Meu nível de tensão numa
ciclovia, especialmente nas de mão dupla, é grande. Me sinto muito mais cômodo pedalando
no meio dos carros. Para mim é uma situação muito mais previsível, controlável.
Sei quem é motorista e quais suas reações. Sigo em linha reta pela rua, faço
movimentos suaves e previsíveis para desviar de obstáculos, sinalizo minhas
mudanças de direção ou velocidade no momento certo, sou cordial, e não fico
olhando para trás na espera de ser atropelado a cada instante. Ninguém quer
chegar a casa com o capo do carro amassado. Custa caro!
Numa ciclovia estou no meio de
ciclistas que se imaginam pedalando no Velozes e Furiosos, gente com o farol
dianteiro em pisca-pisca apontado para meu olho, entregadores com bicicletas
carregadas e sem freio, ciclistas ineptos, bicicletas caindo aos pedaços, sem
freios, além de uma grande quantidade de ciclistas pouco cordiais que parecem
pedalar com o Rei na barriga. Mais ainda, a maioria ainda acha que ciclovia é
um direito individual e prazer particular. Tenho certeza que minha neurose
navega no mesmo universo paralelo, mas na contramão dos que acreditam que todo
motorista é um assassino em potencial. Tenho medo é destes ciclistas que acabam
de descobrir a bicicleta.
No SESC Santos levamos um
passeio com um pouco mais de 30 ciclistas, na verdade corredores a pé que
também pedalam, mas tem pouca prática com o trânsito normal. Saímos do SESC,
que fica próximo a Ponta da Praia, e fomos por ruas um pouco mais movimentadas do
que eu esperava até o Centro. As reações de pedalar no meio do trânsito foram
interessantes, desde uma ciclista que quase surtou ao pedalar com ônibus
passando, até um novato que fez um emocionado e emocionante elogio a
experiência. Felizmente a maioria gostou, mesmo achando um pouco mais
emocionante que o previsto.
Santos, que está com um
trânsito muito mais carregado do que eu poderia esperar (mudou muito em menos
de 3 anos) tem ciclovias que são consideradas pelos próprios santistas como
estreitas e carregadas, algumas muito estreitas e bem perigosas. A da praia, a
preferida por todos, tem uma paisagem muito agradável, é muito usada, mas o
pessoal diz os acidentes entre ciclistas são frequentes. Eu não duvido. Por ela
passa de tudo: homens, mulheres, crianças, idosos bons de pedal, ostras com paralisia
mental, pranchas de surf, bicicletas cargueiras, televisão, ventilador,
barraquinhas aos montes, isopores de todo tamanho com bebidas ou quitutes, dois
ciclistas numa bicicleta, corredores a pé, triatletas, bicicletas elétricas,
gostosas com bunda e peitos ao vento, tatuagens pedalantes.... O zoológico é bem
divertido, mas um pouco tenso de ser pedalado.
Quando se vai para onde não há
ciclovia o trânsito no geral respeita, mas há mais carros e motos circulando em
alta velocidade do que seria civilizado, principalmente nas ruas estreitas do
interno de bairro. Para um ciclista experiente não é problema, mas para quem é
inseguro e pedala como mula manca não é o mais estimulante dos ambientes. Para
eles a ciclovia é muito melhor, é o que dizem.
Voltamos pela ciclovia da av.
Ana Costa, que é no canteiro central, a beira do meio fio e se tiver 80 cm de
largura tem muito. Os carros passam esquentando a orelha. Ok, pedalar pela avenida
tem carro virando à direita, porta abrindo, ônibus parando no ponto... Canteiro
central e ciclovia é mais tranquilo.
O pessoal do passeio do SESC
Santos contou que quando estão pedalando onde não tem ciclovia é muito comum os
motoristas abrirem a janela e gritarem que lugar de ciclista é na ciclovia, que
eles têm que sair da rua. Em todos estes meus anos nunca imaginei que ciclovias
criariam mais este problema. Eu já sabia que os cruzamentos são perigosos para
o ciclista que pedala na ciclovia por que ele pedala fora do campo de visão dos
motoristas e de repente aparece na esquina. Acidentes nesta situação são comuns.
Também sabia dos acidentes entre ciclistas, principalmente as colisões
frontais, duras, que machucam feio. E ainda tem o conflito com pedestres cruzando
a ciclovia, talvez o problema mais sério. Mas não poderia imaginar que a
existência de uma ciclovia a três, quatro quarteirões de distância fizesse o
trânsito hostilizar o ciclista que pedala na rua.
O que estraga a vida do
ciclista é a imagem simplista que se tem da ciclovia. “Sem ciclovia o ciclista
não tem segurança”. Besteira, erro estratégico, atraso de vida. Ciclovia é uma das
opções para dar segurança, nada mais que isto. Mal usada causa danos.
“De ciclista para ciclista;
aprende a pedalar”. A cidade é sua, a cidade é de todos. Todos tem o direito ao
espaço público, a livre circulação. Quando os ciclistas saem para as ruas abrem
a cidade para pedestres, deficientes, crianças, mulheres, idosos... e acabam libertando
muitos motoristas do vício. Esta é o melhor de ser ciclista. O mal não está no
carro, mas na burrice. O bem não está na bicicleta, mas na sabedoria de seu uso
pleno e inteligente.
Adorei ler o texto e ter uma visão diferente através da sua percepção detalhada. Já pedalei em Santos-SP, e realmente todo o litoral paulista é maravilhoso. Utilizar os diversos modais com inteligência compartilhando o espaço público e o direito de todos é uma arte no Brasil.
ResponderExcluirCicloabraços
Joãozinho