sábado, 24 de setembro de 2011

Esquizofrenia

O Estado de São Paulo
São Paulo Reclama:

Não me resta mais dúvida: estou doente, sou esquizofrênico. Vivo em um mundo irreal onde busco constantemente estabelecer uma relação de sensatez, equilíbrio e civilidade no trato com minha cidade e meu país, e simplesmente não consigo. Sou tomado por todos como idiota, insano, louco furioso. Fico agindo como o que creio que deva ser um cidadão, reclamando de coisas que os outros parecem não ver e não conseguem entender. Sou um chato, inconveniente, abusivo. Acredito realmente que somos uma sociedade, que podemos construir um futuro melhor, que juntos podemos mudar as coisas erradas. Estou doente, fatos diários e a reação da imensa maioria comprova isto. Tive mais um acesso de fúria ontem à tarde. Não fui capaz de entender uma situação burocrática. Consultei meu advogado, que afirmou que o que considero preciosismo desnecessário do DETRAN tem sua razão de ser, que eu devo fazer a declaração por eles pedida, que, a meu ver, dentro de minha ignorância e esquizofrenia, diminui a força da ordem expressa em documento por um Juiz. “Uma declaração sua fornece garantias extras (?) ao DETRAN” disse meu advogado. E completou “Deixe de ser Don Quixote!”. Não tenho mais dúvida, sofro de esquizofrenia quixotesca, daquelas que o doente realmente acredita que é cidadão e tem o dever de protestar, lutar pelos seus direitos, se necessário espernear em nome de todos, do justo, do sensato, da dignidade. Meus amigos e parentes fazem chacota ou repetem sempre “Para com isto que não adianta nada” ou “Não vai mudar nunca”. Peço desculpas a todos brasileiros, mas eu não consigo mudar. Estou doente. Sou esquizofrênico. Eu ainda acredito.
Nesta semana, um dia depois que enviei este texto para o jornal deu-se a mais nova e atualizada definição deste nosso Brasil de nunca d'antes: um menino de 10 anos deu um tiro na bunda da professora, saiu da sala, subiu uma escada (Stairway to heaven?) e suicidou-se comum tiro na cabeça. "Kafka é brasileiro"!

domingo, 11 de setembro de 2011

Direito de pensar - violência

Acordei assustado e ofegante. Dentro de uns dias volto ao Brasil e já comecei a sonhar com as coisas de nosso país. Pesadelos, melhor dizer. Sonhei (ou tive um pesadelo) no qual estava na casa do Abílio Diniz (?????) e no meio da reunião entra um sujeito bem vestido tranquilamente e dá um tiro mortal na cabeça do mordomo e um segundo tiro para machucar na namorada do Diniz. No meio do tumulto fala alguma coisa que não posso entender, mas é um recado ou ameaça, e então sai de cena tranquilamente. Corpos estendidos no chão, convidados mais calmos; saímos pela porta da frente e ganhamos a rua. Um pouco mais a frente encontramos o executor, sujeito tranqüilo e educado, que tenta explicar o que havia feito. Não outra forma de escapar da situação a não ser continuar caminhando ao seu lado. O pânico se multiplica em dois: não ter certeza do que o assassino nos reserva e o pânico de saber que a segurança do Diniz é pessoal do “mossad”, a elite do exército israelense que faz uns bicos no Brasil. “Quem será mais perigoso?” me pergunto constantemente. Passamos por uma mendiga clicando uma velha máquina fotográfica, das que usam filme. O assassino arranca a máquina da mão dela e segue clicando até desaparecer na multidão. Não deixo de pensar um segundo que o mossad já deve ter visto eu junto ao assassino. Sei que minha vida daqui para frente será absolutamente insegura, que minha vida está definitivamente em perigo, não importa o que eu faça ou tente explicar. Acordo. O quarto está praticamente escuro. A luz forte da luz passa pela cortina. A janela aberta deixa entrar o barulho da avenida que passa na frente do hotel. Levanto, abro a cortina e me apoio na janela. A lua está maravilhosa, cheia, brilhante, o céu límpido está cheio de estrelas. Ar puro e fresco. Coisa raríssima em uma São Paulo tão poluída. Onde estão nossas estrelas? O silêncio no bairro é muito agradável. São 3h00 da madrugada, não há ninguém nas normalmente calmas ruas deste bairro de edifícios, todos em 5 andares. Há umas poucas janelas com luzes e uma única com TV ligada. Fico admirando a paisagem e tendo espasmos apavorantes com meu sonho, ou pesadelo. Dentro de mais uns dias estarei de volta ao Brasil e esta sensação de completa tranqüilidade, de absoluta segurança, ficará aqui na Turquia. Isto aqui dá mais segurança que Nova Iorque, Paris, ou Barcelona. Tanta segurança quanto em Munique. São Paulo, sob este ponto de vista, é apavorante. A cada volta para minha casa é uma sensação desagradável de fragilidade, de estar exposto a um assalto. A lua vai baixando, brilhante. Lá em baixo há só dois jovens revirando o lixo de uma festa de casamento que aconteceu no hotel. Lixo aqui fica dentro de caixas fechadas. Os dois catadores tomam grande cuidado para não fazer barulho e só os percebi por causa do movimento. “Isto aqui é incrível! Que inveja desta tranqüilidade.” E as imagens do pesadelo voltam angustiantes.

