sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Doping, Lance Armstrong e caça as bruxas


Quem já pedalou ou competiu com um ciclista do “além” sabe. A primeira experiência que tive foi numa prova de mountain bike em Atibaia, que tinha uma subida muito íngreme, tão íngreme que alguns ciclistas capotavam para trás. Ficou conhecida pelo nome da mãe da organizadora da prova. Como praticamente o mesmo grupo vinha competindo fazia um bom tempo junto, sabíamos quais eram as diferenças de pedal, principalmente nas subidas. Aquela foi a primeira prova onde participaram dois ciclistas profissionais de primeira linha vindos do ciclismo de estrada. Dada a largada o pelotão seguiu em frente na ordem habitual, os da ponta abrindo o costumeiro do resto.  Passado um tempo, no meio da subida final que era mais leve, olhei para trás e vi um destes ciclistas profissionais de estrada se aproximando. “Deve ter quebrado algo e ficou para trás”, pensei. E ele passou por mim como se eu tivesse engatado a marcha a ré e acelerado fundo. Não entendi nada. Santa inocência! O resto dos ciclistas estava comendo poeira e ele estava dando uma volta no pelotão do meio, coisa que nunca havia acontecido. Foi difícil de entender o que acontecia porque Eduardo Ramirez vinha de treinamentos e boas corridas nos Estados Unidos. Foi coisa do ‘além’ ?!?

Uns meses depois, numa prova em Piracicaba um dos ciclistas mais velhos de nosso grupo, conhecido no meio pelas bombas que tomava, simplesmente desapareceu do resto e venceu com muita facilidade a prova da qual todos resmungaram a dureza daquele arreião sem fim. O velhinho terminou a prova como se nada houvesse acontecido. E ai um amigo comentou que naquela manha ele havia vencido uma prova de ciclismo de estrada e que viera de sua cidade para a prova do arreião pedalando, uns 50 km dali. E o velhinho ainda disse, rindo, que voltaria para casa pedalando para relaxar. Morreu uns anos depois vítima de suas bombas.

Depois que se vê o primeiro dopado pedalando perde-se a inocência e praticamente não há mais dúvida sobre quem está ou não bombado. É mais ou menos como olhos muito vermelhos e lentidão de fala, língua enrolada e cambaleante, ou excesso de brilho nos olhos e ligado no duzentos e vinte. A força e resistência de um bombado são sobrenaturais, do além.

Quem acompanha Tour de France, Giro d’Itália, e outros do nível, sabe que a coisa é absurda. As médias são altíssimas. “Limpo não dá”, afirma quem conhece por dentro. A discussão sobre limites e lisura vem de longa data.

Quem acompanhou o Tour de France da época do Lance Armstrong e viu suas famosas escapadas, principalmente nas subidas, entendia que havia algo sobrenatural na história. O que mais chamava atenção era o rosto de Armstrong, sempre limpo, tranquilo, praticamente sem expressão de cansaço ou dor. Numa das mais famosas escaladas (subidas) Armstrong e Marco Pantani, vencedor de um Giro e um Tour e um dos melhores escaladores, disputaram palmo a palmo os quilômetros finais sendo filmados de frente. Viu-se um Pantani  deformado pela dor e Armstrong absolutamente tranquilo, conversando com Pantani como se estivesse tomando o chá da tarde na varanda. O fato foi muito comentado e a mídia acabou divulgando que Armstrong havia sido treinado para não usar os músculos do rosto para não perder energia. Pode até ser, mas foi muito estranho, estranho mesmo.

Nunca fui fã de Armstrong, mas não há como negar que ele foi um atleta excepcional desde novo e que seus resultados no Tour foram fruto de um trabalho de equipe que elevou o ciclismo a um patamar muito mais alto de profissionalismo. Com eles, Armstrong e equipe, o ciclismo deixou de ser ciclismo para ser algo como uma Fórmula 1. A transformação se deu inclusive em alguns conceitos básicos, como uma cadência mais rápida e a postura de tórax mais aberto pedalando, dentre outros. Armstrong fazia refeições usando tabela nutricional e balança de precisão. Os detalhes chegaram a extremos. A quantidade de trabalho e dinheiro investido foi imensa, sem precedente, o que de certa forma justifica o resultado, mas que sempre teve um cheiro de coisa do além, ah, teve!

