Bicicleta sempre foi uma bicicleta: simples, funcionais e resistentes. Para ser usada e abusada, para levar a liberdade. Bicicleta deve ser a definição de simplicidade
Um dia Luiz Dranger, então responsável pela Specialized no Brasil, encontrou Mike Sinyard, proprietário da marca, e pediu para ele conseguir adesivos para a bicicleta de um ótimo cliente que iria repintar a bicicleta. “Eu faço bicicletas para as pessoas usarem, não para ficar olhando” foi a resposta de Mike Sinyard.
O filho de Jovelino ganhou uma bicicleta nova, correta para seus 1,85m e pés 43. Deixou de lado sua velha, mas bem cuidada, bicicleta pequena e simples. E segundo o pai, passa o tempo livre limpando a nova e confortável bicicleta. Não é o único que trata a bicicleta como se fosse uma filha. Muitos nunca tiram pleno proveito dos prazeres de pedalar por excesso de cuidado. Destes, só uns poucos um dia se dão conta que perderam a oportunidade de viver de fato o que a bicicleta oferece. Sua beleza é cativante, mas sua funcionalidade é geralmente maior que a imensa maioria consegue extrair dela. A simplicidade é bela, mas um tanto intimidante, principalmente numa sociedade fascinada com o complicado. Sim, quanto mais complicado e distante de nossa possibilidade, mais atrativo é. Funções de celular que nunca usaremos, carros com velocidade máxima acima dos 300 km/h, clipe de música com danças corrigidas por computador, botox que... Politicamente incorreto?
Bicicleta é secular. É fato. Provavelmente em razão de sua simplicidade. É praticamente idêntica ao que era em 1900. As diferenças são poucas. Pessoas educadas estão redescobrindo esta verdade através de bicicletas “retro”. Maravilhosas aliás. Simples, eficientes, deliciosas de pedalar, cumpridoras do seu papel e função.
Não sei se a bicicleta engordou porque começou a usar tubos de alumínio ou porque os principais fabricantes de bicicletas de cromo-molibdênio se deram conta que num tubo mais largo a marca fica mais exposta. Provavelmente um pouco dos dois. Num mercado de pessoas pouco educadas ou você faz show ou, mesmo que tenha um produto maravilhoso, vai acabar fora do mercado. Quem usa a bicicleta como uma bicicleta fica muito tempo com a mesma bicicleta. Para girar o negócio o público alvo são aqueles que comem com os olhos. “Que linda! Quero esta! Meus amigos têm igual.” Não adianta avisar que aquela não é a bicicleta correta porque o efeito boiada tem uma força incrível.
A minha bicicleta de infância, construída com tubos de perfil redondo, em aço, sem marchas, freio varão ou ferradura (ineficientes, sem dúvida), foram substituídas por tecnologias mais leves, duráveis e muito, mas muito mais eficientes. Bicicletas fantásticas aquelas da geração 1989 - 1995. E estas estão sendo substituídas por uma geração de bicicletas todas trejeitadas, com tubos hidroformes, cheios dos detalhes, visual agressivo, funcionamento talvez; modernas, vendáveis. As 21 marchas provavelmente vão deixar de existir, pelo menos em nosso mercado tupiniquim, não importando que a imensa maioria não faça idéia de como se usa o câmbio. Os freios agora são hidráulicos a disco, não importando que a maioria das bicicletarias ainda não tenha sequer aprendido bem como regular corretamente um “V” brake, e que é muito comum o pessoal capotar de frente. E o custo foi para os céus, não importando que a bicicleta tem, ou pelo menos deveria ter, uma função social e histórica. O que importa é vender para os novos ciclistas do momento. Já vi este filme antes.
Pelo menos lá fora, onde o pessoal já entendeu para que realmente serve uma bicicleta, a seção das “retrô” está sempre cheia e bicicletas antigas, daquelas bem simplinhas, é sucesso garantido. Aqui isto começa acontecer, mas falta muito. Uma coisa não descarta a outra, e as bicicletas de última geração são bem vindas, mas beiram o abusivo.
Quanto custa fazer uma bicicleta com tubo hidroforme? Qual é o impacto ambiental? Onde fica a finesse da simplicidade forma / função? Por exemplo: um guidão de alumínio tem sua matéria prima extraída no Brasil; transportada para a China onde será transformada em tubo e usinada; dali parte para o mercado mundial, em especial Europa e América do Norte, onde será vendido por um custo baixo. Quanto ambientalmente custa esta “simplicidade” que vai e vem mares adentro? Onde está a simplicidade?
