domingo, 31 de março de 2024

1964 - 1986: 60 anos depois, o que realmente foram aqueles anos?

História, a real, é redentora. A única saída para esta estupidez bipolar que vivemos no Brasil é contar a história dos anos militares sem adjetivos, culpados, heróis, vítimas. O que foi o Brasil entre 64 e 86, ganhos, perdas, erros, abusos...? A história já foi contada? Tenho certeza que não, por ter sido parcial. Tenho certeza que entre histéricos havia um país, uma população e tudo mais relacionada a vida destes dentro do contexto do mundo de então. Mesmo quem viveu aquela época só tem uma visão muito particular dos acontecidos, o que influencia, e muito, uma visão particular, portanto distorcida, daquele momento. Precisamos urgentemente de muitos Laurentinos Gomes e de John Lukacs para começar a passar a limpo nossa história da segunda década do século XX, principalmente aqueles 22 anos da vida no Brasil. Sem isto continuaremos sendo mais um país de histéricos se digladiando inutilmente. 

quinta-feira, 28 de março de 2024

errei

Como você lida com seus erros?
Começaria com como eu lidei num passado próximo com meus próprios erros.


Tive... Melhor, e recomeçando, estou tendo semanas de pequenos (?) problemas irritantes, alguns minha responsabilidade direta, portanto erros meus, outros causados pela forma como o país funciona, portanto como nós permitimos que funcione. Vai aqui a lista de "diversões" (irritantes)
  • Vivo: 3 ou mais anos para resolver a questão da minha linha fixa por fios metálicos
  • Eletrolux: comprei 220 V. Diz uma amiga que trabalha com seguros que é uma espécie de pegadinha. O clique para 127 (110) V ou 220 V está em baixo do pedido e muita gente passa batido.
  • óculos: o mostruário de escolha das lentes multifocal mostra um ângulo de visão sensivelmente diferente da realidade. 
  • compra errada dos raios para uma roda nova que tive que montar: a explicação é longa, deixa para lá, mas a dor de cabeça foi uma ..... Aliás, um dos aros veio meio oval.
  • Dasa, laboratórios de análise clínica: fizeram mais uma vez uma confusão com agendamento de meus exames e pagamento. Saúde, incluindo a paga, está um caos
  • ..., ...., ....
Muitos diriam: "a culpado é o outro". Eu fui educado e treinado para sempre olhar qual a minha responsabilidade sobre os erros cometidos pelos outros.


O caso da Vivo... Desde 1987 tinha uma linha telefônica fixa, 3816-1166. Com muita frequência parava de funcionar, piorou mais ainda quando aterraram os fios. Vinham consertar e nunca resolveram para valer. Numa delas ligaram no vizinho. Noutra, consertando a linha do vizinho conseguiram derrubar minha internet e liga-la no vizinho. Dentre outras. Faz uns 5 anos, ou mais, fiz o pedido para desligarem a linha. Para que pagar se não usava, melhor, não conseguia usar? Foram a minha casa duas vezes e as tentativas de desligar a linha fixa por fios derrubava minha internet por fibra ótica. Como é que é? Sim, entenderam bem, a explicação é longa, mas certeira, e paro por aqui. 
Bom, encurtando, finalmente desligaram o 3816-1166 sem derrubar a internet. Ufa!

O que aconteceu no caso Vivo? Simples: o setor vendas conversa com o setor de atendimento técnico interno, que conversa com setor técnico externo, de rua, que conversa com os técnicos de rua que são terceirizados, que por sua vez tem que conversar com os técnicos da Vivo que não são os primeiros técnicos da Vivo aqui citados, mas os que habilitam o serviço prestado pelos terceirizados... Opa, quase esqueci do setor de engenharia, que faz seu trabalho, entrega, e tchau! Enfim, quem conta um conto, aumenta um ponto. No caso em questão, diminui um ponto, ou muitos. O setor de vendas não faz a mais remota ideia do que acontece na rua, mas acredita e tem como única referência o que diz o setor de atendimento técnico interno. E assim vai.
Vivo é exatamente a mesma companhia que no passado se chamava Telefonica, que teve que mudar seu nome para Vivo para apagar a péssima imagem que tinha perante o público.


Deixo a pergunta: o que realmente aconteceu para o Centro de São Paulo ficar sem energia elétrica por mais de uma semana? Culpa da Enel? Só culpa da Enel? De minha parte definitivamente não acredito. É uma resposta muito simples para ser verdade. O que mais? Quem mais? Por que?....
Repito exatamente a mesma pergunta para o caso Vivo. E para o caso Dasa, óculos...

