sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

nascer, viver, morrer

A vida se recicla. Muito antes da civilização inventar esta coisa de reciclagem a vida vem se reciclando naturalmente. A pergunta sobre o sentido da vida feito para o sábio eremita do topo do montanha é cientificamente simples de responder: a vida é uma constante reciclagem.

Esta época do ano tem uma forte relação com o recomeçar. Para muitos Natal é o nascimento Daquele que veio para nos guiar e ano novo é a reafirmação da esperança de um tempo novo e próspero. Pois então, Feliz Natal e Próspero Ano Novo a todos. E para a maioria a reciclagem está realizada. Algo parecido com a reciclagem econômica que sem as grandes festas iria ser complicada, pelo menos sob os padrões que temos até hoje.

O budismo fala sobre o óbvio: nascemos, vivemos e morremos. O homem que nasceu neste dia, hoje chamado Natal e representado por Papai Noel, tem um período de sua vida, entre seus 14 e 30 anos de idade, ainda desconhecido. Há estudiosos que dizem que Jesus Cristo perambulou pela Índia e talvez mais além, que lá teve contato com o Hinduísmo e Budismo. Como qualquer outro homem, portanto ser biológico, Cristo nasceu, viveu e morreu, cumpriu o ciclo normal da vida, reciclou.

Por mais que tenhamos avançado como sociedade nossa vida continua sendo conversada em torno do nascer e viver. Morrer é um tema desagradável, não raro inoportuno, que de preferência deve ser evitado. Morrer está diretamente relacionado com tristeza, dor, perda, e muito pouco com transformação, reciclagem, naturalidade dos fatos, inevitável. Talvez o melhor saldo deste ano que agora termina foi ter surgido um início de discussão mais séria sobre o direito de morte de pacientes terminais. Passei uns 7 anos acompanhando o final da vida de pessoas queridas e acabei aprendendo sobre a naturalidade da morte, por isto faço meus mais profundos votos que um dia, o mais breve possível, ela faça parte da vida. Talvez um dia a humanidade agradeça ao Black Sabbath original, o do Ozzy, por ter brincado com as coisas do outro lado da vida, mas no meu dia prefiro uma boa e alegre banda de jazz.

Morte foi natural até o momento em que começou atrapalhar alguns interesses, principalmente de senhores feudais. Manter o pessoal vivo é mais lucrativo. Negócios são negócios e como qualquer outro instrumento a morte passou a ser usada e abusada como eficiente forma de controle social. A igreja que o diga. Refinou-se tanto a técnica do marketing da morte que um dia surgiu o purgatório, o mais fino esmero da sacanagem: quem é mandado para lá pode negociar seus pecados, ou seja, pagar com juros e correção monetária, e assim voltar para o paraíso. Já no inferno a coisa pega para valer, mas sempre se pode dar um jeitinho. Medo faz milagres. Pavor coletivo então...

Jesus Cristo está no banco de reservas. Foi substituído pelo Papai Noel estilo Coca Cola, um velhinho simpático, que por ironia do destino continua sempre corado, vigoroso e nunca morre. Sua sobrevida sorridente ajuda a amenizar nossas agruras naturais da vida e nos dá a eterna esperança que nossa meia pendurada numa árvore enfeitada amanheça recheada com o nosso mais profundo desejo, normalmente algo individual e individualista. É meu! E também cria uma certa obrigação de dar algo para alguém ou para alguns. Dar não é exatamente doar. Dependendo do espírito dá-se ou doa-se, normalmente na esperança de ter algo em troca. Com a morte real não há troca, escambo ou negócio. Morte é definitiva. Nascimento é definitivo. A vida, queira ou não, também é definitiva. Sem entender o que é definitivo na esteira do transitório que nunca pára, onde tudo um dia cai, segue e desaparece, do maravilhoso ao péssimo, indiscriminadamente, não é possível entender o que é de fato viver com naturalidade.

A vida passa por nós e se não souber olhar este processo com plena naturalidade dificilmente viveremos a vida real de cada momento, de cada pessoa, de tudo que nos cerca. Muito provavelmente estaremos presos a preceitos primitivos, bárbaros e medievais que ainda sabotam o potencial que a humanidade vem constantemente criando pelos séculos. O elo perdido é a morte, o fim definitivo, o termino, a certeza que haverá reciclagem. Nosso corpo se recicla constantemente; nossa mente, sua inteligência e emoções também. Morremos e nascemos biologicamente a todo segundo. Transformação química pura. Não há porque negar a morte, não há porque temê-la. É natural. Imagine só a cara de saco cheio de Jesus se ele tivesse a certeza que nunca iria morrer.

Viver é fantástico; bem entendido: nascer, viver e morrer. Reciclar

Boas Festas a todos

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Cidade brasileira; caos e segurança


A bicicleta me levou a cantos de várias cidades, do Brasil e do exterior, que normalmente um cidadão comum não vai, aliás, geralmente nem sabe que existe. A cidade existente de um cidadão comum é o trajeto que ele faz em seu carro ou transporte de massa, portanto é essencialmente a cidade das vias principais e do caminho para o trabalho, estudo ou diversão. O que está fora desta rota sequer é visto. A cidade fora dos hábitos é um território praticamente desconhecido. A quantidade de gente que nunca foi ao centro de suas cidades é muito grande. Parecido com criança que acha que só existe o frango congelado do supermercado. Frango vivo ciscando pode ser apavorante.

