terça-feira, 19 de maio de 2015

SESC Santo André - breve história da cidade e mobilidade

Foi muito mais leve do que eu imaginava. Renata Falzoni é macaca velha, inteligente, esperta, com um domínio de público muito grande. Não houve uma batalha como eu gostaria. Mesmo sabendo que iria tomar um baile da rápida Renata, teria preferido embate aberto, num bate bola aberto, mas o formato acabou sendo uma apresentação para cada lado e abertura para participação do público. Eu não sou fã deste formato civilizado (leia-se politicamente correto) dos debates públicos. Acompanhei na França os debates da eleição de 2012, a que François Hollande levou, e debate aberto, batalha campal, é muito mais divertido e esclarecedor.

Abri com uma breve e superficial história das mobilidades e evolução das cidades.
Primeiro rodízio foi em Roma antiga, antes de Cristo, para organizar a movimentação da população e distribuição de mercadorias, como nos dias de hoje. Portanto problemas com mobilidade não é nenhuma novidade. Aqui no Brasil, principalmente no país do nunca antes, tudo sempre é vendido como uma grande novidade.
De Roma direto para a reurbanização de Paris realizada entre 1853 e 1870. Promovida pelo Barão Haussmann, a abertura de novas e largas avenidas teve como intenção melhorar a mobilidade geral da cidade assim como o deslocamento das tropas para conter revoltosos.
Nesta mesma época o trem vai entrando em cena em praticamente toda Europa, começando pelo Reino Unido, e logo chegando a outras partes do mundo. O impacto do trem é profundo transformando rapidamente o desenho das cidades, mexendo com toda sociedade e seus costumes. Não tarda muito a surgir o trem subterrâneo, antes mesmo de 1900. O impacto transformador do trem é tão grande quanto vem sendo o da internet.
Em 1989 foi realizado em Nova Iorque o primeiro encontro mundial de cidades. Se discutiu principalmente como resolver o problema causado pela bosta de cavalo, então a principal força motriz do transporte. Londres tinha mais de 50 mil cavalos/dia e Nova Iorque 100 mil cavalos/dia circulando em suas ruas. Isto rendia em Nova Iorque o recolhimento nas ruas de pelo menos 1.300 toneladas/dia de bosta espalhadas pelos cavalos.
Os inconvenientes do cavalo abrem espaço para os biciclos, bicicletas e sociáveis. Sociáveis, triciclos e quadriciclos pedalados por casais, amigos; dois, três ou mais passageiros, são os primeiros veículos urbanos modernos da família. Biciclos, bicicletas e sociáveis são pequenos, leves, limpos, práticos, fáceis de conduzir, ocupavam muito menos espaço que um cavalo, não necessitam de qualquer cuidado especial, não sujam, com um custo baixíssimo de manutenção quando comparado ao transporte movido a quatro patas. Mesmo com todos estes predicados na maioria das cidades bicicletas e seus derivados acabam sendo um fenômeno passageiro, logo sendo superado pelo transporte coletivo, principalmente os bondes, e mais tarde pelo automóvel e motos.
Com a vinda da família Imperial para o Brasil a Capital Federal, Rio de Janeiro, deixa de ser uma cidade colonial e embarca na Belle Époque, com a abertura de largas avenidas, novos e caprichados passeios e espaços públicos, oferecendo um grande prazer aos pedestres.
Em 1960 é inaugurada Brasília, uma revolução urbanística e de mobilidade, praticamente toda centrada no uso intensivo do automóvel, a esperança do transporte da época. Em 1965 inaugura-se o Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, um belíssimo projeto de convivência pública.
A partir de 1970, Jaime Lerner e sua equipe coloca regras em Curitiba para o desenvolvimento urbano subordinando este ao sistema de transporte coletivo. Os corredores de ônibus, uma referência de mobilidade até hoje, foram aplicados em Bogotá, por exemplo. Mesmo sendo tido como uma cidade modelo, o exemplo de Curitiba de praticamente nada serviu para o desenvolvimento de outras cidades brasileiras.
A inauguração da reurbanização da Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, se dá em 1971. O primeiro metro do Brasil, em São Paulo, é inaugurado em 1974, mas o país todo festeja o automóvel e as cidades vão crescendo desordenadamente.

