sexta-feira, 26 de março de 2010

São Paulo, cidade sem mapas

O que aconteceu há uns dias me Santo Amaro, quando o Metro abriu um buraco e acidentalmente cortou linhas da Telefônica deixando um monte de gente sem comunicação por dois dias deve-se ao fato que a cidade de São Paulo, referência para o Brasil, simplesmente não ter mapas unificados. Cada companhia tem seu mapa, não raro com referências diferentes das outras companhias e o que existe no subsolo não se sabe ao certo. Abre-se um buraco em meio a rezas. O poder público, a quem cabe o dever de ordenar o uso comum, não dispõe de mapas minimamente confiáveis, seja de subsolo, de solo ou do construído. Quem já necessitou de mapas oficiais da malha viária, o básico do básico, sabe que até este material é desatualizado, incorreto, alguns beirando o fictício ou o surrealista, sabe-se lá bem. Parece que esta administração está tomando alguma providência, mas dado a gravidade da situação urge que uma solução seja apresentada “ontem” para toda população. É vergonhoso para uma escala econômica como a nossa este abre e fecha, abre de novo e fecha de novo. Provavelmente com conhecimento preciso do subsolo os congestionamentos diminuiriam, provavelmente obras seriam mais rápidas e organizadas, portanto mais baratas e eficientes, os efeitos colaterais mínimos. Quem sabe então não se descubra que há uma mina de ouro debaixo de nossos pés. Não duvidem.

terça-feira, 23 de março de 2010

bom dia, sábado

não toca mais Revolver como naquela manha
nossa São Paulo virou Sampa
não há a eterna névoa matinal
os garotos chegaram à maturidade
a vida frugal perdeu a solenidade

sentir a boa vibração é apenas uma simples opção
abrir o menu e clicar nesta ou naquela canção
bolacha se vende nos bares e botecos
farofa total de desdentados
não fala mais da capa
da sua arte
dos cuidados com a agulha
cuidados com agulha são para evitar morrer
é bom acreditar

mudou tudo em volta
pouco restou das esperanças plantadas
vidas sonhadas e mal planejadas

nossas casas estão mais vazias
cheias de lembranças jogadas nos cantos
juntando a poeira do desgaste desta vida marginal
esquecidas por um tempo tão longo quanto infernal
desejos prediletos esquecidos são hoje abjetos
opção pelo seu trajeto cada um faz
mas em conjuntos ninguém vai atrás

limpeza, limpeza
que beleza!
sai o que já não faz mais sentido
outrora mínimos fragmentos de felicidade
entra bem na vida a nova realidade
sabedoria trazida a tira colo pela idade
talvez um simples ato de bondade
felicidade, felicidade

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ciclovia de desculpa

A inauguração da Ciclovia da Marginal de Pinheiros neste segundo dia de vida já causa certo furor em todo ciclista que quer ver São Paulo como uma cidade minimamente amigável para o ciclista. Pela manha, no pouco tempo antes da chuva cair, a nova linha vermelha cicloviária estava cheia. Para a maioria é um passo a frente, mesmo que em todas as conversas sempre haja a afirmação que só duas entradas é muito pouco. O governo quer terminar o mandato com obras realizadas, mas não o que eles pretendiam a princípio.
Eu vivi os bastidores e Serra e alguns secretários, como Walter Feldmam, Eduardo Jorge, Stela Goldstein, Aloysio Nunes, José Luiz Portella, e o ex Secretário e hoje Vereador Gilberto Natalini, trabalharam nestes anos tentando fazer alguma coisa pela bicicleta e não conseguiram; agora correm atrás do tempo perdido. Há uma questão eleitoral, sim há, não resta dúvida, mas não creio que o problema deles não é unicamente este. Há muita gente, em vários níveis de governo, que apóia a bicicleta e que está com um grande osso entalado na garganta. Não se realizou nada nestes anos e não foi por falta vontade de girar os pedais.

Quando eu e Sérgio Luiz Bianco decidimos criar e distribuir o Manifesto pelas Bicicletas (http://www.escoladebicicleta.com.br/cicloativismoEB.html) para todos os candidatos à Presidência da República, foi Serra, no segundo turno contra Lula, o primeiro e único candidato da história do Brasil que foi na TV e rádio propôs cuidar da questão da bicicleta. Ninguém mais se manifestou.

Três meses depois de Serra assumir a Prefeitura eu estava na primeira de muitas reuniões para do “Projeto GEF Banco Mundial”. Foi a primeira vez na história de São Paulo que se montou um grupo inter-secretarias e órgãos, com a presença da sociedade civil, um grupo de umas 15 técnicos do mais alto nível, para fazer estudos, vistorias e propostas visando implantar um projeto cicloviário em um bairro de baixa renda que tivesse comprovado número de ciclistas circulando e visando a ligação destes com o sistema de transporte de massa. O dinheiro para o primeiro projeto, US$ 2 milhões, viria do Banco Mundial. Caso este processo acontecesse com rapidez seria destinado mais US$ 10 milhões para mais cinco outros projetos. No que deu? Nada. Para mim sobrou uma frase triste dita por um dos especialistas internacionais que passaram por aqui e fizeram de tudo para concretizar algo: “Nem na África (Central, boa parte em guerra civil) tivemos tantos problemas burocráticos”.