Acredito a cada dia mais e mais que a palavra culpa é um erro terrível, um termo que não deve ser usado. Em vez de "culpa", prefiro pensar em "o que aconteceu de verdade?". Quando se tira a palavra culpa e se livra dos acusatórios, as respostas e os resultados são sempre melhores que culpando, dito tenho toda certeza.

Repito com todas as palavras: os problemas que nos atormentam no dia a dia são resultado de nosso silêncio absolutamente vergonhoso.
Perguntarão vocês a este que escreve: então por que não foi lá e reclamou. Responderei: reclamei, mas estou cansado, já paguei minha cota de tentar ajudar nesta vida. Reclamei um monte de vezes no passado via Procon, desta vez via ouvidoria, escrevendo para jornal e por outras vias. 
Minha casa e mais outras nove casas foram invadidas num curto período, cinco terrenos vizinhos de um lado da rua e cinco vizinhos do outro lado da rua. O único que foi fazer boletim de ocorrência fui eu. O delegado que atendeu disse que não era coisa de ladrão. Uns dias depois apareceu uma corretora imobiliária perguntando a todos se queriam vender suas casas. O único que fez B.O. fui eu. 
Esta história dá a resposta do porque estou cansado. Ainda vou para as ouvidorias, mas é triste constatar que nem nelas acredito mais. 

Sobre o Brasil de hoje: quem cala consenti.

- Não me interessa o que o outro fez para você, mas o que você fez para ele fazer o que fez - Dona Lollia, minha sábia mãe.

Sobre esta frase quero fazer uma explicação preciosa. Lollia, minha mãe, foi uma mulher comum, muito inteligente, mas comum, até fazer uma mastectomia radical e entrar num tratamento de câncer brutal. Belíssima, vaidosa, detalhista, viu todos seus valores serem varridos pelo tsunami. Poderia ter qualquer resultado, mas Lollia reviu todos os seus valores e descartou as besteiras, os erros grosseiros, as inconsistências, e construiu uma linha de posições sensatas, pragmáticas, eficientes. Resumindo: dar valor ao que realmente tem valor. Parece fácil, mas não é, ou se tem noção do que é valor, do que realmente vale, ou se valoriza o que não serve.

Aprendi ou estou aprendendo a respirar. Ou fico mais louco que já sou. Ainda me sinto louco, insano. Reclamo demais, critico demais. Estou de saco cheio. Gostaria de viver em paz, mas o Brasil que temos é exatamente o que o caso Marielle está expondo, com todas letras, pontos e vírgulas, sobre o que se tornou o Rio de Janeiro e, para bom entendedor, o que é todo o Brasil. Quem delira o contrário?

Pouco ou nada adianta só reclamar; aliás, é muito perigoso só reclamar porque quem só reclama e não exige ver resultados fica sujeito a ouvir "Vai mané!". E nós, brasileiros, não paramos de ouvir deboches.
Pedro e o lobo!

domingo, 24 de março de 2024

Há saída para a crise da bicicleta?

Há uma saída para a crise...? Sim, há. Sempre há saídas para qualquer crise. O caso da bicicleta não é diferente.

Assim como o automóvel particular, a bicicleta, a movida a propulsão humana, não elétrica, não deve desaparecer. São várias as razões, mas o prazer de pedalar, o bem-estar, a sensação de poder, dentre outras que são e continuarão sendo à únicas bicicleta. O que resta saber é qual a escala que o futuro reserva para a bicicleta tradicional. Talvez alguém tenha uma projeção, mas eu nunca vi. Quanto espaço ela perderá para as elétricas, o que é líquido e certo, é o que definirá como fica o setor produtivo, de vendas e manutenção. O resto, estrutura urbana e afins, talvez sofra alguma mudança, mas ainda não dá para prever qual. 

O que quer que venha acontecer, o futuro da bicicleta dependerá e muito da cultura do pedal estabelecida em cada população. 

Ponto básico: nada está isolado, tudo está interligado, inclusive e com certeza o setor da bicicleta também. 
Faço um aparte; o mundo está globalizado, como esteve desde..., (na minha ignorância) vou colocar o Império Romano. A diferença é que hoje estamos muito mais conectados e uma mudança da China tem reflexos praticamente imediatos no resto do planeta. Não precisa ser ligado diretamente ao setor afetado, muito pelo contrário.
 
