quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Florianópolis, vias rurais

Fazia muito que via Florianópolis. Tenho na parede um desenho de 1982 que fiz numa praia do norte da ilha, creio que Praia dos Ingleses, no exato dia que anunciaram a morte de Elis Regina, e talvez aquela tenha sido a última vez que tenha estado lá. Lógico que prefiro a Florianópolis daquela época, uma cidade média de inúmeros encantos. Infelizmente a cidade explodiu desordenadamente, como é a regra para toda cidade no Brasil. Hoje é grande, congestionada, mais asfaltada, cheia de prédios altos, esvaziada das lindas construções do passado, mesmo assim charmosa. O trânsito nos horários de pico é infernal, ou paulistano, como queiram. Talvez seja um pouco menos congestionado fora da temporada porque a ilha de Florianópolis estava lotada de turistas, principalmente nas praias do norte, incluindo a ex maravilhosa Praia dos Ingleses. Gostaria de ter chegado lá, mas simplesmente não consegui. Pelo que contaram todo norte da ilha virou um inferno de turismo. Para mim bastou ficar lesmando no trânsito da Lagoa da Conceição.
O centro de Florianópolis fica entre a montanha de Mata Atlântica virgem e o canal, com uma vista maravilhosa para os bairros da cidade que ficam do outro lado, no continente, que por sua vez ficam entre este canal e as montanhas com Mata Atlântica, que se vê ao fundo, irregulares, verdes, com variações mágicas de luz ocorrendo durante todo dia. É maravilhosa.
A avenida principal da Florianópolis que fica na ilha é uma marginal quase expressa, que separa a cidade e sua vida das águas do lindo canal. Muito espaço para o transporte motorizado para pouco espaço para a vida. Poderia ser como em Copacabana e Ipanema / Leblon, que está longe de ser o ideal, mas... um beira-mar lotado de vida, gente andando, correndo, pedalando, passeando cachorros, jogando dominó, admirando a vista, vendo pescadores chegar, banhistas, ponteado de guarda-sol..., Infelizmente é um beira mar isolado, acessível só por uns poucos,  distantes (para os pedestres) e incômodos cruzamentos. Águas, todas, de mar, rios, córregos, nascentes, mangues, estão aí para serem vividas, tocadas, amadas, respeitadas... enfim, temos que acabar com os obstáculos que nos separam das águas e de nossa própria vida.
Rio Tavares, Campeche, Lagoa da Conceição...
O que liga os bairros do lado Atlântico da ilha está no mapa como rodovia, mas não passa de uma estradinha que não faz muito deve ter sido de terra. Em alguns trechos não suporta mais o trânsito, principalmente o de verão. É estreita, obviamente quase toda sem calçada e muito menos ciclovia, exceto num curto trecho ladeando a Lagoa da Conceição, mas inacabada por uns 200 metros, se falta tanto. O resto que se dane. Perto do centro da Lagoa da Conceição a velha  de terra se estreita entre os muros das casas e fica bem difícil para quem caminha ou pedala. Como é sinuoso ninguém consegue correr. Felizmente, diga-se de passagem, a maioria respeita o limite de velocidade e ciclistas que vira e mexe tem que rodar na pista por absoluta falta de outro espaço. E tem uma boa quantidade de ciclistas circulando.
Eu deixaria a velha estradinha com o jeito que ela tem agora fazendo melhorias para dar conforto e segurança para pedestres, não calçadas urbanas, completamente uniformes, retilíneas, chatas, ditas seguras. Procuraria pensar como deixar um ar rural, condizente com a bela paisagem rústica local. Em vez de lombadas, acalmamentos de trânsito, com ilhas centrais onde se dão os cruzamentos de pedestres.  Há técnicas bem mais inteligentes que lombadas.
Rio Tavares, Campeche, ruas  
A rua, melhor, a servidão onde fiquei serve só para os poucos moradores e veranistas, e para os ônibus fazerem o retorno num larguinho no fim da rua / servidão, junto a simpática mata das dunas que separa o bairro da praia. Eles passam a mil pela rua que em qualquer país ou lugar civilizado deveria servir para as crianças brincarem, velhos fofocarem, vizinhos brigarem e marmanjos tomarem tombo de skate. Fazem o retorno; manobra ré, frente, ré e voltam correndo. Sai da frente! Vai mudar o dia que algum desavisado virar pomarola. Há duas lombadas, uma na escola e outra perto do posto de saúde, que pouco servem para a comunidade. Solução melhor? Óbvio, como em qualquer cidade minimamente civilizada. Somos tão atrasados que nem aí chegamos. Encher de lombadas tem jeito de inteligência limitada.
Saindo da rua onde fiquei e dobrando a esquerda se vai para o sul da ilha, maravilhoso por sinal, ou se retorna à cidade. Na bifurcação o bicho pega e o trânsito é constantemente uma inhaca. Para o centro deve ter uns 2 km de uma avenida (?) com três pistas, a central reversível, uma de ida e uma de volta. Vários comércios, nenhuma calçada decente, pedestres e ciclistas que se virem. Para ciclista tem uma coisa, sei lá o que, ciclovia talvez. Nesta bifurcação estão construindo um viaduto que pouco vai servir e muito vai gastar. É óbvio que a obra está parada. Quero ver como ficará a vida de ciclistas e pedestres depois da obra concluida. Já alguém ai já ouviu falar em rotatória? Não sei porque mundo afora está cheio delas.
A ligação da Lagoa da Conceição com o centro de Floripa é feito por uma serrinha, sempre engarrafada, e rezo para que continue assim
A ilha de Florianópolis é linda, mas foi muito maltratada nestas últimas décadas. Boa parte da ilha ainda tem um ar bucólico, como das melhores regiões turísticas da Europa. Espero que continue assim. E que se ajeite besteiradas típicas do passado, como as avenidas marginais. Não se precisa de grandes investimentos, muito pelo contrário, mas de inteligência e bom senso
Perguntaria um tio meu sobre meus sonhos: Você pensa que está aonde? Na costa mediterânea?