Várias pessoas foram levadas pela bicicleta a circular em uma cidade que lhes é bem pouco conhecida, até mesmo a que passa na porta do carro diariamente. Quem sai do carro, de suas pequenas janelas e alta velocidade, simplesmente fica impressionado com o local onde vive, seja para o bem ou o mal. A maioria descobre que a cidade, principalmente à noite, é muito mais simpática do que (não se) vê de dentro de uma caixa de vidros pretos. Normalmente o cidadão motorista que está pedalando quer ir descobrir, ou melhor, redescobrir o que já é conhecido; ou que acreditam que seja. Passar devagar, caminhando ou pedalando, pela avenida na qual estão fartos de ficar parados no congestionamento, já o máximo da emoção de novas descobertas. Conhecer a rua de cima ou de baixo, parar na praça, no boteco é mágico. Mas dificilmente aceitam entrar em locais desconhecidos, mais simples, ou passar por uma favela, uma área dita violenta, mesmo que você, guia experiente e respeitado, assine em baixo que conhece o pedaço e que ali não é o que se imagina ou dizem. Os que aceitam o “desafio” geralmente tem um choque de culturas e verdades.

Entrei algumas vezes em favelas. Uma delas no Rio de Janeiro, quando tive que levar uma empregada doméstica para casa porque estava com caxumba ou coisa semelhante. Quando me pediram o favor de subir a menina dei pulos de alegria pela chance de ver o morro por dentro. Na subida do Morro do Vidigal passamos por 4 revistas armadas dos traficantes. Como estava levando gente da comunidade seguimos sem problemas. A via, a medida que chegava mais próxima ao topo do morro, estreitava, trazendo uma apavorante claustrofobia até para um visitante acostumado a lugares estranhos. Os últimos quarteirões permitiam a passagem só de meu pequeno carro. Um caminhão ali, se passasse, passaria raspando as paredes dos casebres. A casa da menina ficava exatamente no topo, com uma incrível vista: de um lado São Conrado, d’outro Leblon e Ipanema. Deslumbrante. Quanta inveja. A riqueza da vista só permitida aos mais pobres, olheiros e comandantes do morro.

Na Paraisópolis, Morumbi, São Paulo, a situação foi diferente. Entrei com Jonas para fazer vistoria no trecho que deveria receber então o início de uma ciclovia que nunca saiu do papel, a Paraisópolis – Shopping Butantã / Eliseu de Almeida. Fora da favela umas poucas pessoas na rua, os carros que passavam apresados. Dois quarteirões a frente, já dentro da favela, gente tranqüila conversando ou caminhando, um comércio simples e variado, nem sinal de armas e traficantes. Quando começamos a tirar fotos veio alguém, um pau mandado, verificar o que estávamos fazendo lá, e só. Estava na cara que éramos alienígenas no pedaço e que o sujeito estava checando para os donos do pedaço. Eu e Jonas ficamos pasmados com a vida borbulhando ali e o contraste com o bem organizado, limpo, rico, sofisticado, cheio de seguranças e ao mesmo tempo absolutamente morto bairro que fica logo ao cruzar a rua de volta à civilização; seja esta o que quer que seja que a esta altura não sei mais.

O que você prefere? Que cidade queremos? Esta é a pergunta que me faço e que ouvi ser repetida por Henrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá e responsável direto maior transformação urbana destas últimas décadas. Peñalosa fez um comentário assustador: São Paulo, a cidade mais rica do país, não tem crianças circulando nas ruas. Deprimente! Nas favelas têm. Ironia, vida corre solta para os desprotegidos e é um presídio para os privilegiados. O sonho dos “bacana”, “gente fina”, é circular num carro blindado. Ou será brindado? A verdade blindada não leva a uma vida que deve ser brindada.

Contraste é o que mais há em nossas cidades. E como fazemos questão de não olhar o outro lado de nossos muros o que há no lado pobre é por princípio um conto de terror. Não é bem verdade. Onde está a cidade feliz? Onde estão as pessoas livres? Quem é livre? O que é liberdade? Não nos damos conta que o conto de terror real é não buscar melhorias para nossa própria vida e que este passo passa obrigatoriamente pela melhoria da vida do próximo, de todos e principalmente dos menos favorecidos. Não se trata de piedade, socialismo barato, mas de sensatez, de lógica. Melhorar a condição básica dos necessitados - leia-se melhorar a cidade - é o caminho mais curto e simples para chegar aos resultados que nós desejamos. Se quer se auto-proteger, ser egoísta, pelo menos seja com inteligência. Não existe solução para um lado só. Quanto melhor o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) geral, melhor a vida individual. Ou vamos todos, ou não vai ninguém. É escolher entre a burrice do blindado ou ser brindado pela vida.

