sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Primeiras viagens pedalando


Em 1978 fiz minha primeira viagem pedalando, fui até Bom Jesus do Pirapora na época das romarias e procissões de Corpus Christi. Não tinha segredo: Castelo Branco até o trevo de Santana do Parnaíba, pegar a estradinha que acompanha o rio Tiete até Bom Jesus do Pirapora. Conhecia perfeitamente o trajeto em carro, o motel de preferência ficava por ali, também, mas não só. Transar num silêncio total e depois relaxar ouvindo de fundo as águas do córrego limpo e o coaxar dos sapos foi inesquecível. Inesquecível até o dia que tomei um choque e quase virei presunto, mas isto é outra história. Pedalar e ver as matas e várzeas do Tiete depois de Santana do Parnaíba com calma, podendo parar onde queria, foi delicioso. Pena que na época não ia para o motel pedalando com minha namorada, aí seria divino total, mas naquela época mulher não fazia estas coisas, para quem não sabe o que elas não faziam, trepar nem sequer pensar numa viagem no pedal. Mulher não podia ficar mal falada e qualquer motivo era motivo. A coisa era tão atrasada, ou retardada, que até eu tive que ficar quieto sobre esta minha pequena aventura para não ficar mal falado, ou pior afamado do que já era. Já era, afinal, eu usava bicicleta para lá e para cá, coisa que um jovem educado não era muito apropriado para um jovem bem educado. Que seja, assim era.
São Paulo era muito menor, o mato começava um pouco depois das marginais do Tiete e Pinheiros. A Castelo Branco era uma estrada moderna, larga, com acostamento, muitíssimo menos movimentada, muito diferente do que é hoje. A estradinha para Bom Jesus do Pirapora tinha bem pouco movimento, poucas casas e indústrias, tão perto de São Paulo e tão interior.
Fui numa Caloi 10 com um bagageiro feito de barrinha de aço de pequeno diâmetro e cromado em formato de 7, de desenho delicado, chique, mas frágil. Carregando uma mochila relativamente leve e amarrada aos poucos foi embarrigando e tive que parar para desentorta-lo umas duas vezes para continuar. Os pneus 27 X 1 3/4 daquela época furavam e deformavam com frequência assustadora, mas para minha felicidade foram e voltaram sem problemas. O selim era um horror, uma peça de plástico duro só com uma espuminha de nada para enganar. Pouca redução, pedalada dura contra o vento da Castelo e nas subidas, mas rodava divinamente bem no plano. Água? Que água? Para que? Eu lá sabia que ciclista precisa beber água. Juventude acha tudo ótimo e lá fui eu para os 48 km de ida, plano na Castelo e sobe desce da estradinha. Não faço ideia que hora saí e quanto tempo demorei, mas lembro que cheguei no meio da tarde. Lembro disto porque antes de Bom Jesus há uma subida curta e muito íngreme, boa para ciclista de primeira viagem pendurar a língua. Parei no topo, virei o corpo e olhei para trás com raro prazer para várzea do Tiete.
Bom Jesus foi divertido porque não tinha mais lugar nos hotéis, eu também não tinha muito dinheiro para estes luxos, e acabei dormindo no chão de uma praça ao lado da igreja junto com um mar de romeiros vindos a pé, cansados e também felizes. Demoraram para parar de tagarelar, talvez tenham tagarelado toda a noite, mas eu capotei. Muitos estavam ali pela farra, poucos se levantaram quando os sinos tocaram para ir a primeira missa. Desta viagem só me arrependo de não ter ido em frente, seguido até Cabreúva e depois Itu, o que só vim a fazer muitos anos depois e recomendo. A Estrada dos Romeiros, que segue acompanhando o rio Tiete a partir de Bom Jesus do Pirapora, é um dos lugares mais bonitos e agradáveis de se pedalar aqui próximo a São Paulo. Infelizmente a sorveteria de Cabreúva que ficava ao lado da igreja fechou. Tinha um sorvete de milho que era dos deuses.