Sempre quiseram pegar Armstrong por doping, mas nunca conseguiram sustentar as suas suspeitas. Pegaram um monte de ciclistas. Floyd Landis, um deles, lutou o quanto pode para negar as acusações e o fez abrindo ao público os graves desajustes das agências que controlam doping. Armstrong acabou encurralado não por exames de sangue, que sempre deram negativo, mas por testemunhas, vários deles ciclistas que foram pegos por doping, num processo que tem mais cheiro de caça as bruxas que a busca da honestidade.

Infelizmente há muitos relatos de doping entre ciclistas amadores aqui no Brasil. Não só entre ciclistas, mas em vários outros esportes ou práticas físicas. Infelizmente se vê pelas ruas das grandes cidades muitos jovens, homens e mulheres, claramente bombados. Não fazem ideia do crime que comentem contra si próprios e contra a sociedade, principalmente contra a sociedade. O que não resolve é caçar bruxas. Resolve é uma política séria de prevenção e contenção baseada em uma discussão honesta. Repito: eu não tinha simpatia por Armstrong, mas gosto menos ainda a forma como acabou toda esta história. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ciclistas na esquerda

São Paulo Reclama
O Estado de São Paulo

sobre "Ciclistas 'inauguram' faixa na Paulista"
C4 | Cidades/Metrópole | segunda-feira, 27 de Agosto de 2012

 Não é a primeira vez que alerto o jornalismo do Estadão/Cidades/Metrópole sobre erros de informação no que se refere principalmente à questão da bicicleta. Na matéria acima citada, mais uma vez isto acontece. No parágrafo 'O CTB não proíbe que bicicletas circulem na faixa da esquerda, mesmo sem separação oficial....' há um 'deslize' no entendimento da lei. Acontece que o ciclista deve circular no bordo da via e, de fato, não está especificado 'no artigo da lei (CTB)' se à direita ou esquerda. Porém, o CTB deixa claro em outro artigo que veículos mais lentos devem circular à direita da via, o que complementa a informação legal sobre o bordo correto de circulação da bicicleta. A circulação à esquerda da bicicleta fica permitida quando houver sinalização para tal, o que é o caso das ciclo faixas de domingo.

Volto afirmar que este jornal, de crucial importância para o país, erra (feio) com certa frequência quando a questão é trânsito e transporte principalmente quando o assunto é bicicleta e afins. De novo: ou as matérias são escritas por leigos, até mesmo focas, ou a fonte que vocês estão usando desconhece ou mesmo tem má fé e quer proteger seus próprios interesses, o que não me causaria espanto.
 
Ps.: As Ciclofaixas de Laser com ciclistas à esquerda de avenidas abre uma caixa de pandora pior que a farta divulgação que se fez no passado de que ciclista deveria circular na contra-mão. O estímulo errado já está levando muitos a circular a esquerda em avenidas, no trânsito do dia a dia, o que é um absurdo. E infelizmente a imprensa, em geral, não consegue captar a sutileza legal do que está realmente acontecendo. Triste.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

