quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Estou vendo duplo. E se eu ficar cego?

Sábado.
A sensação é estranha, algo como um olho olhar primeiro e depois o outro olhar e tentar entender o que primeiro está vendo. Tico e Teco não batem, a imagem fica desfocada. Nada anormal para um país que nunca se sabe bem o que se está vendo ou ouvindo. Entra por um ouvido e sai pelo outro diriam, mas não, olha por um olho e vê mais além pelo outro. Ou ainda um olho no peixe e outro no gato, tudo junto, dois gatos, dois peixes. Por aí. A sutil diferença é que o que entra por um olho, seja peixe, gato, paisagem, ou uma deliciosa bunda que passa pela calçada, duplica, desfoca e desaparece quando se gira a cabeça. A imagem que resta não permite saber ao certo se o peixe é a forma da nuvem, o gato deu cria, a paisagem nunca teve tantos edifícios, e o pio de tudo, não dá para saber se a bunda era gostosa (Maria da Penha que me perdoe, mas paro no olhar). Tudo ficou completamente fora de foco e ou duplo, menos o conteúdo de minha carteira. 
Peço a Deus que não me tire o prazer de alongar o pescoço em respeito as maravilhosas bundas que caminham rebolantes pelas calçadas. Olhar não ofende! Diz uma amiga que duro será quando for chamada de baranga. Com os "ôio fora dos focos" toda beleza remete a uma teia de aranha, aranha mesmo, não aranha, se é que me entendem. Pescoço alongado ou mesmo torcido e a imagem vira uma pintura abstrata, ou melhor, futurista. Pelo amor de Deus, não com as bundas. Deprimente! Las mamonas assassinas vem de frente então ainda dá para ver. (Velho babão!)

Ainda em casa bato o pé para mim mesmo e penso: pedalar melhora a glicemia, estabiliza a curva glicêmica, segura para valer a diabete, então vamos lá, coragem (ou irresponsabilidade, que seja). Primeiro passo, saber se consigo sair pedalando ou caio de maduro no meio do asfalto. Saio pedalando, bravo, vamos em frente! Cruzo a primeira esquina e não morro atropelado; bravo! A minha esquerda um ônibus e meio e dois carros, duas luzes verdes, e sei lá quantos postes e quantos fios pendurados. 'Opa! pelo menos não estou louco: poste tem um atrás do outro, fios pendurados aos montes, um pouco mais não faz qualquer diferença. Em frente!'
Saio cantando "Branca, Branca, Branca! Leone, Leone, Leone!"....   
Cruzando o rio Pinheiro lá longe vejo com dificuldade o Pico do Jaraguá. Inseguro chego no topo da ponte olho a descida confusa e antes de embalar dou uma última olhada com muita preocupação para o Pico do Jaraguá mal conseguindo distingui-lo. "Aí não!" Olho para frente freando a bicicleta, embalado sim, mas não besta para não correr muito. Nesta névoa de minha visão e pensamentos termino a ponte preocupado com trânsito que vou pegar mais a frente, mas me sinto irresponsavelmente seguro e sigo em frente, afinal, não há outra alternativa.
O pico do Jaraguá não me sai da cabeça. Imediatamente lembro de um dia ter perguntado a João Lacerda, miope para valer que estava sem óculos, como ele fazia? Não me lembro da resposta exata, mas foi tipo a música; "a gente vai levando, a gente vai levando... esta vida". Sempre gostei do espírito do garoto e aprendi mais uma. Acho que ele tem 7 graus de miopia, eu tive tive uma crise de diabete e fiquei por duas semanas com 7 graus de miopia, mas na época não experimentei pedalar. Deveria. O que estou enxergando remete a René Magritte. Os 7 graus de miopia deve remeter às Brumas de Avalon. Não li, não faço ideia, sou Arturo e não o King Arthur, gosto de ouvir o pocotó dos cavalos lá longe, nunca seguindo minha bunda magra de ciclista que rei definitivamente não sou nem quero ser. 
Com ônibus por perto subo na calçada, pelo menos no início desta pedalada, depois me acostumo com a distorção de sentidos, relaxo e vou. "Ainda ouço!" me deixa tranquilo. "Poderia estar vendo muito menos. Isto aqui está ótimo! Ainda posso pedalar." Interessante como o cérebro reage, vejo tudo duplo, quadruplo, fora de foco, mas a massa cinzenta seleciona a informação que realmente interessa, basta não pensar. "Caraca! Pedalar é um tesão!" descubro mais uma vez. Para trás ficaram uns 10 km, umas pequenas subidas, pedalar não melhorou a loucura dos meus olhos, mas também não piorou. "E se eu ficar cego?"