Demorei para repetir a dose. Passei anos descobrindo a cidade de São Paulo no pedal e só voltando para estrada quase uma década depois quando fui de São Paulo para Cambuquira, exatos 300 km de porta a porta. Creio ter feito em 3 dias pela Fernão Dias: São Paulo - Vargem, Vargem - Pouso Alegre, e finalmente Cambuquira, cada trecho com 100 km numa Cruiser Extra Light com um bagageiro legal e alforjes. Mesmo com muito mais leitura que quando fui para Bom Jesus do Pirapora cometi erros básicos. Sair na louca, no tudo vai dar certo, no vamo que vamo, pode ser empolgante, mas não vale a pena, mesmo que tudo dê certo como 'inesperado'.
O primeiro trecho foi uma loucura, pelos 100 km de cara, pegando a serra de Mairiporã e Atibaia, e depois entre Atibaia e Bragança Paulista uma ventania de frente que me fez pedalar com toda força nas descidas dando graças a Deus que as subidas faziam sombra para o vento. Não me lembro das minhas paradas para comer ou beber, só de ter chegado exausto em Vargem, onde fui até uma vendinha de secos e molhados bem pobrezinha para comer um sanduíche e beber tubaína, já que nem Coca-Cola a vendinha tinha. O sanduíche foi com sardinha em lata, Gomes da Costa. O pessoal tava lá para o mé, que vendia mais que água, uns minduim, fatia de queijo (de minas) e jogar conversa fiada fora. Encostado no batente de uma das portas de madeira fiquei olhando o povo passar pela rua estreita de paralelepípedo e me deleitando com um pôr de sol alaranjado, glorioso.

Lembro bem do quartinho extremamente simples que consegui para dormir em Vargem, pequena cidade ainda com ares de São Paulo do café do século XIX. E da névoa fechada na estrada quando parti. A plantação de morangos em Extrema, uns km depois, que nunca tinha visto pessoalmente e demorei para entender o que era. Da parada para o almoço onde tomei seis Coca Colas seguidas para espanto do dono do restaurante. Eu não fazia ideia do que era hidratação. Um pneu estourado perto de Pouso Alegre que troquei no acostamento e joguei fora no mato mesmo, um absurdo que nunca me perdoei. De ver a placa do trevo na Fernão Dias indicando Campanha, Cambuquira, Lambari, “Enfim!”. De meu espanto com a lonjura dali até Campanha, nunca sentida num carro. E a sensação incrível de prazer quando da estradinha de Cambuquira vi a casa de minha prima Sara no topo do morro, onde fiquei descansando uns bons dias. Cambuquira tem águas maravilhosas, e a comidinha mineira... Bons dias.

Uma semana depois segui viagem indo para Caxambu, Passa Quatro, Aparecida do Norte. As manhas eram muito frias, mas a saída de Caxambu em particular foi um dos momentos que mais senti frio na minha vida. Tive que parar uns quilômetros depois porque tinha as mãos completamente congeladas. A estrada era linda, e espero que continue assim, cercada por imensas árvores, num corredor mágico que lembrava uma entrada interminável de grande fazenda de café. Dormi em Passa Quatro, sai com uma manha mais quente, felizmente, e pedalei bem até o topo da serra, que estava com a vista limpa de todo vale do Paraíba, sem uma nuvem, sem névoa, limpa, linda, maravilhosa, distante. Parei e fiquei olhando aquela imensidão por um bom tempo e não parei de admira-la nem quando comecei a descer com a bicicleta. É uma descida veloz, na época era uma estrada de pista nos dois sentidos, e num destes momentos que me perdi na paisagem, fui para a contramão, e só fui me dar conta quando estava muito próximo do radiador de um caminhão. Fração de segundo. Ainda lembro do rosto assustadíssimo dos dois que estavam na cabine do caminhão, que passaram raspando pelo guidão. Não sei como não bati na caçamba de madeira. Eles sequer tocaram a buzina, talvez porque também estivessem perdidos na belíssima paisagem.

Para minha sorte o trecho final, plano, no Vale do Paraíba, foi pedalado com um vento forte nas costas, tão forte que praticamente não tinha que fazer força nos pedais na última marcha da pesada Cruiser. Na Basílica de Aparecida agradeci, pela viagem e pelo diabo não ter me aceitado lá na descida da serra. Ou teria sido intervenção divina? Quem sabe? Agradeci. A Basílica não estava pronta, mas já era uma obra monumental, belíssima, coisa que Aparecida do Norte, a cidade, definitivamente não era (e continua não sendo). Peguei um ônibus e voltei feliz.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

As coivaras na Amazônia, a loucura generalizada, e a situação assustadora

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Alexandre Garcia hoje pela manha falou na Rádio Eldorado sobre o que é realmente queimada, ou coivara, que é o nome correto do que está acontecendo na Amazônia. A explicação de Alexandre Garcia foi a primeira que dá completo sentido aos fatos nesta gritaria generalizada. No meio deste empurra empurra vira e mexe tem aparecido mapas da floresta e o número de pontos marcados como clareiras e ou fogo é assustador. Como diz Alexandre Garcia floresta úmida não queima, portanto o número absurdo de queimadas já era floresta derrubada antes mesmo de Bolsonaro sair atirando para tudo quanto é lado. Aliás, temos muito que agradecer a Bolsonaro porque sem sua boca mole a escala do desastre ambiental não ficaria tão escancarada. No caso da Amazônia Bolsonaro de fato tirou a pasta de dente ambiental do dentifrícia e não dá para colocar de volta, como diria Dilma. 

