segunda-feira, 31 de agosto de 2015

a Ponte Inca e sabedoria

Eu tive a sorte de ter conhecido vários sábios, desde pessoas com grande erudição até sábios em um determinado conhecimento. Com as eruditas me calei e tratei de ouvir. Os sábios virtuosos procurei ver e aprender. Na faculdade tive aulas com seu Afranio, um ebanista italiano, e seu companheiro de trabalho Sebastião, um senhor nordestino, baixinho, de poucas palavras, mas com mão divina para a melhor das marcenarias. O Romano, que afinava motores de orelha. Jeanette Dente e seu incrível conhecimento sobre as pessoas. O pescador que enxergava os peixes na espuma das ondas de uma noite escura. Vários ciclistas e mecânicos de bicicleta da velha geração que me mostraram que a cultura da bicicleta é de um lado uma ciência e de outro uma sabedoria que se só ganha com a vida, por exemplo Eduardo Puertolano, Eduardo Ramirez, Michel Bogli... E tantos outros, alguns difíceis de entender, mas sem dúvida sábios. 
Sempre fui fascinado pelos self made mens, talvez influenciado por meu pai, Arturo José, que tem uma grande capacidade de olhar, ver, entender e fazer funcionar bem. A caixa de chaves de luz da casa dele é tão bem feita que chega a irritar. 
Sabedoria pode estar numa sensibilidade específica, no chegar a uma espécie de perfeição, por menor que esta possa parecer. A vida melhor de todos depende desta sabedoria, tenha certeza.
A construção desta ponte Inca é um maravilhoso exemplo de que a sabedoria deve passar pelos séculos. Todos trabalham juntos para reconstruir constantemente uma ponte que é maestria de poucos. Estes poucos são profundamente respeitados por todos. Não há fanfarrice, há sabedoria.
As novas tecnologias trazem consigo a crença que tudo podem resolver, o que não é verdade. Algumas sabedorias beiram a magia. Vide as bicicletas de corrida, principalmente as italianas,  feitas a mão por artesões.
A Internet e suas redes sociais por um lado podem ajudar muito nesta transmissão de conhecimento bruto, de sabedoria, mas por outro lado são destrutivas. Para construir a sabedoria é necessário tempo e silêncio, duas coisas que nossa sociedade está descartando rapidamente. Hoje quanto mais rápido e quanto mais ruído melhor.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

coxinha


Por favor, me respeite: Eu sou coxinha e quero ser chamado de coxinha, seja lá o que isto signifique. Eu não faço parte do grupo de ciclistas que está ai, não tenho nada a ver com o que está sendo feito. E não sou fã de lanche de mortadela. Por favor, coxinha. Agradeço.

Outro dia um amigo, Reginaldo Paiva, telefonou para desabafar. Ele ficou muito mal com o atropelamento e morte do menino de 9 anos na ciclovia, ciclofaixa, ou seja lá o que quer que seja, que foi implantada no meio da avenida Bento Guelfi em São Mateus. É óbvio que colocar uma faixa segregada no meio de uma avenida apertada e recheada por caminhões e veículos pesados não ia dar certo. Agora estão dizendo que ele, o menino de 9 anos de idade,  estava errado por que estava pedalando fora da área segregada para ciclistas. É mesmo? Puxa, não tinha pensado nisto! Pensando bem, o menino é o culpado.

E a morte do senhor debaixo do Minhocão? Quem é o culpado? O ciclista? O velhinho? NDA (nenhuma das alternativas)? De quem será a culpa? Haddad disse uns dias antes que ciclistas e pedestres que se ajeitem. Eles se ajeitaram.

Com a quantidade de problemas espalhados pelas ciclovias, ciclofaixas ou seja lá o que quer que seja, é um milagre que não tenha acontecido nada mais grave antes. Pura sorte. “Deus esta conosco até o pescoço” cantava Elis Regina faz muito tempo.