Fernando de Azevedo, meu avô, terminou sua vida praticamente cego do único olho que lhe restava. Espero que não seja meu destino. Preocupado que sou com pessoas com necessidades especiais sempre ouvi com atenção histórias pessoais de pessoas que perderam a visão. Não é o fim do mundo, mas uma dolorosa mudança brutal. "Alguém vai me levar para pedalar num estacionamento sem obstáculos?" fico imaginando. "Finalmente vou ter que ter aulas de música". 

Lembro da história do Tio Lú, que da visão dupla para a morte foi um mês. "E se for assim? É uma possibilidade", vou pensando sem angústia enquanto pedalo. "Tenho que tomar providências".

Segunda-feira:
Vou ao oculista. Já havia conversado com meu querido médico, Bettarello que pediu, como primeiro passo, para ver o básico. Medi a glicemia e tudo bem, medi a pressão e tudo normal. Pode ser as "vista" deduzi. Estou tranquilo, sei o que devo fazer daqui para frente em qualquer hipótese. Tem situações da vida da gente que é bom deixar preparadas. Um dia meu pai disse que "depois dos 50 se você acordar sem dor é porque está morto". Não é exatamente assim, mas faz sentido. 
O oculista pergunta como estou e respondo: Imagino que se levantar a blusa de uma menina (para agradar a senhora ao lado) vou dar com quatro tetas. Se for palmeirense vou poder elogia-la chamando-a de "minha porquinha".  Inteligente e acostumado com os absurdos deste seu cliente ele responde "Com mundial ou sem?" e iniciamos a consulta. Nada nos olhos, tudo perfeito. "Próximo passo: ver se há algo dentro da cabeça que provoque esta perda de foco". Vão encontrar merda, mas ordem de médico se cumpre, fazer o que. "E daí?" pergunto. "(Visão dupla) é muito mais normal que se possa imaginar. No máximo em seis meses deve voltar ao normal", responde Alexandre, meu oculista. 
Não tenho medo. Hemorroidas no olho do cú deve ser pior, penso positivamente. 

Vou ao meu mágico masoterapista e acupunturista Alberto Miname, santo Alberto. Ele relaxa minhas costas, destrava o pescoço dolorido, e coloca agulhas em volta do olho. Deveria ter chamado as bonitinhas para me ver com cílio postiço. Dolorido, mas confiante. 
Normal depois que o Alberto termina seu trabalho mais uma vez estou derretido, me sinto uma ameba cansada. Volto para casa pedalando suavemente e com a visão igual, ou pior, sei lá. Uma bosta! Depois de uma massagem e acupuntura sentir moleza ou literalmente desmontar é normal. Chego em casa deito e durmo a tarde. A noite deito e durmo feito uma pedra. 

Terça-feira:
Acordei cedo. Abro os olhos. Pipi, primeira ação do dia de velho ainda meio adormecido. Preparo o café da manhã e só então tenho a nítida sensação que o trabalho do Alberto deu bom resultado, mais uma vez e como habitual. O foco não está perfeito, mas melhorou muito. Vejo! 

E agora?
Ligo o celular e peço que Bettarello mande os pedidos de exames. 
Agora a tarde ressonância. Vamos lá, mas o trabalho do santo Alberto diz que a ressonância é só para constar.

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