O dia estava radiante e nós pedalávamos com tranqüilidade, sem a menor pressa de voltar. Havíamos passado por Interlagos, pela represa de Guarapiranga, visto o velho hidroavião decolar para mais um vôo turístico, paramos e almoçamos em um lugar como sempre bem escolhido pelo velho e bom amigo Tio Lu. Infelizmente o sol estava muito alto e acabamos não indo atrás do restaurante alemão que fica próximo a Clube de Campo. Fazia uns 25 anos que não via o pequeno bairro cheio de gosto europeu e verde. Estávamos por conta do nada, como se diz. Uma nuvem aqui, outra ali, o vento crescendo as velas, as marolinhas da represa batendo nos cascos; um dia lindo. Mas..., hora de voltar.
Coisa de cidade tropical o vento aumentou rapidamente, o azul tomando tons cinza chumbo, o horizonte dizendo outra história. A cadência dos três começou a ficar mais rápida, sem desespero, mas com o gosto de chegar em casa, ou pelo menos na padaria, com sobra para tomar um café ainda seco. Longa distância ainda por percorrer; isto se a vontade divina fizesse chover naquele domingo glorioso.
Muito rapidamente o vento passou a nos frear e nem as bruxas conseguiam mais voar. O céu enegreceu. Continuar pedalando passou a ser um pesadelo, mas como tudo até aquele momento havia sido tão fantástico o sofrimento foi levado com certa graça, cheio de piadas e provocações. Quem era o pior no pedal? O corpanzil de quase 2 metros de altura e bem mais de 100 quilos era uma barreira dura de empurrar contra a ventania e praticamente chegamos a parar em certos momentos, por mais que nos esforçássemos. Fiquei a sua frente para cortar o vento, mas pouco serviu. Chegamos até debaixo da Ponte Morumbi quando as primeiras grossas gotas estalaram no asfalto quente. Não adiantou, foi tão violenta a tempestade, cruzando em um diagonal rasa, que mesmo imaginando-nos protegidos pelo teto da imensa ponte rapidamente estávamos ensopados.
E logo começou a ficar perigoso. Da água correr para o bueiro, pronto passou a cobrir o asfalto e logo o rio ali formado começou a carregar o entulho da esquina. No momento em que o sofá passou por nós indo na contra-mão e atropelando os carros chegamos a conclusão que aquele canteiro alto não era ilha segura e ir para o interno do bairro seria uma ação, digamos, inteligente. Mágica de domingo maravilhosamente divertido exato momento que deixamos o falso abrigo a tormenta acalmou-se e conseguimos pedalar, mesmo com as rodas afundadas n’água.
Tempestade tropical passa como que por mágica e o sol voltou. As águas que corriam e escondiam o asfalto passavam, assim como os carros que faziam questão de nos encharcar. Aquele teria sido um aviso divino para mandar as bicicletas para uma revisão completa? Há não muito tempo todos haviam aprendido a lição que depois de chuva forte é necessário deixar a bicicleta dormir de ponta cabeça para sair a água de dentro do quadro. Mesmo assim em certos casos desmontar tudo, secar para depois trocar a graxa é sábio. A bicicleta de Tereza infelizmente perdeu o movimento central Deore DX original. Um pecado. Depois daquele aguaceiro absurdo não restaria outra alternativa a não ser completar o trabalho de lava-rápido de São Pedro. São Pedro não deve gostar de bicicleta suja.
Armar a barraca
Próximo ao trevo de Cabreuva que leva para Jundiai, a cor e forma do céu me fez ver que não havia como seguir em frente. Ainda tentei esboçar uma reação e cheguei acelerar o quanto pude para chegar ao posto rodoviário, mas foi um gasto de energia burro, inútil. Uns pingos gélidos, cortantes, doloridos na pele, bastaram. Sai da estrada, fiz uns metros na entrada de terra de um sítio, deitei a bicicleta no chão, arranquei o ponche-capa de chuva da bolsa e cobrir o que foi possível. Fiquei de cócoras segurando com as mãos e com as pontas dos pés aquela improvisada tenda. O aguaceiro demorou uns poucos minutos e se afastou dali deixando um chorinho, daqueles que vai a tarde toda e embala o sono dentro do quarto quente.
O que se faz numa hora destas? Volta para o ponto de partida? Espera mofar até parar? E a bicicleta como fica? Pouca água molha também e não é bom, mas ficar parado ali é pior ainda, para os dois, ciclista e bicicleta. Se estiver no bem bom, sequinho, quentinho, aí dá até para pensar, mas naquela situação quem está na chuva é para se molhar. “Querida bicicleta sigamos em frente”. O pior é o mar de poças d’água formado pela porcaria de asfalto que temos aqui no Brasil. Espira na calça, perna, tênis e meia; na bicicleta e nos aros; na alma. Alma, lama, basta trocar o “L” de lugar. Da roupa só desgruda depois de muito tanquinho.