Não sou tão idiota para imaginar que a implantação de um sistema cicloviário não vá gerar problemas, acidentes e até mortes. No grau de violência que vivemos mortes são só casualidades de guerra e eu as vejo com naturalidade. Mas dai a aceitar que erros crassos de projeto possam causar mortes desnecessárias vai uma eternidade.

Não se fala uma palavra sobre a responsabilidade legal de quem assina estes projetos. Qual a responsabilidade do técnico, engenheiro ou arquiteto, ou equipe inteira; ou dos mandantes, Secretário e Prefeito? Como somos um país de bundas-moles não se aciona o Prefeito Haddad pela trágica estupidez que falou. Pedestres e ciclistas que se ajeitem o cacete! A lei, o CTB, existe e tem que ser respeitado, principalmente pela autoridade máxima do Município. E tem a responsabilidade de todo e qualquer cidadão que apoia isto sem restrições e diz com voz altiva "faz e se for o caso depois conserta"? Eu sou coxinha. Tô fora!

Todo mundo erra, mas quanto pode errar tem limite. E uma sociedade justa começa pela redução ao mínimo dos erros. Vários países já falam em literalmente zerar erros. Nós estamos alguns séculos atrasados e achamos normal errar. Vide os “n” PACs do país do nunca antes.

Por que sou coxinha? Vou fazer um paralelo entre o que acontece aqui em São Paulo e o Brasil de todos programas sociais.

Brasil: Programas sociais são necessários? Óbvio que sim, ninguém nega; coxinhas, oposição, direita, e todo zoológico que dizem ser do contra concorda e sempre concordou. A matemática é simples: quanto mais inclusão, mais mercado, mais estabilidade, menos problemas sociais, melhor para capitalistas e socialistas. A questão é que os programas sociais foram feitos no oba oba.

Caindo na real, como ficará o Brasil de todos com esta discreta baderna na economia? Diz a história que o pior inimigo da pobreza é inflação e a desordem econômica. Vai tudo por água abaixo. Foi muita falácia e erros primários na administração... PAC,PAC,PAC,PAC...  absoluta falta de foco, incapacidade de pensar com um mínimo que qualidade, de realizar resultados perenes.... PAC,PAC,PAC,PAC.... Mais grave foi e continua sendo a CRENDICE da população que se reverte uma situação social injusta com factoides e populismo.

Meus caros, cai a ficha, "Faz e se for o caso depois conserta" é uma posição burra, mesquinha, que tem tudo para gerar problemas futuros. É assinar em baixo que somos pobres e medíocres e que o que vier está ótimo. Somos uma vírgula! Eu sou coxinha. E mesmo assim me preocupo e fico deprimido. É, meu caro Reginaldo, triste, muito triste.



terça-feira, 18 de agosto de 2015

Adeus às lixeiras verdes dos postes de São Paulo

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo




São Paulo vive a pior crise de limpeza pública que eu vi nestes meus 60 anos e mais de 45 anos de convivência séria com a cidade. No meio desta crise vão desaparecendo rapidamente as lixeiras de plástico verde que ficam presas aos postes e que por um bom tempo ajudaram muito a isto aqui parecer lugar de gente civilizada. 

Aqui já se tentou todo tipo de lixeira; lixeiras tradicionais sem tampa, lixeira de concreto armado com estrutura de aço inox, pequenas lixeiras cilíndricas apoiadas num poste...  Nenhuma deu muito certo ou sobreviveu à fúria selvagem, ao espírito bárbaro, às torcidas organizadas, aos depredadores, enfim, ao pior do espírito paulistano.

Fato é que as lixeirinhas de plástico verde ajudaram muito a cidade ficar limpa. Foram sumindo por que seu projeto tem alguns erros bestas. O principal é a estrutura metálica que prende ela a base que é fixa no poste. Esta estrutura metálica é mal projetada e frágil. A trava e as pontas inferiores entortam e a lixeira deixa de encaixar corretamente à base. É possível que com uma estrutura em aço de melhor qualidade e varredores e lixeiros mais bem treinados e pagos durassem mais.