Acontece alguma coisa que parece não ter nada a ver e pimba! acertou em cheio no setor de bicicletas. Pode ser até fake news ou notícias vindas de um mago das redes sociais.
 
Dados de PIB e IDH comparados com o número de usuários da bicicleta apontam uma relação direta entre o número de usuários de bicicleta, estabilidade individual, social e do setor. Quanto mais ciclistas, melhor o PIB e o IDH, aliás, menor o índice de violência, melhor a saúde, melhor a educação das crianças, melhor o comércio interno do bairro..., melhor, melhor, melhor, melhor..., e muito menos trancos no setor.

Outro fator extremamente importante é o nível educacional e cultural dos usuários. Quanto mais alto, menor a possibilidade de embarcarem numa moda ou desvairio. 

Quando se coloca no cálculo nível educacional, consciência, civilidade, forma, função, tudo com boa qualidade, a reposição geral do setor de bicicleta se torna lenta, ou, o setor caminha devagar e sempre, sem grandes picos para cima ou para baixo.
Já quando os índices sociais são baixos, como é o nosso caso, parte do mercado vai aos trancos, parte vai relativamente bem por conta da baixa qualidade das bicicletas vendidas para a população de baixa renda. Custa barato, quebra, troca pelo mais barato, troca de novo...

Houveram outras crises no setor de bicicleta além desta que estamos vivendo. A que se apresenta é profunda, resultado de um erro grosseiro de avaliação de todo o setor, que embarcou numa bolha previsível e muito inflada pela pandemia mundial.

Repito: "Não é vender bicicletas. É vender uma ideia, mais, contextualizar um conceito sem cair na armadilha do óbvio, e sem acreditar em cenários que não se sustentam" ouvi num almoço.

O maior inimigo que a bicicleta (bicicleta de verdade, as movidas por arroz e feijão e pedal) são as elétricas. Espero que a sociedade entenda o que está acontecendo.

Tem um "pequeno" detalhe que não se pode descartar: a China veio a público para avisar que está mudando sua política industrial, portanto comercial. Eles querem e estão entrando e vão entrar mais pesado ainda no setor de mobilidades elétricas, inclusive com preços subsidiados. Para se fazer ideia da brincadeira, em uma das fábricas de automóveis elétricos mais modernas do planeta, a Nio, a China está perdendo US$ 35.000,00 em cada automóvel vendido. Não, não estou maluco, a cada automóvel vendido eles perdem US$ 35 mil, ou, 35 mil dólares, como queira, simples assim. Se eles 'brincam' assim no mercado de automóveis, porque não vão brincar da mesma forma no mercado de mobilidade elétrica que o planeta aposta que é futuro da humanidade?
E o governo central chinês avisou que a política industrial deles vai dar um imenso pula para a sofisticação tecnológica, o que deixa dúvida de como ficarão os setor de tecnologia mais básica, o que inclui o das bicicletas.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Setor da bicicleta em crise: Brasil

Faço um aparte para falar do Brasil. O mountain bike fez uma revolução em todo setor da bicicleta brasileiro. Antes do mountain bike, Monark e Caloi tinham praticamente todo mercado de bicicletas nas mãos. A base de vendas estava toda voltada para a população de baixa renda. As bicicletas eram de baixa qualidade, para dizer o mínimo, mas as vendas eram volumosas. Na década de 80 o Brasil era o 3° maior fabricante de bicicletas no mundo. A chegada das mountain bikes quebra um jogo muito bem estabelecido e o brasileiro descobre que "bicicleta não é coisa de pobre", como se dizia na época.

Se nos primeiros anos do mountain bike foi uma festa, inclusive com o número de competidores crescendo rapidamente, ajudando inclusive o ressurgimento do ciclismo de estrada, a intervenção com mão pesada da Confederação Brasileira de Ciclismo, leia-se Caloi, obrigando todos a cumprirem as regras da UCI, praticamente mata o que vinha bem e tinha futuro. O mountain bike de competição demorou anos para se recuperar, e com ele os lucros do setor. Infelizmente repetiram o mesmo erro grosseiro que haviam feito com o BMX. Era um esporte de família, praticamente desapareceu por interesses burros e mesquinhos.

Houveram mais crises no setor do que a que se apresenta agora. Aliás, trabalhar com bicicleta no Brasil é para quem tem estômago forte. Esta crise que vivemos é resultado de um erro grosseiro de avaliação de todo o setor, não só no Brasil, que embarcou numa bolha previsível, muito inflada pela pandemia mundial.