Não deu em nada. Muita gente graúda ficou furiosa com toda a história porque se gastou muito tempo e trabalho para nada. Também se gastou muito dinheiro internacional sem resultado. As explicações para o insucesso diziam, de um lado, que a responsabilidade estava na burocracia nacional; e do outro, culpavam as exigências internacionais. No meio da confusão mudou uma presidência qualquer, do Banco Mundial ou GEF, e eles acabaram com tudo. Enfim, nada! O pessoal de cima ficou, por assim dizer, chateado.

Na mesma época surgiram outras propostas e mesmo projetos de ciclovias, sistemas cicloviários e outras coisinhas mais; pelo menos uns 750 km de melhorias. Absolutamente nenhum deles frutificou. Alguns tinham dinheiro de empresas privadas e sairiam na faixa para a Prefeitura. Nicas! Todos, sem exceção, pararam num mesmo ponto: a negação da assinatura técnica. Sem ela é impossível dar um passo a frente. Há uma “coisa” que eu apelidei de “lei de assinatura técnica”, definida em lei Federal, que dá pleno poder a um técnico de trânsito, ou seja, no caso de São Paulo um funcionário da CET com CREA, que diz “sim” ou “não” para qualquer projeto que envolva um modo de transporte e sua utilização do sistema viário. “Se eu quiser assino, se não quiser não assino e ponto.” E ponto final, como diz a lei.


Assina, assina, assina...

Se tiver família e não quiser se meter no que ele considera encrenca não assina. Se for se aposentar ou não entender nada do assunto também tem pleno direito de não assinar. E assim por diante com qualquer que seja a razão: achar a bicicleta coisa do passado, para lazer ou esporte; ter medo de pedalar no trânsito; não ter expertise em ciclistas e bicicletas; não querer trair os companheiros; ter um ego grandinho; sentir ódio de quem lhe cruze o caminho... Qualquer razão é razão. Bicicleta não é tema fácil para certas pessoas.

Mas faço justiça e aqui faço a defesa de quem se nega a assinar. A lei diz que se der alguma coisa errada no projeto quem paga o pato é quem assinou e não a Prefeitura ou a CET. O culpado é a pessoa que assinou, ponto. Se um ciclista se machucar num local sinalizado pelo órgão de trânsito e este ciclista acionar seus direitos quem vai se ferrar é quem assinou a colocação da placa. É compreensível que não queiram colocar o deles na reta. Não justifica tudo, mas fazer o que, bicicleta e ciclista é tão difícil...

Repito sempre e não me canso de dizer que a CET de São Paulo é um dos melhores corpos técnicos de trânsito do mundo, mas para fluidez de motorizados. Eu nunca li o estatuto da CET, mas parece que a razão da existência dela foi para dar fluidez ao trânsito motorizado. Não sei como está, mas ainda hoje a questão do pedestre e bicicleta é claramente relegada a um plano bem secundário. Vide os números oficiais que não me deixam mentir. Aliás, que números!

Automóvel em 60 meses

Por outro lado a CET sofre uma brutal pressão da sociedade motorizada para fazer o trânsito funcionar. De novo aos números e fica absolutamente claro que o paulistano está se lixando para os pedestres e ciclistas, inclua-se ai mais os 14% da população que tem alguma deficiência física. Telefone para a CET e pergunte quantos funcionários cuidam dos 34% pedestres, dos 0,6% (oficiais) ciclistas, que circulam diariamente em São Paulo ou dos deficientes físicos (14% da população) que deveriam conseguir circular? Nossa sociedade está interessada em passar rápido sem ter que ficar em congestionamentos ou mesmo semáforos estúpidos, ponto. Pedestre que se dane. O número de mortos atropelados não interessa. Ciclista atrapalha a fluidez... Como você acha que a CET reage a esta pressão? Como você iria reagir numa situação destas? Desculpem, mas eles são humanos, e como tal tem qualidades e defeitos, como qualquer um de nós.

Mas ai vem a questão do político, do mandante. Segundo a maioria quem é responsável por não haver melhorias para ciclistas é o Prefeito, os Secretários, o Governador, enfim, quem manda. Isto aqui é que é terra de Papai Noel, de Santo Milagreiro! “O chefe sempre tem todo poder, ele faz o que quiser.” Desculpe, mas estamos vivendo numa baderna que ainda é um estado de direito e, portanto, está sob o poder das leis. É óbvio que tem político paizão que faz o que bem entende, que manda e desmanda, para o qual lei é só entrave, e é óbvio que tem o povão acha lindo. Mas a política do paizão sempre acaba dando caca. Mandante que tem um mínimo de noção das coisas, respeito pelas regras do jogo legal e político, não se mete a besta.