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Fica claro que no Governo Bolsonaro tem gente que acha que "meio ambiente é uma ameaça ao nosso desenvolvimento sustentável" como também disse Dilma. Pelo menos aos olhos do mundo o Brasil fez avanços na proteção do meio ambiente. Para nós brasileiros que vivemos aqui não é tão fácil acreditar neste discurso porque nosso esgoto continua correndo a céu aberto e é trivial ver áreas de manancial sendo invadidas sem que nada ocorra. Se a Amazônia é nossa e somos responsáveis nos faltou acompanhar o que aconteceu lá, isto para dizer o mínimo.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Nem a educação escapa de roubos e assaltos

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

É difícil acreditar que realmente exista preocupação do poder público com educação quando são tão frequentes as notícias sobre furtos, roubos e até mesmo assaltos em escolas e creches. É impossível e pouco eficiente deixar um policial ou uma viatura em cada escola ou creche, nem é conveniente por diversas razões, mas é possível transformar toda instituição de ensino em alvo intocável para depredadores, ladrões e bandidos. Basta que a reação do poder público seja imediata, inteligente, diligente, incansável até que os responsáveis sejam localizados e encaminhados para um poder judiciário que não deixe qualquer dúvida que educação é território sagrado para todos, sem qualquer discriminação, brasileiros. Até o pior e mais demente bandido sabe onde não pode tocar, quais são seus limites. 


Este texto para o Fórum veio depois de ver que mais uma vez ladrões criaram problemas para uma creche, fato cada dia mais comum. Deprimente.
Outro dia soube que uma pesquisa de década da USP foi arruinada porque roubaram os geradores. Não foi a primeira vez que acontece. A USP foi fechada aos domingos quando ficou absolutamente insuportável a frequência de roubos dentro dos edifícios. Estavam levando de tudo, de computadores a torneiras, em todos edifícios, em todas escolas. 
No mesmo dia que soube do roubo dos geradores funcionários da própria USP falaram sobre porque fecharam a USP para os que treinam ciclismo. Mais uma vez comportamento triste de alguns ciclistas que não é freado pela maioria silenciosa. Perdem todos. A USP espalhou imensas placas com dizeres para ciclistas respeitarem os pedestres. Deprimente. Infelizmente os problemas com os ciclistas não se restringiram só ao conflito com os pedestres. De novo?

Estranho, mas todos querem segurança, mas são poucos os que cobram os outros quando estes cometem pequenas infrações ou incivilidades. Sem atitude generalizada da população nunca teremos a segurança e paz que queremos. É assim em qualquer país civilizado. 

sábado, 24 de agosto de 2019

...no caminho tinha uma pedra...

E não vi a pedra enquanto corria, pedra pequena tenho que dizer, e torci o pé direito e fui para o chão já com dor. Acontece... Ao meu lado um senhor passeava dois cachorros, ele viu tudo e sequer perguntou se eu estava bem. Olhava para o horizonte perdido em sua falta de constrangimento. Nem ele nem o garoto que vinha do outro lado da rua que estava de frente para mim e o tombo. É fato, eu não existo. Tu, ele, nós, vós, eles, todos não existimos. Eu, tu, ele, nós, vós, eles, todos selfie! Olha o sorriso! Click! e se acabou!
"Pula, pula, pula!" gritava o povo em torno do suicida que equilibrando-se sobre a mureta do Viaduto do Chá e olhava com espanto o que ouvia da multidão. Olhava o que ouvia, sim, isto mesmo, faz parte das profundidades do momento utópico do suicídio. Dois policiais a paisana conseguiram segurá-lo pelas pernas, o desceram para a calçada e o encheram de porrada aos gritos "FDP! nós queremos ir para casa e você enchendo o saco da gente!" E a multidão espantada quase saiu para cima dos policias.

"Eu acompanho teus textos e você é incisivo" disse para mim Elcio da Revista Bicicleta. Adorei o complemento, como diriam os americanos. Incisivo, ótima definição. Mas estendido no chão, com uma dor no calcanhar incisiva, meu contexto não despertou interesse em ninguém. A bem da verdade cada vez menos se interessam. Devem estar todos certos. Por outro lado, há a humanidade. Ali estava um corpo estendido no chão, mas nada, e a vida segue.

