domingo, 17 de março de 2024

Setor da bicicleta em crise; mais uma vez

Eu entrei no mundo da bicicleta e dos pedais no meio da década de 70, quando o setor vivia sua maior crise, não só aqui, Brasil, mas no mundo. O marco desta crise fica patente quando se vê a qualidade das bicicletas vendidas então: um lixo. O número de usuários da bicicleta diminuía sem parar, o que afetou toda cadeia de produção, que por sua vez teve que cortar custos, o que reduziu sensivelmente a qualidade geral da bicicleta, peças e acessórios. Como consequência o número de ciclistas diminuiu, e estava criado o pior ciclo vicioso possível. 

Antes de continuar, deixo dito que não sou historiador ou pesquisador, que o que escrevo a seguir vem de lembranças de leituras e conversas que tive pela vida. Serve só como referência para quem queira se aprofundar no assunto, que é vasto, interessante e muito significativo do que aconteceu não só no mundo da bicicleta, mas da vida de todos em geral. 
E entro no assunto porque numa das revistas especializadas, a Bike Magazine, saiu um artigo mostrando números, que não são nada bons. 

Voltando:

O ressurgimento mais marcante da bicicleta em toda sua história que tem como marco Amsterdam, a partir de 1972. A luta por mudanças em cidades Europeias não começa aí, mas o retorno da bicicleta como peça importante para recuperar a qualidade de vida de todos sim. Nos Estados Unidos, uma década mais tarde, surge o fenômeno mountain bike com sua alta qualidade, resistente, divertida, precisa, segura, e, mesmo sendo uma bicicleta vendida como esportiva, pode-se dizer que ali deslancha mais outra ressurreição da bicicleta como modo de transporte, agora abrangendo um público muito mais amplo e diverso, talvez a mais abrangente de sua história.

O primeiro ressurgimento vem logo depois do início do fim dos biciclos, final do século XIX, com o início das vendas da bicicleta de segurança, basicamente a que conhecemos hoje, e uma sensível diminuição do preço devido à consequente padronização, tornando-a acessível ao grande público. 
O boom do uso das bicicletas nos pós Primeira Guerra Mundial (1914-18) e Segunda Guerra Mundial (1939-45) foi decorrência do colapso total urbano e econômico sofrido pela Europa, principalmente, mas não só.
A primeira crise do petróleo, em 1973, pela primeira vez questiona o uso indiscriminado do automóvel e dá um empurrãozinho para a bicicleta. É muito provável que tenha ajudado os movimentos populares europeus que pediam a recuperação da qualidade de vida nas cidades, o que ajudou na melhoria da segurança do uso da bicicleta.
 
O crescente caos urbano causado pelo uso irracional do automóvel é que vem colocando a bicicleta em pauta como bem mais que uma alternativa de transporte. 

Estes e outros momentos das sociedades e das suas economias obviamente afetaram o setor da bicicleta. Poderia falar sobre as causas das crises sofridas pelo setor, mas o resumo é mais ou menos simples: em momentos de estabilidade econômica e muito dinheiro circulando a bicicleta entra em crise. 
O que diferencia o momento que o setor está vivendo agora é um fator novo: a entrada das elétricas, não só bicicletas, mas de todas as mobilidades elétricas, que ao que tudo indica vieram para ficar. 
A questão é que o setor de bicicletas ainda está montado muito voltado para fabricação e vendas de bicicletas movidas a arroz e feijão. Em outras palavras, a concorrência agora é interna, ou "fogo amigo". Vem aí uma mudança muito maior que se possa imaginar, não só no setor de bicicletas, mas nas cidades e principalmente na cabeça das pessoas.

Há uma sensível diferença entre o que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa em cada um destes momentos históricos da bicicleta. Estados Unidos foi muitíssimo menos afetado pelas duas grandes guerras do que a Europa, que ficou completamente devastada, principalmente depois de 1945, onde a bicicleta se transforma numa importante alternativa de transporte, e porque não dizer sobrevivência. A Primeira Guerra Mundial foi uma guerra de campo, a Segunda Guerra Mundial foi uma guerra de mobilidades e urbana, ou seja, destruiu praticamente toda infraestrutura de transporte. Mesmo em vias em péssimas condições, onde automóveis tem muita dificuldade de rodar, pedalando sempre é possível achar caminhos e seguir em frente.
A diferença de escala de mercado se dá porque enquanto a bicicleta europeia era e continua sendo uma bicicleta para transporte urbano e diário; a americana era voltada essencialmente para o lazer, ou uso eventual.

