quarta-feira, 28 de maio de 2014

Mais um vez, Parabéns Brasil!

Acabo de ouvir mais uma boa notícia (http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/ 28/05/2014 Alexandre Garcia) deste país do nunca antes, o país sem pobreza: O número de mortes violentas no Brasil cresceu mais uns 7% e chegamos a mais de 56 mil mortes por ano, ou 154 mortes violentas por dia. Não coloque trânsito ai por que é outra estatística, outro babado. É lógico que este número é oficial, oficial de 2012. Pelo que temos visto no País da Copa é de supor que tenha piorado. Muito provavelmente ai não deve entrar o ‘mais 30 e mais 60’ dias das mortes em hospital causadas por ato violento, que é usado nas estatísticas internacionais, mas não aqui, o que engrossaria mais ainda estes números, segundo especialistas com mais algo em torno de 35%, o que elevaria para umas 73 mil mortes violentas/ano. Sem dúvida muito eficiente; eles estão conseguindo exterminar a pobreza do país.
Os números que temos são de guerra civil. Perdão; os números que temos são piores que os de uma guerra civil, como está mais que provado. Chegamos ao ponto em que seria bom se fosse guerra civil por que estaria claro quem luta contra quem e quais são suas posições, o que permite traçar um plano de acordo, uma saída. Não é o caso deste Brasil de hoje.
A tentativa de mudar o centro de gravidade do caráter nacional tupiniquim, de boa ou má fé, que para mim foi intencional de má fé, trouxe a tona o pior do caráter brasileiro: ódio, raiva, vingança, desrespeito, os coitadinhos, esmola, bandido, o vale tudo, o individualismo acerbado, o só eu tenho direito, afogando o bom lado do jeitinho brasileiro, cordial, alegre, esperto, capaz, trabalhador, até malandro, que construiu de fato a riqueza deste país. Violento o Brasil sempre foi, mas nunca nesta escala de barbárie.
Se o erro de estratégia foi de boa fé, o que duvido, a ação foi de uma burrice sem tamanho e os resultados estão ai. E a sociedade brasileira está cagando e andando para as 154 mortes violentas/dia. Estes números vão ainda crescer muito e não sei quando se vai conseguir reverte-los, mas vai demorar.
Minta, minta sempre e persistentemente, que um dia a mentira se transformará na verdade. Brasil, um país de.... (escolha sua opção)
Temos saída. Talvez. Talvez. Com pequenos passos. A bicicleta pode ajudar muito, mas para isto os ciclistas precisam mudar radicalmente o discurso e voltar à realidade, virarem cidadãos. Ciclista não está no meio de uma guerra, motorista não é assassino... Se pensa assim, aprende pedalar que cura. Bicicleta é da paz e do bem, como todas estatísticas mundiais provam. O que se fez com imagem da bicicleta no Brasil nestes últimos anos é um crime, ou melhor, uma burrice sem tamanho.

Violência não se para com violência, mas com paz. 

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Para onde vamos (com estes 15 segundos de fama)?