O Brasil pegou fogo. Ardeu tão quente que até agora sou incapaz de saber se foi pelas fotos ou pela fogueira de São João. De qualquer forma que se danem. Há quem considere as reações e protestos exagerados, que a coisa já foi muito pior. Queimada tem lado ideológico? Deve ter e eu não sei até agora, nem nunca vá saber. "No resto do mundo está tendo queimada..." A meu ver simplesmente não tem que ter queimada seja lá onde quer que seja. Não pode, ponto, aliás, passamos há muito do ponto. 
Unidos venceremos! Até isto foi deixado para trás. Sorria! Selfie! Click! Onde estávamos? Ah, sim, no unidos. Só mais uma, aquela não ficou boa, Selfie! esta está ótima. Onde mesmo? Venceremos. Mas sobre o que estávamos falando?

Não sei mais se tenho o tornozelo ou a cabeça torcida. Provavelmente os dois. Estou sentindo dor sentado num gramado ao lado da ciclovia. As pessoas passam. Querem viver suas vidas. Acharam estranho o dia que se fez noite por causa das queimadas em Mato Grosso, 1.000 kms daqui, mas não estão pouco preocupadas com as queimadas na Amazônia. Estão mais preocupadas com seus direitos individuais, o que dá o grito de alerta sobre Europeus e Americanos invadindo nosso território. Se é nossa amazônia por que não cuidamos dela?
Ciclista passam. Querem pedalar. Talvez eu seja mais um mendigo sujando a paisagem. Nem olham. Querem pedalar. Não importa a cidade, provavelmente sequer consigam entender o que é uma cidade. Tenho certeza que não entendem. Um momento, selfie, esta ficou boa! Sigamos em frente. (será que com este português vão entender?)
Quando mais incisivo, menos interessante, esta é a verdade.
Selfie.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Mais ciclistas morrendo? Como?

Uma série de notícias aponta um aumento nestes últimos seis meses de 69% nas mortes de ciclistas no Município de São Paulo. Numa das reportagens, da Globo, diz "Todas (mortes) em vias sem ciclovias ou ciclofaixas". Noutra reportagem do SPTV, também da Globo, aparece como causas destas mortes acidentes com "ônibus, carro, bicicletas, pedestres". Colisão entre ciclistas e atropelamento de pedestre como causa de morte de ciclista é mais que uma novidade estatística. Ônibus e carros sempre foram declarados pelos cicloativistas como assassinos, agora se deve incluir nesta lista macabra pedestres e, pasmem, bicicletas ou negar a realidade excluindo as bicicletas, o que não seria fora do trivial. Enfim, somos todos iguais. 

Colisão ou incidente entre ciclistas é fato corriqueiro e não é de agora. A liberdade dos ciclistas para fazerem o que bem entendem não tem nenhuma novidade, sempre foi assim, parte por que as informações e a cultura de como conduzir uma bicicleta sempre foram anárquicas, parte pela completa ausência do poder público em promover a educação e a segurança de todos no trânsito, óbvio incluindo ai ciclistas. Eu colocaria mais um fator gerador desta situação fatal: uma engenharia de trânsito quase completamente voltada para a fluidez dos veículos motorizados, o que induz, melhor, não dá outra alternativa a pedestres e ciclistas que inventar caminhos, fazer o que dá na cabeça, e infringir a lei. Nestes pontos acima pode estar a justificativa para várias mortes. Brasil é um dos países campeões mundiais de violência, precisa dizer mais? 

Quanto deste aumento de mortes se deve a acidentes entre ciclistas e atropelamentos de pedestres eu não consegui encontrar. Também não consegui encontrar as causas dos acidentes "todos fora de ciclovias e ciclofaixas". No Infosiga é possível ver um mapa e as localidades, mas não o detalhamento e é justamente o detalhe que importa. Por exemplo, se o ciclista morreu saindo da ciclovia, do outro lado da rua, num ponto de acesso usado por ciclistas e pedestres, mas não sinalizado, para a estatística, também para as autoridades, e principalmente para os leigos, a ciclovia não tem nada a ver com o acidente e a morte. Se o ciclista vinha na contramão distraído no celular e encheu o capo de um carro para muitos o trânsito é que é perigoso e é necessária a construção de mais e mais ciclovias. E aí vai, a ciclovia ainda é a solução para todos males, amém. 

A saber; até mesmo cicloativistas mais aguerridos quando podem estão pedalando fora da ciclovia porque se sentem mais seguros no meio dos carros. Conclua o que bem entender. 