Mountain bike entra no mercado a partir de 1984. Foi sobretudo uma moda esportiva / urbana / divertida que estourou num país de longas distâncias e cidades desenhadas para os automóveis, e com muito dinheiro circulando. Antes do mountain bike, bicicleta era coisa de criança, aliás, de bem poucas crianças americanas. Era difícil ter onde pedalar. A maioria morava em cidades do automóvel. Mais, muitos moravam e seguem morando em subúrbios, distante do trabalho, comércio, serviços e mesmo sendo tranquilos, são monótonos. Normalmente toda estrutura urbana não tem qualquer infraestrutura para ciclistas, não raro pedalar é proibido ou restrito a parques. Tudo jogava e de certa forma seque jogando contra a bicicleta nos Estados Unidos, mas está mudando, NY é um dos exemplos mais recentes.

Um cartaz numa locadora de Amsterdam ironiza as diferenças: "Americanos usam capacete. Nós (holandeses) pedalamos".

Ao contrário dos Estados Unidos, os europeus com suas cidades pequenas, no geral com urbanismo ou influência medieval, ruas tortas, estreitas, muitas criadas então só para pedestres ou cavalos, aproveitaram o ressurgimento do interesse pela bicicleta fortalecendo políticas de incentivo não só para os ciclistas, mas todos os não usuários do automóvel. O termo "mobilidade ativa" surgiu muito tempo depois; antes era usado "mobilidades não motorizadas", apontando para o automóvel como o centro do universo.

A febre do mountain bike se espalha pelo mundo e muda o padrão de qualidade das bicicletas, mudando alguns padrões de precisão e confiabilidade inclusive na Europa. Passada a primeira mania do mountain bike as vendas caíram, mesmo assim houve um aumento do uso da bicicleta nos Estados Unidos e o surgimento de movimentos de pressão para melhoria da segurança dos ciclistas. Acompanhando todo este movimento cresce o setor, os fabricantes de bicicletas, peças e acessórios começam a fabricar suas bicicletas mais básicas no oriente, Japão, Taiwan e China. O setor muda completamente seu perfil, entrando numa nova era, a da bicicleta confiável. Estados Unidos e Brasil deixam de estar entre os cinco maiores fabricantes de bicicletas do planeta. China entra para valer no mercado e em pouco tempo tem suas próprias marcas para concorrer com as grandes americanas e europeias, uma em particular: Giant.  

O pensar europeu é muito mais pragmático, voltado a soluções coletivas, funcionais, que se sustentem a longo prazo. A bicicleta, que já era uma tradição europeia, veste como luva de pelica nesta forma de pensar, mesmo assim as mudanças vieram lentamente, assim como o crescimento do mercado de bicicletas. Vale lembrar que uma pesquisa realizada na Suécia aponta que 27% dos usuários da bicicleta se pudessem iriam de carro, o que faz todo sentido no meio daquele frio, chuva e neve.

Holanda, o país referência, é pequeno e plano, as distâncias entre as cidades são curtas, se não está ventando, ou nevando, que é mais raro, ir pedalando é muito prático, econômico e agradável que num automóvel. Ali a bicicleta tem tudo a ver, mas a imensa maioria são bicicletas básicas, as 'old dutch', velhas holandesas. 

Neste últimos anos se viu uma quebradeira das grandes marcas de bicicleta americanas que se firmaram apoiadas no fenômeno mountain bike, mas não só entre elas. Segundo um artigo, Cannondale foi administrada com paixão e não razão, o que lhe causou sérios problemas. Várias marcas sofreram com a paixão pelo negócio. Paixão é uma coisa, negócio é outra. Misturar os dois costuma não dar certo. Negócio exige frieza, racionalidade, compreensão do ambiente de negócios.

