terça-feira, 30 de agosto de 2011

Direito de pensar

Istanbul, 30 de Agosto de 2011. Estar aqui sempre foi um dos sonhos de meu irmão, que acabo realizando eu. Ele sabia bem o que queria. Conhecer a Mesquita Azul de um lado e doutro Santa Sofia, obras monumentais da mais fina arquitetura. Conhecer este país e cidade, ponto encontro de povos e culturas seculares. História em estado bruto.

Quis o destino que eu chegasse aqui no último dia do Hamadan e tivesse a experiência de ver o povo tranqüilo vivendo a grande praça nas últimas horas deste mês religioso. Nada de especial que indicasse que ali acontecia um dos momentos mais importantes desta sociedade. Exceto a discreta e bem montada quermesse, ou feira, cercada de grades, iluminada, com seus ótimos artesãos e comidas, mesas e cadeiras. Povo muito tranqüilo, limpo, educado, organizado, silencioso; crianças livres correndo soltas e brincando longe dos pais, brinquedos luminosos voando para cima e para baixo; o som marcante, mas não estridente, de uma banda folclórica, ou o que seja, tocando num palco assistido por uma pequena multidão atenta. A iluminação dos maravilhosos minaretes, do muro da Mesquita Azul, da abóboda da própria, do pequeno obelisco no meio deste lado praça, junto com as luzinhas de Natal da quermesse, casam com perfeição com a suavidade do andar de tudo ali. Não há um rosto fora do compasso tranqüilo da comemoração. As mulheres com as cabeças cobertas ou roupas religiosas são em número menor que eu imaginava e estão integradas a tudo. Vida normal. As de burca são raríssimas, mais ainda as só com os olhos expostos. Muitas são jovens e bonitas. Os homens são absolutamente normais. Raro ver um obeso. No meio deste povo religioso circula turistas de todo gosto e gênero, vestidos de todas as formas, e não há um olhar de repreensão, nem para as européias mais despidas e impróprias para a ocasião. Algumas muito impróprias. O povo de Istanbul vive a cidade e a vida com tranqüilidade e respeito aos outros. Impressiona, muito. Dá o que pensar. “Somos todos iguais esta noite” aqui não é uma música de Ivan Lins.

O contraste com uma festa religiosa qualquer no Brasil é muito grande. Hoje, primeiro dia após Hamadan e feriado nacional Turco, todo povo novamente voltou às ruas e praças. E o contraste só se reforçou. Nós, brasileiros, somos desmedidamente barulhentos, um tanto mais expansivos que o conveniente, não raro pouco respeitosos com o próximo e, vendo este povo daqui, fica claro que somos, ou estamos, profundamente inseguros sobre nós mesmos. Isto aqui, Turkia, é civilização secular. Dá para sentir nas ruas. Nós nascemos ontem. Ou melhor, ainda estamos em trabalho de parto.

A Lira Turca tem praticamente o mesmo valor que o Real, mas a economia dos dois países tem uma escala muito diferente. Não sei se Brasil é uma potência ou um monstro econômico. Fico com o monstro. O que liga Istanbul a selvageria ocidental, em especial a nossa, é o automóvel e sua filosofia pela qual o resto que se dane. Não são tão agressivos como em nossas paragens, mas a filosofia é a mesma, e as conseqüências também. Uma das idéias mais geniais da civilização virou subversiva e faz terrorismo sem fronteiras, talvez o pior deles.

Não quis pensar muito sobre o que me aguardava vindo para cá. Gosto de surpresas e ironias da vida; e o convite caiu no colo, talvez vindo dos céus. Cá estou. Preciso repensar minha vida. Todos nós precisamos, deveríamos ter este direito, mas infelizmente a imensa maioria simplesmente não tem alternativa que deixar a vida levar. Ou não se dá este direito, sabe-se lá. Como civilização nunca fomos tão livres e aos mesmo tempo tão presidiários. Estou pensando em ficar fora, desligado, em silêncio, por um bom tempo. Preciso muito. O norte meio que se foi. Não foi a alma, mas a bússola. Turquia não estava nos planos. Ironia do destino. Minha crise é menos pessoal, mais com o que somos como povo, nação, como Brasil. Muito confuso, muito sujo.