Não consigo entrar dentro deste turbilhão das redes sociais. Tive e continuo tendo dificuldades no mundo da Internet. É muita coisa junta, um belo atoleiro. Não sei tirar bom proveito. Olho para as pessoas ao meu redor e sinto que até os mais articulados neste cosmos tem um buraco negro de inteligências que se perdem para o outro lado, o desconhecido, num suposto vazio, aonde ninguém sabe o que é e o que dará.
Estamos num vazio. De tão cheio.  
Esta loucura de viver sempre acelerado, sem nunca perder tempo, lembra Joseph Goebbels, Ministro da Comunicação de Hitler, que tinha como princípio da propaganda nazista algo como “minta, minta sempre e persistentemente, que um dia a mentira se transformará em realidade”.  Viva, viva sempre e persistentemente, que uma hora a vida se transformará em realidade. Assim como nos contos de fada!
“Prefiro ser uma metamorfose ambulante” escrita por Raul Seixas comete um pequeno erro. Somos inevitavelmente uma metamorfose ambulante. “O tempo não para” não parou para Cazuza e não para para ninguém. Os pensamentos mudam, tem uma dinâmica surpreendente que não podemos controlar. As palavras podem parecer continuar as mesmas, mas a metamorfose do pensamento não.
O natural é fazer a digestão dos pensamentos, deixa-los passar pelo intestino e ai obrar. Pelo menos para ter algum foco. Faz-se hoje como pato caipira: cada passo uma cagada. É a maravilhosa dinâmica pop dos 15 minutos de sucesso preconizado por Andy Warhol, hoje, nas redes sociais, sucesso dos 15 segundos, se tanto. Seria ótimo adubo não fosse o excesso de acidez.
Esta nova revolução tem um ganho semelhante ao do surgimento das fotografias, principalmente a partir da máquina fotográfica popular da Kodak, a caixotinho de antes de 1900, que começou a mostrar a face real dos habitantes deste planeta numa escala sem precedentes. Mas são imagens, algumas fortes, não realidade. Internet e redes sócias mostram o “espírito” das pessoas. Mas, de novo, não a realidade. Tal como numa foto a rede social mostra o ser, estar, dentro da perspectiva do autor e autor.
Felizmente não estou ficando esquizofrênico nem paranoico, pelo menos não sozinho. Tem um montão de gente mais instruída e esclarecida que também não está entendo nada. Para onde estamos indo? Não faço ideia. Só sei que nunca vi uma baderna tão grande como a que vivemos hoje. Não adianta falar nada com a maioria. Cada um tem sua verdade limítrofe ao ortodoxo.
No meio desta baderna restará a bicicleta, com seu silêncio e consequente distanciamento (http://escoladebicicleta.blogspot.com.br/2014/05/bicicleta-silencio-e-distanciamento.html).  Podes crer! Poderia aqui contar um pouco da importância de ter uma bicicleta num cenário real de guerra, mas isto é uma outra história; e que história!
Recomendo assistir o programa Painel deste domingo, 25 de Maio:
http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-painel/v/globonews-painel-discute-possivel-perda-de-sentido-de-ordem-do-brasil/3369433/
Também recomendo a leitura de "Seres sem rumo", de José Souza Martins, pulicado no Aliás, O Estado de São Paulo, de Domingo, 11 de Maio de 2014. Achei!!! http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,seres-sem-rumo,1164950,0.htm 

Bicicleta, silêncio e distanciamento

Começamos a conversar sobre a máquina de fotografia dele. Daniel disse que a fotógrafa era da mulher, fotógrafa profissional. Ele olhou para a roda dianteira de minha bicicleta encostada na parede. “Tirei a roda para diminuir o risco de roubo. É alto por ali, próximo ao Teatro Municipal”. Daniel emendou contando que também pedalava e que usava a bicicleta para ir ao trabalho.
- Não pedalo faz tempo. De minha casa para o trabalho dá uns 30 minutos pedalando no caminho mais rápido.
- Por avenidas?
- Por avenidas. Quase não tem caminho alternativo. E se eu fosse por dentro dos bairros iria gastar uns 10 minutos a mais. Se juntar ida e volta dá 20 minutos a mais por dia e isto dá 2 horas e 20 minutos por semana. É muito tempo perdido.
- Não é tempo perdido, é tempo ganho; tempo para pensar, para relaxar.
- Eu não posso perder este tempo...
- Uma regra importante para administração de trabalho diz que se você não tem tempo é por que não está fazendo as coisas direito, não está trabalhando direito. Ter tempo, ficar em silêncio, guardar distância, melhora a qualidade do trabalho, da criação, do pensar, da vida. Silêncio faz milagres.
- E como fica meu fone de ouvido? perguntou ele. E eu ri.
Desacelerar não é um processo simples. Vivemos um círculo vicioso constante, difícil de ser percebido. Parar de girar no próprio rabo não é fácil. Por exemplo, sair da cidade grande e chegar de fato no campo ou praia demanda um tempo. Mudar de ambiente não significa necessariamente desligar. Dependendo do nível que se está conectado, da rotação em torno do rabo, é praticamente impossível desligar, dar-se um tempo, ter silêncio.
Somos seres biológicos, temos uma dinâmica própria das funções biológicas. Disto é impossível desligar, mesmo com um boa Internet. Temos também uma capacidade incrível de adaptação, para o bem e para o mal. Nos dias de hoje mais para o que nos faz mal. Dar um tempo, desacelerar, ficar em silêncio e, para clarear as ideias, o distanciamento da agitação faz bem, é biologicamente, clinicamente necessário. Este é um dos milagres que a bicicleta oferece, basta saber usar.
- E como fica meu fone de ouvido? (Eu recomendo, para manter-se vivo no trânsito, não usar fones...)