Ponto importante para esta dificuldade das fabricantes e do setor que vem acontecendo faz tempo é a troca da bicicleta por pequenas motos ou scooters mundo afora, principalmente na China. Importante dizer que a relação do povo chinês com as bicicletas foi bem ruim até que Mao Tsé-Tung impôs, sim, impôs o seu uso logo no começo da Revolução Comunista. Faz alguns anos o governo chinês novamente criou estímulos para que a população deixe as motos e scooters e volte a pedalar. 
 
A alternativa dos fabricantes frente aos novos desafios do mercado foi de novo estimular mais uma 'moda', agora as 29, bicicletas de estrada, gravels, dentre outras categorias. Interessante notar que o mercado europeu sempre foi menos suscetível a trancos e bolhas, e a razão pode estar que lá eles são pragmáticos. A bicicleta tem que levar daqui para lá e voltar, para facilitar a vida. Modas, novidades? 
A pandemia ajudou demais o mercado, que acabou virando uma bolha. Parece que a pandemia não foi bem entendida como uma situação especial. Acabou a pandemia e os estoques de todo setor ficaram inchadíssimos. 
É impressionante a miopia histórica do setor de bicicletas. Repetindo: paixão é uma coisa, negócio é outra. Misturar os dois costuma dar ruim.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Quando seu valor é o da sua bolsa, ou bolso


O pequeno detalhe na foto acima é o preço. Quanto? R$ 239.810,00. Não, a vírgula não está errada. Você entra na loja e eles confirmam, "duzentos e trinta e nove mil e....". Uma bolsa. Não é o código? Não, não é. Tem quem compre? Tem. E não é a mais cara. 
Numa papelaria de bairro, tirando um sarro da loucura do preço, e perguntando para a mulher simples que estava ao lado se ela pagaria, ouvimos lá no fundo uma voz de uma bela menina, "Se eu tivesse dinheiro para pagar, compraria. A (não me lembro o nome da cantora americana) tem dinheiro e comprou, eu também compraria, se tivesse dinheiro compraria". Ups! Vai responder o que?

A questão é "quem sou eu?", que já faz tempo se pode traduzir em "quanto eu valho?". Entro e saio rapidamente da discussão sobre capitalismo que talvez passe pela cabeça. Quanto mais eu leio, mais fica claro que o "quanto eu valho" definitivamente não é uma questão capitalista, de política, mas humana, que acontece em toda e qualquer ideologia, religião ou o que quer que seja. Ser ou ter é uma questão humana e não só, é um dilema que atinge todos animais e insetos, todos, sem exceção. Regra de sobrevivência, simples assim, só isto e nada mais.

Agora, bolsa de R$ 20.000,00, 30.000, 40.000,00..., R$100.000,00 (?)..., R$ 240.000...? E não para por aí, acreditem se quiser. Não sei o que estão pensando, mas eu não consigo entender. Ou consigo e não aceito, nem sei se tenho direito de aceitar ou não. Para mim é um símbolo de extrema pobreza. Não tem nada a ver com ser chique. 

"Vão se os dedos e ficam os anéis", ou, "Vão se os anéis e ficam os dedos"; that's the question! A versão original e popular é "Vão se os anéis e ficam os dedos", ou seja, tudo é possível recuperar, mas não a vida. Por um outro lado tem a questão religiosa, a da vida eterna, o quem eu sou hoje para ser lembrado amanha, e daí caímos no "Vão se os dedos e ficam os anéis" (para a minha lembrança quando chegar a minha vida eterna). Os dois tem seu valor, guardadas as devidas racionalidades.
 
A questão ambiental está provando que nem tudo que se perde é possível recuperar, aliás, dependendo do que está envolvido a perda pode ser simplesmente irreparável. Pensou nas brutais perdas com queimadas e desmatamento, na extinção em massa de espécies? Pensou correto, mas definitivamente não só. O incêndio no Museu Nacional foi uma perda simplesmente irrecuperável para a humanidade, para citar um único exemplo, completamente estúpido e trágico, dentre os infinitos que temos tido neste Brasil. 
O mesmo Museu Nacional era uma forma e eternizar um legado de cultura não só para os brasileiros, mas para a história do mundo, para a compreensão do planeta. Perda deprimente!