Pego o carro. As ruas estão vazias. Me dou conta que não há seguranças, nem homens disfarçados caminhado pelas ruas. Quando há segurança ela é pública e bem clara. Nos museus há segurança armada, muitas vezes com metralhadoras leves. Em Istanbul entrei numa joalheria sofisticadíssima, imensa. Eu estava vestido com uma bermuda velha e de camiseta provavelmente já bem amassada pela viagem, mesmo assim me foi dado na mão um maravilhoso anel de US$ 3.000,00. Nada de segurança particular vigiando o local. Nada de porta fechada. Escancarado. Impensável no Brasil.

Nossos políticos e o pessoal do judiciário têm a coragem de dizer que estamos no estado de direito e em plena normalidade. Para quem? Só se for para eles. Normalidade é isto aqui. Normalidade é o direito do cidadão de sair para a localidade que bem entenda, mesmo com cara de gringo, e não sentir o mais remoto constrangimento, desconfiança ou mesmo o menor receio. É ridículo ter pesadelos sobre violência porque sei que dentro de uns dias volto para minha pátria e lar.

No final de contas não é só a questão da insegurança que pega. Tudo por aqui funciona muito melhor. As piores estradas são boas, os aeroportos são funcionais, as pessoas são educadas e atenciosas. É incrível o cuidado que este pessoal tem com suas crianças. Foram pouquíssimas as crianças que fizeram pirraça e as broncas, raramente necessárias, são dadas com carinho. O pessoal fala baixo, não há fuzuê nos bares, mesmo com a TV ligada no futebol. Não ouvi uma discussão sequer nestes mais de 10 dias. Há um grande cuidado com os outros, com o coletivo. Prova disto é que vira-latas caninos e felinos são tratados com muito respeito e nenhum animal tem medo de se aproximar das pessoas. Muito pelo contrário. Num dos restaurantes que sentamos numa mesa na rua vi uma discussão entre a atendente e um cliente que se sentiu incomodado pelo cachorro. O vira-lata estava tranqüilo, respeitando todas mesas, mas muito interessado numa madame beagle de coleira sentada no colo da dona. A discussão, muito discreta, acabou na saída do cliente e na permanência do vira-lata. Nenhuma das outras talvez 12 mesas sequer percebeu o que aconteceu.



Sai do Brasil bastante desorientado com os acontecimentos deste ano e de minha própria vida. Aos 56 anos vejo um país que andou muito para frente em certos aspectos, mas no qual a vida está cada dia mais difícil e até em alguns momentos impraticável. As mortes violentas de Leonardo e Victor doem demais. Estou vivendo a repetição em casa das mortes brutais de Tim Lopes, repórter da Globo, e do menino João Hélio. Estamos no meio de uma guerra civil e nos acostumamos com a situação. Dentro de uns dias saio da Turquia mais consciente ainda que estamos, brasileiros, completamente loucos. Sei que vou aterrissar em Cumbica, pegar uma fila ridícula para mostrar documentos; que neste momento vou sentir profunda vergonha pelo tempo que os estrangeiros vão demorar para entrar no nosso país. Pior, vão dar com um aeroporto que mais parece uma feira livre e, ainda pior, dali vão pegar ou a Ayrton Senna ou a Dutra para cair na Marginal Tiete com suas paisagens deprimentes. Ai começa a violência, na baderna urbana, na falta de civilidade. E pode terminar encurralado entre um assassinato encomendado ou a segurança particular de um empresário bem sucedido, se o for. Depende de quem olha: se for os brasileiros ou se forem os franceses. Triste e assustador.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Direito de pensar - presidiários