Entende de fato o espírito da bicicleta quem passa a pedalar em silêncio, com um giro e cadência de pedal que coloque coração e respiração, e com isto pensamentos, numa frequência baixa, calma, com um distanciamento crítico da vida no entorno, quase em estado de meditação. É quando a bicicleta faz seu pequeno milagre nos devolvendo à vida. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

A importância da bicicleta para a vida das mulheres

Primeiro o link: http://msmagazine.com/blog/2014/05/07/wheels-of-change-the-bicycle-and-womens-rights/ para a versão original do excelente texto de Sara Nipper. Abaixo publico a versão traduzida pelo Google. 
Mais uma vez fica claro que a história da bicicleta precisa ser revista e aprofundada. Alguns textos publicados recentemente, como este de Sara Nipper, indicam que a bibliografia existente, principalmente a vendida em livrarias, peca pela paixão e consequente pouco rigor histórico de seus autores. Não se deve descartar o material existente, mas se faz necessário tomar cuidado com as conclusão dali tiradas.
O que não resta dúvida é que a bicicleta teve e continua tendo uma importância grande na vida das mulheres. 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

passeio pelo rio Pinheiros



Meu bom amigo Tobias apareceu em casa, próximo a Estação Metro CPTM Pinheiros, com duas bicicletas. Ia leva-las sozinho para sua casa no Brooklin, empurrando uma e pedalando a outra por uns 8 quilômetros. Naquele final de tarde, início de horário de pico, seria cansativo, uma chatice. Por que não ajudar o velho amigo e ainda pedalar um pouco? A pedido dele fomos pedalando pela ciclovia do Pinheiros. Entramos na Ponte Cidade Universitária e saímos pelo ponto mais viável, a Estação Vila Olímpia. A longa ciclovia pintada sobre a via de serviço da CPTM tem poucos acessos. Passarelas custam caro, muito caro. Não se pode dizer que seja uma ciclovia de transporte, tanto pelo pequeno número de acessos quanto pela distância da ciclovia para os trajetos espontâneos e necessários para a maioria dos ciclistas, normalmente praticados no. Não faz sentido sair do interno de bairro, pedalar uns 500 metros, subir escada, cruzar uma longa passarela empurrando a bicicleta, descer escada para só então poder pedalar na ciclovia. E quantos ciclistas tem sua origem / destino nas áreas próximas ao rio? A maioria usa a bicicleta para distâncias de uns 4 km, um pouco mais longas numa cidade em colapso como São Paulo. São poucos os que pedalam mais longas e que encontram vantagem em fazer toda a ginástica obrigatória para seguir pedalar nesta ciclovia. A maioria continua optando por pedalar no meio do trânsito absurdo da Marginal Pinheiros que corre em paralelo.