"Não é vender bicicletas. É vender uma ideia, mais, contextualizar um conceito sem cair na armadilha do óbvio, e sem acreditar em cenários que não se sustentam". A frase não é minha, a ouvi num almoço e digo que ela acerta na mosca.

Para que o setor da bicicleta no Brasil tenha a estabilidade esperada é necessário varrer os amadores, aproveitadores, e colocar no seu devido lugar os delirantes ideólogos. É preciso tratar como um todo, com princípio, meio e fim, e principalmente a manutenção de tudo. Falo do setor de produção e vendas, mas sobretudo os que definem políticas públicas. Aliás (de novo), educação não é a chave de tudo? Então porque esta verdade não vale para a bicicleta e os ciclistas? Ou alguém acha que se vai construir algo apontando o dedo para todos que estão em volta?

Apresentar números de crescimento sem detalhar é 'causo' para entrar no "Como mentir com estatísticas" do Darrel Huffy, sucesso editorial desde 1956. Brasileiros não são nada afeitos a números, dados, e menos ainda a verdades. Exagero meu? No caso das bicicletas tudo fica mais crítico porque bicicleta é apaixonante. Misturar paixão (que sempre é pessoal) com negócio ou política pública não dá certo, acho que já está mais do que provado. 

domingo, 17 de março de 2024

Setor da bicicleta em crise; mais uma vez

Eu entrei no mundo da bicicleta e dos pedais no meio da década de 70, quando o setor vivia sua maior crise, não só aqui, Brasil, mas no mundo. O marco desta crise fica patente quando se vê a qualidade das bicicletas vendidas então: um lixo. O número de usuários da bicicleta diminuía sem parar, o que afetou toda cadeia de produção, que por sua vez teve que cortar custos, o que reduziu sensivelmente a qualidade geral da bicicleta, peças e acessórios. Como consequência o número de ciclistas diminuiu, e estava criado o pior ciclo vicioso possível. 

Antes de continuar, deixo dito que não sou historiador ou pesquisador, que o que escrevo a seguir vem de lembranças de leituras e conversas que tive pela vida. Serve só como referência para quem queira se aprofundar no assunto, que é vasto, interessante e muito significativo do que aconteceu não só no mundo da bicicleta, mas da vida de todos em geral. 
E entro no assunto porque numa das revistas especializadas, a Bike Magazine, saiu um artigo mostrando números, que não são nada bons. 

Voltando:

O ressurgimento mais marcante da bicicleta em toda sua história que tem como marco Amsterdam, a partir de 1972. A luta por mudanças em cidades Europeias não começa aí, mas o retorno da bicicleta como peça importante para recuperar a qualidade de vida de todos sim. Nos Estados Unidos, uma década mais tarde, surge o fenômeno mountain bike com sua alta qualidade, resistente, divertida, precisa, segura, e, mesmo sendo uma bicicleta vendida como esportiva, pode-se dizer que ali deslancha mais outra ressurreição da bicicleta como modo de transporte, agora abrangendo um público muito mais amplo e diverso, talvez a mais abrangente de sua história.

O primeiro ressurgimento vem logo depois do início do fim dos biciclos, final do século XIX, com o início das vendas da bicicleta de segurança, basicamente a que conhecemos hoje, e uma sensível diminuição do preço devido à consequente padronização, tornando-a acessível ao grande público. 
O boom do uso das bicicletas nos pós Primeira Guerra Mundial (1914-18) e Segunda Guerra Mundial (1939-45) foi decorrência do colapso total urbano e econômico sofrido pela Europa, principalmente, mas não só.
A primeira crise do petróleo, em 1973, pela primeira vez questiona o uso indiscriminado do automóvel e dá um empurrãozinho para a bicicleta. É muito provável que tenha ajudado os movimentos populares europeus que pediam a recuperação da qualidade de vida nas cidades, o que ajudou na melhoria da segurança do uso da bicicleta.
 
O crescente caos urbano causado pelo uso irracional do automóvel é que vem colocando a bicicleta em pauta como bem mais que uma alternativa de transporte. 

Estes e outros momentos das sociedades e das suas economias obviamente afetaram o setor da bicicleta. Poderia falar sobre as causas das crises sofridas pelo setor, mas o resumo é mais ou menos simples: em momentos de estabilidade econômica e muito dinheiro circulando a bicicleta entra em crise. 
O que diferencia o momento que o setor está vivendo agora é um fator novo: a entrada das elétricas, não só bicicletas, mas de todas as mobilidades elétricas, que ao que tudo indica vieram para ficar. 
A questão é que o setor de bicicletas ainda está montado muito voltado para fabricação e vendas de bicicletas movidas a arroz e feijão. Em outras palavras, a concorrência agora é interna, ou "fogo amigo". Vem aí uma mudança muito maior que se possa imaginar, não só no setor de bicicletas, mas nas cidades e principalmente na cabeça das pessoas.