Ironia, novamente, voei para cá num 777 da Turkish Airlines novo, praticamente zero km, companhia aérea de país onde bem mais de 90% é islâmico, de quem nós pouco conhecemos, falamos ou ouvimos falar. Exceto que “libanês é turco”; mais que falta de respeito, uma mediocridade educacional. Deu para ver bem o avião porque não havia mais finger disponível no Aeroporto de Cumbica, Guarulhos, e subimos nele por escadinha tipo anos 60. Passamos pelo gate 14B, um buraco no nível da pista, de onde fomos levados em vários ônibus para o 777 reluzente parado de frente ao futuro puxadinho, ainda não inaugurado e incompreensível. Realidade risível? Também do gate 14 saiu o vôo para Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Outra piada. O contraste da Turkish com o lixo de viagem que acabei de fazer na American Airlines é bem sensível, principalmente quando se leva pensa o que nós acreditamos estar por trás destas duas realidades, a americana e a turca, por nós desconhecida. Na Turkish fomos tratados como gente. Na AA avião e aeromoças, ou aerovelhas, estavam caindo aos pedaços, quase que literalmente. “Chicken or pasta?”.

E a brincadeira continua quando entramos no aeroporto Atatürk de Istanbul. Bem vindos à civilização! É bom nem pensar no Cumbica que nos resta, mas boa parte dos brasileiros faz comentários sobre o contraste. Tupiniquins de São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, passam em rapidamente pelos controles, sofrem uma certa demora na entrega das malas, e estão todos livres. O aeroporto Atatürk é grande, organizado, limpo, funcional, os funcionários estão todos bem vestidos e são solícitos. A avenida que nos leva à cidade é limpa, sem buracos, florida; a velocidade máxima, 70, respeitada. A primeira impressão da cidade é muito agradável. Isto aqui é civilizado, lembra Europa. A bem da verdade, estamos no continente europeu, bem no finalzinho dele. Do outro lado do Estreito de Bósforo já é Ásia. Rapidamente chegamos ao hotel. Área turística, parte velha da cidade, nada demais. Bem vindo, de fato, à Istanbul. Bem vindo à uma outra cultura.

A língua deles é incompreensível para nós. Tem “ç” até no começo das palavras, “s” com cedilha, tremas, e outros acentos e formas completamente desconhecidos por nós, sons novos. Gostaria de aprender a falar pelo menos “obrigado” em turco, mas até isto é complicado de guardar. Comento com o atende do hotel sobre esta dificuldade e ele me conta sobre as línguas e povos que tem a mesma origem de fala e escrita. Me sinto um euro-centrado tupiniquim completo. A vida e o pensar infinitamente maiores que nosso simplório dia a dia brasileiro-paulistano. Por um segundo me lembro do que me guiou no passado: o horror à mediocridade. Quero voltar a ter o direito de pensar. Quero ver uma luz no fim, mas no Brasil de hoje sequer sei se estou num túnel.

Tomo um banho rápido e vou para a praça em busca de comida. E dou com a última noite do Hamadan.

sábado, 20 de agosto de 2011

simplicidade

Bicicleta sempre foi uma bicicleta: simples, funcionais e resistentes. Para ser usada e abusada, para levar a liberdade. Bicicleta deve ser a definição de simplicidade

Um dia Luiz Dranger, então responsável pela Specialized no Brasil, encontrou Mike Sinyard, proprietário da marca, e pediu para ele conseguir adesivos para a bicicleta de um ótimo cliente que iria repintar a bicicleta. “Eu faço bicicletas para as pessoas usarem, não para ficar olhando” foi a resposta de Mike Sinyard.

O filho de Jovelino ganhou uma bicicleta nova, correta para seus 1,85m e pés 43. Deixou de lado sua velha, mas bem cuidada, bicicleta pequena e simples. E segundo o pai, passa o tempo livre limpando a nova e confortável bicicleta. Não é o único que trata a bicicleta como se fosse uma filha. Muitos nunca tiram pleno proveito dos prazeres de pedalar por excesso de cuidado. Destes, só uns poucos um dia se dão conta que perderam a oportunidade de viver de fato o que a bicicleta oferece. Sua beleza é cativante, mas sua funcionalidade é geralmente maior que a imensa maioria consegue extrair dela. A simplicidade é bela, mas um tanto intimidante, principalmente numa sociedade fascinada com o complicado. Sim, quanto mais complicado e distante de nossa possibilidade, mais atrativo é. Funções de celular que nunca usaremos, carros com velocidade máxima acima dos 300 km/h, clipe de música com danças corrigidas por computador, botox que... Politicamente incorreto?

