sábado, 26 de março de 2016

Cinco graças, mulheres, Feminismo e política

Tive que me controlar para não sair no começo do filme, que é ótimo, mas pega na veia. Fui até o fim com o estômago na boca e recomendo o 'Cinco graças (Mustang)', filme passado na Turquia de hoje que conta a história de cinco meninas. O resto fica para quem for ver. 

Outro dia, num documentário numa das TV educativas, um historiador soltou algo que parece mais que sensato, óbvio: o surgimento e evolução da humanidade é fruto de mulheres - literalmente. Os homens saíam para a caça e elas é que ficavam paradas, digamos assim, em casa, portanto é muito mais provável que tenham sido elas que descobriram como se planta e como se domestica animais
Partindo deste simples parâmetro é possível fazer uma incrível revisão na história da humanidade, meio que virar de ponta cabeça. Hoje ninguém tem mais dúvida que ter tempo para pensar faz milagres e as mulheres sempre tiveram muito mais tempo para observar, sentir, pensar e estruturar a sociedade, sem se expor, o que pode ser sido uma grande vantagem. Sabe-se que a história é dos vencedores, portanto dos homens; mas será mesmo?
Cinco graças, e outras tantas. 
Quem foi Maria Madalena? Em nossa história se pode começar a chutar o pau da barraca por ai.
Estive na Turquia em 2011 e fiquei impressionadíssimo com a tranquilidade, a organização, o bem estar geral, a limpeza e uma sensação de segurança impensável até em algumas capitais da Europa. A comparação com o Brasil é para morrer de vergonha. Ainda me faz pensar porque temos que viver nesta baderna, melhor dizendo, na baderna que já vivíamos naquela época e que nós, brasileiros, nos recusávamos a ver. Enfim, Turquia é um tapa na cara. E ai o 'Cinco graças' ganha um peso pesado, daqueles que nocauteia, principalmente quando se está procurando entender onde estamos e para onde será que vamos. A pergunta que me faço é qual é o custo da ordem e progresso, e qual o custo da liberdade que nós brasileiros buscamos? Onde está o ponto de equilíbrio? O que nos está escapando? Deve haver um óbvio grudado em nossos narizes, uma meleca enorme que recusamos a tirar com a ponta do dedinho. Minha mãe diria "meu filho, comporte-se!"
Acredito que a resposta está numa visão mais ampla, ou menos pobre, muito menos pobre, sobre a questão social da mulher. Desde que li um pouco sobre a história da relação da bicicleta com as revoluções sociais e principalmente feminina, que foi intensa, comecei a entender que a história que nos foi contada não é exatamente a correta. As sufragistas, filme que infelizmente perdi, conta um pouco desta batalha pela liberdade. Sufragistas foram as mulheres que lutaram pelo direito ao voto, e a bicicleta entra ai porque as ciclistas e os ciclistas tiveram um papel muito importante em todo o processo. A história da bicicleta foi e continua em parte abafada, e a história da relação da bicicleta com as mulheres, crucial na vida delas, mais esquecida ainda.
Que a história é a dos vencedores, isto já sabemos; mas qual a importância dos bastidores, isto é outra história, um bom caminho para a verdade mais ampla. Robert Darnton, Historiador e Diretor Executivo da Biblioteca de Harvard, colocou no Roda Viva que ele dá muita importância às fofocas e piadas, que normalmente são esquecidos pelos historiadores. Estamos falando sobre a vida reservada de mulheres?
Estou lendo Feminismo e Política, dos Cientistas Políticos Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli, que mostra com foi a história do feminismo e suas vertentes. É uma rara e rica bomba de ideias. Vale a pena a leitura, mas tem que ter saco porque é uma escrita acadêmica, pesada, não raro chata, daqueles excelentes trabalhos que parecem voltados só para intelectuais. Ver o Cinco graças, uma história de meninas no meio das tradições islâmicas, no meio da leitura de Feminismo e Política vira um massacre, uma piada ou motivo para que me internem de vez.
Não é o caso de Streghe, de Lilli Gruber, que é leitura deliciosa, mas trabalhosa para meu parco italiano. O pouco que li me fez ficar mais apaixonado ainda pelas bruxas (streghe). 
No meio desta confusão toda houve uma mesa de meninas e mulheres ciclistas ligadas a vários movimentos feminista e LGBT que confesso que tinha muito interesse em ver. Infelizmente fecharam o evento e não permitiram homens. Entendo por um lado e não entendo pelo outro já que tenho uma leitura social delas como a ponta de uma revolução, ainda não sei bem qual. Pelo que me foi dito ficaram com vergonha. Ops?
 