Charles Darwin e seu tratado em livro “A origem das espécies” nos remete àquela imagem clássica do chipanzé que transforma num macaco semi ereto, que tem a frente um homem peludo, que finalmente se transforma no homem ideal de nossos dias, completamente ereto, sem barriga, jovem e forte. Associamos automaticamente a evolução de nossa espécie como sendo corpórea, como fosse de uma casca. Quando eu era criança, faz muito tempo, lá pelos anos 50 e 60, sob a influência da santa Igreja (santa com minúscula mesmo), a moralidade impunha tamanhos limites ao pensar que até mesmo Darwin ainda era questionado. Ok, não mudou muito, porque em várias partes dos Estados Unidos há grupos religiosos que questionam esta definição científica. Para eles somos produtos de Deus e ponto. Adão e Eva e estas coisas. O homem foi criado a semelhança de Deus e não houve evolução. Adão teria sido Tom Cruise ou Tom Hanks? Talvez Tom Jones? Tem algum “Tom” loiro que possa ser incluído? Fica a escolha da seita religiosa.

Meu pai tem uma definição interessante para o celebro. Diz ele que o celebro é como um músculo, que quanto mais treinado, mais em forma fica. Eu entendo a explicação dele como fosse um conjunto de grupos musculares. Da mesma forma que o corpo humano se reestruturou para os novos usos que a ele foram impostos, nosso cérebro também o fez e segue fazendo a cada segundo. Quem anda muito a pé descalço tem os pés completamente diferente de quem usa sapatos, que também é diferente de quem usa tênis ou botas. As pinturas de Portinare, principalmente a série plantadores de café, mostram pés imensos, grossos, espalmados, que sempre achei que fosse uma figura de linguagem do pintor, mas é uma expressão quase exata da realidade. Pés, como qualquer outra parte do corpo, incluindo cérebro e sistema nervoso, mudam conforme a necessidade. Mas normalmente vemos a casca, não o sistema completo, as relações, o micro e macro juntos. Darwin!

Infelizmente e vergonhosamente considero que li muito pouco na vida. Não tenho condição de fazer, através da literatura, uma análise sobre a evolução do funcionamento dos neurônios, não só no sentido do pensamento em si, da Inteligência emocional e racional, mas também e principalmente em relação à evolução da inteligência neurológica. Como jogaria Pelé e Garrincha como toda esta medicina esportiva que um Ronaldo teve a disposição. Qual a diferença neurológica entre os corpos da década de 50, 60 e os de hoje? Exemplo fácil: porque minha geração não consegue digitar ou jogar games como esta molecada? Ver um Leandro “teclando” mensagens ao celular para mim é fascinante e frustrante. Nossa diferença é só treinamento ou houve uma evolução neurológica da espécie nestes 30 anos? Eu não tenho a nítida sensação que o histórico psico-neurológico-social pode ser percebido de grupo social para grupo social.