A ciclovia do rio Pinheiros é e provavelmente continuará sendo uma ciclovia de lazer e treinamento. Talvez se consiga melhorar o índice de transporte, mas não creio que será significativo.
Nunca havia pedalado nela durante a semana. Passam uns poucos gatos pingados, quase todos treinando. O cheiro horrível das águas é duro de aguentar, mas pedalar ali sozinho acaba sendo divertido. A paisagem é agradável, com um pouco de verde e os prédios ao fundo. As pontes, como a maioria das obras de engenharia no Brasil, são feias e muito maltratadas. O trem passando me faz bem, remete a minha infância. Eu esperava ver passageiros olhando com inveja para nós ciclistas, mas já se acostumaram e não dão mais bola. Estão todos cansados e querem chegar em casa; ponto!
Faz um bom tempo encontrei ali um outro amigo, Fábio, que me contou que com a ciclovia deram um tiro na bicicleta e acertaram a qualidade da água. A pressão para a melhoria da condição ambiental do rio Pinheiros aumentou muitíssimo mais que do que esperavam. Bravo! Ótimo!
Chegamos no Brooklin deixei o Tobias com as duas bicicletas e voltei para casa de trem da CPTM. Melhor que esperava, mas a linha, e principalmente a Estação Pinheiros, estão a cada dia mais carregadas, já no limite. Disse o funcionário que o que eu estava vendo não era nada.
Fui contra a criação da ciclovia rio Pinheiro por que com o mesmo investimento se poderia ter feito muito na organização da bicicleta dentro da cidade. E fui a favor por que urge recuperar nossos rios e córregos, o que inclui o entorno, a mata ou no mínimo a vegetação ciliar. Água é o principal bem. Quem fala tanto em petróleo não sabe o que está falando. Brasil (e o planeta) precisa de água limpa e potável. Ou morremos todos.
Veja fotos no http://arturoalcortapaulistano.blogspot.com.br/

quinta-feira, 8 de maio de 2014

democracia e rede social

Neste ano, 2014, o planeta vai alcançar a marca de um celular por habitante. Como? Seremos então mais democráticos? Pelo que dizem por ai, sim, seremos. Eu acho que não. Seremos simplesmente os mesmos, mas agora com um celular próprio à disposição. “Alô, mamãe?” Lembre-se que tá cheio de usuário de celular que não sabe bem porque nem para que tem aquela coisa; gente assim tipo eu.
Não fosse a rádio, o telefone e a TV, já populares na Europa e Estados Unidos, é muito provável que a revolução pop, dos Beatles e sociedade, não tivesse acontecido. E foi uma puta revolução social! Aliás, não se esqueçam do pequeno detalhe chamado Segunda Guerra Mundial, findo na Europa 20 anos. A comunicação foi só uma ferramenta para transbordar ansiedades. Ficamos então mais democráticos? Sim, um pequeno passo a frente.
Como em 1969, num lugar no meio do nada, se conseguiu reunir 500.000 pessoas no Festival de Woodstock? Como funcionava a rede social da época? Como a notícia se espalhou? Foram 4 dias de música, zero de violência, praticamente zero de emergências médicas, quase um milagre tendo em vista as condições caóticas do local. Foi a apoteose do movimento hippie e sua proposta de liberdade completa. Teria sido os 4 dias de democracia plena sonhada pela nova geração de hoje?
Outro dia um jornalista que estava preparando uma matéria sobre pedalar em São Paulo saiu com esta: “A Ciclo Faixa de Domingo foi criada por pressão dos ciclistas”. Bate com alguns garotos que vieram dizer (meio que apontando o dedo) que “antes (do que não sei) o processo da bicicleta não era democrático e que não ninguém era chamado para reuniões”. Interessante ouvir estas versões. Participava das reuniões quem se interessasse, que eram poucos na época. Esta nova geração ainda não havia vindo à tona, não estava consciente, organizada ou afins. Quem esteve lá sabe que a Ciclo Faixa de Domingo foi criada por vontade do Walter Feldman, Secretário de Esportes do Município, com total apoio de Serra e boa parte dos Secretários, em especial Eduardo Jorge (SVMA) e Stela Goldstein (Chefe de Gabinete), e não por pressão dos ciclistas, que então era pequena. A Ciclo Faixa de Domingo foi resultado do cabo de força entre o irritado primeiro escalão do Governo Serra e a CET SP que negava constantemente a aprovação de todos projetos ligados à bicicleta. Foi goela abaixo. Todos, prefeitura, ciclistas e até a CET, sabiam que havia uma grande demanda reprimida, mas ninguém sabia ao certo o que aquele projeto iria dar. Enfim, não foi um processo “democrático”, pelo menos no sentido que se diz por ai, mas o resultado é a criação de massa de ciclistas que hoje faz uma pressão democrática.
Eu tenho esperança e acredito em boa parte desta nova geração, mesmo que muito deles usem de maneira pecaminosa o termo democracia. Fazer o que, muitos realmente acreditam que as redes sociais são mais democráticas do que tudo que existia antes e que vão fazer toda diferença. Será? A história diz que não é bem assim. Rede social não muda a formação intelectual, a herança genética e o caráter de quem está nela. Como o livro não mudou. Assim como, muito antes do livro, a transmissão oral da cultura.
Não é a ferramenta, é a qualidade que nos fará mais democráticos. Qualidade!