segunda-feira, 14 de março de 2016

Ambulantes, vendedores, e outros obstáculos para a segurança na passeata da Paulista

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Quem já teve a apavorante experiência de ser carregado por uma multidão sem controle por mais de 100 metros sem conseguir colocar os pés no chão sabe bem o perigo absurdo de ter ambulantes e suas caixas de isopor no meio da multidão e principalmente veículos e obstáculos obstruindo acessos e saídas. Tive que evitar que um garoto de 14 anos fosse sugado para baixo da multidão. A irmã dele saiu de lá nua porque seu vestido ficou preso num dos obstáculos. A maioria ria depois de se livrar do inferno. O fato ocorreu numa saída de jogo de futebol, mas o perigoso erro grosseiro continua o mesmo. Pelo jeito as autoridades acham tudo normal, como achavam antes da catástrofe da boate Kiss de Santa Maria. Neste domingo, na maior manifestação da história do Brasil, teve como sempre a avenida Paulista cheia de ambulantes, vendedores, caixas de isopor espalhadas pelo chão e todo tipo de obstáculo por todas as partes colocando em perigo a segurança da população. Não sei de quem é a responsabilidade legal, nem me interessa, porque deixar a situação como está é brincar com explosivo. É imperativo organizar e estabelecer limites para o trabalho de ambulantes, vendedores ou qualquer coisa que possa prejudicar a segurança da população.

Este país só vai entrar nos eixos quando a população entender que grandes construções só passam para eternidade quando tijolo por tijolo é cimentado com cuidado. Mesmo milagres, dos quais tanto se espera neste Brasil, são construídos de trabalho e cuidados.

sexta-feira, 11 de março de 2016

nuvens

Faz alguns dias tive a sorte de ver dois níveis de nuvens claras se movimentando em sentidos diferentes sobre céu azul de Pinheiros. O nível mais baixo (cumulus, creio) passava com grande velocidade, uns 50 km/h ou mais, enquanto se via nuvens da frente fria (stratus, creio), longas pinceladas paralelas em branco. Não demorou muito que o céu se fechasse. Quando eu fazia o Bike Repórter e o apaixonante Geraldo Nunes dava o trânsito no pequeno helicóptero Robinson 44, tive a oportunidade de ver três níveis de nuvens se cruzado furiosamente sob um céu azul de fim de tarde. Entrei ao vivo e imediatamente perguntei ao Geraldo se ele estava chacoalhando muito lá em cima. Confesso que perguntei porque estava muito preocupado com os dois, meu amigo Geraldo e o piloto. Adoro voar, mas tai um dia e uma experiência que fico feliz não ter tido. 
Minha paixão por nuvens veio com os voos que tive a oportunidade de dar com meu pai, Arturo e meu tio Celso Rodrigues, que foi o piloto do empresário Luiz Dumont Villares. Voar e ver nuvens, quase toca-las com as mãos, perfura-las, ver suas transformações, suas luzes, cores, raios, experiência libertadora, aconchegante.
Eu venho de uma época que ainda se podia olhar para o horizonte de São Paulo e ver as nuvens, não só para admira-las, mas principalmente para saber como ficaria o clima. Eu senti o cheiro de ozônio invadindo o ar para avisar que a chuva estava ali, prestes a te encharcar. Por muitos anos senti orgulho de conseguir entender o clima paulistano e saber até quanto tempo tinha para chegar em casa sem me molhar. Tomei pouquíssimas chuvas a contra gosto. Os arranha-céus, ou serão arranhas-céu, rasgaram o azul, as nuvens e mesmo o sentido do vento, e hoje ficou difícil. A cada dia tenho menos previsão de qual será meu futuro, mesmo assim a bicicleta continua me permitindo olhar as nesgas de céu que restam entre os edifícios, o que é um prazer.
Fotografias nunca descrevem a real magia das nuvens, mas vamos tentando prender uma memória quase inócua aqui e ali, placebo puro. 