Bicicleta é secular. É fato. Provavelmente em razão de sua simplicidade. É praticamente idêntica ao que era em 1900. As diferenças são poucas. Pessoas educadas estão redescobrindo esta verdade através de bicicletas “retro”. Maravilhosas aliás. Simples, eficientes, deliciosas de pedalar, cumpridoras do seu papel e função.

Não sei se a bicicleta engordou porque começou a usar tubos de alumínio ou porque os principais fabricantes de bicicletas de cromo-molibdênio se deram conta que num tubo mais largo a marca fica mais exposta. Provavelmente um pouco dos dois. Num mercado de pessoas pouco educadas ou você faz show ou, mesmo que tenha um produto maravilhoso, vai acabar fora do mercado. Quem usa a bicicleta como uma bicicleta fica muito tempo com a mesma bicicleta. Para girar o negócio o público alvo são aqueles que comem com os olhos. “Que linda! Quero esta! Meus amigos têm igual.” Não adianta avisar que aquela não é a bicicleta correta porque o efeito boiada tem uma força incrível.

A minha bicicleta de infância, construída com tubos de perfil redondo, em aço, sem marchas, freio varão ou ferradura (ineficientes, sem dúvida), foram substituídas por tecnologias mais leves, duráveis e muito, mas muito mais eficientes. Bicicletas fantásticas aquelas da geração 1989 - 1995. E estas estão sendo substituídas por uma geração de bicicletas todas trejeitadas, com tubos hidroformes, cheios dos detalhes, visual agressivo, funcionamento talvez; modernas, vendáveis. As 21 marchas provavelmente vão deixar de existir, pelo menos em nosso mercado tupiniquim, não importando que a imensa maioria não faça idéia de como se usa o câmbio. Os freios agora são hidráulicos a disco, não importando que a maioria das bicicletarias ainda não tenha sequer aprendido bem como regular corretamente um “V” brake, e que é muito comum o pessoal capotar de frente. E o custo foi para os céus, não importando que a bicicleta tem, ou pelo menos deveria ter, uma função social e histórica. O que importa é vender para os novos ciclistas do momento. Já vi este filme antes.

Pelo menos lá fora, onde o pessoal já entendeu para que realmente serve uma bicicleta, a seção das “retrô” está sempre cheia e bicicletas antigas, daquelas bem simplinhas, é sucesso garantido. Aqui isto começa acontecer, mas falta muito. Uma coisa não descarta a outra, e as bicicletas de última geração são bem vindas, mas beiram o abusivo.

Quanto custa fazer uma bicicleta com tubo hidroforme? Qual é o impacto ambiental? Onde fica a finesse da simplicidade forma / função? Por exemplo: um guidão de alumínio tem sua matéria prima extraída no Brasil; transportada para a China onde será transformada em tubo e usinada; dali parte para o mercado mundial, em especial Europa e América do Norte, onde será vendido por um custo baixo. Quanto ambientalmente custa esta “simplicidade” que vai e vem mares adentro? Onde está a simplicidade?

Qual é a vida útil da simplicidade?

Com a leve batida por trás de minha bicicleta o carro praticamente inutilizou o aro. A bicicleta não é nada especial; uma híbrida, aro 700, 36 furos, 25 mm de espessura, bico grosso, perfil baixo, preto fosco, para freio convencional. Não há para vender igual, pelo menos no mercado brasileiro. O alinhamento saiu bem uns 5 cm, o que é muito, normalmente considerado perda total. Com a técnica de realinhar através de batidas laterais consegui fazer com que o aro voltasse a ser usável, mas com tensões nos raios muito acima do recomendável. O aro agüentou bem até o dia que emprestei a bicicleta para um senhor testá-la. É muito provável que ele tenha descido meio fio com a bunda colada no selim e eu não tenha visto. Nem me lembrei da situação do aro. No dia seguinte... “TIC” e foi-se um raio. E o aro gritou “não tenho mais conserto”. E três meses depois do acidente ainda procuro um novo, sem sucesso. Não existe similar.