Brasil foi e segue sendo o país das capitanias hereditárias. “Sabe com quem está falando?” E Turquia foi e de alguma forma segue tendo influências do Sultanato. “Fé em Deus e pé na tábua”, diz o título do livro de Roberto DaMatta. Como ele mesmo disse em entrevista “trânsito é o melhor reflexo de uma sociedade”. Motoristas sempre deixam claro seu histórico psico-social, portanto também neuro-social. É como o dedo mínimo estendido na hora de tomar café. Ou o gestual delicado das japonesas, a sensualidade caminhante das africanas, o reger a orquestra da conversa italiana, e assim vai. Como será estruturada estas diferenças esquelética / muscular / neurológica? Como entra Darwin ai? Aqui em Istanbul é assustador ver como os motoristas deixam o carro ir para cima do pedestre. Paulistano não sabe reduzir a velocidade porque não sabe frear. O motorista de Istanbul dá a sensação que sabe o que está fazendo, mas me pergunto se eles têm os reflexos condicionados para tempo tão baixo de reação? Eles deixam o pedestre passar, mas abrem caminho com o carro como fossem pedestres vestidos de automóvel. Na periferia de São Paulo fica claro que o problema é falta de treinamento ou de passado automobilístico. Aqui em Istanbul..., não sei. Pensando bem, aqui em Istanbul o trânsito é uma baderna generalizada. Nós, paulistanos, ou brasileiros no geral, somos muito mais civilizados. Eu gostaria de fazer uma conexão entre o que eles são como motoristas hoje e sua história de civilização. Interessante é que depois de 5 dias não ouvi sequer uma sirene de ambulância passar.

Zumbi, meu pequeno poodle preto, está aos poucos ficando sego. Preciso buscar informações sobre treinamento porque ele está cada dia mais inseguro e angustiado. Quero entender como funciona o processo da cegueira para desarmar os condicionamentos estabelecidos pela visão, onipotentes e onipresentes, que continuam servindo de parâmetro para a sua nova vida de sego. Talvez o primeiro passo seja fazer a experiência de ir pessoalmente para as ruas com olhos completamente vendados. Somos todos prisioneiros de nossos próprios olhos, principalmente nesta sociedade agressivamente visual de hoje. Somos prisioneiros de vícios neurológicos estabelecidos por várias gerações de nossa própria família e sociedade, e atualmente pela sociedade industrial. Inegável que há uma doutrinação neurológica, presente no dia a dia. De outra forma não haveria padronização, que é a base da produção em massa. Acredito que deva nos limitas a evolução. Canhotos conseguem sentir esta situação diariamente, mas também se adaptam porque há pouquíssimos produtos com soluções próprias para eles. Já tentou abrir uma lata de ervilhas com a mão esquerda? Tente, é bem interessante. Sobre nosso caráter neurológico ninguém fala; a não ser que haja algum comprometimento mais sério e limitante.

Uma amiga sofreu um derrame e teve que reaprender a andar. Num determinado tombo, esparramada no chão, virou para o médico e fisioterapeuta e disse: “Não quero aprender a andar. Quero aprender a me levantar de meus tombos”. Funcionou. Pessoas e grupos sociais normalmente só se pré-dispõe a uma grande mudança a partir de algum evento traumático, quando e onde todo parâmetro habitual simplesmente cai em nos mais diversos e realistas questionamentos.

Como ensinar sociedades a reorganizar seus processos, culturais, de pensamento, e psicomotores? Como fazer isto sem destruir nossa principal riqueza, que é o passado, a memória? Mais uma vez a resposta gira em torno da educação, do semear cultura, da abertura. Como pegar uma sociedade tão civilizada como estes turcos e fazê-los também ser civilizados enquanto dirigem? Só com educação emocional e racional? O que nos falta para conseguirmos sair deste atoleiro?

domingo, 4 de setembro de 2011

Direito de pensar: Liberdade; libertinagem; respeito

Liberdade. Libertinagem. Eis a questão? O que é mais precioso? Não dá para chegar ao refinamento de ter liberdade com libertinagem? Ou de ter libertinagem com liberdade? Qual será o mais difícil? Talvez seja a definição de nossos dias, desta “belle époque” do canibalismo socialista liberal tão banal? Ou a dúvida aqui possa ser colocada de outra forma: Quais são as demandas reprimidas de nossa sociedade? Quanto de liberdade e quanto de libertinagem? Qual o ponto de equilíbrio? Mas a questão é mais em baixo: nós sabemos o que é liberdade? Você sabe qual é seu ponto de liberdade? Sabemos o que é libertinagem? Qual é o seu grau de libertinagem? Sim, libertinagem! Ou você se considera livre, mas não libertino? Somos uma sociedade libertina que tem sua base na rigidez, no ortodoxo, no moralismo, num processo egocentrado. “Sabe com quem está falando?”. Somos infantis, erramos sem a real liberdade da brincadeira.