a eterna descoberta da cidade


Chega fim de semana e é sempre igual: o pessoal pega a bicicleta e segue sempre pelos mesmos caminhos, quando não pedala no mesmo parque, na mesma ciclovia, na mesma ciclo-faixa de domingo, sempre a mesma coisa. Pode até ter alguma variação, mas a curiosidade parece não fazer parte do programa. É uma situação estranha, principalmente em cidades grandes. São Paulo, por exemplo, é de uma riqueza rara, com variáveis urbanas e arquitetônicas difíceis de encontrar em outras cidades, mesmo assim parece não despertar a atenção dos ciclistas e de toda a população. Infelizmente o brasileiro parece ter perdido o interesse pela sua própria cidade.
Lembro do primeiro passeio ciclístico noturno organizado em São Paulo e provavelmente também o primeiro no Brasil. Renata Falzoni convidou umas 30 pessoas para o Night Biker´s inaugural, isto em 1988 e nos encontramos na frente do Estádio do Pacaembu. Lembro da cara espantada do pessoal quando foram avisados que iríamos para o Centro. Simplesmente adoraram. Foi, para eles, a descoberta de um mundo completamente novo, um dobrar o Cabo da Boa Esperança. Passado todos estes anos a emoção continua ainda a mesma, nos mais variados roteiros, criados ou não a esmo; centro, norte, leste, sul, oeste e seus quase intermináveis detalhes, sempre uma descoberta. São Paulo é quase infinita. Infelizmente muito acabou desaparecendo em nome do progresso, mas a aventura da curiosidade continua lá. Basta ir, pedalar, dar-se o direito de ser livre e usufruir desta liberdade.
Neste domingo fiz um roteiro novo. Mais de quatro décadas pedalando desnorteado e ainda posso afirmar que fiz um roteiro novo. Fantástico! Bom, vamos lá: Pinheiros, Jardins, Moema, Aeroporto de Congonhas e até aqui tudo relativamente conhecido.
Na cabeceira de Congonhas paramos na recém inaugurada ‘Praça Memorial 17 de Julho’, criada em homenagem às vítimas do acidente da TAM. Sensação estranha, principalmente porque o formato da praça diminui muito o barulho da movimentadíssima av. Washington Luiz que passa ali. A amoreira que sobreviveu ao inferno do acidente e que está no meio da praça é uma visão estranha e forte. O espaço é leve, principalmente pelas crianças ali brincando. E de quando em quando vem o barulho quase ensurdecedor de um avião que aterrissa ou decola.
E vamos em frente. Jardim Petrópolis, Alto da Boa Vista, Chácara Flora. Mas aqui uma diferença: nunca havia feito a subida da rua Visconde de Porto Seguro, partindo do  Parque do Cordeiro, av. Vicente Rao. Via de regra entramos no bairro pela av. Vereador José Diniz, subimos ao topo e descemos rápido pela rua Porto Seguro. Duas visões e duas sensações do mesmo local. No topo cruzamos a av. Washington Luiz para entrar no desconhecido e descobrir mais uma dita av. Manuel dos Reis Araújo, que não passa de duas ruas sinuosas e estreitas com largo canteiro central sombreado por árvores, cheia de pedestres caminhando, um belo parque linear não oficial criado pela população. Sem norte, me sentido perdido, busquei continuar descendo o morro. Dobramos a direita - “deve ser para lá” - e passamos pelo Cemitério de Congonhas, pela portaria do São Paulo Golf Club, e vimos a continuação da Marginal Pinheiros à frente. “Nos achamos! Estamos em Jurubatuba. Ótimo!” Entramos na avenida paralela à marginal sentido Barragem Billings. É um espanto como esta cidade muda. Toda aquela área era até pouco industrial, agora está cheia de condomínios. E chegamos à entrada da Ciclovia Pinheiros. Espanto, não há qualquer sinalização na av. Miguel Yunes para auxiliar os ciclistas, que cruzam o trânsito onde podem ou acham conveniente. Absurdo!
“O sol já está quente”. Daqui para frente uma reta só de volta para casa. Pedalando na Ciclovia Pinheiros fui me perguntando por que todo aquele povo não foge do mesmo. Uma das respostas é segurança. Mal sabem eles que as ruas internas de bairros, por onde sempre passamos, são tão ou mais seguras que pedalar em ciclovias, ciclo-faixas de domingo e principalmente dentro de parques, que costumam ter índices altos de acidentalidade e assaltos que nunca chega ao conhecimento do grande público.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

evolução dos freios?