Não foram poucos as tentativas de encontrar o aro. As lojas mais sofisticadas dizem que aro 36 furos está saindo do mercado e que daqui para frente será cada dia mais difícil encontrar qualquer estes aros. Coisa do passado. Como assim “coisa do passado”? As novas bicicletas estão vindo com aros 32 furos e provavelmente virão todas com freio a disco, respondem em coral bem afinado. “O que faço com esta bicicleta que tem dois anos? Jogo no lixo e compro uma nova?”, pergunto. E, de novo, em coro afinado recebo um sorriso irônico. “Está bem, e se eu trocar o cubo dianteiro por um 32 furos e comprar aquele aro (Specialized)?” E recebo uma resposta interessante: “Não temos para vender aquele aro. O importador não trouxe”. Ou seja, se eu trocar de bicicleta por uma reluzente zero km e tiver problema com o aro novo de 32 furos também não terei opção para manter a originalidade da bicicleta. “Temos aros 32 furos de perfil baixo, mas com 15 milímetros de espessura, próprios para (bicicleta de) estrada”. Detalhismo meu? Absolutamente não. Tecnicamente muda muita coisa na bicicleta.

Bicicleta ganhou tamanha importância na história porque é uma máquina simples, fácil de lidar, tem custos baixos; e este conjunto de qualidades sempre fez dela uma solução. A maoria dos problemas ou defeitos era só ter meia dúzia de ferramentas a mão e dava-se um jeito. Sempre houve certa dificuldade de encontrar peças originais ou compatíveis. Talvez fosse até mais difícil no passado porque a produção era verticalizada por cada um dos fabricantes. Hoje está basicamente tudo padronizado e há uma precisão muito grande, o que é ótimo. Mesmo assim a bicicleta está perdendo sua simplicidade, seu minimalismo. A nova filosofia é “deu problema, troca a bicicleta (inteira, por uma nova)”. Desculpem, mas é ridículo. Pense a bicicleta como coisa de pobre, porque neste desvario o pobre, o construído com poucos recursos, é uma resposta rica, chique, atual, perene. Simplesmente assim.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Céu sem estrelas

As 5h00 já estava na rua esperando um ônibus que como sempre demorou. E olhei para o céu, límpido, todo estrelado. Estrelado! A quanto tempo não via um céu estrelado? Céu estrelado! Que maravilha! Estrelas em São Paulo. O céu desta grande cidade desapareceu há muito, primeiro pela iluminação, cada dia mais forte e ampla, depois pela poluição, cada dia mais grave, densa, cinza, opaca. Eric sempre repete “nos acostumamos com o ruim”. Quando em doses homeopáticas mais fácil ainda. Nossas grandes cidades não tem mais céu, não tem mais estrelas, não vemos mais a vida, não enxergamos nossa insignificância, não sabemos mais quem somos.