A preocupação com a perda dos anéis ou dos dedos define quem é cada um e quem somos nós em grupo. Por que não equilibrar prática e racionalmente o ter e o ser? Deste dilema simplesmente não escapamos. O desvario do ter nos trouxe pela história evolução que acabou por ser socializada para o bem de todos, sem exceção, ao mesmo tempo que o desvario do ter é um grave problema para o planeta. Uma bolsa de R$ 240.000,00? Aí é loucura, insanidade, para mim não faz o mais remoto sentido. E para mim não faria se tivesse todo dinheiro do planeta.

"Vai se o planeta e fica a humanidade", ou, "Vai se a humanidade e fica o planeta"? Este é nosso dilema do qual não há como fugir. A saída talvez, repito em minha santa ignorância "talvez", esteja num meio termo, mas qual? São tantos os meios termos, não são? Ouso afirmar então que a única saída que me parece sensata é colocar na mesa todos números e fazer cálculos de custos \ benefícios, tudo sem emoções, ideologias, religiões, o mais pragmático possível, para saber como se consegue algum equilíbrio que seja. Pelo que dizem os especialista, os anéis já se foram faz tempo. Os dedos? Talvez os tenhamos por uma pura ilusão, tão delirante quanto se achar mais gente porque tem uma bolsa de sei lá quantos mil Reais pendurada na mão ou no ombro. 

Vídeo sobre quanto realmente custa a fabricação de uma bolsa destas.





Quanto você pedala? Quanto você precisa de uma bicicleta top? Você quer sentir o prazer de pedalar ou se mostrar? That's the question!

quinta-feira, 7 de março de 2024

Viver a delícia do trânsito paulistano dirigindo

SP Reclama
O Estado de São Paulo
(pretendo resumir o texto para enviar)

Tive a horrorosa experiência de dirigir encalacrado a passo de tartaruga no trânsito da pista local da Marginal Tiete por 10 km, entre a av. do Estado e a entrada para a Dutra. Como não sou usuário habitual de automóvel, para mim aquilo é simplesmente irracional. Sou bem viajado, já dirigi bastante fora do Brasil, e nunca vivi uma insensatez igual. Olhando pela janela fiquei chocado como todo aquele povo metido no que é o mesmo congestionamento diário. Estou cansado de ir como passageiro para o aeroporto, mas como passageiro a loucura passa meio desapercebida pelo uso do celular. Como todos aqueles motoristas conseguem viver repetindo obrigatoriamente a mesma loucura sem buscar alternativa? "Não há alternativa", responderá de bate pronto a maioria. De fato, a curtíssimo prazo 'parece' não haver alternativa que não seja treinar a paciência, engolir o que é ruim, e seguir a vida em frente. Nos acostumamos com o ruim, esta é uma verdade difícil de questionar. Em todo planeta as cidades grandes estão construindo saídas para esta situação, e está dando resultado. "Não há alternativa" é uma verdade que atende a vários interesses particulares, não os da maioria da população brasileira. A história prova que não existe este "Não há alternativa". Sempre houve, sempre há, e sempre haverá alternativa.

O alargamento da Marginal Tiete se mostrou um investimento caro, de curto prazo e que em vez de melhorar, piorou tudo. Simples, estimulou mais ainda o uso do automóvel. O problema não é o automóvel em si, mas a forma de seu uso numa cidade disfuncional. Responderão todos de bate pronto "Eu uso o carro porque tenho que usar, não tenho outra opção", e eu concordo para não ir muito a fundo na discussão. 
Nos falta é a pratica de se perguntar: "E o que mais? O que pode ser diferente?". Na insanidade mental que estamos a pergunta correta é 'O que tem que mudar já?'. A resposta é simples: olhar a forma como o trânsito flui em toda cidade, e não numa área específica. Pouco adianta corrigir um problema local se este não for integrado a correção dos problemas periféricos e correlatos. Todo sistema viário deveria estar integrado, e não está. A marginal é o caminho mais reto, portanto mais rápido, o que é e não é uma verdade. "O trânsito nos bairros é imprevisível e geralmente mais demorado". Estas e outras verdades interessa a quem? Quem tira proveito dela? Quem é prejudicado não resta dúvidas, está lá diariamente para quem quiser ver.