Tive que passar na bicicletarias para consertar meu movimento central que estava prendendo. Como é selado imaginei que iriam trocá-lo por um novo e pronto, que é o que seria feito na maioria das bicicletarias. Thiago me conhece a muito, sabe e concorda com alguns princípios que considero cruciais, dentre estes sempre buscar o reaproveitamento do material e colocar o máximo de qualidade no processo e resultado final. Infelizmente estou com a casa e oficina desmontadas e não faço ideia de onde estão minhas ferramentas. Ótimo, tiro férias de minha própria neurose, até tranquilo porque a bicicleta está em boas mãos. Quando cheguei lá a bicicleta estava perfeita, sem ter que trocar a peça. E ainda tive uma aula de como desmontar o dito movimento central selado.
Enquanto estava lá dentro Marcinho trabalhava para desempenar um freio a disco. O dono da bicicleta meteu a roda solta no porta-malas com um peso apoiado sobre o disco. Ups! E na deixou que o manete de freio fechar-se sem o separador de pinças instalado. Grudaram. Mais trabalho. Eu não gosto de freio a disco em bicicleta urbana. Deve até funcionar em mountain bike de competição, mesmo assim não sei se seria minha opção. Bom, enfim...
Há inúmeros tipos de freios para bicicletas e o que mais me agrada para as urbanas é o interno de cubo, uma espécie de freio a tambor, pouco comum aqui no Brasil, mas muito usado principalmente na Europa. Funciona suave, preciso, sem qualquer tranco, modulação prefeita, não muda com chuva e poeira, e principalmente porque é praticamente impossível de sofrer avarias por maus tratos.  Mas não há por aqui. Pena.
Freio a disco para bicicletas é uma criação do mercado para saciar a sede consumista de novidades dos clientes e para resolver o eterno problema da qualidade de trabalho dos mecânicos de bicicletarias, que no geral é precária. O freio a disco mata dois mecânicos com uma chave inglesa só.  Na realidade mata vários velhos pequenos problemas numa tacada só, sendo o principal a questão do mecânico. Quanto menos ele colocar a mão na bicicleta melhor. O mercado da bicicleta não paga o preço de um mecânico de qualidade. A solução é instituir produtos que tenham menos variáveis e necessitem de procedimentos mais simples para funcionar e ser mantido.
O meu freio predileto continua sendo o velho cantilever, que permite muitas variáveis em seu ajuste e regulagem, mas demanda um trabalho delicado, atencioso, preciso, portanto demorado. Bem regulado oferece potencia de frenagem e a modulação ideal para cada ciclista, quase impossível com qualquer outro sistema de freio. Uma vez feita a regulagem, que pode ser bem chata, vai demorar um tempão para dar manutenção. Acabou sendo substituído pelo “V brake” (nome correto: “direct pull brake”) que é muitíssimo mais simples para qualquer mecânico lidar. Alinha as sapatas com o aro, ajusta o curso do cabo e a centralidade dos freios e pronto; rapidinho, rapidinho. O problema é que “V brake” foi criado para competições, é muito mais potente que o cantilever, e machucou muito ciclista leigo. Era batata: o sujeito comprava uma bicicleta com a novidade, o vendedor avisava para tomar cuidado com os freios, para ir devagar, e não demorava muito o comprador voltava para loja ralado ou machucado porque havia capotado de frente. História clássica.
O “V brake” também tem lá os seus probleminhas: a abertura das sapatas em relação ao aro é baixa e os aros precisam ser muito bem centrados ou as sapatas arrastam. Centrar uma roda definitivamente não é para qualquer um. De volta ao problema dos mecânicos. Outra questão, que não deve ser esquecida, é que qualquer sistema de freio por sapata precisa de aros de qualidade para frear sem trancos. Freios a disco não tocam nos aros, demandam menos mão de obra que num “V brake”, tem um apelo sensual para os consumidores... A tendência, principalmente em mercados com pouca cultura da bicicleta e oficinas mecânicas que só sabem trocar peças está sendo o crescimento acelerado do disco e rápido encolhimento do “V brake”.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Justiça rejeita demolição de megacondomínio

O Estado de São Paulo
C4 | Cidades/Metropole | segunda-feira, 13 de Agosto de 2012 – O Estado de São Paulo
São Paulo Reclama:


Para desembargador, destruição de torres deixaria compradores ‘a míngua’; desta forma, processo de ocupação poderá ser retomado.