Estão pensando que se joga críquete com borduna. (“Não usa esta frase por que vai ter gente que não sabe o que é borduna e muito menos críquete”). 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

versões da história

Menina pedalando uma 10 clássica prata, 20 e poucos anos de magreza, beleza e rosto variando do enfadonho para o mal humorado, fone de ouvido, olhar fixo e perdido para a rua à frente, talvez perdida em algum pensamento. A paisagem passa no ritmo da música escolhido por ela. Do passado restarão imagens criadas, particulares, um mundo muito particular.
Um dia cheguei num jantar de família e todos já estavam com a macaca, prontos para provocar, debochar e rir. Cumprimentei todos, sentei e um primo, gente finíssima, perguntou se eu tinha ido de bicicleta e sem querer meteu fogo no circo. Virei mico de circo de cavalinho. Até servirem o jantar, um longo tempo de gozações sobre a minha opção. Aconteceu lá por 1980, quando só um pequeno punhado da classe média usava a bicicleta. Gente normal ia de carro.
Uma década depois, já com o mountain bike na moda, jantando com as mesmas pessoas da família, entrei, cumprimentei todos e sentei. E o mesmo primo de antes virou-se para mim, ai com seriedade e respeito, e disse: “Comprei uma mountain bike. É muito legal...” E antes que ele terminasse eu cai na gargalhada... e infelizmente ele se ofendeu.
Viver a história é uma coisa. Saber contar a verdadeira história, com isenção e justiça é outra, sábia.
O pai está deprimido por conta dos problemas da relação muito deteriorada com os filhos. Foi bom pai, mas com um temperamento muito difícil, sempre fazendo coisas do arco da velha, impróprias, muitas delas realmente grosseiras. Os filhos têm muitas razões para querer vê-lo longe, o que faz que não consigam ver que se hoje eles têm um futuro é principalmente pelo que o pai foi e fez. A cada encontro, hoje raros, a conversa acaba caindo na armadilha da raiva, do ressentimento, da versão individual da história de cada um.
“O tempo diz tudo a todos”, repetia minha mãe. E completava “Não guarde suas raivas, seus ódios; não vale a pena”.
A Escola de Bicicleta teve que mudar o início do texto sobre a história da bicicleta. Infelizmente passou batido que ainda estava no ar alguns parágrafos citando o desenho da bicicleta de Da Vinci como o marco da invenção da bicicleta. Não é! O desenho, tão divulgado e conhecido por todos, é obra de um monge que queria notoriedade, nada mais. Da Vinci seguirá sendo o inventor da bicicleta.
Há pouco interesse... Melhor, é difícil desfazer uma versão estabelecida da história. E dependendo da necessidade a história real, com olhar sobre todos pontos de vista, sobre a dinâmica dos fatos, as individualidades, o ambiente...
Yn-Yang!
Na TV, como sempre, um banho de sangue. Olho por olho, dente por dente. Mais uma mulher linchada e morta; uma bala perdida; um assassinato...
Logo depois, no jantar, uma discussão sobre política, praticamente olho por olho, dente por dente, aos passos da procissão da comissão da verdade.
Pela janela da sala de jantar olho para fora. Lá em baixo passa pela rua um ciclista piscando suas luzes. Que música estará ouvindo?

