sexta-feira, 27 de agosto de 2021

O Brasil nesta crise mundial do setor de bicicletas

Eu li o artigo em inglês sem saber que a Revista Bicicleta já tinha publicado em português. Parabéns!
Em qualquer língua o artigo é leitura obrigatória não só para quem gosta de bicicletas, mas todo e qualquer cidadão que queira entender o tamanho da encrenca que estamos metidos. Já saíram artigos e comentários sobre os problemas que a pandemia criou para a cadeia produtiva de tudo e as consequências para os setores de vendas e serviços, o efeito em nossas vidas, e o que nos espera para o futuro próximo, mas não me lembro de nenhum artigo que tenha sido tão esclarecedor.

O Brasil nesta?
Como qualquer outro país deste planeta com um mínimo de normalidade estamos globalizados, portanto estamos no meio da onda do tsunami. Talvez tivéssemos em situação melhor caso nosso setor industrial não estivesse na situação que está, relegado a sei lá que plano, o que em termos de macro economia é uma puta irresponsabilidade.
Ainda temos um volumoso setor de bicicletas, mas faz muito que não somos mais global players. A principal razão é falta de competitividade na escala, nos preços e na qualidade. Não podemos tirar proveito desta enorme confusão que o setor global vive e que deve ir longe.

O que me deixa profundamente triste é saber que o setor de bicicletas do Brasil foi o 3º maior do planeta e praticamente desaparecemos do cenário mundial. Falo da época do oligopólio Monark e Caloi e não se pode deixar de responsabilizá-los por nossa derrocada. A qualidade do que foi fabricado antes da abertura da importação e entrada no mountain bike no Brasil era de chorar. OK, não foi exclusividade do setor da bicicleta, mesmo assim o pessoal caprichou. Bicicleta era coisa de pobre e como dizia Chico Anízio num de seus personagens da época "eu quero que pobre se exploda". Tudo indica que pensaram assim e no final quem se explodiu foi o oligopólio. Triste.

Depois de tantos anos acompanhando tenho dúvidas que o setor consiga mudar de direção para entrar na guerra comercial global. Que se diga, não é exclusividade do setor da bicicleta; praticamente todo setor produtivo brasileiro hoje o são. Gostaria de saber como está de verdade o setor industrial brasileiro, qual o tamanho do desastre que se diz.

Me ocorre um exemplo: visitei antes da pandemia uma pequena fábrica de peças para motos e bicicletas que trabalha com maquinário já de uma geração que os coloca competitivos no mercado internacional. Eles têm qualidade, não têm escala, muito menos estímulo de uma política nacional racional. Melhor, não conseguem ter escala e crescer pelos “n” custos brasil. Suas máquinas computadorizadas têm que funcionar com energia elétrica estável, sem variações ou, pior, sem apagões. Preciso continuar?


Cadeia produtiva que pretenda ser global player tem que funcionar perfeitamente azeitada, como bem mostra o artigo acima. A nossa não é, começando pela burocracia e terminando na falta de uma política industrial de longo prazo. Aliás, o Brasil não tem um projeto de longo prazo, o que é básico do básico do básico.

Tenho uma vontade de continuar escrevendo e falar sobre a política de crescimento dos chineses, sobre a estupidez de nossa política internacional, sobre a imbecilidade de colocar toda produção de ovos numa única cesta, sobre as perspectivas de nosso agronegócio, África, para terminar com o tiro no pé que é não ter um setor industrial sólido dominando a América do Sul, ficar discutindo miudezas políticas que não levam a nada, mas o que adianta?

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Privatização ilumina e abre até 23:00 h. ciclovia do Rio Pinheiros

Os dois parágrafos a seguir foram tirados do texto que publiquei no https://escoladebicicletacorreio.blogspot.com/2021/08/a-ciclovia-do-rio-pinheiros-no-trecho.html. Quero aqui fazer algumas colocações a respeito desta ação olhando um contexto maior.