Faz algum tempo quis fazer alguma coisa pela situação e fui procurar uma pessoa conhecida que trabalha na Prefeitura. Uma mudança no projeto, que descartaria a estrutura metálica da lixeira, facilitaria muito o manejo pelos varredores e lixeiros o problema estaria resolvido. Quando disse isto ouvi "Para fazer isto tem que mudar a lei". Como mudar a lei? "O projeto destas lixeiras está estabelecido em lei". Fiquei tão furioso que não quis nem checar. Eu tenho que cuidar de minha sanidade mental e não adianta ir contra o tsunami paulistano que está fazendo e andando se o lixo vai para o chão ou não. Quem pedala na ciclovia do rio Pinheiros sabe qual é o resultado.



Alguém pode me ajudar? A história destas lixeiras não começa com uma licitação estranha na administração Celso Pitta, um melê de empresa francesa, Vega Ambiental, com cereja convite para o Pitta assistir a final França X Brasil do Mundial de Futebol? Pitta, aquele afilhado do Paulo Maluf, o mesmo espírito do padrinho. Acho que sim, mas não tenho certeza.



sábado, 15 de agosto de 2015

drogas: qual a sua responsabilidade?

Todos nós sabemos que a barbárie que vivemos no Brasil tem relação íntima com o consumo desenfreado de drogas, mas só se fala do tráfico e viciados em crack. Qual é a nossa responsabilidade? A  minha eu sei bem.

A primeira "viagem" que fiz foi ouvindo nada menos que o disco Lark tongues in aspic do King Crinson (papa fina) e logo em seguida entrei num carro e segui ouvindo Close to the Edge do Yes. Quando começou a tocar And you and I na minha cabeça estouraram as luzes da cidade e o vento fresco que entrava pela janela aberta do carro. Foi uma primeira viagem maravilhosa, leve, colorida, eu não parava de rir. As viagens foram divertidas até tudo começar ficar pesado, preocupante. O pessoal de minha geração costuma dizer que tudo perdeu qualidade, inclusive a maconha. Foi virando uma viagem incerta, com grande propensão a ser uma chatice, ou bad trip. De onde vinha a erva não interessava até que começou entrar violência no barato. Muita violência, violência pesada, barbárie mesmo, esta barbárie que está ai.
O ponto final para mim só veio quando um destes amigos que comprava e aparecia em casa para fumar chegou com um revolver na bolsa. "Cara, para que isto?" Ele me respondeu que não dava mais para ir para a boca desarmado. Fim. Tudo tem limite.

Minha primeira viagem foi em 1973. Em 1975 fui fazer uma viagem, destas normais, trem, ônibus, carona, caminhada, típica de hippie que nunca fui, e do roteiro original, ir por terra para os Estados Unidos, acabei em Zurique, Suíça. Coisa de Arturo. Lá estavam fazendo uma campanha contra as drogas que me marcou profundamente: "A cada cigarro (de haxixe) que você consome você está financiando uma bala de fuzil para os (guerrilheiros) traficantes". Inegável verdade. Mesmo com consciência pesada quando me apresentavam um continuei indo atrás. A propaganda nunca saiu de minha cabeça. 

Em 1968 Steppenwolf cantava em The Pusher "(the pusher is) a monster who doesn't care if you live or if you die", ou seja, o traficante é um monstro que não liga se você vive ou morre. Quem ouviu o recado? Drogas era contracultura, chique entre os in, os revolucionários, os modernos, ou qualquer besteira do gênero. Drogas sempre existiram, fizeram parte de vários movimentos sociais e culturais. Se começar a citar nomes importantíssimos em nossa história não vou parar mais. Freud, Jung, Baudelaire, Allan Poe, Beatles, Hendrix, Porter, Billy Holliday... 
Progredimos muito, mas a que preço? Precisava ser assim?  

