sexta-feira, 2 de maio de 2014

tenho medo de ciclovia - uma experiencia em Santos

Meu nível de tensão numa ciclovia, especialmente nas de mão dupla, é grande. Me sinto muito mais cômodo pedalando no meio dos carros. Para mim é uma situação muito mais previsível, controlável. Sei quem é motorista e quais suas reações. Sigo em linha reta pela rua, faço movimentos suaves e previsíveis para desviar de obstáculos, sinalizo minhas mudanças de direção ou velocidade no momento certo, sou cordial, e não fico olhando para trás na espera de ser atropelado a cada instante. Ninguém quer chegar a casa com o capo do carro amassado. Custa caro!
Numa ciclovia estou no meio de ciclistas que se imaginam pedalando no Velozes e Furiosos, gente com o farol dianteiro em pisca-pisca apontado para meu olho, entregadores com bicicletas carregadas e sem freio, ciclistas ineptos, bicicletas caindo aos pedaços, sem freios, além de uma grande quantidade de ciclistas pouco cordiais que parecem pedalar com o Rei na barriga. Mais ainda, a maioria ainda acha que ciclovia é um direito individual e prazer particular. Tenho certeza que minha neurose navega no mesmo universo paralelo, mas na contramão dos que acreditam que todo motorista é um assassino em potencial. Tenho medo é destes ciclistas que acabam de descobrir a bicicleta.
No SESC Santos levamos um passeio com um pouco mais de 30 ciclistas, na verdade corredores a pé que também pedalam, mas tem pouca prática com o trânsito normal. Saímos do SESC, que fica próximo a Ponta da Praia, e fomos por ruas um pouco mais movimentadas do que eu esperava até o Centro. As reações de pedalar no meio do trânsito foram interessantes, desde uma ciclista que quase surtou ao pedalar com ônibus passando, até um novato que fez um emocionado e emocionante elogio a experiência. Felizmente a maioria gostou, mesmo achando um pouco mais emocionante que o previsto.
Santos, que está com um trânsito muito mais carregado do que eu poderia esperar (mudou muito em menos de 3 anos) tem ciclovias que são consideradas pelos próprios santistas como estreitas e carregadas, algumas muito estreitas e bem perigosas. A da praia, a preferida por todos, tem uma paisagem muito agradável, é muito usada, mas o pessoal diz os acidentes entre ciclistas são frequentes. Eu não duvido. Por ela passa de tudo: homens, mulheres, crianças, idosos bons de pedal, ostras com paralisia mental, pranchas de surf, bicicletas cargueiras, televisão, ventilador, barraquinhas aos montes, isopores de todo tamanho com bebidas ou quitutes, dois ciclistas numa bicicleta, corredores a pé, triatletas, bicicletas elétricas, gostosas com bunda e peitos ao vento, tatuagens pedalantes.... O zoológico é bem divertido, mas um pouco tenso de ser pedalado.
Quando se vai para onde não há ciclovia o trânsito no geral respeita, mas há mais carros e motos circulando em alta velocidade do que seria civilizado, principalmente nas ruas estreitas do interno de bairro. Para um ciclista experiente não é problema, mas para quem é inseguro e pedala como mula manca não é o mais estimulante dos ambientes. Para eles a ciclovia é muito melhor, é o que dizem.
Voltamos pela ciclovia da av. Ana Costa, que é no canteiro central, a beira do meio fio e se tiver 80 cm de largura tem muito. Os carros passam esquentando a orelha. Ok, pedalar pela avenida tem carro virando à direita, porta abrindo, ônibus parando no ponto... Canteiro central e ciclovia é mais tranquilo.
O pessoal do passeio do SESC Santos contou que quando estão pedalando onde não tem ciclovia é muito comum os motoristas abrirem a janela e gritarem que lugar de ciclista é na ciclovia, que eles têm que sair da rua. Em todos estes meus anos nunca imaginei que ciclovias criariam mais este problema. Eu já sabia que os cruzamentos são perigosos para o ciclista que pedala na ciclovia por que ele pedala fora do campo de visão dos motoristas e de repente aparece na esquina. Acidentes nesta situação são comuns. Também sabia dos acidentes entre ciclistas, principalmente as colisões frontais, duras, que machucam feio. E ainda tem o conflito com pedestres cruzando a ciclovia, talvez o problema mais sério. Mas não poderia imaginar que a existência de uma ciclovia a três, quatro quarteirões de distância fizesse o trânsito hostilizar o ciclista que pedala na rua.
O que estraga a vida do ciclista é a imagem simplista que se tem da ciclovia. “Sem ciclovia o ciclista não tem segurança”. Besteira, erro estratégico, atraso de vida. Ciclovia é uma das opções para dar segurança, nada mais que isto. Mal usada causa danos.

“De ciclista para ciclista; aprende a pedalar”. A cidade é sua, a cidade é de todos. Todos tem o direito ao espaço público, a livre circulação. Quando os ciclistas saem para as ruas abrem a cidade para pedestres, deficientes, crianças, mulheres, idosos... e acabam libertando muitos motoristas do vício. Esta é o melhor de ser ciclista. O mal não está no carro, mas na burrice. O bem não está na bicicleta, mas na sabedoria de seu uso pleno e inteligente. 

Um comentário:

  1. Adorei ler o texto e ter uma visão diferente através da sua percepção detalhada. Já pedalei em Santos-SP, e realmente todo o litoral paulista é maravilhoso. Utilizar os diversos modais com inteligência compartilhando o espaço público e o direito de todos é uma arte no Brasil.

    Cicloabraços
    Joãozinho

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