A ciclovia do rio Pinheiros no trecho Jaguaré - Ponte Estaiada ficará aberta até as 23:00 h a partir de... daqui uns dias, não sei exatamente a data; que seja. Para pedalar a partir de 18:30 h., horário que hoje é fechada para entrada de ciclistas, é necessário fazer cadastro no endereço - https://www.ciclofriends.com.br/cadastro , site "ciclo.amigos". Receberemos uma carteirinha que deverá ser apresentada na entrada da ciclovia por motivo de segurança, com o que concordo plenamente. Aos que discordam da carteirinha lembro que o trecho de ciclovia entre a Ponte Cidade Jardim e Socorro tem o apelido de "faixa de gaza".
Me ocorre que com a abertura da ciclovia Jaguaré - Ponte Estaiada toda iluminada, provavelmente cheia de ciclistas abonados e suas bicicletas caras, o pessoal do mal vai migrar da faixa de gaza para as entradas da novidade iluminada. Em outras palavras: vamos ver se por razões de mercado melhora a segurança na faixa de gaza. ("It's the economy, stupid." - James Carville,1992).

A ciclovia do Rio Pinheiros no trecho Jaguaré - Ponte Estaiada está privatizada ou patrocinada, não sei qual é o instrumento legal e também não me importa, pelo Banco Santander. Qualquer melhoraria é bem-vinda e as melhorias de uns tempos para cá são visíveis, a última delas a iluminação e consequente abertura até as 23:00 h. Este trecho tem uso intenso por uma maioria que vai lá para principalmente para treinar, público de bom poder aquisitivo, público alvo de um grande banco. As melhorias são para todos.
Um pouco mais para frente o trecho norte, Cidade Jardim - Socorro, na outra margem do rio, também vai receber melhorias. Este trecho fica aberto 24 horas por conta do uso intenso por trabalhadores. O problema maior aí está na escada que dá acesso à Ponte Cidade Jardim, um absurdo por ser escada e por estar no meio da ponte por onde atravessam montes de pedestres. Calçada é de pedestre, ponto final. 

A cidade tem uma realidade a ser considerada, que são três espécies de ciclistas: os trabalhadores, a massa que sai para lazer aos fins de semana, e o pessoal que treina, que parece crescer a cada dia.

São Paulo não tem uma política de uso de vias públicas para quem pedala para treinar o que é um absurdo de longa data. O mínimo seria sinalizar a existência deles, como foi feito com inteligência, por exemplo, em São José dos Campos. Mais, ciclismo esportivo vive o mesmo grave problema de segurança que muitos ciclistas trabalhadores: estrada conurbada, o trecho de estrada dentro do perímetro urbano.

O projeto da Ciclo Faixa de Domingo mais que deu certo, fez explodir o uso da bicicleta numa população que há décadas empoeirava suas bicicletas na garagem, mas não aproveitou seu sucesso para fazer migrar os ciclistas que lotam as vias conificadas de domingo para o resto da cidade, em especial o interior dos bairros. O interesse dos patrocinadores da Ciclo Faixa de Domingo é óbvio, assim como onde eles querem os ciclistas; então caberia à Prefeitura dar um passo a frente, o que não fez, assim como não faz com os ciclistas esportistas.

Desde que me conheço por gente vejo o desinteresse das autoridades para com os trabalhadores de baixa renda usuários da bicicleta e continuo não vendo a mais remota indicação de um outro olhar sobre eles. 

Não inclui os ciclo turistas, os que pedalam para outras cidades e os que fazem turismo dentro da própria cidade. Lembro que, de carro, daqui, Pinheiros, até Engenheiro Marsilac, último bairro no extremo sul da cidade, são 55 km, uma viagem e tanto. Alguma coisa parecida até Iguatemi, extremo oeste. Não precisa ir tão longe para pedalar o dia todo nesta cidade, o que é fácil e um prazer, ou vários prazeres, com direito ao interessante gastronômico que temos por todas as partes desta São Paulo multicultural.

Há uma diferença brutal entre ter uma política para usuários de bicicletas e implantar ciclovias e ciclo faixas. Uma diz respeito a cidade e todos cidadãos, outro ao uso de massa de manobra.

Fico feliz pela abertura noturna da ciclovia do rio Pinheiros, mas só entro e entrarei nesta ciclovia quando está mais tranquila, vazia. Em certos horários considero impraticável, principalmente porque é insegura. Sei qual é meu ritmo de 66 anos, sei qual é minha experiência como ciclista, e por isto mesmo não me sinto confortável no meio de tanto banbanbam voando baixo. "Vai quem quer, volta quem pode" definitivamente não é meu lema. Não me lembro se nas melhorias deixaram as placas de limite de velocidade "20 km/h".
O problema é simples: tem muito ciclista para pouca ciclovia ou qualquer lugar para treinar. A solução, repito, é dever constitucional das autoridades públicas. Abrir até as 23:00 h é uma ótima, mas não a solução final. Tem que fazer bem mais.