sexta-feira, 2 de maio de 2014

tenho medo de ciclovia - uma experiencia em Santos

Meu nível de tensão numa ciclovia, especialmente nas de mão dupla, é grande. Me sinto muito mais cômodo pedalando no meio dos carros. Para mim é uma situação muito mais previsível, controlável. Sei quem é motorista e quais suas reações. Sigo em linha reta pela rua, faço movimentos suaves e previsíveis para desviar de obstáculos, sinalizo minhas mudanças de direção ou velocidade no momento certo, sou cordial, e não fico olhando para trás na espera de ser atropelado a cada instante. Ninguém quer chegar a casa com o capo do carro amassado. Custa caro!
Numa ciclovia estou no meio de ciclistas que se imaginam pedalando no Velozes e Furiosos, gente com o farol dianteiro em pisca-pisca apontado para meu olho, entregadores com bicicletas carregadas e sem freio, ciclistas ineptos, bicicletas caindo aos pedaços, sem freios, além de uma grande quantidade de ciclistas pouco cordiais que parecem pedalar com o Rei na barriga. Mais ainda, a maioria ainda acha que ciclovia é um direito individual e prazer particular. Tenho certeza que minha neurose navega no mesmo universo paralelo, mas na contramão dos que acreditam que todo motorista é um assassino em potencial. Tenho medo é destes ciclistas que acabam de descobrir a bicicleta.
No SESC Santos levamos um passeio com um pouco mais de 30 ciclistas, na verdade corredores a pé que também pedalam, mas tem pouca prática com o trânsito normal. Saímos do SESC, que fica próximo a Ponta da Praia, e fomos por ruas um pouco mais movimentadas do que eu esperava até o Centro. As reações de pedalar no meio do trânsito foram interessantes, desde uma ciclista que quase surtou ao pedalar com ônibus passando, até um novato que fez um emocionado e emocionante elogio a experiência. Felizmente a maioria gostou, mesmo achando um pouco mais emocionante que o previsto.
Santos, que está com um trânsito muito mais carregado do que eu poderia esperar (mudou muito em menos de 3 anos) tem ciclovias que são consideradas pelos próprios santistas como estreitas e carregadas, algumas muito estreitas e bem perigosas. A da praia, a preferida por todos, tem uma paisagem muito agradável, é muito usada, mas o pessoal diz os acidentes entre ciclistas são frequentes. Eu não duvido. Por ela passa de tudo: homens, mulheres, crianças, idosos bons de pedal, ostras com paralisia mental, pranchas de surf, bicicletas cargueiras, televisão, ventilador, barraquinhas aos montes, isopores de todo tamanho com bebidas ou quitutes, dois ciclistas numa bicicleta, corredores a pé, triatletas, bicicletas elétricas, gostosas com bunda e peitos ao vento, tatuagens pedalantes.... O zoológico é bem divertido, mas um pouco tenso de ser pedalado.
Quando se vai para onde não há ciclovia o trânsito no geral respeita, mas há mais carros e motos circulando em alta velocidade do que seria civilizado, principalmente nas ruas estreitas do interno de bairro. Para um ciclista experiente não é problema, mas para quem é inseguro e pedala como mula manca não é o mais estimulante dos ambientes. Para eles a ciclovia é muito melhor, é o que dizem.
Voltamos pela ciclovia da av. Ana Costa, que é no canteiro central, a beira do meio fio e se tiver 80 cm de largura tem muito. Os carros passam esquentando a orelha. Ok, pedalar pela avenida tem carro virando à direita, porta abrindo, ônibus parando no ponto... Canteiro central e ciclovia é mais tranquilo.
O pessoal do passeio do SESC Santos contou que quando estão pedalando onde não tem ciclovia é muito comum os motoristas abrirem a janela e gritarem que lugar de ciclista é na ciclovia, que eles têm que sair da rua. Em todos estes meus anos nunca imaginei que ciclovias criariam mais este problema. Eu já sabia que os cruzamentos são perigosos para o ciclista que pedala na ciclovia por que ele pedala fora do campo de visão dos motoristas e de repente aparece na esquina. Acidentes nesta situação são comuns. Também sabia dos acidentes entre ciclistas, principalmente as colisões frontais, duras, que machucam feio. E ainda tem o conflito com pedestres cruzando a ciclovia, talvez o problema mais sério. Mas não poderia imaginar que a existência de uma ciclovia a três, quatro quarteirões de distância fizesse o trânsito hostilizar o ciclista que pedala na rua.
O que estraga a vida do ciclista é a imagem simplista que se tem da ciclovia. “Sem ciclovia o ciclista não tem segurança”. Besteira, erro estratégico, atraso de vida. Ciclovia é uma das opções para dar segurança, nada mais que isto. Mal usada causa danos.