O trânsito que temos nos come a vida, nos deixa exaustos, nos tira a capacidade de pensar livre, daí não procuramos saída. Nos deitamos na cama, "amanhã tem mais", acordamos e repetimos exatamente a mesma coisa dia após dia. "Eu tenho família", "Preciso trabalhar", "Tenho contas a pagar"... Eu concordo plenamente, mas e o que mais? O que pode ser diferente? O que centenas de milhões de habitantes de grandes cidades pelo mundo fizeram e continuam fazendo para reverter o caos e melhorar suas vidas? Esta é fácil de responder usando os dados que estão aí para quem quiser ver: pararam de construir vias novas para desafogar o trânsito, estou falando de um processo de mais de 40 anos. Cidadãos de boa parte do mundo iguais a nós, brasileiros, começaram a pensar no futuro da vida de seus filhos e netos. Qual é o legado que deixarei para eles, filhos e netos? Eles herdarão esta cidade que vivemos que só piora? 

Precisamos minimamente questionar  o que está ruim, desapegar do ruim e aprender as vantagens de se acostumar com o que é bom. Não dá para continuar esta viagem tapando os olhos ou olhando o próprio umbigo, o que São Paulo vem fazendo a quase um século. Acreditem, somos todos humanos, podemos aprender com os outros.



Pinheiros, São Paulo - São José dos Campos
Não poderia imaginar, mas deveria... Santa inocência.  Sai de casa às 15h15 para ir a São José dos Campos imaginando que seria uma viagem tranquila, um pouco de trânsito para sair de São Paulo e estrada livre. Doce ilusão. Vivi dentro de um carro o mesmo horror que milhões de paulistanos e brasileiros vivem todos dias.

Foi uma das experiências mais desagradáveis dos meus últimos anos, principalmente pelo que vi em volta. Sei que o caos no trânsito é assim, mas nunca tinha vivenciado de dentro de um carro, e pior, dirigindo. Dependendo do local e horário, até mesmo pedalando está muito ruim, mas dentro de um carro é um horror. Já peguei trânsito assim, mas em situações diferentes, causado por um acidente, enchente, semáforo quebrado... Agora, sem nada de excepcional, com o trânsito fluindo (fluindo?) "lenta, mas normalmente" como dizem, aí não, foi uma experiência completamente nova e que dá o que pensar. 
Fiquei olhando em volta me perguntando como toda aquela massa de motoristas e passageiros conseguem aguentar todos dia a mesma loucura. "Não tenho alternativa", já ouvi muito. "Tenho família" ou "tenho filhos", também já ouvi. Mas como aguentam?

Nos acostumamos com o ruim, com o mal, é a verdade mais pura, líquida e certa. Nós, humanos, temos a terrível capacidade de adaptabilidade quase interminável. Adaptar-se é bom, mas, como tudo, tem que haver um limite. Chegar e ficar nos extremos nunca dá muito certo ou tem uma forte tendência a dar ruim para valer. Eu disse ficar, bem diferente de passar pelos extremos, de experimentar os limites, de vivenciar para saber o que é, o que não foi o caso. Nós, cidadãos das cidades brasileiras, entramos e estamos vivendo dentro de limites não aceitáveis faz muito tempo e aceitamos tudo tranquilamente como fato consumado e imutável. Estamos loucos. 

Até quando vamos esticar esta corda que já não aguenta mais? Quando vai cair a ficha que da forma como estamos vivendo nas cidades não está funcionando? Quando vamos agir para mudar de fato esta baderna?

Entrei na Marginal Tiete e perdi o acesso para a pista central, a expressa. Tive que continuar na pista local da Marginal Tiete até conseguir entrar na Dutra. O "pequeno" deslise custou quase 45 minutos do carro andando a 10 km/h. A bem da verdade, o pequeno deslise me levou a um congestionamento atrás do outro até a exaustiva chegada em São José dos Campos. Eu deveria ter ido pedalando, não tenho dúvida.
   