A beleza da Mata Atlântica é difícil de ser batida. De uma topografia irregular, repleta de montanhas com os mais diversos perfis que vão se transformando com a luz do dia e o bater das nuvens, pequenos vales e uma infinidade de praias reconhecidas como das mais lindas do planeta. A rodovia Regis Bitencourt e depois a BR 101, entre a Serra do Café e quase Florianópolis, é uma das estradas mais lindas e ricas que já percorri. Já passei por ai inúmeras vezes e nunca me canso, muito pelo contrário, sempre lavo a alma.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

1808, turbantes e o Brasil do nunca antes

'1808' de Laurentino Gomes, pg 132: 
"Carlota (Joaquina, Princesa e mulher de Don João VI, Rei de Portugal), as filhas princesas e outras damas da corte tinham desembarcado (no Rio de Janeiro) com as cabeças raspadas ou cabelos curtos, protegidos por turbantes, devido à infestação de piolhos que havia assolado os navios durante a viagem (de Lisboa para o Rio de Janeiro). Tobias Monteiro conta que, ao ver as princesas assim cobertas, as mulheres do Rio de Janeiro tiveram uma reação surpreendente. Acharam que aquela seria a última moda na Europa. Dentro de pouco tempo, quase todas elas passaram a cortar os cabelos e a usar turbantes pra imitar as nobres portuguesas. 
Hoje não é nada diferente. Que seja. 
'1808, Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil', de Laurantino Gomes, Editora Planeta, é leitura obrigatória para todo e qualquer cidadão que se interesse por este país, Brasil, e que queira entender de onde vem esta baderna que ai está desde sempre. É inacreditável a semelhança do Brasil colônia e depois reino com o que estamos vivendo hoje. Em alguns momentos chega a parecer que não é um livro sério sobre história, fartamente apoiado em documentação, mas uma tremenda gozação com este Brasil do nunca antes. Tem até D. Maria I, a rainha louca. Pelo menos esta foi internada e interditada.
A leitura é cativante e leve. Eu o li em menos de uma semana com um prazer raro. Deveria ser leitura escolar obrigatória, até porque os livros escolares de historia que somos obrigados a engolir são de lascar de chatos.