O fato é que aumentar de 14 para 25 ciclistas mortos em acidentes chama atenção, principalmente quando se fala em aumento de 78%, um número alto, 78%. Número bruto sempre impressiona. Isto me lembra aquele livro genial "Como mentir com estatísticas" de Darell Heff, de 1959. Para a verdadeira segurança no trânsito o que realmente importa são as causas precisas dos incidentes e acidentes, sem qualquer sensacionalismo, todos, não só os mortais. 

Ainda segundo a reportagem da Globo número de ciclistas circulando pela cidade aumentou de 304 mil em 2007 para 377 mil em 2017, o que me impressiona pelo crescimento baixo, muito aquém do esperado. Se cresceu só isto as críticas feitas aos 400 km de ciclovias e ao discurso de quanto mais km melhor são mais que pertinentes. 

Terminando: desde que este CTB entrou em vigor fui contra e tentei derrubar a obrigatoriedade da pintura de ciclovias e ciclofaixas, seja vermelha, verde, azul ou qualquer cor. Num país onde não há dinheiro sequer para as coisas essenciais pintar de cabo a rabo é um absurdo. Quis e continuo querendo que se pinte única e exclusivamente, aí com tinta de qualidade e com preço honesto, cruzamentos ou pontos onde seja realmente necessário para a segurança do ciclista, do pedestre e demais condutores. Pintar tudo é ótimo só para político.


Só mais uma coisa: o que se está fazendo com a Globo e seu jornalismo é um nojo. Eles podem ter seus problemas, cometer erros, falar coisas que não gostamos, não concordamos, mas daí chegar ao nível selvagem de críticas que recebe de todos lados é um absurdo. Estranho, mas é a única emissora brasileira que de fato expõe e discute o Brasil real. Sem esta discussão caímos no obscurantismo que nos encontramos e não é de hoje. A Globo toma porrada até de quem foi "beneficiado" por sua programação. Não tenho TV paga, portanto dos quase 20 canais da TV aberta, pelo menos uns 15 tem um forte viés ou são puramente religiosos, ou ainda são canais oficiais da política, o que resumo como tragédia. A diferença de qualidade entre a programação da Globo e da maioria das emissoras é abissal. Infelizmente as TVs educativas, incluindo a Cultura, estão tendo seus orçamentos cortados, uma tragédia. 
A meu ver não só é a matéria da Globo sobre as mortes de ciclistas de São Paulo que tem buracos. Todos têm, principalmente a população que não tem o menor interesse pela verdade. Neste sentido um morto a mais ou a menos é só matéria para notícia

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Mais ciclistas, menos vendas

Não é novidade que as bicicletarias NÃO vão bem das pernas. O negócio em si não é para iniciantes, sempre foi difícil, muito trabalhoso, cheio de manhas, para abnegado ou apaixonado por bicicletas. Mas passar dois meses sem vender uma bicicleta sequer e quase não ter movimento na oficina é uma reclamação que nunca tinha ouvido nestes mais de 40 anos de convívio com bicicletas e afins. A saber, a ancora de sobrevivência das bicicletarias está na oficina que via de regra representa mais de 70% dos lucros. 
Reflexo de um país que vai de mal a pior das pernas? Também, mas não só. Reflexo das bicicletas comunitárias por aplicativo afirmam alguns donos de bicicletarias. Podem até estar certos, afinal se cidadão que só se transportar não faz sentido pedalar a própria bicicleta, um belo investimento que pode ser facilmente roubado. Tem bicicleta própria quem gosta de bicicletas, gosta de pedalar, corre o risco em nome do prazer, e até gosta de passear na bicicletaria só para xeretear. 

Eu não tenho dúvida que o pico de paixão pelas bicicletas que agora arrefece teve um tanto de moda. Nossa! Como foi chique sair pedalando! Nem todos que experimentaram bicicleta acharam tão bacana assim e deixaram de pedalar. Num dos países nórdicos, Dinamarca, se não me falha a memória, uma pesquisa entre usuários da bicicleta apontou que 27% só pedala porque não tem outra opção. É doce ilusão de apaixonado achar que quem experimenta gosta. Nem com sexo é assim, porque seria com a biciclea? Um amigo ponderou que bicicletas por aplicativos que não formam ciclistas e isto afeta vendas. Pode ser, pode não ser, vai lá saber. 