Estão querendo descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. Creio que seja correto por que não consigo ver outra alternativa para a confusão jurídica. Usuário é usuário, traficante é traficante, mas esta correção jurídica não leva em conta que o usuário é um dos financiadores do tráfico, portanto da barbárie. 

Ainda sobre drogas, mas agora sobre doping, que é uma outra faceta desta história
http://www.telegraph.co.uk/sport/othersports/athletics/11779426/Athletics-bodies-must-come-clean-on-cheats.html

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Tudo é passageiro - Ayrton Camargo e Silva


"Tudo é passageiro. Expansão urbana, transporte público e o extermínio dos bondes em São Paulo" de Ayrton Camargo e Silva é leitura obrigatória para quem quer mesmo, de verdade verdadeira, o bem desta cidade ou de qualquer outra cidade deste país. Conta a história, deprimente, dos descaminhos e oportunidades perdidas que o transporte público teve em São Paulo desde os idos de 1800 e bolinha quando surgiram as primeiras linhas de bondes puxados a burro. Quando os burros de quatro patas foram tirados de circulação entrou a tropa de burros de duas patas com suas ideias, empacando aqui e ali, uns para tentar tirar proveito próprio da situação, outros por que além de burros imbecis, e ai aquilo deu nisto, exatamente nisto que está ai. É deprimente ver que depois de bem mais de um século de desacertos continuemos nos enroscando nas mesmas ladainhas, vontades próprias, nos mesmos desacertos, nas mesmas idiotices: tarifas irreais, interesses mui particulares, descontinuidade, imprensa despreparada, tendenciosa e muitas vezes medíocre, população ignorante, depredações, e absoluta falta de um planejamento de longo prazo realista, sensato, que seja iniciado, seguido e terminado. 

"Tudo é passageiro" é leitura obrigatória principalmente para o ciclista que vê com bons olhos o que está acontecendo com São Paulo neste exato momento. 

Milão, 2015, igualzinho aos nossos
                Sou um apaixonado por bondes. Sonho um dia ver os corredores de ônibus serem substituídos por corredores de bondes, em especial o da av. Santo Amaro, avenida com a qual tive uma relação quase familiar e que foi estraçalhada junto com a esculhambação do projeto original do seu corredor de ônibus. Entra o Jânio Quadros e aborta o projeto original do pessoal do Covas. Jânio por sua vez tenta enterrar a av. Juscelino Kubitschek, já uma via expressa, formando um boulevard. Entra Luiza Erundina, que por sua vez acha o projeto de Jânio um erro social e enterra tudo para anos mais tarde considerar que fez uma burrice sem tamanho. E assim vamos. No meio desta ópera bufa desafinada onde cada um canta o que bem entende foi-se a única ciclovia que São Paulo tinha a época. Cá entre nós, não fez qualquer diferença por que a ciclovia JK não ligava nada a lugar nenhum. O projeto original ligaria o Parque Ibirapuera à Cidade Universitária, o que nunca saiu do papel por que os técnicos ficaram loucos com o cruzamento da Ponte Cidade Jardim. Nossa! E ai continuamos.

Antes do boulevard JK o Prefeito Figueiredo Ferraz já tinha tentado fazer com que a av. Paulista tivesse dois níveis, um subterrâneo e expresso, e outro no nível atual, com um boulevard e trânsito local. É óbvio que não foi para frente por causa de alguns interesses particulares e uma visão medíocre da população. Ironia do destino da obra restou os dois quarteirões entre a av. Consolação e rua Haddock Lobo, onde hoje se encontra a Praça do Ciclista. A Paulista seria melhor com o boulevard de Figueiredo Ferraz ou como está hoje?