A continuação da Marginal Pinheiros até Jurubatuba é a mais nova ideia "genial" da Prefeitura para desafogar o trânsito, no caso da zona sul. A ideia é de uma mediocridade sem tamanho. O exemplo alargamento a Marginal Tiete provou e segue provando (mais uma vez) que abrir vias novas não dá certo. A questão é que o prolongamento da Marginal Pinheiros até Jurubatuba, caso seja realizado, trará problemas muito maiores do que 'simples' congestionamentos. Naquela zona sul de São Paulo estão as duas represas, leia-se água, e nossa maior reserva florestal, Capivari Monos. Eu não brincaria com tudo isto.   

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Peço desculpas

Estou lendo dois livros em paralelo, "A Última Guerra Europeia" e "a elegância do agora". Está sendo uma experiência muito forte, não raro dolorida.

"A Última Guerra Europeia" de John Lukacs, de 1976, deveria ser leitura obrigatória para toda e qualquer pessoa que saiba o significado da palavra cidadão. Muda completamente a compreensão do que foram os primeiros dois anos da Segunda Guerra Mundial, do que realmente aconteceu, seus fatores humanos, e por conseguinte faz entender quem somos nós hoje. O olhar para a loucura que estamos passando no planeta hoje se abre, fica compreensível. A história se repete em ciclos, e tristemente lá vamos nós. Somos todos humanos, nossos erros se repetem.
Não ter lido "A Última Guerra Europeia" na época de seu lançamento, 1976, foi um crime que cometi para minha inteligência que não consigo digerir bem. Eu teria sido outro pela vida? Não sei. Não sei se teria tido maturidade para entender a extensão do que está ali, mas provavelmente não terminaria o livro impune.


"a elegância do agora" de Costanza Pascolato (até o meio do livro) é uma bofetada no que fui como ser social. Sua leitura tem sido duríssima para mim que fui um personagem socialmente "esquisito", por assim dizer, ou "fora da curva" para suavizar. Fui e sou fora do padrão, ou o que bem entendam, mas a lembrança de minha vida e dos convívios me fazem crer que sou mais assertivo ao dizer que "o Arturo foi esquisito".
Meus pecados sociais foram inúmeros, infinitamente mais que os que gostaria de lembrar. Tenho profunda inveja de quem teve a capacidade de fluir pela vida sem causar espirros de água ou ondas. Não raro fui um mar de ressaca, reconheço com dor.
A maturidade pode ser um milagre. Amadurece quem abre os olhos. Espero que esteja amadurecendo, espero. A dúvida é minha salvação e meu progresso digno. Pelo menos para meus pecados a cada dia tenho os olhos mais abertos, e é óbvio que não posso voltar atrás, mas como gostaria. Aqui se faz, aqui se paga.
Peguei este livro da Costanza Pascolato numa destas casinhas de distribuição de livros que ficam no meio de uma praça. Não peguei para mim, mas para minha neta. Por curiosidade abri e li algumas linhas. De cara numa delas, logo no início, tomei uma tijolada em cheio no meio da minha testa:


Arturo sempre falou alto e forte. A palavra vulgaridade, vulgar, acertou em cheio. Nocaute!

A outra frase deveria ter sido não só o meu norte, mas de todos nós brasileiros. É deprimente este bipolarismo que estamos vivendo, aliás não só no Brasil.
De boas intensões o inferno está cheio. E eu não nego minhas muitas boas intensões, sei bem delas, tenho respeito por elas, mas me sinto no inferno dos que não tiveram cuidado com a forma de fazer as coisas.


Não posso deixar de agradecer à Ida, medalhista olímpica pelo vôlei brasileiro, que me deu sábias palavras sobre o que são e como olhar os nossos erros passados, no caso, uma grande idiotice que fiz na minha adolescência e que veio a tona do nada, por puro acaso. Ironia do destino.

O que quero dizer é que estes dois títulos de livros oferecem um norte sólido para quem deseje ser um ser humano e cidadão melhor.

Recomendo o filme Feitiço do Tempo. Diz muito sobre o que estou falando aqui.

E peço desculpas.