Há uma sensível diferença entre o que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa em cada um destes momentos históricos da bicicleta. Estados Unidos foi muitíssimo menos afetado pelas duas grandes guerras do que a Europa, que ficou completamente devastada, principalmente depois de 1945, onde a bicicleta se transforma numa importante alternativa de transporte, e porque não dizer sobrevivência. A Primeira Guerra Mundial foi uma guerra de campo, a Segunda Guerra Mundial foi uma guerra de mobilidades e urbana, ou seja, destruiu praticamente toda infraestrutura de transporte. Mesmo em vias em péssimas condições, onde automóveis tem muita dificuldade de rodar, pedalando sempre é possível achar caminhos e seguir em frente.
A diferença de escala de mercado se dá porque enquanto a bicicleta europeia era e continua sendo uma bicicleta para transporte urbano e diário; a americana era voltada essencialmente para o lazer, ou uso eventual.

Mountain bike entra no mercado a partir de 1984. Foi sobretudo uma moda esportiva / urbana / divertida que estourou num país de longas distâncias e cidades desenhadas para os automóveis, e com muito dinheiro circulando. Antes do mountain bike, bicicleta era coisa de criança, aliás, de bem poucas crianças americanas. Era difícil ter onde pedalar. A maioria morava em cidades do automóvel. Mais, muitos moravam e seguem morando em subúrbios, distante do trabalho, comércio, serviços e mesmo sendo tranquilos, são monótonos. Normalmente toda estrutura urbana não tem qualquer infraestrutura para ciclistas, não raro pedalar é proibido ou restrito a parques. Tudo jogava e de certa forma seque jogando contra a bicicleta nos Estados Unidos, mas está mudando, NY é um dos exemplos mais recentes.

Um cartaz numa locadora de Amsterdam ironiza as diferenças: "Americanos usam capacete. Nós (holandeses) pedalamos".

Ao contrário dos Estados Unidos, os europeus com suas cidades pequenas, no geral com urbanismo ou influência medieval, ruas tortas, estreitas, muitas criadas então só para pedestres ou cavalos, aproveitaram o ressurgimento do interesse pela bicicleta fortalecendo políticas de incentivo não só para os ciclistas, mas todos os não usuários do automóvel. O termo "mobilidade ativa" surgiu muito tempo depois; antes era usado "mobilidades não motorizadas", apontando para o automóvel como o centro do universo.

A febre do mountain bike se espalha pelo mundo e muda o padrão de qualidade das bicicletas, mudando alguns padrões de precisão e confiabilidade inclusive na Europa. Passada a primeira mania do mountain bike as vendas caíram, mesmo assim houve um aumento do uso da bicicleta nos Estados Unidos e o surgimento de movimentos de pressão para melhoria da segurança dos ciclistas. Acompanhando todo este movimento cresce o setor, os fabricantes de bicicletas, peças e acessórios começam a fabricar suas bicicletas mais básicas no oriente, Japão, Taiwan e China. O setor muda completamente seu perfil, entrando numa nova era, a da bicicleta confiável. Estados Unidos e Brasil deixam de estar entre os cinco maiores fabricantes de bicicletas do planeta. China entra para valer no mercado e em pouco tempo tem suas próprias marcas para concorrer com as grandes americanas e europeias, uma em particular: Giant.  

O pensar europeu é muito mais pragmático, voltado a soluções coletivas, funcionais, que se sustentem a longo prazo. A bicicleta, que já era uma tradição europeia, veste como luva de pelica nesta forma de pensar, mesmo assim as mudanças vieram lentamente, assim como o crescimento do mercado de bicicletas. Vale lembrar que uma pesquisa realizada na Suécia aponta que 27% dos usuários da bicicleta se pudessem iriam de carro, o que faz todo sentido no meio daquele frio, chuva e neve.

Holanda, o país referência, é pequeno e plano, as distâncias entre as cidades são curtas, se não está ventando, ou nevando, que é mais raro, ir pedalando é muito prático, econômico e agradável que num automóvel. Ali a bicicleta tem tudo a ver, mas a imensa maioria são bicicletas básicas, as 'old dutch', velhas holandesas. 