O fato é o seguinte, um dia todas estas maravilhas disponíveis por aplicativos vão ficar mais caras, provavelmente bem mais caras. É óbvio que tudo está subsidiado para ganhar escala. Pegue as Yellow Bikes aqui de São Paulo, pense no preço da bicicleta, da operação, da estrutura de funcionamento, na depredação, será que o preço por viagem cobre? Tem um tempo previsto para zerar a operação e começar a dar lucro, mas com um preço tão baixo quanto tempo levará? Quem aguenta financeiramente um tranco destes? Qual é o cálculo, qual é a ideia? Se é tão importante para a questão de mobilidade das cidades por que nós, população, não sabemos como funciona de fato? Não se trata de transporte público? Com tudo que acontece nos transportes de massa, caixa de pandora na vida da cidade, agora vamos ter mais uma caixa de pandora gerada por aplicativos? É transporte público e deveria ter números públicos. Afinal, fora as vendas de bicicletas, quanto está custando para a população estas bicicletas públicas. 

Uma matéria da revista Time sobre o aumento do custo para os usuários das bicicletas elétricas públicas em São Francisco, Califórnia, dá o sinal de alerta, ou de partida, para esta mudança de precificação destes serviços de aplicativos. Bem-vindos a realidade. 

É óbvio que quando estas mobilidades por aplicativos alcançarem um nível que se tornem indispensáveis o preço vai mudar. Fez, faz e fará parte de qualquer negócio, pela eternidade, amém. A era digital não escapa desta lógica. A quase gratuidade viciante começou a desaparecer. Aliás, não só a gratuidade, a privacidade também, mas esta é outra história. 

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Situação de emergência: ações corretas

Esta mensagem recebida pelo Whatsapp é um alerta necessário e fez com que me lembrasse do que aprendi sobre situações de emergência.

Aviso do SAMU

A Equipe das ambulâncias de emergências médicas percebeu que, muitas vezes, nos acidentes da estrada, os feridos têm um celular consigo. No entanto, na hora de intervir com estes doentes, não sabem qual a pessoa a contatar na longa lista de telefones existentes no celular do acidentado. Para tal, o SAMU lança a ideia de que todas pessoas acrescentem, na longa lista de contatos, o NUMERO DA PESSOA a contatar em caso de emergência. Tal deverá ser feito da seguinte forma: 'AA Emergência' (as letras AA são que apareça sempre este contato em primeiro lugar na lista de contatos). É simples, não custa nada e pode ajudar muito ao SAMU, ou a quem nos ajuda, a nos ajudar. Se lhe parecer correta a proposta que lhe fazemos, passe esta mensagem a todos os seus amigos, familiares e conhecidos. É tão somente mais um dado que registramos no nosso celular e que pode ser a nossa salvação. Por favor, não destrua esta mensagem! Reenvie a quem possa dar-lhe uma boa utilidade.

JOSIANE TROCATTI
Coordenadora Administrativa 
SAMU - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência 

OBS.: Repassem. Afinal trata-se de uma informação de muita utilidade.

Todo celular tem uma função telefone de emergência que não depende do desbloqueio do celular.
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Bem no começo do mountain bike, em 1989 ou 1990, o HU da USP deu um curso sobre primeiros socorros para nós, ciclistas. Não lembro nada do que foi dado, mas lembro perfeitamente do fechamento quando se reuniram todos os palestrantes a nossa frente, agradeceram nossa presença, e para fechar um deles perguntou ao pequeno e interessado público o que tínhamos aprendido? Veio uma resposta daqui, outra dali, mais outra, e quando terminamos o palestrante deu a fala final para não deixar qualquer dúvida: "Quando tiver uma emergência não faça nada, não toque na vítima, chame um médico (socorrista)". Nada mais sensato. É impossível gravar informação tão detalhada e precisa em um simples curso.