Como detalhe vital:
Iluminação é crucial tanto para a segurança no trânsito como e principalmente para a segurança contra assaltos e roubos. Muitos cruzamentos de pedestres em São Paulo têm iluminação específica para o pedestre, um foco de luz intenso e fechado na faixa de pedestres. Todos números apontam para uma forte diminuição ou mesmo zerar os atropelamentos e provavelmente colisões envolvendo ciclistas. 
Finalmente: o CTB obriga o uso de refletores. Não preciso lembrar que um bom refletor não usa pilha ou bateria, reflete e oferece boa segurança sempre. 

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Estou vendo duplo. E se eu ficar cego?

Sábado.
A sensação é estranha, algo como um olho olhar primeiro e depois o outro olhar e tentar entender o que primeiro está vendo. Tico e Teco não batem, a imagem fica desfocada. Nada anormal para um país que nunca se sabe bem o que se está vendo ou ouvindo. Entra por um ouvido e sai pelo outro diriam, mas não, olha por um olho e vê mais além pelo outro. Ou ainda um olho no peixe e outro no gato, tudo junto, dois gatos, dois peixes. Por aí. A sutil diferença é que o que entra por um olho, seja peixe, gato, paisagem, ou uma deliciosa bunda que passa pela calçada, duplica, desfoca e desaparece quando se gira a cabeça. A imagem que resta não permite saber ao certo se o peixe é a forma da nuvem, o gato deu cria, a paisagem nunca teve tantos edifícios, e o pio de tudo, não dá para saber se a bunda era gostosa (Maria da Penha que me perdoe, mas paro no olhar). Tudo ficou completamente fora de foco e ou duplo, menos o conteúdo de minha carteira. 
Peço a Deus que não me tire o prazer de alongar o pescoço em respeito as maravilhosas bundas que caminham rebolantes pelas calçadas. Olhar não ofende! Diz uma amiga que duro será quando for chamada de baranga. Com os "ôio fora dos focos" toda beleza remete a uma teia de aranha, aranha mesmo, não aranha, se é que me entendem. Pescoço alongado ou mesmo torcido e a imagem vira uma pintura abstrata, ou melhor, futurista. Pelo amor de Deus, não com as bundas. Deprimente! Las mamonas assassinas vem de frente então ainda dá para ver. (Velho babão!)

Ainda em casa bato o pé para mim mesmo e penso: pedalar melhora a glicemia, estabiliza a curva glicêmica, segura para valer a diabete, então vamos lá, coragem (ou irresponsabilidade, que seja). Primeiro passo, saber se consigo sair pedalando ou caio de maduro no meio do asfalto. Saio pedalando, bravo, vamos em frente! Cruzo a primeira esquina e não morro atropelado; bravo! A minha esquerda um ônibus e meio e dois carros, duas luzes verdes, e sei lá quantos postes e quantos fios pendurados. 'Opa! pelo menos não estou louco: poste tem um atrás do outro, fios pendurados aos montes, um pouco mais não faz qualquer diferença. Em frente!'
Saio cantando "Branca, Branca, Branca! Leone, Leone, Leone!"....   
Cruzando o rio Pinheiro lá longe vejo com dificuldade o Pico do Jaraguá. Inseguro chego no topo da ponte olho a descida confusa e antes de embalar dou uma última olhada com muita preocupação para o Pico do Jaraguá mal conseguindo distingui-lo. "Aí não!" Olho para frente freando a bicicleta, embalado sim, mas não besta para não correr muito. Nesta névoa de minha visão e pensamentos termino a ponte preocupado com trânsito que vou pegar mais a frente, mas me sinto irresponsavelmente seguro e sigo em frente, afinal, não há outra alternativa.
O pico do Jaraguá não me sai da cabeça. Imediatamente lembro de um dia ter perguntado a João Lacerda, miope para valer que estava sem óculos, como ele fazia? Não me lembro da resposta exata, mas foi tipo a música; "a gente vai levando, a gente vai levando... esta vida". Sempre gostei do espírito do garoto e aprendi mais uma. Acho que ele tem 7 graus de miopia, eu tive tive uma crise de diabete e fiquei por duas semanas com 7 graus de miopia, mas na época não experimentei pedalar. Deveria. O que estou enxergando remete a René Magritte. Os 7 graus de miopia deve remeter às Brumas de Avalon. Não li, não faço ideia, sou Arturo e não o King Arthur, gosto de ouvir o pocotó dos cavalos lá longe, nunca seguindo minha bunda magra de ciclista que rei definitivamente não sou nem quero ser. 
Com ônibus por perto subo na calçada, pelo menos no início desta pedalada, depois me acostumo com a distorção de sentidos, relaxo e vou. "Ainda ouço!" me deixa tranquilo. "Poderia estar vendo muito menos. Isto aqui está ótimo! Ainda posso pedalar." Interessante como o cérebro reage, vejo tudo duplo, quadruplo, fora de foco, mas a massa cinzenta seleciona a informação que realmente interessa, basta não pensar. "Caraca! Pedalar é um tesão!" descubro mais uma vez. Para trás ficaram uns 10 km, umas pequenas subidas, pedalar não melhorou a loucura dos meus olhos, mas também não piorou. "E se eu ficar cego?"