No caso de São Paulo é muito complicado que um mandante vá mexer num vespeiro do tamanho da CET sem um grande respaldo popular. É muita inocência acreditar que Prefeito, Governador ou Secretário irá peitar o corpo técnico de uma companhia de excelência por causa de meia dúzia de pessoas que reivindicam o direito real, moral e legal de uma massa. Vamos dizer que ele peite, que coloque a mão forte sobre a CET, você acredita mesmo que não haverá reação? E se tirar do jogo parte do corpo técnico que se recusam a ver pedestres e ciclistas como parte do trânsito, onde encontrar gente com conhecimento e prática suficiente para manter a cidade funcionando? Quem quiser que acredite: não dá para peitar a CET, não sem muita pressão popular. E povo quer é carro novo em 60 prestações. Ponto. Você como governante como agiria numa situação destas?

O que foi inaugurado?

Vamos lá, o que foi inaugurado desde de 2004, quando Serra assumiu: a Ciclovia da Radial Leste, até hoje inacabada; a Ciclo Faixa de Domingo, e agora a Ciclovia do Rio Pinheiros. Os bicicletários nas estações do Metro e CPTM. Tem mais uma coisinha ou outra, mas coisa pouca. (Poderíamos ter pelo menos uns 250 km de melhorias realizadas.)

Uma rápida olhada nas duas grandes ciclovias e há um detalhe interessante em comum: são vias sem cruzamentos, sem conflitos com o trânsito dos motorizados. Uma está encostada ao muro da Linha 3 - Vermelha do Metro, começa na estação Tatuapé e vai até a estação Corinthians - Itaquera; e a outra está entre a Linha 9 - Esmeralda e o rio Pinheiros. As duas estão praticamente segredadas da vida dos bairros adjacentes. Na da Radial Leste há algumas entradas nas quais você tem que esperar uma eternidade até o semáforo abrir. Mas do que adianta uma ciclovia sem cruzamentos se toda a vida e até mesmo os bicicletários estão do outro da avenida? Na da Marginal Pinheiros agora há duas entradas, mas está proposto mais outros acessos, uns cinco. Mesmo que esta venha a ter um acesso em cada ponte aposto como seu uso será quase que exclusivamente voltado ao lazer e esporte. Ou para uns raros ciclistas trabalhadores que fazem longas distâncias. Para qualquer usuário de bicicleta é muito mais sensato, rápido e seguro manter-se no interno de bairro. Subir e descer uma passarela com altura padrão para a Marginal é um esforço sensível e uma perda de tempo para a maioria dos ciclistas. Vale lembrar que a distância média percorrida por um ciclista comum é menos de 4 km (2.3 km segundo Bicing - Barcelona). Mas a questão não é exatamente esta. A sutileza é que estas ciclovias estão ai porque não tem cruzamentos. Serão assim para não atrapalhar o trânsito?

Briga de cachorro grande

Eu daria minha vida para ter assistido as “conversas” sobre a criação da Ciclo Faixa de Domingo. Ela também não tem cruzamentos. Ou tem; mas cruzamentos com baby siter embandeiradas, uma ou mais em cada esquina. E horário de funcionamento. Por que será?

Algo me diz que estas melhorias para os ciclistas foram enfiadas goela abaixo dos que não gostam de bicicleta ou dos lobos fantasiados de cordeirinhos. Não sei como pode ter acontecido, mas talvez tenham aprendido com a Sub de Parelheiros que só chamou os técnicos quando a ciclovia estava pronta e não havia mais nada a fazer, o que foi uma caca total, mas também não deixou de ser uma boa idéia. É; talvez a idéia tenha colado. Fato consumado e pronto!

Não há ciclistas...

Uma das alegações é que não há ciclista suficiente para demandar um trabalho maior ou uma mudança de rumos. A Ciclo Faixa de Domingo e os primeiro fim de semana da Ciclovia da Marginal Pinheiros provam exatamente o contrário, exatamente como o óbvio das ruas e o trabalho de Carlos Paiva, da própria CET, apontam. A da Radial não entra nesta conta porque está praticamente vazia em razão de ser desagradável por estar incompleta, ser poluída, suja e muito barulhenta. Mas há, sim, ciclistas na Zona Leste, muito mais que eu próprio tive notícias. Jardim Helena surgiu do nada para ser a campeã em ciclistas circulando, 7.700/dia numa área relativamente pequena. Não sei como, mas Jardim Helena aconteceu. E outros fatos mais.

Ciclistas na cidade há, muitos, e não para de crescer. O que ainda não é reivindicação em massa, com peso maior que o dos motoristas. No meio da briga de foice, do osso entalado, da birra “eu não quero”, do poder das leis, da omissão da Justiça em coibir a omissão de responsabilidade, restou a saída de entregar ciclovias e ciclofaixa sem cruzamentos. É um jogo político. E o povo está adorando. É uma forma bizarra de fazer acontecer que espero que dê certo.