de nos encharcar. Aquele teria sido um aviso divino para mandar as bicicletas para uma revisão completa? Há não muito tempo todos haviam aprendido a lição que depois de chuva forte é necessário deixar a bicicleta dormir de ponta cabeça para sair a água de dentro do quadro. Mesmo assim em certos casos desmontar tudo, secar para depois trocar a graxa é sábio. A bicicleta de Tereza infelizmente perdeu o movimento central Deore DX original. Um pecado. Depois daquele aguaceiro absurdo não restaria outra alternativa a não ser completar o trabalho de lava-rápido de São Pedro. São Pedro não deve gostar de bicicleta suja.
Armar a barraca
Próximo ao trevo de Cabreuva que leva para Jundiai, a cor e forma do céu me fez ver que não havia como seguir em frente. Ainda tentei esboçar uma reação e cheguei acelerar o quanto pude para chegar ao posto rodoviário, mas foi um gasto de energia burro, inútil. Uns pingos gélidos, cortantes, doloridos na pele, bastaram. Sai da estrada, fiz uns metros na entrada de terra de um sítio, deitei a bicicleta no chão, arranquei o ponche-capa de chuva da bolsa e cobrir o que foi possível. Fiquei de cócoras segurando com as mãos e com as pontas dos pés aquela improvisada tenda. O aguaceiro demorou uns poucos minutos e se afastou dali deixando um chorinho, daqueles que vai a tarde toda e embala o sono dentro do quarto quente.
O que se faz numa hora destas? Volta para o ponto de partida? Espera mofar até parar? E a bicicleta como fica? Pouca água molha também e não é bom, mas ficar parado ali é pior ainda, para os dois, ciclista e bicicleta. Se estiver no bem bom, sequinho, quentinho, aí dá até para pensar, mas naquela situação quem está na chuva é para se molhar. “Querida bicicleta sigamos em frente”. O pior é o mar de poças d’água formado pela porcaria de asfalto que temos aqui no Brasil. Espira na calça, perna, tênis e meia; na bicicleta e nos aros; na alma. Alma, lama, basta trocar o “L” de lugar. Da roupa só desgruda depois de muito tanquinho.
A partir de uma intensidade de vento não há capa que segure. Conforme o “modelito” de capa que você esteja usando para se proteger chega a ser perigoso o efeito vela, principalmente quando o vento é cruzado. É lógico que pelas costas é maravilhoso. Já rodei uns 3 km no Vale do Paraíba unicamente empurrado pelo vento. Foi memorável. Num Giro d’Italia, quando passou uma rajada um dos ciclistas foi empurrado para o bordo do outro lado da estrada. Um pouquinho antes que ele saísse da estrada e caísse no mato o grande pelotão desviou seu caminho e foi lá engoliu o desgarrado para a segurança. Sofrimento naquela hora era para os cabeças de pelotão. Precisa ser muito bom e forte. Pedalando sozinho numa rodovia não há esta gentileza. Você tem que olhar para o céu, para o movimento das plantas e saber quando dá ou não para continuar. Brigar contra a natureza não dá certo.
Passei pelo posto rodoviário e tudo estava mais tranqüilo. Parei um pouco e pensei nas possibilidades. Não faltava muito para um próximo abrigo. “Provavelmente chegarei lá mais seco. Quero ver a cara do pessoal do hotel me vendo chegar neste estado”. Cheguei um pouco mais seco, mas de aparência praticamente imprestável. Feitos os tramites voltei à bicicleta, tirei o alforje e pedi que me indicassem um caminho para o quarto que não fizesse estrago na área social. Minha providência foi tida como atitude educada, simpática. Entrei no quarto e fui direto para o banheiro com minha sujeira. Um bom chuveiro e desci para comer algo. Os funcionários mostraram gratidão pela minha delicadeza. Tomar chuva acontece, sujar o espaço dos outros não deve acontecer.