Fernando de Azevedo, meu avô, terminou sua vida praticamente cego do único olho que lhe restava. Espero que não seja meu destino. Preocupado que sou com pessoas com necessidades especiais sempre ouvi com atenção histórias pessoais de pessoas que perderam a visão. Não é o fim do mundo, mas uma dolorosa mudança brutal. "Alguém vai me levar para pedalar num estacionamento sem obstáculos?" fico imaginando. "Finalmente vou ter que ter aulas de música". 

Lembro da história do Tio Lú, que da visão dupla para a morte foi um mês. "E se for assim? É uma possibilidade", vou pensando sem angústia enquanto pedalo. "Tenho que tomar providências".

Segunda-feira:
Vou ao oculista. Já havia conversado com meu querido médico, Bettarello que pediu, como primeiro passo, para ver o básico. Medi a glicemia e tudo bem, medi a pressão e tudo normal. Pode ser as "vista" deduzi. Estou tranquilo, sei o que devo fazer daqui para frente em qualquer hipótese. Tem situações da vida da gente que é bom deixar preparadas. Um dia meu pai disse que "depois dos 50 se você acordar sem dor é porque está morto". Não é exatamente assim, mas faz sentido. 
O oculista pergunta como estou e respondo: Imagino que se levantar a blusa de uma menina (para agradar a senhora ao lado) vou dar com quatro tetas. Se for palmeirense vou poder elogia-la chamando-a de "minha porquinha".  Inteligente e acostumado com os absurdos deste seu cliente ele responde "Com mundial ou sem?" e iniciamos a consulta. Nada nos olhos, tudo perfeito. "Próximo passo: ver se há algo dentro da cabeça que provoque esta perda de foco". Vão encontrar merda, mas ordem de médico se cumpre, fazer o que. "E daí?" pergunto. "(Visão dupla) é muito mais normal que se possa imaginar. No máximo em seis meses deve voltar ao normal", responde Alexandre, meu oculista. 
Não tenho medo. Hemorroidas no olho do cú deve ser pior, penso positivamente. 

Vou ao meu mágico masoterapista e acupunturista Alberto Miname, santo Alberto. Ele relaxa minhas costas, destrava o pescoço dolorido, e coloca agulhas em volta do olho. Deveria ter chamado as bonitinhas para me ver com cílio postiço. Dolorido, mas confiante. 
Normal depois que o Alberto termina seu trabalho mais uma vez estou derretido, me sinto uma ameba cansada. Volto para casa pedalando suavemente e com a visão igual, ou pior, sei lá. Uma bosta! Depois de uma massagem e acupuntura sentir moleza ou literalmente desmontar é normal. Chego em casa deito e durmo a tarde. A noite deito e durmo feito uma pedra. 

Terça-feira:
Acordei cedo. Abro os olhos. Pipi, primeira ação do dia de velho ainda meio adormecido. Preparo o café da manhã e só então tenho a nítida sensação que o trabalho do Alberto deu bom resultado, mais uma vez e como habitual. O foco não está perfeito, mas melhorou muito. Vejo! 