Quando passou o comenta de Harley fomos, eu, meu irmão e uma amiga, até depois de Santana do Parnaíba para tentar vê-lo, mas mesmo lá a interferência das luzes da grande cidade se fez valer e o céu tinha poucas estrelas e nada de cometa. Na década de 70, em Cambuquira, sul de Minas Gerais, uma cidadezinha então com bem menos de 15 mil habitantes, era possível ir para a laje do sítio e ver um maravilhoso céu estrelado. Não tão estrelado quando o que algumas vezes vi do mar. Uma em especial me marcou; quando fui e voltei de navio cargueiro para os Estados Unidos. Foi ai que entendi o quanto somos insignificantes perante o universo. Numa das feitas subi a parte mais alta do navio, deitei no chão e depois de 45 minutos minha vista ainda estava se adaptando para ver novas e minúsculas estrelas. Outro dia me perguntaram se dava para ver a Via Lactea claramente. Claro que sim, perfeitamente. E distinguir as cores e formas das estrelas e planetas. Mas infelizmente nossos olhos não estão acostumados. Estamos cegos pelas luzes e verdades da cidade. Que universo pequeno!
À noite as luzes do navio são apagadas para quem está no comando ver melhor. Não dá para confiar só no radar. Ou pelo menos não dava então. Ficam só as luzes de posição, verde em um bordo, vermelha noutro. E o universo escancarado. Marinheiro sabe quem é neste jogo de forças gigantes. Nada, absolutamente nada! Completamente impotente!
Não ter as referências cotidianas faz bem para a alma. Em alto mar só há água. Você caminha por todos os costados e não vê nada mais que águas revoltas e o céu. Solidão. Engana-se com a convivência de meia dúzia de também solitários. As verdades lá são outras. Dizem respeito a vida, ou melhor, a sobrevivência, a própria sobrevivência. Isto ficou claro quando acordamos um dia no Caribe, Triângulo das Bermudas, já próximo da foz do Mississipi, e o mar parecia um vidro de tão calmo e liso. Responderam ao “bom dia” com um silêncio macabro e olhos fixos no infinito. Mar zero, águas tão lisas aquelas, são o sinal de tempestade forte, de tornado, talvez furacão. Nenhuma onda, céu perfeitamente azul, terror geral. Durante todo dia cruzaram uns pouquíssimos navios e um grupo de golfinhos, e deles sobraram umas pequenas marolas, nada mais. Aqueles homens, velhos marinheiros, sabiam que sofreríamos a força da natureza, era só uma questão de tempo. Como se a fúria de todas aquelas lindas estrelas despencassem sobre nós. Desbravadores dos sete mares trazidos para a realidade do universo: insignificantes!
No dia seguinte entramos no rio Mississipi e o tornado mostrou sua força. Um barco imenso, de umas 25 mil toneladas, simplesmente foi carregado uns 500 metros terra adentro. O pavor de algo desconhecido, mas sabido real, inerente àquele mar zero havia se concretizado. Estávamos todos trancados dentro do navio, estanques ao vento e chuva furiosa que parecia que iria quebrar todos vidros. O comandante, sujeito calmo, estava a beira da histeria. Os marinheiros mais velhos se recolheram aos camarotes. E assim passamos boa parte do dia. Ficamos todos exaustos. Somos nada perante a natureza, menos ainda perante o universo.
Não consegui de parar de olhar para aquelas estrelinhas lindas. O pessoal no ponto até olhou um pouco para cima, mas o frio era tanto que estavam mais preocupados em não congelar seus pescoços. Durante todos estes anos nossa vida urbana foi degradando. Sei disto porque a bicicleta me apresentou uma cidade que poucos viram. Não só São Paulo, que era de uma riqueza arquitetônica única no mundo. Tínhamos de tudo um pouco porque aqui pousou gente de todas as partes e culturas do mundo, principalmente portugueses, italianos, japoneses, alemães... A cada bairro, a cada quarteirão, a cada rua, uma nova e rica miscelânea enchia os olhos. Muito foi abaixo, destruído, perdido para sempre. A pior experiência que tive foi com Joinville, que quando conheci, lá pelo 2000, era uma gracinha de cidade, com suas pequenas casas em estilo germânico, com uma personalidade forte e tranquila. Muito foi abaixo.
As cidades fecham a alma de seus habitantes para um universo muito limitado. É nelas quer nos juntamos para sobreviver. A transformação da cidade, e nossa junto com ela, acaba nos segando sobre quem somos como indivíduos e como sociedade. Nos acostumamos com as coisas, o bom e ruim. Infelizmente nós, brasileiros, somos muito pobremente educados e acabamos usurpando do bom e nos acostumando com o ruim. Minha vida, como a de todos, deveria ser um caminho sem esquecimentos, sem sustos, sem perder o rumo. Ainda temos um universo sob nossas cabeças. Somos e sempre seremos um quase nada. Aprendi isto navegando em alto mar e vivencio esta mesma verdade toda vez que pego a bicicleta e pedalo como um verdadeiro ciclista.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Efeito de uma pequena entrevista na Trip

----- Original Message -----
From: associados-ucb@yahoogrupos.com.br
Sent: Monday, August 08, 2011 10:51 AM
Subject: Re: [ASS-UCB] São Paulo na Revista Trip.

Arturo

O Brasil não é São Paulo.

Com todo respeito que tenho ao amigo Arturo, considerei "acontecimento esfumaçado" (quer ler as páginas 40 e 41 entenderá) a Revista perguntar: Como você vê o cenário da Bike (sic)no Brasil hoje? E obter como resposta algo direcionado ao contexto de São Paulo. Descuido? Bairrismo? Falta de conhecimento? Mercado consumidor da Revista? Ou nosso cenário pode mesmo ser descrito por São Paulo e Afuá?

Poderia ser melhor.
Claudio Silva.
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primeira resposta

Claudio
boas

Não foi descuido. Se de fato fosse dado a importância devida a questão da bicicleta no Brasil não estaria na situação que está. Ok! pode ser um olhar a partir de São Paulo, mas está longe de ser um bairrismo. Por mais que a questão da bicicleta tenha evoluido Brasil afora, ela está muito longe do que deveria, e todos nós sabemos disto. O que falei não desqualifica o que foi realizado, mas faz uma crítica sobre a falta de interesse dos governos em realmente resolver não só a questão da bicicleta, mas do pedestre, dos deficientes, do pessoal que morre às pencas nas motos... Se houvesse mesmo interesse em resolver a questão das cidades o Ministério das Cidades não teria um orçamento tão baixo. A meu ver não se faz socialismo baixando preço de carros ou de linha branca e TVs. Isto tem outro nome. A construção de uma nova sociedade começa na construção de uma nova cidade, do parar esta guerra civil que estamos vivendo.