Neste últimos anos se viu uma quebradeira das grandes marcas de bicicleta americanas que se firmaram apoiadas no fenômeno mountain bike, mas não só entre elas. Segundo um artigo, Cannondale foi administrada com paixão e não razão, o que lhe causou sérios problemas. Várias marcas sofreram com a paixão pelo negócio. Paixão é uma coisa, negócio é outra. Misturar os dois costuma não dar certo. Negócio exige frieza, racionalidade, compreensão do ambiente de negócios.

Ponto importante para esta dificuldade das fabricantes e do setor que vem acontecendo faz tempo é a troca da bicicleta por pequenas motos ou scooters mundo afora, principalmente na China. Importante dizer que a relação do povo chinês com as bicicletas foi bem ruim até que Mao Tsé-Tung impôs, sim, impôs o seu uso logo no começo da Revolução Comunista. Faz alguns anos o governo chinês novamente criou estímulos para que a população deixe as motos e scooters e volte a pedalar. 
 
A alternativa dos fabricantes frente aos novos desafios do mercado foi de novo estimular mais uma 'moda', agora as 29, bicicletas de estrada, gravels, dentre outras categorias. Interessante notar que o mercado europeu sempre foi menos suscetível a trancos e bolhas, e a razão pode estar que lá eles são pragmáticos. A bicicleta tem que levar daqui para lá e voltar, para facilitar a vida. Modas, novidades? 
A pandemia ajudou demais o mercado, que acabou virando uma bolha. Parece que a pandemia não foi bem entendida como uma situação especial. Acabou a pandemia e os estoques de todo setor ficaram inchadíssimos. 
É impressionante a miopia histórica do setor de bicicletas. Repetindo: paixão é uma coisa, negócio é outra. Misturar os dois costuma dar ruim.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Quando seu valor é o da sua bolsa, ou bolso


O pequeno detalhe na foto acima é o preço. Quanto? R$ 239.810,00. Não, a vírgula não está errada. Você entra na loja e eles confirmam, "duzentos e trinta e nove mil e....". Uma bolsa. Não é o código? Não, não é. Tem quem compre? Tem. E não é a mais cara. 
Numa papelaria de bairro, tirando um sarro da loucura do preço, e perguntando para a mulher simples que estava ao lado se ela pagaria, ouvimos lá no fundo uma voz de uma bela menina, "Se eu tivesse dinheiro para pagar, compraria. A (não me lembro o nome da cantora americana) tem dinheiro e comprou, eu também compraria, se tivesse dinheiro compraria". Ups! Vai responder o que?

A questão é "quem sou eu?", que já faz tempo se pode traduzir em "quanto eu valho?". Entro e saio rapidamente da discussão sobre capitalismo que talvez passe pela cabeça. Quanto mais eu leio, mais fica claro que o "quanto eu valho" definitivamente não é uma questão capitalista, de política, mas humana, que acontece em toda e qualquer ideologia, religião ou o que quer que seja. Ser ou ter é uma questão humana e não só, é um dilema que atinge todos animais e insetos, todos, sem exceção. Regra de sobrevivência, simples assim, só isto e nada mais.

Agora, bolsa de R$ 20.000,00, 30.000, 40.000,00..., R$100.000,00 (?)..., R$ 240.000...? E não para por aí, acreditem se quiser. Não sei o que estão pensando, mas eu não consigo entender. Ou consigo e não aceito, nem sei se tenho direito de aceitar ou não. Para mim é um símbolo de extrema pobreza. Não tem nada a ver com ser chique. 

"Vão se os dedos e ficam os anéis", ou, "Vão se os anéis e ficam os dedos"; that's the question! A versão original e popular é "Vão se os anéis e ficam os dedos", ou seja, tudo é possível recuperar, mas não a vida. Por um outro lado tem a questão religiosa, a da vida eterna, o quem eu sou hoje para ser lembrado amanha, e daí caímos no "Vão se os dedos e ficam os anéis" (para a minha lembrança quando chegar a minha vida eterna). Os dois tem seu valor, guardadas as devidas racionalidades.
 
A questão ambiental está provando que nem tudo que se perde é possível recuperar, aliás, dependendo do que está envolvido a perda pode ser simplesmente irreparável. Pensou nas brutais perdas com queimadas e desmatamento, na extinção em massa de espécies? Pensou correto, mas definitivamente não só. O incêndio no Museu Nacional foi uma perda simplesmente irrecuperável para a humanidade, para citar um único exemplo, completamente estúpido e trágico, dentre os infinitos que temos tido neste Brasil. 
O mesmo Museu Nacional era uma forma e eternizar um legado de cultura não só para os brasileiros, mas para a história do mundo, para a compreensão do planeta. Perda deprimente!