Qual é a vida útil da simplicidade?
Com a leve batida por trás de minha bicicleta o carro praticamente inutilizou o aro. A bicicleta não é nada especial; uma híbrida, aro 700, 36 furos, 25 mm de espessura, bico grosso, perfil baixo, preto fosco, para freio convencional. Não há para vender igual, pelo menos no mercado brasileiro. O alinhamento saiu bem uns 5 cm, o que é muito, normalmente considerado perda total. Com a técnica de realinhar através de batidas laterais consegui fazer com que o aro voltasse a ser usável, mas com tensões nos raios muito acima do recomendável. O aro agüentou bem até o dia que emprestei a bicicleta para um senhor testá-la. É muito provável que ele tenha descido meio fio com a bunda colada no selim e eu não tenha visto. Nem me lembrei da situação do aro. No dia seguinte... “TIC” e foi-se um raio. E o aro gritou “não tenho mais conserto”. E três meses depois do acidente ainda procuro um novo, sem sucesso. Não existe similar.
Não foram poucos as tentativas de encontrar o aro. As lojas mais sofisticadas dizem que aro 36 furos está saindo do mercado e que daqui para frente será cada dia mais difícil encontrar qualquer estes aros. Coisa do passado. Como assim “coisa do passado”? As novas bicicletas estão vindo com aros 32 furos e provavelmente virão todas com freio a disco, respondem em coral bem afinado. “O que faço com esta bicicleta que tem dois anos? Jogo no lixo e compro uma nova?”, pergunto. E, de novo, em coro afinado recebo um sorriso irônico. “Está bem, e se eu trocar o cubo dianteiro por um 32 furos e comprar aquele aro (Specialized)?” E recebo uma resposta interessante: “Não temos para vender aquele aro. O importador não trouxe”. Ou seja, se eu trocar de bicicleta por uma reluzente zero km e tiver problema com o aro novo de 32 furos também não terei opção para manter a originalidade da bicicleta. “Temos aros 32 furos de perfil baixo, mas com 15 milímetros de espessura, próprios para (bicicleta de) estrada”. Detalhismo meu? Absolutamente não. Tecnicamente muda muita coisa na bicicleta.
Bicicleta ganhou tamanha importância na história porque é uma máquina simples, fácil de lidar, tem custos baixos; e este conjunto de qualidades sempre fez dela uma solução. A maoria dos problemas ou defeitos era só ter meia dúzia de ferramentas a mão e dava-se um jeito. Sempre houve certa dificuldade de encontrar peças originais ou compatíveis. Talvez fosse até mais difícil no passado porque a produção era verticalizada por cada um dos fabricantes. Hoje está basicamente tudo padronizado e há uma precisão muito grande, o que é ótimo. Mesmo assim a bicicleta está perdendo sua simplicidade, seu minimalismo. A nova filosofia é “deu problema, troca a bicicleta (inteira, por uma nova)”. Desculpem, mas é ridículo. Pense a bicicleta como coisa de pobre, porque neste desvario o pobre, o construído com poucos recursos, é uma resposta rica, chique, atual, perene. Simplesmente assim.
Parabéns pelo texto. Simples assim. Vale D+ compartilhar.
ResponderExcluirDepois de milênios pedalando bicicletas MTB comprei uma SPEED e veio somente dores de cabeça e muitos pneus furados. Me aborreci e voltei ao básico comprando uma bicicleta MONARK BARRA CIRCULAR 0 KM que é extremamente confortável e Graças a Deus não frequento mais cicles/bicicletarias. Nas subidas fortes tenho a humildade de desmontar e empurrar aproveitando o momento e logo em seguida seguir o meu caminho... Não entendo como as algumas pessoas podem não gostar de uma bicicleta forte, confortável, simples e que dá provas e mais provas que é difícil de te deixar na mão.
ResponderExcluirAconteceu exatamente o mesmo comigo.
ExcluirEstou agora com uma barra circular ano 90 com freio varao ainda kkkk. Na descida prego a mão no freio pra ela não pegar velocidade e eu não conseguir parar. Na subida desço e empurro. Estou curtindo bem mais o passeio com conforto. Grande abraço e viva as Monarks