“De ciclista para ciclista; aprende a pedalar”. A cidade é sua, a cidade é de todos. Todos tem o direito ao espaço público, a livre circulação. Quando os ciclistas saem para as ruas abrem a cidade para pedestres, deficientes, crianças, mulheres, idosos... e acabam libertando muitos motoristas do vício. Esta é o melhor de ser ciclista. O mal não está no carro, mas na burrice. O bem não está na bicicleta, mas na sabedoria de seu uso pleno e inteligente. 

Tudo amadurece

O ciclista vestido em roupa de academia e numa bicicleta elétrica veio junto com trânsito saturado e lento em uma rua de duas pistas, seguindo atrás de um carro. O sinal fechou, todos diminuíram a velocidade, o carro que estava à frente do ciclista foi suavemente e lentamente indo para a esquerda para se acomodar corretamente na faixa de rolamento. O ciclista foi acompanhando o movimento do carro e sem perceber colocando-se à esquerda, no ângulo cego de visão da motorista. Em vez de diminuir a velocidade, para o que bastaria parar de pedalar, o ciclista pedalou e forçou a passagem, só para parar ali na frente, no meio da faixa do pedestre. Tudo foi lento, sem perigo, com espaço. Um ciclista com um mínimo de habilidade, primeiro não teria tentado ultrapassar naquele momento, e caso houvesse tentado a ultrapassagem não ficaria assustado por que o espaço sequer era apertado. Mas, o ciclista, parado no meio da faixa de pedestre, atrapalhando aos que cruzavam a pé, começou a gesticular e ofender a motorista, que sequer percebeu que era com ela. Ninguém conseguiu entender o que estava acontecendo, só eu que vi toda a situação por trás.

É interessante como tudo amadurece. É cada dia mais difícil de ver situações como esta. O pessoal está aprendendo a pedalar no meio do trânsito, ou melhor, se acostumaram com o jogo. Joga o jogo, esta é a regra da vida. Como minha mãe dizia, “Ou você ri da vida ou a vida vai rir de você”. Amadurecemos, mas mesmo assim ainda temos muito que caminhar. Temos que dar um passo a frente nestes degraus de civilidade onde se perceba que somos todos humanos e estamos todos no mesmo barco, e que antes de ficar apontando o dedo para o outro devemos olhar nossos próprios erros e limitações e buscar nos aprimorar - sempre.