Obrigado Costanza

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Abílio Diniz e o legado esquecido para o Brasil

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Abílio Diniz vai fazer muita falta. Gostando ou não dele, não só como empresário foi uma das valiosas referências para este Brasil. Qual de suas características se deve colocar a frente, o bem sucedido e vitorioso, ou o briguento, vaidoso, e de um pragmatismo feroz? Ao gosto do freguês, Abílio é referência a ser lembrada. Dentre os inúmeros exemplos que Abílio nos deixa, um deles, importantíssimo no contexto brasileiro, passa desapercebido, caiu no esquecimento: a radical mudança na qualidade de atendimento realizada na rede Pão de Açúcar, capitaneada pela ombusdman Vera Giangrande, que teve carta branca de Abílio Diniz, e a ajuda da irmã de Diniz, Ana, e mais um diretor do grupo que me falha o nome. A revolução, e assim se pode chamar, mudou não só o relacionamento empresa - cliente, que deixou de ser entendida como puramente lucro para se transformar em pessoas, indivíduos, cidadãos. Foi também uma profunda mudança interna na empresa. A rede Pão de Açúcar atende um universo imenso de clientes de todas faixas econômicas e sociais, que até então aceitavam o que vinha, mal sabiam reclamar, comentar, ou mesmo elogiar; o que dizer sobre conhecer seus direitos legais estabelecidos pelo Código do Consumidor. Não demorou muito para outras empresas entenderem a importância da transformação e realizarem mudanças. Ou seja, não erro ao dizer que com a carta branca de Abílio virou-se uma página da história deste país. Antes da transformação realizada por Vera Giangrande, e não só no Pão de Açúcar, eram prateleiras cheias de mercadoria, preços, algumas propagandas pouco inteligentes e caixas para pagar, simples assim. A mudança trouxe uma nova programação visual agradável, muito cuidado com os detalhes, a distribuição de  produtos, a organização e limpeza, pessoal bem treinado para atender e atento, gerentes que sabiam lidar com as questões levantadas, providências imediatas, funcionários com necessidades especiais no atendimento direto, recompensas, promoções, e outros detalhes até então inéditos para a maioria do público, além de um canal de comunicação direto com a empresa central que funcionava de fato. Ou seja, reconhecimento e respeito pelo outro. Para montar o projeto, Vera Giangrande e vários funcionários tiraram a bunda da poltrona, ou seja, foram ver a vida real. Uma das referências mais importantes para o projeto foi o impecável atendimento oferecido pela Casa Santa Luzia, o que descobri quando me foi contado por um dos gentis senhores que são donos desta tradicional casa paulistana. Na conversa ele se referiu a Vera Giangrande como uma amiga. O interessante é que, interessado pelo que estava acontecendo, nunca ouvi uma palavra que incluísse o nome de Abílio Diniz como um dos responsáveis pela mudança. A sensação que se tinha é que os funcionários de cada loja eram os responsáveis diretos pela bem vinda transformação revolucionária. O legado deste trabalho ainda é referência de como se deve estabelecer a relação empresa - cliente. Repito, não erro quando digo que a carta branca dada por Abílio Diniz para a ombusdman Vera Giangrande virou uma importante página deste Brasil: ensinou a centenas de milhares de clientes que uma empresa pode trabalhar sob o signo da cordialidade e respeito.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Evento de automobilismo proibido no Ibirapuera