A Justiça seguidamente vai aos meios de comunicação buscando orientar compradores de qualquer bem, em especial imóveis, no sentido que leiam o contrato e procurem saber sobre sua legalidade, a idoneidade do contratado, para assim tomar conhecimento de todo e qualquer aspecto legal referente ao processo. Ou seja, em outras palavras a Justiça afirma que o cidadão deve estar ciente de seus direitos e deveres legais, e que o desconhecimento destes não lhe tira a responsabilidade perante a lei. O parecer da Justiça paulista, que dá ganho de causa aos compradores do megacondomínio Domínio Marajoara, na av. Interlagos, deixa a entender que a ignorância dos aspectos legais ali implicados por parte dos compradores deste, e todas as ilegalidades consequentes, é aceitável e se sobrepõe aos interesses legais, portanto legítimos, de todos cidadãos da área e da cidade. A justificativa é que a destruição das torres, construídas em desacordo às leis de edificações e de uso de solo, deixaria “à míngua” (sic) os compradores de alto padrão. Não é a primeira vez que a Justiça dá ganho de causa, ou libera depois de algum tempo, edificações que claramente foram construídas fora das normas e leis. Ao que parece faltou a mais esta decisão um pouco mais de inteligência urbana e fica, para nós paulistanos que ainda acreditamos na ordem, a amarga sensação que a coisa ficou entre iguais. Perde muito São Paulo, que por mais um tempo parece que continuará a mercê de estranhezas jurídicas e julgamentos que não olham para o futuro da cidade; para a vida, o ambiente, portanto o coletivo. Ganharemos todos, paulistanos e brasileiros, quando a Justiça der um basta e fizer valer um bom exemplo, mesmo que duro. Já é tarde.


domingo, 12 de agosto de 2012

Ar poluído

a quarta-feira à tarde fiz uma gravação pedalando pela av. Domingos de Moraes e av. Paulista. O dia tinha uma luz maravilhosa, mas com um ar pesado, desagradável, como costuma ser nestes dias de inverno sem chuva. Na quinta-feira pela manha aproveitei que tinha entregar um documento e cruzei correndo a pé duas vezes a mesma av. Paulista e sua poluição. À tarde a garganta começou a pegar.

Sexta-feira virou comédia. Acordei mal. Tratei de ficar quieto em casa, mas é lógico que a pia da cozinha entupiu, é lógico que usei um desentupidor de pia, é lógico que numa das bombadas a água desceu, mas não porque desentupiu, mas porque o cano do sifão, enferrujado, estourou. Tira todas as panelas, controla o vazamento, e lá vou eu para a rua, já com febre, procurar os reparos. É lógico que comprei errado, portanto de volta ao sol.

E este texto começou ser criado. Queria sentar no computador e escrever, mas sabe como fica cabeça de gripado; parece que tem um balão de festinha de criança inflado a partir do centro do cérebro, esmagando as letras nas bordas do crânio, que acabam deformadas, sem sentido e continuação, muito parecidas com as de um anti-span. Viva o travesseiro, a cama, o dormir. E sábado passou assim, um horror interminável. Tossi tanto que até os cachorros da vizinhança reclamaram. Quantos dias vou ficar assim?

Domingo pela manha acordo me sentindo melhor. Faz outro dia maravilhoso lá fora. A sombra das folhas da palmeira se movimentam suavemente na luz da manha que bate na parede. Ainda estou fraco, mas já consigo sorrir. Me sinto vivo e isto é muito bom.