Liberdade só existe sob o manto da disciplina. Só a disciplina permite o controle da liberdade. Cultura, educação, prática, abandono da soberba, consciência, execução, bem de todos. Liberdade. Simples. Ou há liberdade para todos ou nunca seremos livres individualmente. Somos uma sociedade, um sistema. Como no trânsito. Você foge às regras e coloca o sistema em risco. Com o sistema em risco você está em risco. Quem é este você? Somos individualmente fruto do sistema, totalmente associados ao sistema, por mais diferentes e individuais tentemos ser. No caso do trânsito, um ótimo espelho da vida, “você” pode ser um técnico de trânsito; o povo que votou em quem está no poder e quem governa em nome destes, portanto, a política empregada no local; o motorista, motociclista, ciclista, pedestres..., todo universo de mobilidades de uma cidade. Enfim, você é você próprio e você “somos” ao mesmo tempo todos nós. Genética e culturalmente assim é. Exatamente como no trânsito. A liberdade de ir e vir em segurança e conforto. Simples. A verdade não é simples assim como queremos pensar. Trânsito é um bom exemplo desta nossa baderna filosófica e de medos. A bem dizer um caos ordenado. Sabemos bem dos benefícios da ordem, mas nossa imaturidade sobrevive nas delícias do caos permissivo. A liberdade com o privilégio à libertinagem. Pelo menos em países menos desenvolvidos, de terceiro mundo.

Num dos países nórdicos, que não me lembro bem qual, qualquer número que não seja zero acidentes é considerado um desastre. No Brasil se fala com orgulho de que as mortes diminuíram alguns dígitos, quando número oficial de acidentes vem há anos na base de 35 mil/ano. “No carnaval deste ano o número de acidentes nas rodovias federais diminui...” anuncia o locutor do jornal noturno da TV. A nossa liberdade se mede no fato de, por lei, a posição dos radares terem que ser avisados antes. Em qualquer país civilizado a carteira de habilitação é uma concessão dada pelo estado para o cidadão. Aqui é um direito, não pelo que a lei diz, mas por privilégio social. “Brasil, o país dos coitadinhos”. (Se não sabe o que é um “coitado”, recomendo que procure num dicionário de boa qualidade; mas em resumo pode-se dizer também que é aquele que sofre coito). Tem lei que cola, tem lei que não cola. O trânsito brasileiro não é pior porque nós gostamos de ordem e mesmo abandonados a deriva pelas autoridades tratamos de respeitar as regras. Não fosse assim não teríamos a economia que temos. A questão é que nossa atual liberdade veio em um carro zero pago em trezentas suaves prestações, uma libertinagem bastante interessante para os vendilhões de nosso futuro. Em de educar para a vida, nos treinam para serem novamente votados. Acidente zero seria o suicídio para eles. Viva a Copa!

A liberdade será o que compramos? E a libertinagem será o que nos vendem? Dá para acreditar numa matemática tão simplória? Ou será o inverso; a liberdade é o que nos vendem e a libertinagem é o que compramos? Valem todas as fórmulas e mais quantas combinações se possa fazer com a nossa liberdade e libertinagem de cada dia. Assim como dirigir um carro, moto ou pedalar uma bicicleta. No skate pelo menos este jogo de palavras e valores vai por água abaixo porque vale tudo, com direito a um tombo homérico, cheio de arranhões, quando não alguma fratura. Skatista pelo menos é honesto consigo e com os outros. Motorista tem uma grande diferença: se errar pode machucar ou matar o outro. Motorista que não entende a regra do jogo é desonesto. Ciclista que pedala sem cuidado com os pedestres também é socialmente desonesto. É uma questão de entender não a regra do jogo naquele exato momento, mas a regra maior, a do jogo macro. Brincar de liberdade e libertinagem no micro cosmos é fácil. Jogar o jogo do respeito para valer é outra coisa, é brincadeira para adultos, civilizados, honestos, livres e libertos. No respeito todos ganham e tem irrefutável direito à liberdade e libertinagem. Cabe a quem pensa dar um passo a frente e assumir suas responsabilidades. Liberdade e libertinagem. Só a cultura ampla e irrestrita nos salva.