Lá por 2007 fui convidado a dar uma palestra para socorristas (de estradas) em Araçatuba, que acabou sendo uma das experiências mais ricas de minha vida. Fui alojado no alojamento dos socorristas, onde tomei café da manhã, almocei e jantei com eles ouvindo e aprendendo muito sobre acidentes e os cuidados para se resgatar ou salvar vidas. Definitivamente não é para qualquer um.
Muito tempo depois um amigo, Álvaro, que foi médico de urgência e emergência, me deu a cronologia correta para situações de emergência:
  1. Socorrista é quem está habilitado para fazer o primeiro atendimento. Esta primeira etapa tem procedimentos muito específicos e é crucial para o bom resultado do tratamento do paciente. 
  2. médico de urgência ou emergência recebe o paciente do socorrista no PA (Pronto Atendimento, o velho Pronto Socorro) e dá continuidade ao tratamento. 
  3. só depois de passar por estes dois estágios e quando chegar ao hospital propriamente dito é que o paciente vai ser tratado por um corpo médico que como leigo chamo de normal, incluindo ai especialistas em UTI (se for o caso), que não é emergência, mas Unidade de Tratamento Intensivo.
  4. Auxiliares e enfermeiras têm treinamento específico para cada estágio de atendimento
Quebrar esta ordem pode resultar em mais problemas ou mesmo a morte do acidentado.
Quer ajudar?
  1. Chame os socorristas o mais rápido possível.
  2. passe as informações pedidas com calma e precisão
  3. caso necessário ou faça sombra ou cubra o corpo se a temperatura for baixa.
  4. não toque nem deixe que toquem no acidentado
  5. se possível facilite a chegada da ambulância ou Corpo de Bombeiros
  6. mantenha todos longe do acidentado e da ambulância enquanto os socorristas dão atendimento.
  7. pergunte aos socorristas se precisam de algo e se querem que você faça a chamada de emergência
Um tempo depois do curso no HU da USP teve uma etapa do Campeonato Brasileiro de Mountain Bike. No sprint da largada do feminino profissional a sapatilha da ciclista que estava na ponta soltou do pedal e ela capotou muito feio de frente, batendo a cabeça e apagando exatamente na minha frente.  Passado o pelotão corremos eu, um médico e um dos papas da Federação de Ciclismo para ela, o médico se apresentou e quis muda-la de posição para transporta-la para um hospital de qualquer jeito. O cara da Federação queria fazer o mesmo. Impedi que tocassem nela quase fui agredido pelos dois, com o médico aos berros na minha orelha "Sou médico, sou médico, sai daí" e o cara da Federação urrando que se ela morresse eu seria responsável. Rapidamente chegou a ambulância com os socorristas, que imediatamente afastaram o médico meio que a força. Continuei protegendo a acidentada e só ai veio o socorrista e com calma disse "Deixa com a gente. Parabéns pela atitude". Até hoje me emociona esta história porque muito tempo depois vieram me contar que a ciclista só sobreviveu e não ficou paraplégica porque foi manipulada corretamente, o que só um socorrista sabe fazer. 

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Uma viagem de automóvel para mudar minha história

Um dia voltei de Cambuquira, sul de Minas, para São Paulo, de carona com um primo e seu fusquinha 1300 vermelho, novo, todo original, brilhando e limpérrimo. Não me lembro exatamente a data, mas deve ter sido lá por 1975. Foi a viagem que mudou da água para o vinho, e dos bons, meu entendimento sobre como usar um carro, como fazer uma viagem e aproveitar a paisagem. Ele dirigiu a viagem inteira com uma técnica primorosa e dentro dos limites de velocidade da estrada, portanto devagar, bem devagar. Na época os limites de velocidade eram bem mais baixos que os de hoje, a fiscalização era pouca, e o pessoal sentava o pau, como se dizia então. Mas meu primo freava com suavidade, reduzia as marchas com perfeição fazendo punta-taco sem tranco, tangenciava, acelerava mantendo velocidade constante; pilotagem invejável. Os primeiros quilômetros depois de Cambuquira pensei que iria ficar maluco porque ele não desembestava, mas aos poucos fui entrando no ritmo e adorando a paisagem, a conversa, o passeio, o sentir-me completamente seguro, a rica paisagem verde. Na época dirigiam numa competição generalizada para ver quem chegava mais rápido, quem era melhor no volante, quem era o bom, incluindo aí eu próprio que adorava velocidade e perigo. Até aquele momento para mim quanto mais loucura melhor, foco na próxima curva, na aproximação, na freada, a tangência, ultrapassagem, deixar o da frente para trás, coisas de corridas, de pista, de pilotos profissionais. Passados uns 30 km dentro do fusquinha vermelho, um pouco depois de Campanha e próximo a rodovia Fernão Dias, descobri que em torno existia vida, muita vida, muita beleza. Quando chegamos em São Paulo desci do carro maravilhado com o que tinha acontecido, uma viagem um pouco mais demorada, mas plena. Descobri e amei a outra possibilidade que o carro oferece: ter liberdade e poder ver a paisagem que existe além do asfalto com calma e viver.