Não foi só a poluição da av. Paulista. Todo bairro onde está minha casa está em obras. Operação Faria Lima. Estão construindo um terminal de ônibus para 26 linhas e 120 mil passageiros/dia praticamente atrás de minha pequena casa. Praticamente todas as ruas do bairro estão sendo refeitas para receber os ônibus, aterrar a fiação elétrica e melhorar as calçadas. Virou praça de guerra. O tradicional bairro de pequenas casas de classe média simples vai desaparecer rapidamente.

Praça de guerra! Aconteceu comigo e meus vizinhos. Minha casa foi invadida três vezes enquanto eu estava fora. O mesmo aconteceu com mais nove vizinhos. O interessante do fato é que no exato momento que parou os furtos apareceram corretores querendo comprar os terrenos em nome de uma grande construtora. Simples coincidência. Pelo menos não gera poluição.

Todos nós que vivemos aqui desconhecemos o que será realmente feito com o bairro. Nós não interessamos, estamos aqui por acidente, alguns de nós desde que isto era um brejo. Aconteceu o mesmo quando colocaram abaixo o antigo traçado do bairro em volta do Largo da Batata. Na época alguns diziam que o resultado humano com os antigos moradores foi um desastre. Sempre é. Hoje sinto na pele.




Vi uma avenida ser reformada em Miami. Me impressionou a ordem e limpeza do processo. A área de trabalho era restrita e fora dela praticamente não havia vestígio. O gran finale foi que numa única noite eles plantaram todo o canteiro central, inclusive com imensas palmeiras. Coloca ai uns 500 metros; e não havia uma terrinha, uma poeira, um nada que mostrasse que um dia antes aquele trecho estava em obras. Simplesmente perfeito.

NY sempre tem alguma obra, com alguma sujeira, sempre contida com algum funcionário varrendo e limpando. Em Paris as obras são mais empoeiradas, sujas, mas bem mais preocupadas com moradores e transeuntes do que aqui. Em qualquer lugar civilizado obra tem começo, meio e fim, respeita que não tem nada com os trabalhos e, principalmente, depois não acontecem remendos. Quanto mais civilizado, mais rápida e imperceptível é a obra.

Empreiteiras brasileiras vivem fazendo trabalhos lá fora e eu duvido que o padrão de qualidade seja o que se aplica em nossas terras tupiniquins. Lá fora nunca vi uma obra abandonada no meio dos trabalhos, coisa tão comum por aqui.

Fora do Brasil eu nunca senti areia nos olhos.




A qualidade do ar que temos nas grandes cidades brasileiras é, no geral, muito ruim. Sei que o maior problema está nas partículas muito finas, diferentes da que uma obra gera. É lógico que a quantidade de poeira gerada por uma obra tão grande como esta aqui, da Operação Faria Lima, também faz mal a saúde. As duas situações mostram, mais uma vez, a ausência ou desinteresse do poder público com a saúde pública.  

Quanto mais fina a partícula, mais próxima do chão ela fica. Ciclista fica com a cabeça bem mais alta que a dos motoristas, portanto respira um ar menos ruim. Não é melhor, é menos ruim mesmo.

Eu não caio na balela que a bicicleta vai melhorar o ar, como muitos sonham. O ar que respiramos é tão ruim que demanda ações em várias frentes, principalmente por parte da sociedade civil pressionando por seus direitos e saúde. Como isto não vai acontecer tão cedo, espero que me desejem boa sorte até minha próxima inflamação de garganta. O mesmo para vocês.


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

individualismo de baixo nível

Nos primórdios do celular, já não faço mais ideia de quanto tempo faz, no meio de um filme tocou o celular de um sujeito que estava exatamente no meio da plateia. O proprietário atendeu e logo em seguida alguém lá do fundão gritou para ele desligar. O sujeito respondeu “então vem desligar”, o que imediatamente fez que umas trinta pessoas, homens e mulheres, das 150 que assistiam ao filme, se levantassem e ordenassem que o celular fosse desligado e que se fizesse silencio na sala. O machão ficou calado e o filme terminou sem outros incidentes.