A preocupação com a perda dos anéis ou dos dedos define quem é cada um e quem somos nós em grupo. Por que não equilibrar prática e racionalmente o ter e o ser? Deste dilema simplesmente não escapamos. O desvario do ter nos trouxe pela história evolução que acabou por ser socializada para o bem de todos, sem exceção, ao mesmo tempo que o desvario do ter é um grave problema para o planeta. Uma bolsa de R$ 240.000,00? Aí é loucura, insanidade, para mim não faz o mais remoto sentido. E para mim não faria se tivesse todo dinheiro do planeta.

"Vai se o planeta e fica a humanidade", ou, "Vai se a humanidade e fica o planeta"? Este é nosso dilema do qual não há como fugir. A saída talvez, repito em minha santa ignorância "talvez", esteja num meio termo, mas qual? São tantos os meios termos, não são? Ouso afirmar então que a única saída que me parece sensata é colocar na mesa todos números e fazer cálculos de custos \ benefícios, tudo sem emoções, ideologias, religiões, o mais pragmático possível, para saber como se consegue algum equilíbrio que seja. Pelo que dizem os especialista, os anéis já se foram faz tempo. Os dedos? Talvez os tenhamos por uma pura ilusão, tão delirante quanto se achar mais gente porque tem uma bolsa de sei lá quantos mil Reais pendurada na mão ou no ombro. 

Vídeo sobre quanto realmente custa a fabricação de uma bolsa destas.





Quanto você pedala? Quanto você precisa de uma bicicleta top? Você quer sentir o prazer de pedalar ou se mostrar? That's the question!

quinta-feira, 7 de março de 2024

Viver a delícia do trânsito paulistano dirigindo

SP Reclama
O Estado de São Paulo
(pretendo resumir o texto para enviar)

Tive a horrorosa experiência de dirigir encalacrado a passo de tartaruga no trânsito da pista local da Marginal Tiete por 10 km, entre a av. do Estado e a entrada para a Dutra. Como não sou usuário habitual de automóvel, para mim aquilo é simplesmente irracional. Sou bem viajado, já dirigi bastante fora do Brasil, e nunca vivi uma insensatez igual. Olhando pela janela fiquei chocado como todo aquele povo metido no que é o mesmo congestionamento diário. Estou cansado de ir como passageiro para o aeroporto, mas como passageiro a loucura passa meio desapercebida pelo uso do celular. Como todos aqueles motoristas conseguem viver repetindo obrigatoriamente a mesma loucura sem buscar alternativa? "Não há alternativa", responderá de bate pronto a maioria. De fato, a curtíssimo prazo 'parece' não haver alternativa que não seja treinar a paciência, engolir o que é ruim, e seguir a vida em frente. Nos acostumamos com o ruim, esta é uma verdade difícil de questionar. Em todo planeta as cidades grandes estão construindo saídas para esta situação, e está dando resultado. "Não há alternativa" é uma verdade que atende a vários interesses particulares, não os da maioria da população brasileira. A história prova que não existe este "Não há alternativa". Sempre houve, sempre há, e sempre haverá alternativa.

O alargamento da Marginal Tiete se mostrou um investimento caro, de curto prazo e que em vez de melhorar, piorou tudo. Simples, estimulou mais ainda o uso do automóvel. O problema não é o automóvel em si, mas a forma de seu uso numa cidade disfuncional. Responderão todos de bate pronto "Eu uso o carro porque tenho que usar, não tenho outra opção", e eu concordo para não ir muito a fundo na discussão. 
Nos falta é a pratica de se perguntar: "E o que mais? O que pode ser diferente?". Na insanidade mental que estamos a pergunta correta é 'O que tem que mudar já?'. A resposta é simples: olhar a forma como o trânsito flui em toda cidade, e não numa área específica. Pouco adianta corrigir um problema local se este não for integrado a correção dos problemas periféricos e correlatos. Todo sistema viário deveria estar integrado, e não está. A marginal é o caminho mais reto, portanto mais rápido, o que é e não é uma verdade. "O trânsito nos bairros é imprevisível e geralmente mais demorado". Estas e outras verdades interessa a quem? Quem tira proveito dela? Quem é prejudicado não resta dúvidas, está lá diariamente para quem quiser ver.