E me pergunto: as mesquitas cinco chamadas daqui, Istanbul, fazem religiosa e pontualmente 5 chamadas por dia. As regras sociais são claríssimas. E o trânsito é isto que se pode ver.

Quanto menor o poder da religião melhor é qualidade do trânsito, menor o número de mortes violentas. Estranha realidade.


sábado, 3 de setembro de 2011

Direito de pensar - liberdade

O Alcorão manda que se faça cinco chamadas para rezas por dia. Na hora marcada, esteja onde estiver, você vai ouvir o cântico dos versos de poucas palavras, mas demorado. Dos inúmeros minaretes espalhados pela cidade invade o entoar arrastado cantado, muitas vezes como que em coro entre vários minaretes, um cantor respondendo ao outro lá longe. Em Cambuquira, sul de Minas Gerais, durante anos o padre colocava aos berros estridentes uma música de igreja como chamamento para as missas. Creio que era lá também que a missa em também era transmitida aos urros desafinados pelo alto falante pendurado na torre da igreja. Cambuquira é muito pequena, 17 mil habitantes, a igreja fica justamente no alto e centro da cidade e a imposição do padre chegava longe. Uma pequena parcela da população atendia aos chamados e cumpria suas obrigações religiosas. O resto, a maioria, rezava em silêncio pedindo a Deus para carregar o velho padre para os quintos do inferno. Entrar na justiça contra a igreja ninguém fez. Temor ou política? Sabe-se lá? Mineiro come quieto.

No centro dos Estados Unidos, onde há uma quantidade sensível da população segue princípios religiosos, alguns rígidos, antes de comer é realizado um agradecimento pela benção de ter o que comer. Por influência desta mesma formação religiosa há uma grande preocupação com o comunitário, com o bem social de todos. Provavelmente o fast food e o carro devem estar acabando com este espírito e o resultado é que cada dia as pessoas ficam mais gordas e egoístas. Só uma conjectura, mas provavelmente não deve estar longe disto. No Brasil muitos dos que são ligados a estas novas igrejas aprenderam a ler pela obrigação de conhecer a Bíblia, o que é um ganho social sem tamanho. Também fazem um trabalho social importantíssimo. Muito saíram da miséria e tornaram-se classe média, e com isto veio o status, o carro, a pressa... Confesso que, se há um grupo social do qual tenho realmente medo é daquelas mulheres de cabelos presos ou soltos, vestidos longos de padrões discretos e ultrapassados, e sapatos baixos, que caminham olhando para frente com um olhar de autoridade soberba morta. A grande maioria sega perante a fé e em nome de seu Deus tem certeza de ser superior.

Atrás das burcas há mulheres iguais a quaisquer outras. Mas estão completamente escondidas, talvez nem seguras dentro de suas armaduras. Qual é ponto que nos levaria a compreender a verdade daquela situação? Sempre pensei que os homens destas mulheres escondidas também se vestiam diferente. Não aqui. O cara vai de jeans, camiseta, sapa-tenis ou tênis da moda e sai com sua mulher completamente escondida sob a burca. Aonde começa a fé e termina a insegurança pessoal? Não é muito diferente de outros hábitos ortodoxos, religiosos ou não. Como o hábito social de ser perua, especialmente em São Paulo, onde o dinheiro pesado corre solto. Perua que é perua pouco é vista nas ruas normais. Geralmente estão em templos de consumo rezando suas crenças ou afiando suas línguas. Chegam ali em carros totalmente pretos, com vidros também pretos, burcas de quatro rodas. Vestem-se de modo comum entre o seu meio social, dito em própria causa chiquérrimo, cruzam os corredores dos shoppings sem olhar para os cafonas mortais; enfim, tem suas vidas regidas por revistas sagradas como Caras e outras mais. Não usam burca, mas abusam do botox, do silicone. O efeito é mais ou menos o mesmo.

Brasil é um dos maiores exportadores de roupas íntimas para os países islâmicos, sinal que debaixo daquela burca deve haver algo. Despir botox e silicone para encontrar a verdadeira mulher é absolutamente impossível e mesmo assim tem homem que acha o máximo. O imaginário faz milagres e de milagres vive a Fé. No final das contas acaba sendo tudo igual. Somos todos humanos em busca de um ponto de apoio para nossas incertezas ou fraquezas.