Reação normal para a época. O direito individual era protegido pelo coletivo e individualismo, que sempre existiu, era tido como um comportamento não muito bem aceito socialmente. Eram outros tempos.

Já faz muito que o respeito pelo próximo vem sendo dinamitado, como caixas eletrônicas, em nome de um individualismo exacerbado. Hoje todos deixam seus celulares ligados durante a projeção de qualquer filme ou situação. Há inúmeros relatos de situações da mais grossa falta de educação ou bom senso. É muito comum ver a luz da telinha pipocar sem que ninguém faça absolutamente nada. Virou normal. Se você reclamar ainda pode passar por um idiota repressor. Quem sofre as consequências acaba ficando no silêncio dos inocentes.

Este é mais um dos símbolos deste Brasil do nunca antes. É a consequência da aceitação de estupidezes como “antes de entrar neste elevador certifique-se que o mesmo está neste andar”....
 

Já está em fase adiantada a ciclovia da av. Pedroso de Moraes, umas das mais belas avenidas de São Paulo, com seu bem largo e arborizado canteiro central. Não é uma ótima notícia? Depende. Da mesma forma é crucial para a recuperação da qualidade vida em São Paulo, além de estimular o uso da bicicleta e o caminhar, aumentar a área verde e diminuir a área impermeabilizada. São Paulo já foi chamada de “cidade jardim” pela quantidade e qualidade de seus parques e jardins. Hoje é uma das cidades com menor índice de m² verde por habitante. A questão da impermeabilização está diretamente ligada ao grave problema de enchentes ou da umidade do ar, dentre outros. A ciclovia vai ser colocada exatamente no meio do canteiro central. Neste momento será que há alguma outra alternativa? Talvez; mas quem se interessa?

O silêncio tem seu preço. Você fica quieto hoje e vai ouvir, engolir ou sofrer amanha. Líquido e certo. Há um projeto de ciclovia ligando o CEASA até a Ponte do Morumbi desde sei lá quando, mas já faz muito tempo, muito tempo mesmo. Não me lembro mais se nasceu com a operação Faria Lima ou se é anterior, de qualquer forma estava lá, engavetado. Qual foi a manifestação da sociedade para que a lei Operação Urbana fosse cumprida? Zero? Calaram. Qual é a discussão sobre prós e contras? Zero!

O ponto é que se houvessem tirado o olho do umbigo provavelmente veriam uma questão mais ampla do que a segurança do ciclista. Talvez enxergassem além da avenida a melhoria da qualidade de vida do bairro, a diminuição do longo congestionamento matinal, a diminuição da poluição, o aumento de verde, o melhor acesso ao Parque Villa Lobos para todos e não só para ciclistas, a possibilidade dos filhos irem para os colégios próximos pedalando, a diminuição dos assaltos, da violência... Se houvesse interesse coletivo provavelmente iriam ver aquele bairro como um bairro, não como uma via de passagem.

Por que nos transformamos numa sociedade tão individualista? Não sei se é uma questão de tradição, história, se é um reflexo dos tempos, ou o que? Outro dia, no meio de uma reunião, me dei conta que, infelizmente, pessoas esclarecidas parecem não ler jornais, ver ou ouvir notícias no rádio e TV, com a atenção necessária. Ou devem ler somente sobre o assunto específico, o que lhes é de interesse puramente individual. Ou então não conseguem fazer as conexões entre o micro, o universo próprio, e o macro. Ou, pior ainda, lhes falta inteligência. Sim falta de inteligência. Triste, mas talvez seja por ai. O Brasil desdentado e esperto do passado está se transformando no pais dos do nunca antes, portanto da mentira barata, do pouco pensar, do desinteresse, do deslumbre.