Eu vivi numa São Paulo que vocês não conseguem fazer ideia do que foi. Maravilhosa, simples, mas completamente heterogênea, riquíssima, chiquérrima, mágica, viva, muitas cidades numa única, mágica pura, mas a maioria da população não teve inteligência para olha-la e entende-la e preferiu sair fazendo tentativas. Deu no que deu. São Paulo foi linchada por descaminhos e vontades particulares, a maioria mesquinha, ridícula. "Tudo é passageiro" de Ayrton Camargo e Silva é um olhar essencial sobre a questão dos transportes em São Paulo, leitura leve e obrigatória para quem quer de fato lutar para que as coisas melhorem. 

domingo, 9 de agosto de 2015

Jandir Falzoni e a referência dos pais



O custo da batida do saco contra o quadro da bicicleta seguida da batida do mesmo saco na árvore foi muito além da vergonha de ser devolvido ipsis litteris de saco cheio por Yeda, minha amada mãe substituta, para minha mãe de fato, a santa Lollia. O saco preto do tamanho de uma bola de futebol de salão entre minhas pernas, resultado do acidente de bicicleta descrito neste mesmo blog, felizmente não afetou minhas festas, mas os filhos que sempre quis nunca vieram por mais que eu tenha me divertido. É, nunca tive a chance de entrar em casa, sentar no sofá com cara lavada e dizer “Mãe, não sei como aconteceu, mas ela (namorada) está grávida”. Enfim, não sou pai, pelo menos biológico.
A vida é cheia de ironias e sei lá por que cargas d’água escrevi sobre meu saco cheio justamente agora. Nós temos pais biológicos e outros que não o são (biológicos), mas nem por isto deixam de ser realmente pais. Jandir Falzoni, pai de Henrique, Renata, Roberto e Ricardo, talvez tenha sido o pai mais marcante que eu tenha tido. No mesmo dia que publiquei sobre a dolorosa comédia recebi no fim da noite a notícia que Jandir tinha partido. Não tenho nenhum problema em misturar a partida dele com minha história por que uma das muitas qualidades de Jandir foi exatamente o uso sábio de um inteligente e polido senso de humor. Tenho uma vaga lembrança dele dando bronca em nós, Renata, eu, Roberto e Ricardo, e mesmo nestas broncas havia um tom de “Olha aqui, ou eu faço isto ou sua mãe (a adorável Yeda) me mata, ou nos mata a todos, como queiram; portanto comportem-se”. (Yeda, extremamente inteligente, nunca precisou chegar a tanto para conseguir o que queria.)
Jandir foi minha referência de comportamento leve que um homem deve ter com as mais diversas coisas da vida. Mino Falzoni, primo de Jandir, de quem já falei aqui e outra de minhas melhores referências de vida, um dia teve seu carro roubado de dentro da garagem que ficava exatamente debaixo da janela onde ele dormia. Os ladrões abriram o portão, forçaram o quebra-vento, empurraram o carro para a rua, e ninguém ouviu, nem ele que dormia quase em cima do capo do carro. Quando contou o fato, bravo, muito bravo, eu, criança, estourei na gargalhada como se estivesse ouvindo a história de Jandir. Mino ficou mais bravo ainda e por muito pouco não tomo um safanão. O detalhe é que Jandir teve seu carro roubado algumas vezes e contava o fato de maneira natural, quase que tentando divertir os outros.  Foram dois pais fantásticos, Mino e Jandir. 
Jandir era leve, charmoso, inteligente, ótimo pai, calmo, paciente, coerente. Sua chegada era sempre esperada, principalmente pelos filhos, e confesso que eu partilhava da mesma emoção. Yeda sempre foi de uma sabedoria sem tamanho e provavelmente tenha ajudado a construir a imagem que tenho de Jandir. O fato é que entre os Falzoni sempre me senti mais um filho, gozando de completa segurança e tranquilidade, maravilhosa sensação de paz.
Ser pai é acima de qualquer coisa dar e deixar referências. Peço desculpas a mim mesmo por não ter procurado conversar mais com Jandir e Mino. A Jandir ainda consegui aparecer e dar alguns abraços pelo dia dos pais. Fui um pentelho para Mino, mesmo o adorando, e se ele pudesse provavelmente teria pulado no meu pescoço – e com razão.
Por timidez ou vergonha, não sei bem, tirei pouquíssimo proveito destas oportunidades que a vida me deu. Só posso dizer uma coisa: Idiota!
A bicicleta me tirou a possibilidade de ter filhos biológicos. Tratei de tê-los de outra forma e acho que os tenho por ai. Com sentimento de pai busquei usar o melhor das referências que tive na vida: Jandir, Mino, Murillo meu irmão, alguma coisa de meu pai, de meu avô. É dia dos pais e me atenho aos homens. Mas Jandir foi quem me orientou na busca de um ser leve, charmoso, positivo, que sigo até hoje, mas que meu carácter maltrata. Obrigado Jandir.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Duas vezes no saco!