sábado, 5 de setembro de 2009

Ciclo Faixa São Paulo – domingo 2 – reinauguração


Nesta semana foram feitos ajustes na Ciclo Faixa de domingo que liga 3 parques em São Paulo. A mudança mais lógica é fazer o ciclista cruzar pedalando em esquinas onde no primeiro domingo ele era obrigado a desmontar e cruzar empurrando. É o que o CTB diz. Como disse um amigo, esqueceram de contar para o ciclista como é a brincadeira. Boa parte dos ciclistas brincou segundo as regras, mas teve quem achou a coisa surrealista e pedalou.
Nós ciclistas não somos inimigos da CET e seus técnicos. Houvessem chamado a gente, ciclistas experientes, para ver a proposta e fazer comentários provavelmente ficariam cientes de algumas coisas que quem é do meio sabe. Não custava ter ouvido. Pouparia trabalho.
Houve e continua havendo sim uma luta histórica entre ciclistas e CET. Sim não gostamos do comportamento deles em relação às bicicletas e ciclistas, não gostamos da visão oblíqua que eles têm, da simplificação do universo do trânsito numa única palavra: fluidez. Pedestres e ciclistas, mais absolutamente todos não motorizados, estão de fora do jogo porque atrapalham a fluidez. Que história repetitiva e cansativa. Nossa, que saco, quantas vezes escrevi, falei, ouvi, li sobre sempre a mesma coisa. Cara, que saco! Não agüento mais este lenga-lenga. Mas, infelizmente, é real, infelizmente a luta está muito longe do fim.
Mesmo para derrotar um inimigo há suas regras, deve haver uma ética. Para ser inimigo é necessário ter uma moral. Mais que numa simples leitura aprendi esta verdade com a vida, com um dos meus melhores amigos e em alguns momentos pior inimigo, Juan Timon, ex técnico da Caloi. Tivemos, em alguns momentos, pontos de vista e posições literalmente antagônicos. Chegamos a quase nos comer vivos. Sofremos muito na mão do outro. Mas parávamos e conversávamos como gente e nos respeitávamos, jogávamos um jogo que tinha um objetivo, no caso nossa caríssima bicicleta. O dia que alguém me avisou que Timon havia morrido chorei muito a perda de um grande amigo, ou inimigo, como queiram.
O caso da CET é semelhante. Se pudesse esganava o pessoal, mas com todo respeito. Aliás, quase aconteceu literalmente numa reunião do GEF Banco Mundial quando perdi completamente as estribeiras e quase chacoalhei a Meli. Só não aconteceu por que nosso bom amigo Airton Camargo, que era o responsável pela reunião, deu um urro seguido de murro na mesa e ameaçou expulsar os dois de lá. Confesso que não sei bem que apito toca a Meli (em relação à bicicleta), ou sei e não quero aceitar, mas o fato é rendo aqui meu respeito a ela. Se tivesse dinheiro pesado para investir na questão dos não motorizados Meli seria imediatamente lembrado para formar um time. Da mesma forma que Timon, Meli, e outros da CET, são inimigos (?) que valem a pena ter por perto.
É inteligente ler sobre guerras e inimigos. É absolutamente crucial entender que inimigo que trucida, que esfola, que não tem limites, humilha, não chega a seu objetivo final. O tempo sempre mostra o tamanho da burrice. Para tudo há limites, inclusive para a raiva, o ódio.
Minha preocupação na Ciclo Faixa a partir de agora é que o número de ciclistas deve crescer e acredito que o que foi criado não vá agüentar muita mais carga. O sistema não está completamente saturado, mas já há momentos que a coisa complica e fica muito no limite. Outro ponto: pelo menos neste domingo 6 de Setembro, é que o dia seguinte será 7 de Setembro e portanto feriado. Será que a Prefeitura terá coragem de não abrir a ciclo faixa num feriado seguido do segundo dia de operação e com todo mundo babando para pedalar ali? E se abrirem como fica a inscrição “domingo” pintada no asfalto das avenidas?
Gostaria de ter números, custos, e outros detalhes sobre esta operação, mas é possível que se a Prefeitura houvesse optado por regulamentar a velocidade local dos motorizados para 40 km/h no mesmo dia e horário, complementado a operação com radares e pessoal operacional, fiscalizando de maneira pesada, o custo provavelmente seria menor, e provavelmente ainda se geraria receita, ou seja, multas. E ai sim haveria educação geral, tanto de ciclistas como de condutores de veículos motorizados. Segregar e pajear, na pedagogia, é a maior besteira que se pode fazer.
Provavelmente haverá mais pedidos para outras Ciclo Faixas. Aliás, já há. Vamos ver em quanto tempo serão operacionalizadas novas. Quanto irá custar este tipo de operação em outras áreas da cidade? A CET tem condições até quando? Qual a relação entre o número de funcionários da CET e a expansão deste tipo de operação? São GETs diferentes, eu sei, mas como fica em cada uma delas? Agora são uns 40 CETs mais 130 auxiliares? Vão diminuir o número de babas nas áreas já estabelecidas e deslocá-las para novas operações? E os ciclistas novos e inexperientes que usarão as ciclo faixas já estabelecidas, ficarão órfãos de suas babas? Aliás, quanto custa este tipo de operação por ciclista? Como poderia ser utilizado este dinheiro de forma a perenizar sistemas cicloviários que sejam usáveis durante a semana pela população que quer usar a bicicleta como modo de transporte?
Hoje pela manha vi o que espero que não seja reflexo da ciclo faixa no bordo canteiro central. Um grupo de ciclistas passou por mim, na Praça Panamericana, pedalando junto ao canteiro central da avenida de Pedroso de Moraes, sentido CEASA, uma avenida com perfil muito parecido com a Faria Lima da Ciclo Faixa. A bem dizer, uma avenida é continuação da outra, se bem que a situação aconteceu em pontas opostas. Do fundo do coração, rezo para que aqueles imbecis pedalando na esquerda sejam um acaso completamente sem razão para minha nota aqui. Sim, deve ser delírio meu. Idiota (eu)!
Como detalhe a faixa de pano que avisa sobre a operação Ciclo Faixa de domingo que está ao lado do Parque das Bicicletas, está encobrindo o semáforo do cruzamento da avenida Ibirapuera, sentido Centro, e o que se vê é só o semáforo seguinte, da faixa de pedestre da República do Líbano, que tem tempo diferente e fecha muito depois. Quem vem de carro vê o verde lá no fundo e só muito em cima do cruzamento percebe o vermelho atrás da faixa.