E agora?
Ligo o celular e peço que Bettarello mande os pedidos de exames. 
Agora a tarde ressonância. Vamos lá, mas o trabalho do santo Alberto diz que a ressonância é só para constar.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Day off - dia de paz

"Não vou poder receber vocês porque tem gente com Covid aqui" veio na mensagem de Ricardo pelo Whatsapp. Olhei bem o celular, fiquei triste por um lado e muito feliz por outro. 'Paz! Quer saber não vou fazer mais nada; foda-se o mundo, tenho direito a ficar quietinho', pensei me levantando da poltrona e dando uns passos para o computador. Ameacei abrir a tampa e ligá-lo, mas a necessidade de distância de tudo foi maior. Olhei em volta, vi as roupas estendidas secando no varal, dei meia volta e fiz o mesmo, para secar minha exaustão me deitei no sol que ainda batia na cama. Encostei a cabeça no travesseiro que arrumara apressadamente uma meia hora antes, cama esticada, sem dobras. Olhei por uns minutos o teto de madeira pintado de branco, a janela, o céu azul através dos vidros um pouco sujos da poeira que não para, deixei minhas pernas esquentarem deliciosamente no calor do sol das 11; e preguiçosamente pensei em tirar uma soneca irresponsável. Neurose pura e boba considerar que sonecas antes do almoço são irresponsavelmente libertinas, só merecidas nas férias, longe dos afazeres da grande cidade. 'Tenho direito' e fechei os olhos. Acelerado como em qualquer dia normal, respirei fundo e procurei entender o 'e daí, agora o que faço?'. Com olhar perdido na beleza do azul céu chapado continuei com a nuca envolta e acariciada pelo travesseiro macio; alonguei a respiração, fechei os olhos para baixar o tonos. Tempo que não se define, quietude, quietude, aos poucos vou afundando num nada, soneca consciente do tempo. E tic-tac abro os olhos noutro quarto, o mesmo, mas em mares menos agitados. Olho o relógio, ainda falta muito para o almoço, foi uma soneca rápida, alguns minutos, valiosa; e sorrio. Mais um silêncio, olhos abertos para o mesmo teto branco sentindo feliz o rosto descontraído. Não por muito tempo. 'E agora?' me persegue, mesmo bem mais tranquilo. Viro para o lado, estico o braço até o chão e pego o bom livro que está em suas últimas páginas. Leio as últimas 20 páginas ou tanto. 'Até aqui foi mais divertido' converso comigo mesmo em voz alta.
O sol passa para trás do edifício e volto à sombra. Sigo lendo e começo a sentir o frio invernal nas pernas nuas. As páginas vão correndo como em qualquer livro que termina e fico um pouco frustrado. Fecho o bom livro que vou recomendar, estico os olhos para o relógio junto da TV, hora do almoço. Coloco uma calça, camiseta para dentro, aperto o cinto, suéter, passo pela sala, máscara, carteira, chaves e saio para rua ainda iluminada pelo sol. Paro no meio do asfalto, estico o pescoço para o sol e finalmente consigo me desligar das obrigações, do dia, dos afazeres, olhos fechados sentindo o gostoso calor na pele finalmente descontraída. Me perco no tempo, no lugar, me perco de mim mesmo. Livre, finalmente livre. E tomo um susto com uma buzina. Abro os olhos e pelo para-brisa vejo uma menina sorrindo com um pedido de inveja "por favor, posso passar?" Dou uma risada livre, inconsequente, estico a mão num pedido  agradecido de desculpas, saio da frente e caminho para a calçada. Ela movimenta o carro por trás de mim, dá um toquezinho gentil de buzina, eu olho e ela deixa um tchauzinho de "fique feliz", e com seu carro desce a rua. Eu acompanho. Finalmente comecei o meu dia de paz. 

'Bom, o que eu quero comer?


quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Resultados de Olimpíadas de Tokyo e a política de saúde preventiva do Brasil

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Pelé não pode ser considerado só o esportista do século XX. Pelé é o maior propagandista do Brasil em toda história. Em qualquer parte do planeta quando se diz que é brasileiro imediatamente vem a palavra "Pelé" acompanhado de um largo um sorriso.  Assim como Ayrton Senna, Maria Esther Bueno, e tantos outros esportistas, alguns até mal falados por aqui. Abriram portas que vão muito além das do esporte; tiveram importância inegável em resultados positivos na macro economia e geopolítica deste Brasil.

O Brasil voltou das Olimpíadas de Tokyo com 21 medalhas, sendo que uma de ouro no surf e três de prata no skate. Surf e skate são esportes baratos e por isto populares, só precisam de mar ou uma praça qualquer para serem praticados. As demais medalhas foram alcançadas por atletas abnegados que necessitam de condições específicas para produzir resultados de ponta, algumas inexistentes no Brasil.