Minha resposta não quis ser bairrista (se foi) porque leva em consideração a questão da bicicleta que, a meu ver, inclui impostos, verbas, qualidade da bicicleta e dos serviços oferecidos ao mercado (péssimos no geral), criação de sistemas cicloviários, a transformação das cidades.... E ai não é um problema de São Paulo, mas do Brasil.

A revista não está aqui. Vou ler de novo e ver como está a resposta. Mas creio que não tenha falado uma barbaridade. Há muito o que fazer.

De qualquer forma agradeço o comentário porque me ajuda no pensar futuras respostas. Se você, Claudio, está reclamando, é interessante checar para ver o que há.

abraço
Arturo
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segunda resposta

Claudio
e a todos

Depois que dei esta resposta abaixo acabei me lembrando qual foi a pergunta, em que contexto ela foi colocada. Fizeram a pequena entrevista porque escrevi na Trip entre 1989 e 1991 (se não me falha a memória) e a pergunta era sobre o que havia mudado nestes 20 anos. Considero que mudou pouquíssimo, praticamente nada, e que ainda estamos muito longe de poder falar que a situação vai bem ou está tranquila. Este é o sentido de minha resposta. Passei pela revista e acabei não pegando nela. Ainda vou fazer, mas me lembro de toda história.

Mas também fiquei pensando sobre a mensagem que escrevi (abaixo) em cima de uma primeira reação à mensagem do Claudio. Minha posição nela é a que escrevi, mas o Claudio também tem lá sua razão.

O que tiro desta história (mais uma vez) é algo que venho falando há muito: que temos que ter um discurso afinado e tomar muito cuidado com a forma como as coisas são colocadas. É necessário medir as palavras, o que nem sempre, ou frequentemente, é muito complicado. Precisa de treinamento ou amadurecimento. Com treinamento fica mais fácil e dá melhores resultados. Treinamento não tem nada com falar feito jogador de futebol, mas com estabelecer procedimentos para ajudar a pensar respostas inteligentes e compreensíveis que levem, com tranquilidade, a um objetivo final.

É óbvio que para a maioria de vocês, que entraram neste meio (cicloativismo) não faz muito (em relação as minhas tantas décadas no pedaço), os avanços foram enormes. Como o sonho de sociedade, de cidade, e de mobilidades (na época transporte) de minha geração era completamente diferente deste horror que vivemos hoje, há uma enorme sensação de vazio. Mesmo que o sonho tenha sido outro, que "aquilo deu nisto", etc..., na hora de uma entrevista é necessário ter em mente o conjunto, o grupo, o fim desejado por todos, a realidade atual, as possibilidades e as intenções futuras, o que pretendemos construir e formular um discurso conciso. Não é fácil.

Pessoalmente agradeço muito quando ouço de alguém comentários ou mesmo broncas que me fazem pensar. Para mim o bom amigo é aquele que fala. Claudio não foi o único que andou me dando "broncas" ultimamente. Outro dia dei uma palestra na UFABC e um cara bem preparado veio a mim e disse que alguns pontos haviam ficado no ar, o que foi uma observação muito pertinente. Amanha tenho que dar uma entrevista para uma rádio do interior, ligada a uma universidade. Com certeza esta nossa conversa vai me ajudar. Pelo menos espero que sim. Meus Tico e Teco terão mais chance de se comportar bem.

Enfim, a pergunta que vivo me fazendo: No que posso melhorar?

abraços
Arturo
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Oi Arturo e demais colegas,

Certamente devemos todos checar o que está acontecendo.

Não vamos esquecer que o Ministério das Cidades é uma instituição dentro de outra instituição, entendem? Não é o MCid que baixa preço de carros! Muito menos é o MCid que tem o poder de reverter essas barbaridades ou aumentar de uma hora para a outra o aporte de investimentos, percebem? Deveriam para poder ajudar o Programa Bicicleta Brasil.

A Revista ficou muito boa, mas poderia ter perguntado: "como você vê o cenário da Bike (sic) em São Paulo hoje?", já que não se deu o trabalho de pesquisar como é no Brasil. MERCADO!

Grande abraço,

Claudio