O trânsito que temos nos come a vida, nos deixa exaustos, nos tira a capacidade de pensar livre, daí não procuramos saída. Nos deitamos na cama, "amanhã tem mais", acordamos e repetimos exatamente a mesma coisa dia após dia. "Eu tenho família", "Preciso trabalhar", "Tenho contas a pagar"... Eu concordo plenamente, mas e o que mais? O que pode ser diferente? O que centenas de milhões de habitantes de grandes cidades pelo mundo fizeram e continuam fazendo para reverter o caos e melhorar suas vidas? Esta é fácil de responder usando os dados que estão aí para quem quiser ver: pararam de construir vias novas para desafogar o trânsito, estou falando de um processo de mais de 40 anos. Cidadãos de boa parte do mundo iguais a nós, brasileiros, começaram a pensar no futuro da vida de seus filhos e netos. Qual é o legado que deixarei para eles, filhos e netos? Eles herdarão esta cidade que vivemos que só piora? 

Precisamos minimamente questionar  o que está ruim, desapegar do ruim e aprender as vantagens de se acostumar com o que é bom. Não dá para continuar esta viagem tapando os olhos ou olhando o próprio umbigo, o que São Paulo vem fazendo a quase um século. Acreditem, somos todos humanos, podemos aprender com os outros.



Pinheiros, São Paulo - São José dos Campos
Não poderia imaginar, mas deveria... Santa inocência.  Sai de casa às 15h15 para ir a São José dos Campos imaginando que seria uma viagem tranquila, um pouco de trânsito para sair de São Paulo e estrada livre. Doce ilusão. Vivi dentro de um carro o mesmo horror que milhões de paulistanos e brasileiros vivem todos dias.

Foi uma das experiências mais desagradáveis dos meus últimos anos, principalmente pelo que vi em volta. Sei que o caos no trânsito é assim, mas nunca tinha vivenciado de dentro de um carro, e pior, dirigindo. Dependendo do local e horário, até mesmo pedalando está muito ruim, mas dentro de um carro é um horror. Já peguei trânsito assim, mas em situações diferentes, causado por um acidente, enchente, semáforo quebrado... Agora, sem nada de excepcional, com o trânsito fluindo (fluindo?) "lenta, mas normalmente" como dizem, aí não, foi uma experiência completamente nova e que dá o que pensar. 
Fiquei olhando em volta me perguntando como toda aquela massa de motoristas e passageiros conseguem aguentar todos dia a mesma loucura. "Não tenho alternativa", já ouvi muito. "Tenho família" ou "tenho filhos", também já ouvi. Mas como aguentam?

Nos acostumamos com o ruim, com o mal, é a verdade mais pura, líquida e certa. Nós, humanos, temos a terrível capacidade de adaptabilidade quase interminável. Adaptar-se é bom, mas, como tudo, tem que haver um limite. Chegar e ficar nos extremos nunca dá muito certo ou tem uma forte tendência a dar ruim para valer. Eu disse ficar, bem diferente de passar pelos extremos, de experimentar os limites, de vivenciar para saber o que é, o que não foi o caso. Nós, cidadãos das cidades brasileiras, entramos e estamos vivendo dentro de limites não aceitáveis faz muito tempo e aceitamos tudo tranquilamente como fato consumado e imutável. Estamos loucos. 

Até quando vamos esticar esta corda que já não aguenta mais? Quando vai cair a ficha que da forma como estamos vivendo nas cidades não está funcionando? Quando vamos agir para mudar de fato esta baderna?

Entrei na Marginal Tiete e perdi o acesso para a pista central, a expressa. Tive que continuar na pista local da Marginal Tiete até conseguir entrar na Dutra. O "pequeno" deslise custou quase 45 minutos do carro andando a 10 km/h. A bem da verdade, o pequeno deslise me levou a um congestionamento atrás do outro até a exaustiva chegada em São José dos Campos. Eu deveria ter ido pedalando, não tenho dúvida.
   
A continuação da Marginal Pinheiros até Jurubatuba é a mais nova ideia "genial" da Prefeitura para desafogar o trânsito, no caso da zona sul. A ideia é de uma mediocridade sem tamanho. O exemplo alargamento a Marginal Tiete provou e segue provando (mais uma vez) que abrir vias novas não dá certo. A questão é que o prolongamento da Marginal Pinheiros até Jurubatuba, caso seja realizado, trará problemas muito maiores do que 'simples' congestionamentos. Naquela zona sul de São Paulo estão as duas represas, leia-se água, e nossa maior reserva florestal, Capivari Monos. Eu não brincaria com tudo isto.