A partir de 1972, Amsterdã, e toda Holanda, grita basta à violência do trânsito e passa a estruturar a cidade para pedestres e ciclistas, com um uso mais racional do automóvel. A ideia se espalha principalmente nas sociedades mais educadas da Europa. A bicicletas vai encontrar seu ambiente em cidades pequenas, como as europeias.
Londres inicia o projeto de recuperação de suas docas em 1980, o London Docklands, uma ação que influenciará a recuperação de áreas degradadas em várias outras cidades, incluindo Buenos Aires, onde é realizado um vasto projeto de reurbanização de Puerto Madero. A ideia é trazer vida para as ruas.
Até o final da década de 80, Nova Iorque estava imersa num processo de degradação. A recuperação da cidade começa com o projeto Tolerância Zero que visa conter todo tipo de  ilegalidade. O trabalho é continuado por uma sequência de prefeitos que deram a Nova Iorque uma administração firme, prática, focada em resultados. Óbvio que deu certo.
Mas é a partir de 1998, Nova Iorque começa uma revolução urbana e de mobilidade, na Broadway Ave., uma das avenidas mais importantes de Manhattan. Para dar a pedestres, ciclistas ou simplesmente para a população poder sentar no meio da rua e tomar sol, comer ou ler, é restringido o espaço para a circulação de automóveis.
Detroit deve ser citado aqui por que foi, pela primeira vez na história, dado o direito à cidade de pedir proteção contra pedidos de falência. Em outras palavras, a justiça julgou que a preservação e o futuro da cidade é mais importante que os direitos particulares e individuais. Do contrário, Detroit, uma grande cidade, completamente estruturada, construída durante décadas, estaria falida, impossibilitada de se recuperar, portanto morta.
Mobilidade é um conjunto de ações, inclusive transporte, que fazem do espaço público um local atraente para a vida. Não se faz mobilidade de qualidade dando um direito específico a um ou dois setores da sociedade, como se fazendo aqui em São Paulo com os corredores de ônibus e ciclovias. Pode até apresentar resultados positivos, mas vai criar arestas e deixar outros problemas para o futuro.
Se pode ser bem feito por que fazer diferente? Afinal, dinheiro não nasce em árvore.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

SESC Santo André: “Bicicleta, Cidadania e Mobilidade Urbana”

No próximo domingo, 16 de Maio, vou sentar com Renata Falzoni no SESC Santo André para um bate papo público sobre “Bicicleta, Cidadania e Mobilidade Urbana”. Parto do pressuposto que faremos sobre Brasil e muito provavelmente sobre a capital paulistana. No vídeo de divulgação digo “ela (Renata) é a favor e eu sou contra”, e, sim, sou contra, por que o que se está fazendo por aqui no Brasil se é pela bicicleta é burro, é uma ação de cidadania para lá de duvidosa, e se tem a ver com mobilidade urbana é por que brasileiro aceita qualquer coisa como normal. 
Fui, sou e serei a favor da cidade via e aprazível, portanto da bicicleta, cidadania e da mobilidade urbana. Como já tenho uma boa estrada percorrida nesta vida sei que de boa intensão o inferno está lotado. Nem falo de más intenções por que vemos todo dia em jornais, rádio e TV que até o diabo negocia fazer o inferno das cadeias um pouco mais humano.
Em 1982, quando apresentei na Casa Madre Teodora o "Projeto de Viabilização de Bicicletas como Modo de Transporte, Esporte e Turismo para o Estado de São Paulo", Projeto de Governo Franco Montoro, não fazia ideia que estava apresentando uma proposta de plano de mobilidade, como se diz hoje. (http://escoladebicicleta.com.br/topicos.html e http://escoladebicicleta.com.br/bicicletatransporte.html). Desde então sempre fui absolutamente contra o discurso monoteísta das "ciclovias já" como única e exclusiva solução para a segurança dos ciclistas, o que definitivamente não é. 
Cidadania? Cidadania no Brasil? Saiam às ruas e olhem o lixo no chão e não precisa dizer mais nada. Cidadania no Brasil? Brasil é um rejuntamento de interesses individuais e corporativos mui específicos. Cidadania pressupõe o respeito pelo coletivo, que até tínhamos não faz muito. O pai nosso mudou neste país do nunca antes e a ladainha atual só recita direitos individuais.
Mobilidade urbana? Brasileiro sabe o que é mobilidade por que sente na pele o problema, MAS, a meu ver, brasileiro não faz ideia do que seja uma cidade, portanto o urbano. Cidade é uma construção coletiva baseada na cidadania, portanto, a meu ver, não a temos. Mobilidade urbana sem cidadania? Estranho, não é?