E a partir desta viagem as estradas nunca mais foram as mesmas. Olho a paisagem com vontade de parar em cada canto. Numa das minhas primeiras viagens de carro para Buenos Aires com meu avô, Arturo Raul, paramos no início da Serra do Café num posto de gasolina que não existe mais, mas que ficava na primeira descida longa entre o asfalto e um córrego com floresta ao fundo. Lá tirei uma foto 4X4 PB com uma Kodak Brownie que foi revelada e sempre esteve por perto como um prenuncio do que me transformaria. Não sei onde a foto em papel está, mas a imagem está vivíssima em mim até hoje, assim como outros pontos das estradas que passei.

sábado, 10 de agosto de 2019

Pedalar as estradas conurbadas ou a periferia

Acabei fugindo de São Paulo e de meus problemas antes que estourasse. Peguei a bicicleta e fui mais uma vez para Sorocaba pedalando. Em vez de pegar a Rodovia Castelo Branco, fui pedalando por dentro, na avenida quase plana que acompanha a linha do trem que passa por Osasco, Barueri, Jandira, Itapevi, última estação da CPTM, chegando até Mailasqui. Dali para frente mais 38 km até Sorocaba pedalando pelo ótimo acostamento deste trecho verde e tranquilo da Raposo Tavares. Muito melhor e mais tranquilo que imaginava. Quem me fez descobrir este caminho foi o Google Maps. Já conhecia parte do trajeto até o Shopping Barueri pela av. Altino Arantes, de onde se tem aceso à rodovia Castelo Branco, evitando sua área mais conurbada e sem acostamento, muito perigosa para ciclistas. A um milhão de anos fui pedalando para Bom Jesus do Pirapora pela Castelo, mas então era uma simples rodovia moderna com acostamento; não esta loucura de mil pistas e correria sem parar de hoje. Só depois de Santana do Parnaíba a Castelo volta a ser uma estrada normal e é possível pedalar num acostamento descente e seguro. O caminho que fiz desta vez é por , portanto tem carro, ônibus, caminhão, não tem acostamento, mas tem espaço para o pessoal desviar, e desviam, e o asfalto é limpo, sem restos de pneus de caminhão que furam pneus, o que é uma grande vantagem. 

Medão! Talvez não sem razão nós que vivemos no oásis da área central de São Paulo, o Centro Expandido, tenhamos medo de ir para a periferia. Num passado distante não tinha medo, hoje tenho. "Será que serei assaltado?" eis o medão. Pensando racionalmente e lembrando o que me ensinaram - assaltante vai onde tem muita mercadoria (bicicletas e ciclistas) para assaltar; não fica esperando que passe um trouxa sabe-se lá quando - a possibilidade de ser assaltado enquanto cruzo a periferia é bem menor que ficar pedalando próximo da USP, por exemplo. Cruzei a periferia sem qualquer problema.

A pergunta que me fazem é porque não pegar um carro e começar o pedal onde a estrada é mais tranquila. Primeiro porque não tenho carro. Segundo porque estas estradas que hoje estão conurbadas e viraram avenidas fazem parte da minha infância e juventude. Passar por elas era sempre a certeza de um grande prazer, tanto pela paisagem quanto pelo que me esperava no fim da viagem. E finalmente, se quero construir uma cidade melhor tenho que entender sua verdade. Estradas conurbadas são as principais artérias da vida da cidade e hoje estão entupidas, maltratadas, perdendo sua função, com futuro incerto, qualquer que seja ele. Por que não ir lá em bicicleta para ver com calma como realmente estão e aí pensar, ou sonhar, o que se pode fazer para melhora-las? "É muito perigoso, muito tenso!" podem dizer, mas acho menos tenso e perigoso que pedalar numa ciclovia lotada em horário de pico aqui, em Londres, Munique ou Amsterdam, por exemplo. "É feio!", sim, é feio, mas é a realidade, ou melhor, está assim, não precisa ficar assim. "Tudo tem jeito, basta querer e realizar" repetia minha velhinha mãe. Estradas conurbadas são o cartão de visita e as boas vindas de qualquer cidade. Que cidade você quer? O que você sente na volta para casa quando chega de viagem internacional no GRU?

Não, não estou estimulando ninguém para sair pedalando em estrada conurbada como a Dutra, Castelo, Anhanguera, Raposo Tavares, de todas talvez a mais complicada. Quero deixar um pingo de curiosidade sobre como sair pedalando de São Paulo para o interior. Será que a única alternativa é o caminho dos carros? Minha resposta é negativa, não, não é. Tem caminho alternativo, tem trecho que dá para pedalar na conurbada, desmistificando dá para ir. Um mundo de ciclistas trabalhadores vão; por que nós não podemos ir?

A próxima vez vou repetir, depois de décadas, ir pela Estrada dos Romeiros, ou, Santana do Parnaíba, Bom Jesus do Pirapora, Cabreúva, Itu, Sorocaba, viagem de dois dias, um até Itu e os pasteis maravilhosos da Lanchonete Tonilu, ao lado da igreja Matriz, durmo, e dia seguinte sigo para Sorocaba, talvez pela estrada velha, sem Castelinho. 

Sair pedalando de São Paulo é um outro babado.