SP Reclama
Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Por pressão de entidades foi anunciada a suspensão de um evento de automobilismo que ocorreria na pista de atletismo do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, Ibirapuera. Em várias reportagens, imagens mostram um pequeno trator arrancando o piso de borracha da pista de atletismo, um escândalo para os desavisados. Nas mesmas imagens é possível ver que o piso já estava bem deteriorado, confirmando reportagens anteriores ao acontecido que mostravam sem enganos que a pista de atletismo estava faz tempo imprópria para a prática do esporte e competições de alto nível. Ou seja, o piso de borracha teria que ser trocado de qualquer forma. O que não se encontra nas matérias é o teor do contrato e suas cláusulas e contrapartidas. Afirmar que um evento de automobilismo numa pista de atletismo é um absurdo é de fato um absurdo. Em países onde os atletas são heróis nacionais conhecidos, tem espaço nas mídias, viram preciosas referências, onde as pistas de atletismo são impecáveis, as competições divulgadas, os estádios se enchem de público, nestes as pistas servem para eventos de motociclismo ou automobilismo, bastando o acordo entre as partes ser vantajoso para os esportes e atletas, portanto para todos, especialmente a população. Meu pai é vizinho do Constâncio Vaz Guimarães, vejo com frequência o público que comparece aos eventos e é pequeno, mínimo para um estádio daquele tamanho. A bem verdade, tirando o ginásio, o vulgo "panelão", todo Conjunto Desportivo é praticamente um desconhecido do grande público. Qualquer evento que divulgue o espaço e traga grande público é mais que bem vindo. Ou não será? No caso, voltando ao contrato, resta a pergunta de como seria devolvida pista de atletismo depois do evento. Fato é que, independente do Governo, a Secretaria de Esporte sempre alegou que não ter verba para manter o conjunto como o esporte merece. Se forem realizadas melhorias, se derem condições para a formação de novos atletas, que seja bem vindo qualquer evento, independente de qual. A pergunta que deixo aqui é quem não gostou do evento automobilístico ali, e principalmente por quais razões, as verdadeiras, não as puristas. É sobre isto que devemos nos preocupar. 
Qual é a vida útil do piso de uma pista de atletismo?
Quando foi trocado a última vez?
Qual foi o cronograma de manutenção da pista?
Quantos eventos ocorreram na pista?
Qual o público presente?
Qual o nome dos atletas presentes?
Qual foi a verba pública para o esporte?
Quantos atletas internacionais participaram de competições e clínicas aqui?
Qual foi a verba para viagens nacionais e internacionais de atletas?
Quando foram realizados os eventos?
Etc... 

PS, não enviado para o SP Reclama e Fórum do Leitor: Convivi com esportistas, inclusive profissionais, alguns profissionais de altíssimo nível aqui e lá fora. Esporte é crucial para a construção de um povo, para o bom futuro. Se queremos um esporte sadio, que é o que acredito que a imensa maioria quer, precisamos deixar de ser ingênuos, crédulos, carolas, inocentes úteis. 
Não faço ideia do que aconteceria depois do evento, se daria bom ou ruim, mas no meio do que vivemos eu não fecho portas, prefiro descobrir o que há por trás, o que mais, etc... Fechar as portas desta forma, para mim tem coisa, não sei o que. A história está mal contada. Aliás, não está contada.
Rasparam o piso da pista? Se não acontecer o evento, quero ver em quanto tempo o poder público instala o novo, afinal, eles são os responsáveis. Pelo que já aconteceu com a piscina... a brincadeira vai longe. Pelo menos não vamos ter atleta tendo lesão por causa do velho piso que foi removido. 

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/02/15/apos-criticas-de-atletas-gestao-tarcisio-cancela-corrida-de-automobilismo-no-complexo-do-ibirapuera-zona-sul-de-sp.ghtml

https://www.metropoles.com/sao-paulo/governo-cancela-prova-de-automobilismo-no-estadio-do-ibirapuera

https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2024/02/pista-de-atletismo-do-ibirapuera-e-destruida-para-receber-corrida-de-carros.shtml

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Atualização sumiu com tudo

Só para ficar marcado, atualizei meu computador e sumiu tudo, simplesmente zerou completo, está  limpo total. Mantenho sempre os computadores atualizados segundo recomendação da Microsoft, não fiz nenhuma bobagem e sumiu tudo. Tenho backup externo, o que me deixa calmo, mas é simplesmente um absurdo. Tenho um técnico que é competente, pedi ajuda, expliquei o que aconteceu e ele de bate pronto perguntou: "A atualização mudou o programa instalado (do 10 para o 11)?" Bingo!
Se minha confiança na Microsoft já vinha sendo minada pela própria Microsoft, agora vou ter que respirar e pensar bem o que farei daqui para frente. Já experimentei o Ubuntu e gostei, mesmo com as limitações. Tenho um Chrome book que é rapidíssimo e leve, ótimo para o uso que faço, mas também tem suas limitações. Ir para Apple? Todos dizem que sou um idiota de ainda não ter ido, mas o custo é proibitivo. 
Como disse, vou dar um tempo, desligar, respirar e ver o que faço. Microsoft não para de cometer erros bobos. A favor dela só o OneDrive, que para mim tem funcionado muito melhor que Google Drive. 

Fato é que estamos completamente vendidos neste mundo digital.