Cá estão algumas das razões pelas quais sou contra o que se está fazendo aqui:
  1. Recomendo que se pesquise no dicionário se mobilidade é sinônimo de bicicleta? Se mobilidade não é sinônimo de bicicleta, pergunto: não haverá não estão vendendo gato por lebre?
  2. A quase totalidade do que vi pessoalmente no Brasil são ciclovias precárias sem estrutura complementar, com falhas grosseiras de projeto, precariamente executadas, uma tantas inseguras, mal conservadas, muitas abandonadas, que começam do nada e terminam em lugar nenhum. Dinheiro público nasce em árvore?
  3. A imensa maioria das ciclovias que vi Brasil afora são sub utilizadas, quando utilizadas. Aliás, minto, muitas são aproveitadas por pedestres.
  4. Qual é o percentual de ciclistas nas ruas? Qual é o custo benefício da obra?
  5. Será que não existe outra forma de fazer um sistema cicloviário? Eu, pessoalmente tenho certeza que sim, e infinitamente mais barato e simples.
  6. Conflitos na implantação de sistemas cicloviários houve em todas as partes do mundo. Num país onde que é público não é de ninguém, como o Brasil, a população engole com facilidade propaganda enganosa.
  7. A lei 8.666 faz tudo ficar mais difícil. Criada com a melhor das intenções transformou a coisa pública do Brasil nisto que estamos vendo.
  8. Será que não aprendemos nada com o que está acontecendo no Brasil? Será que a política de faz de qualquer jeito já não se provou como errada? Será que brasileiro ainda não aprendeu que uma coisa é fazer para o bem público e outra, completamente diferente, é propaganda enganosa?
  9. Pedestres representam mais de um terço dos modais, a maioria gente de menor poder aquisitivo, mesmo assim a proposta para melhorar calçadas é de uma timidez... 
  10. E tem o pessoal portador de alguma deficiência, 17% da população, um pouco menos de 2 milhões invisível nas pesquisas. Invisíveis por que não conseguem sair às ruas.
  11. Congressos internacionais sobre mobilidade, cidade, desenvolvimento urbano, melhora de cidadania, bicicleta, administração pública..., acontecem com frequência. Entidades internacionais atuam no Brasil. Técnicas para fazer bem feito podem ser encontradas facilmente na internet. E o brasileiro diz que somos diferentes? Que fazemos diferente? O que? A experiência da humanidade não nos serve? UAU!

Poderia continuar, mas acho que já basta. Sou contra!

sábado, 9 de maio de 2015

Doença do lixo

Almoço todos dias num restaurante por quilo vizinho a minha casa. É bem possível que alguns frequentadores acreditem que sou um dos proprietários do restaurante por que sempre estou retirando das mesas os pratos sujos deixados para trás. Eu não consigo almoçar no meio de restos, vai além de minhas forças. Também não consigo aceitar que se deixe para o próximo uma mesa suja. Mas a pior situação, a que mais me enoja, são as pessoas que sentam à mesa, empurram para o lado a sujeira deixado por outros e almoçam no meio de restos. Literalmente coisa de porco de lixão de periferia.
Não tenho a mais remota vergonha de limpar as mesas ao meu redor antes de sentar e comer em paz. Como não tenho a mais remota vergonha de pegar lixo jogado nas ruas e colocar nas lixeiras. Tenho como meta no mínimo catar e jogar no lixo alguma coisa a cada vez que vou para a rua. Infelizmente tenho que me refrear ou vou ficar doente. A verdade é que já estou. Vejo isto nos olhos dos outros. É simples: numa sociedade que aceita com tanta facilidade a imundice ter preocupação com um grau mínimo de limpeza é doentio. Estou doente e, pior ainda, me orgulho de sê-lo.  
É incrível como brasileiro não consegue aprender absolutamente nada em suas viagens para o primeiro mundo. Este é meu ponto de vista e novamente devo estar errado. Brasileiro aprende muito: descobre onde estão os melhores outlets e volta cheio de compras para esfregar as compras de marcas com preços baratos na cara dos amigos, vizinhos, família e inimigos, não necessariamente nesta ordem. Melhora a aceitação social, é o que importa. Se passarem por trezentas cidades em dez dias melhor ainda, por que conheceram o mundo. Mais status.
O que importa é o que é meu. Mesmo na mais degradada das favelas o interior dos barracos, por mais pobre que seja, é primorosamente bem cuidado. Brasileiro sabe o que é limpeza e ordem, tem profundo orgulho de seu progresso. Falei de favela, mas mesmo nos melhores bairros do país a rua, o espaço público, vira terra de ninguém. Os empregados devem varrer e manter impecável a frente da casa; já o terreno baldio do outro lado da rua que fique com mato e cheio de entulho.
Muitos de meus amigos, gente instruída e do bem, uma das elites brasileiras, aceitam e até defendem o lixo de sistema cicloviário que se está implantando aqui em São Paulo. A quantidade de incoerências, desacertos, defeitos e problemas é tão grande que só e pode chamar de lixo. Muitos deles já são bem viajados, mas pelo jeito fazem uma grande diferença entre lá e cá, aceitando que cá vale qualquer coisa, afinal somos ricos, tem dinheiro sobrando, se tiver que refazer no futuro que se refaça. Até o professor doutor Paulo Saldiva, uma das melhores cabeças pensantes deste país, disse algo como ‘que se tudo tem problema por que as ciclovias não podem ter problemas?’.
Eu estou doente, por isto estou distante do pessoal. Vai que eu contamine alguém!