segunda-feira, 7 de março de 2016

A pobreza contra a pobreza e o autismo brasileiro

B foi parado pela PM que achou estranho que estivesse pedalando uma bicicleta tão sofisticada. O PM perguntou se ele tinha dinheiro para comprar aquela bicicleta. Ofendido, B respondeu de bate pronto que estava de saco cheio de ser parado e sempre passar pela mesma história. “Pode me levar e levantar o que quiserem", e não parou mais de reclamar. Depois de tomar uns empurrões e ouvir algumas besteiras os PMs entraram na viatura e foram embora. Outro jovem preto tomou uns tapas, foi preso e levado para delegacia pela PM porque estava pedalando sua bicicleta nova, bela e sofisticada, comprada uns dias antes. Infelizmente não prestou queixa.
Histórias como estas são muito comuns. Discurso corrente é afirmar que a PM é treinada como órgão repressor da elite, coisa que vem desde da ditadura militar. É uma reza que serve bem aos objetivos políticos de gente despreparada e em alguns casos de pura má fé. É óbvio que as polícias brasileiras, incluindo a PM, ainda têm ranço do passado, mas será que só isto justifica a torpes dos PMs que tratam seus iguais como malditos? Onde entra o complexo de inferioridade tipicamente brasileiro? Onde entra as outras neuroses e desvios psicológicos coletivos deste povo varonil? Onde entra a realidade extremamente confusa de nossa violência cotidiana? Será que o PM aborda certas pessoas olhando-se no espelho social do qual o próprio PM e o suposto suspeito pertencem? O buraco é mais em baixo.

São Paulo teve um projeto de plantio de um milhão de árvores quando Wener Zulauf foi Secretário de Meio Ambiente, administração Maluf. Praticamente todas as árvores plantadas acabaram quebradas, partidas ao meio por uma população que se mostrou enfurecida contra as pequenas e indefesas árvores. Ok, foram plantadas mudas muito novas, pequenas, mesmo assim a selvageria foi indescritível, nauseante. (Aliás continua sendo, vide nosso verde dos canteiros centrais de avenidas perdendo espaço para as ciclovias.)
Talvez justifique o fato da migração em massa de uma população pobre que vinha do campo, do mato, como dizíamos. Simples assim? Talvez. No campo a vida era miserável, o trabalho duríssimo, a fome, as doenças, a falta de perspectiva. Os que chegaram nas cidades fugiam da eterna pobreza ou, pior, miséria . É natural que as velhas lembranças gerem uma raiva contra qualquer coisa verde. Dai ainda hoje termos bairros de periferia e mesmo cidades inteiras sem a sobra de uma árvore sequer. É tudo cimentado, o símbolo do futuro, da riqueza, da mudança de vida. E cheio de carros, avenidas, entulho, lixo, poças d’água...

Educação, esta é a palavra mágica que voa pelos ares como uma abelha zunindo nos ouvidos de todos. Educação soa como mel. Mas será esta uma solução como de um conto de fadas? E colmeia, flores, águas, chuvas, umidade, ventos, pássaros, insetos, pedras, fungos... Aviso aos navegantes: abelha é bicho que mais mata humanos. Como a maioria não sabe lidar com as abelhas tem medo e acaba provocando ataques ferozes. O mel da abelha é resultado de apicultores e não de ideólogos de plantão.
Ensinar o que? A verdade passageira dos vencedores e mais articulados? Siga este caminho e a educação um desastre - novamente. 

Brasileiros, somos todos autistas. A nossa transformação depende da mudança de paradigmas
imbecis, toscos, primários, suicidas. Paremos com esta estupidez do jogo de culpas. Todos nós precisamos ser treinados para encaixar o cubo no buraco quadrado, a pirâmide no triângulo, a bola no círculo... Ainda não temos condição de receber a informação do que é um cubo, triângulo ou bola. É muito para a cabeça de brasileiro.