A principal atleta dos Estados Unidos teve a coragem de "desmontar" emocionalmente e mostrar ao mundo que atletas são humanos. No ciclismo profissional sabe-se que pelo menos 30% do resultado vem do emocional, o que deve valer para todo atleta de ponta. Os nossos medalhista tiveram que superar suas ansiedades inerentes ao esporte mais o desprezo que recebem por aqui por parte do poder público, das empresas privadas e de uma sociedade para qual o "segundo colocado é o primeiro perdedor", como dizia Nelson Piquet. Tirando as 4 medalhas do surf e skate o nosso resultado foi pior que na Olimpíada do Rio, onde boa parte do Centro Olímpico já está caindo aos pedaços.

Esporte deveria ser política pública de estado para a saúde preventiva, o que custa muito menos que internações, tratamentos, dispensa de trabalho, dentre outros. Definitivamente não é. E parece que ninguém se interessa que seja, que os resultados venham, que se tenha bons exemplos.

O fato de uma cidade de 11 milhões de habitantes, metrópole de 17 milhões, a maior, mais ativa, mais rica e mais importante cidade do Brasil e América Latina ter tido uma única piscina olímpica pública, 50 m X 25 m, completamente livre para o uso da população, a do Pacaembu, fechada há dois anos é prova escandalosa, vergonhosa, incompreensível desta realidade. Nela, entre nadadores comuns, treinaram dois campeões de maratona aquática e um dos brasileiros que cruzou o Canal da Mancha e o Estreito de Gibraltar, dentre outros. Na mesma piscina do Pacaembu vi um mágico projeto de polo aquático para garotos de favela. Era a única e está fechada! Não vou falar de como estão as outras piscinas públicas de São Paulo porque todas apresentam problemas. Não procurem pistas de atletismo abertas para a população porque inexistem. Acabaram os campos de várzea!...

É praticamente assim com todos esportes. Quer praticar, quer treinar? Vai para a academia, paga ou restrita. Como assim? Ou se junta a um grupo específico, tipo o ótimo pessoal de corrida de rua que organiza provas que normalmente ocorrem em horários da madrugada para não atrapalhar o trânsito. Como assim?

Durante esta pandemia foram divulgados estudos internacionais que com base científica que apontam que pessoas que não pararam atividade física tiveram menos risco de pegar a Covid19 ou se pegaram foi mais fácil de tratar. Detalhe importante: atividades praticadas ao ar livre, fora de academia, fora de ambiente fechado.

A situação do esporte no Brasil pode ser refletida pelo desprezo mostrado pelo Governo Federal e o Presidente da República aos nossos atletas que estiveram em Tokyo. Nenhuma palavra, nenhuma reação, nenhum aplauso, nada. E toda sociedade assistiu este silêncio de desprezo sem reagir.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Sonia Racy, Nêumanne e Godoy: possibilidade de golpe e silêncio da população

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Sonia Racy em seu comentário na Rádio Eldorado contou que ouviu de um dos importantes empresários do país que não assinou o manifesto pró eleição que "quem assinou (o manifesto) vai ter que optar (nas próximas eleições) pela reeleição (ou não) de Bolsonaro", o que tudo indica que até aqui é um (triste) fato. Nêumanne em seus comentários repetiu mais uma vez e com razão que há um acordo tácito de interesses entre Lula e Bolsonaro, que sem um o outro não existe (uma eleição sim ou não Bolsonaro, sim ou não Lula; que pobreza!), completando a fala com uma crítica (pesada) sobre o silêncio da população com tudo que está acontecendo. Antes, Godoy fechou sua (sempre ótima) fala na Eldorado pedindo para fazer um último comentário, uma "brincadeira" enigmática sobre a parada militar imprevista em Brasília: "Não vai ter golpe... agora" disse rindo. A história prova que ditaduras militares de direita e esquerda costumam ser ruins especialmente para a população de baixa renda, que com o passar do tempo fica ainda mais pobre. Populismo, este sim, é a longo prazo devastador para os mais necessitados. São hipóteses suicidas para o país, mas não para a população que tem recursos para sobreviver com relativa tranquilidade qualquer que seja o cenário, daí o seu silêncio. Que não se enganem, a tragédia um dia alcança a todos, sem exceção.

Golpe? O golpe vem sendo dado faz muito. Rádio e TV são de utilidade pública e deveriam ser educativos. Temos há muito, décadas, a grade de programação praticamente toda voltada a fanatismos e moralismos. O resultado está aí. Só nos falta cairmos numa ditadura teocrática, o sonho de Bolsonaro (e de milhões de pastores).