A bicicleta me deixa cada dia mais ansioso sobre o futuro. Vejo cidades escondidas com grande potencial para construir uma vida melhor. O que muitas vezes parece uma baderna urbana nos dá inúmeras oportunidades. Duro é mudar uma cidade projetada, quadriculada, cartesiana, protegida, construída para fins específicos. Vide Brasília. Caos pode ser aproveitado, arranjado, transformado de várias formas. O que está petrificado, cercado, isolado, blindado, definitivamente arranjado, está doente, está dissociado da realidade da vida moderna, das urgências para o bem de todos. É necessário se abrir ao caos. Não precisa aceitar, mas pelo menos reconhecer e aproveitar ensinamentos para um novo conceito de segurança e felicidade. Afinal, uns tem morte por falta de segurança, bala perdida, brutalidade; outros comentem suicídio social por medo da vida, por medo da mudança. A bicicleta oferece a liberdade de ver e sentir o caos da vida com equilíbrio e sensatez. O carro dá a chance de passar rápido e não ver nada que desagrade. Dizem que bicicleta é insegura e que o carro é seguro. Depende muito, mas eu tenho mesmo é medo de andar de carro, muito medo. Estarei ficando louco?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sobre corte no orçamento e as mobilidades sustentáveis

O Estado de São Paulo

Fórum do Leitor

Fica aqui meu pedido à Presidente Dilma Rousseff para que todos trabalhos e projetos para melhoria da segurança e conforto de mobilidades não motorizadas, ou seja, pedestres, deficientes físicos e de mobilidade, e ciclistas, não sejam incluídos no corte de orçamento da União que se faz necessário.

Dado que a maioria da população se transporta a pé, que todo brasileiro, mesmo os mais motorizados, é em algum momento de sua vida um pedestre; que aproximadamente 14% da população é deficiente físico ou tem deficiência de mobilidade; que a bicicleta é o veículo mais usado no Brasil, tendo relevante importância no transporte e subsistência de boa parte da população, principalmente a massa menos privilegiadas; que todos estes sempre foram e continuam sendo colocados em planos secundários relativos a questão da cidade, de seu trânsito e transporte; que a reconstrução das cidades e de nossas vidas, principalmente dos pequenos, geração futura, só será viável se for respeitada e legitimada a vida de todos, onde crianças, como seu neto Gabriel, possam circular e brincar livres e seguros pelas ruas.... Dado o baixo investimento voltado especificamente para não motorizados, que por si só traz o patético nonsense do termo “não motorizados”, termino esta novamente pedindo que não se tire o direito do pobre (e de todos nós) caminhar em uma calçada digna, praticamente inexistente em boa parte do Brasil; que não se mantenha em prisão domiciliar os deficientes, como hoje acontece; que dezenas de milhões de ciclistas estudantes e trabalhadores (e todos outros) também possam ter direito ao uso seguro das vias e de cruzar pontes...

Enfim, Excelentíssima Senhora Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, como ciclista, pedestre, tio avô, e principalmente como cidadão responsável por e com todos, peço que todo orçamento voltado à vida seja pelo menos mantido, quando não ampliado. É mais barato investir em previdência e futuro, que pagar contas de acidentados. Todos nós agradecemos. Gabriel em tempo lhe agradecerá

Arturo Alcorta
RG.: 3.472.416 SSP SP
rua Eugênio de Medeiros 465, Pinheiros - 05425-001
São Paulo, SP
011-9248-8747

Bicicletas públicas em Buenos Aires

Matéria sobre inauguração das bicicletas comunitárias em Buenos Aires:
http://videos.lanacion.com.ar/video18006-se-inauguro-el-sistema-de-bicing-en-la-ciudad 
 
Buenos Aires vai aos trancos e barrancos implementando a bicicleta como modo de transporte. Para quem não sabe até a década de 90 foi "proibido o uso de veículos movidos a sangue" na cidade, o que incluía a bicicleta. Ademais a cultura do automovel é muito forte e tradicional. O automobilismo de competição faz parte da vida dos argentinos, que sempre tiveram uma forte indústria no setor.
Buenos Aires tem um trânsito muito especial, que flui as custas de motoristas que usam pouco os freios, mudam de direção suavemente e com constância, semaforização sequencial, enfim, um tanto estranha para um ciclista. Não senti agressividade latente, como em algumas outras capitais que pedalei, mas a primeira vista tudo parece uma tremenda baderna, o que não é. Pedalar em BsAs é relativamente tranquilo, só tendo que tomar muito cuidado nos cruzamentos no meio dos bairros.
O sistema cicloviário existente foi desativado (pelo que me contaram) e um novo está sendo projetado por uma empresa de engenharia brasileira, a Logit, se não me falha a memória.
Para terminar, pedalar no Parque Palermo, onde se encontra este bicicletário do vídeo acima, é uma maravilha. Infelizmente há problemas de segurança, o que é triste, já que BsAs tinha índice praticamente zero de crimes há algumas décadas.
O que me deixa triste é que a quantidade de bicicletas e as urgências que temos aqui em São Paulo são muitíssimo maiores que as de Buenos Aires e praticamente nada acontece aqui, ou acontece num passo de galinha, como disse Soninha