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Dois bebes e uma vida

A todo momento nascem novas histórias de vida. Todas vão circular ai pelas ruas, praças e outros locais públicos e praticamente todas serão eternamente histórias desconhecidas. Acreditamos que conhecemos suas reais histórias, mas mesmo entre os mais íntimos só podemos ver a aparência.

Aos poucos a tensão da gravidez e chegada do primeiro filho foi tomando conta do casal e das famílias, o que é normal. Os ajustes finais para a nova vida de todos foram sendo apresentadas e discutidas, mas sem concordâncias. Preponderou a verdade e os anseios de cada um. A cascata de pequenos detalhes ganhou um tom pesado. Chegou a criança, sadia, linda, e o pior temor se desfez, e o cenário foi ganhando pinceladas mais claros, leves, realistas. Com o bebe no colo e sorrisos nas bocas parece que ficou claro a todos que aquela linda e frágil vida é a prioridade para o futuro. Fato consumado.
O tempo diz tudo a todos.
“Há situações que não se deve falar”, se diz em voz baixa e ao pé do ouvido. Pena, a verdade pode ser dura, mas sempre será menos dolorosa. Nos dias de hoje a gravidez e o nascimento de uma vida é um processo muito mais tranquilo e seguro que a uns poucos anos atrás, mas a vida sempre continuará frágil e imprevisível. A poucos dias do parto o bebe para de se mexer e tudo que haveria de ser ali estanca; o que sempre foi e nunca se viu sobe à tona numa dor dilacerante. Realidade, pura verdade. A vida continua a mesma para quem passa na rua e não sabe ou não quer saber da realidade da vida. Também é vida, mas algumas vezes radicalmente diferente.  

Aqui no Brasil não adianta usar exemplos para orientar. Exemplos entram por uma orelha e saem pela outra. Há uma crença nacional que o mal nunca vai cair aqui comigo ou com os meus. Tudo vai dar certo. Silêncio sobre as consequências de erros é devastador, mas quem se importa? “Faz, deixa fazer, se sair errado depois conserta”. Não conserta não! Pau que nasce torto morre torto.


Beira o impróprio usar estas histórias para fazer paralelos. Guardados as proporções as duas são brutais, uma delas dilacerante, das piores experiências humanas que uma família pode ter. Não menos brutal é a displicência brasileira pela coisa pública.

Recomendo "O mundo nunca teve rumo", de Luiz Felipe Pondé, publicado hoje, 04 de Maio de 2015, na pg C8 Ilustrada da Folha de São Paulo.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Ciclistas mortos na cidade

Como estou cansado de repetir, estamos em estado de guerra e nesta situação números altos de mortes é mais que esperado. A sociedade não reage à barbárie. Um ou outro faz alguma coisa quando o morto é de casa, mas a maioria brinca de três macacos: não vi, não ouvi, não falei. "Não me interessa" é a única verdade realmente socializada neste país. 
Não dá para calar; o que acontece no Brasil é uma pandemia de covardia e mediocridade. Covardia pelo completo silêncio de toda sociedade, sem exceção. Pior é mediocridade, que, aliás, mata. Povo que não consegue entender que com um terço dos leitos hospitalares ocupados por acidentados de trânsito é impossível ter saúde pública decente. Isto quando é só um terço. Junte-se a estes os atendimentos hospitalares da violência social: tiro, faca, paulada, linchamento... Quantos leitos restam para os doentes? Ninguém se interessa.
A notícia tem o título "Mortes de ciclistas cresce 34% em São Paulo" por que bicicleta está na moda e a cidade está sendo banhada pelo vermelho das ciclovias do Haddad. Interessante é comparar a grandiosidade dos 400 km de ciclovias de Haddad com a extrema timidez dele na proposta para melhorar a vida e segurança de pedestres, que somos todos, até os motoristas. Ou o silêncio completo sobre motociclistas, que na sua maioria são de classes menos privilegiadas. Estranho socialismo este do "nunca antes".
Não são apresentados dados que provem os resultados da implantação das ciclovias do Haddad. Mas quem se importa?
A matéria apresentada pelo Estadão aponta que não só o número de ciclistas mortos aumentou, mas também de motociclistas e pedestres. Afinal, qual é a razão? Como e porque aconteceram os acidentes? Razões humanas e técnicas. 
A matéria é bem escrita, o que não é comum quando a imprensa fala sobre as questões relativas à bicicleta

O Estado de São Paulo: Mortes de ciclistas cresce 34% em São Paulo