"Lollia, você precisa vir pegar o Arturo. Ele teve um "pequeno acidente", mas não se preocupe que ele está bem". Eu estava ao lado de tia Yeda quando ela fez a ligação para minha mãe. Como sempre Yeda manteve uma calma religiosa. Um pouco depois estávamos nós esperando que minha mãe chegasse com a balsa e me levasse de volta para casa. Minhas férias estavam terminadas. Era uma situação constrangedora. Yeda tinha um longo histórico de uma paciência sem limites com as travessuras de férias dos filhos e sobrinhos, em especial eu, mas esta tinha ultrapassado todo limite de sua responsabilidade. 

Amanhecera com muita chuva, que só veio a parar no meio da tarde. Abriu um lindo sol e eu e Renata pegamos as bicicletas. Não aguentávamos mais ficar dentro de casa. A ressaca do mar muito era forte, com as ondas molhando até a rua. Praia nem pensar. Saímos pedalando pela calçada da praia. As raízes das velhas árvores faziam dos blocos de concreto rampas ótimas para nós dois, crianças elétricas, sair pulando com as bicicletas. A chuva forte havia derrubado folhas e flores e a calçada estava linda, mas escorregadia. Ninguém ainda tinha se animado a sair para a rua e tudo aquilo era só nosso. Pula, dá meia volta, vê o outro pular, comenta, voltam os dois para trás, agora pulam os dois juntos, aceleram, freiam, escorregam, vão para a próxima rampa, riem, afirmam que seus voos foram os melhores. E chegamos a melhor das rampas, a mais inclinada. Acelero eu deixando Renata para trás e saio voando. 
Estou no chão sentindo muita dor. Renata está em pé ao meu lado, às gargalhadas. Não para de rir. Estou de pernas fechadas com as duas mãos no saco e nem a dor me impede de também cair na gargalhada. Quando a bicicleta tocou o chão meu pé molhado escorregou do pedal, bati no selim que cedeu, e bati o saco no quadro da bicicleta. Desequilibrado vi a roda da frente passar sobre uma linda e grande flor laranja que estava no chão. Retomei o equilíbrio, mas a bicicleta bateu de frente contra a árvore seguinte e eu, de pernas abertas, dei pela segunda vez com o saco desta vez na árvore. A dor era infernal, mas não tinha como não rir da palhaçada. Renata se contorcia de tanto rir.
Mal me lembro da volta para casa, que fiz pedalando, não sei como. Nem sei se Yeda me levou (mais uma vez) para o Pronto Socorro, o que provavelmente fez. Não me lembro do final da tarde, da noite, mas lembro bem do telefonema na manha seguinte.
A balsa chegou, minha mãe desceu dela e caminhou para nós preocupada. Eu podia ouvir o que ela pensava: "Meu filho, mais uma vez?" Yeda, sempre calma e sorridente, conversou longamente com ela. E minha mãe veio me pegar. Eu estava sentado, de calção largo, que era o que dava para usar, e o desastre estava a vista. Meu saco estava preto e do tamanho de uma bola de futebol de salão.