A partir de uma intensidade de vento não há capa que segure. Conforme o “modelito” de capa que você esteja usando para se proteger chega a ser perigoso o efeito vela, principalmente quando o vento é cruzado. É lógico que pelas costas é maravilhoso. Já rodei uns 3 km no Vale do Paraíba unicamente empurrado pelo vento. Foi memorável. Num Giro d’Italia, quando passou uma rajada um dos ciclistas foi empurrado para o bordo do outro lado da estrada. Um pouquinho antes que ele saísse da estrada e caísse no mato o grande pelotão desviou seu caminho e foi lá engoliu o desgarrado para a segurança. Sofrimento naquela hora era para os cabeças de pelotão. Precisa ser muito bom e forte. Pedalando sozinho numa rodovia não há esta gentileza. Você tem que olhar para o céu, para o movimento das plantas e saber quando dá ou não para continuar. Brigar contra a natureza não dá certo.
Passei pelo posto rodoviário e tudo estava mais tranqüilo. Parei um pouco e pensei nas possibilidades. Não faltava muito para um próximo abrigo. “Provavelmente chegarei lá mais seco. Quero ver a cara do pessoal do hotel me vendo chegar neste estado”. Cheguei um pouco mais seco, mas de aparência praticamente imprestável. Feitos os tramites voltei à bicicleta, tirei o alforje e pedi que me indicassem um caminho para o quarto que não fizesse estrago na área social. Minha providência foi tida como atitude educada, simpática. Entrei no quarto e fui direto para o banheiro com minha sujeira. Um bom chuveiro e desci para comer algo. Os funcionários mostraram gratidão pela minha delicadeza. Tomar chuva acontece, sujar o espaço dos outros não deve acontecer.
Coisa de cidade tropical o vento aumentou rapidamente, o azul tomando tons cinza chumbo, o horizonte dizendo outra história. A cadência dos três começou a ficar mais rápida, sem desespero, mas com o gosto de chegar em casa, ou pelo menos na padaria, com sobra para tomar um café ainda seco. Longa distância ainda por percorrer; isto se a vontade divina fizesse chover naquele domingo glorioso.
Muito rapidamente o vento passou a nos frear e nem as bruxas conseguiam mais voar. O céu enegreceu. Continuar pedalando passou a ser um pesadelo, mas como tudo até aquele momento havia sido tão fantástico o sofrimento foi levado com certa graça, cheio de piadas e provocações. Quem era o pior no pedal? O corpanzil de quase 2 metros de altura e bem mais de 100 quilos era uma barreira dura de empurrar contra a ventania e praticamente chegamos a parar em certos momentos, por mais que nos esforçássemos. Fiquei a sua frente para cortar o vento, mas pouco serviu. Chegamos até debaixo da Ponte Morumbi quando as primeiras grossas gotas estalaram no asfalto quente. Não adiantou, foi tão violenta a tempestade, cruzando em um diagonal rasa, que mesmo imaginando-nos protegidos pelo teto da imensa ponte rapidamente estávamos ensopados.
E logo começou a ficar perigoso. Da água correr para o bueiro, pronto passou a cobrir o asfalto e logo o rio ali formado começou a carregar o entulho da esquina. No momento em que o sofá passou por nós indo na contra-mão e atropelando os carros chegamos a conclusão que aquele canteiro alto não era ilha segura e ir para o interno do bairro seria uma ação, digamos, inteligente. Mágica de domingo maravilhosamente divertido exato momento que deixamos o falso abrigo a tormenta acalmou-se e conseguimos pedalar, mesmo com as rodas afundadas n’água.
Tempestade tropical passa como que por mágica e o sol voltou. As águas que corriam e escondiam o asfalto passavam, assim como os carros que faziam questão de nos encharcar. Aquele teria sido um aviso divino para mandar as bicicletas para uma revisão completa? Há não muito tempo todos haviam aprendido a lição que depois de chuva forte é necessário deixar a bicicleta dormir de ponta cabeça para sair a água de dentro do quadro. Mesmo assim em certos casos desmontar tudo, secar para depois trocar a graxa é sábio. A bicicleta de Tereza infelizmente perdeu o movimento central Deore DX original. Um pecado. Depois daquele aguaceiro absurdo não restaria outra alternativa a não ser completar o trabalho de lava-rápido de São Pedro. São Pedro não deve gostar de bicicleta suja.
Armar a barraca
Próximo ao trevo de Cabreuva que leva para Jundiai, a cor e forma do céu me fez ver que não havia como seguir em frente. Ainda tentei esboçar uma reação e cheguei acelerar o quanto pude para chegar ao posto rodoviário, mas foi um gasto de energia burro, inútil. Uns pingos gélidos, cortantes, doloridos na pele, bastaram. Sai da estrada, fiz uns metros na entrada de terra de um sítio, deitei a bicicleta no chão, arranquei o ponche-capa de chuva da bolsa e cobrir o que foi possível. Fiquei de cócoras segurando com as mãos e com as pontas dos pés aquela improvisada tenda. O aguaceiro demorou uns poucos minutos e se afastou dali deixando um chorinho, daqueles que vai a tarde toda e embala o sono dentro do quarto quente.
O que se faz numa hora destas? Volta para o ponto de partida? Espera mofar até parar? E a bicicleta como fica? Pouca água molha também e não é bom, mas ficar parado ali é pior ainda, para os dois, ciclista e bicicleta. Se estiver no bem bom, sequinho, quentinho, aí dá até para pensar, mas naquela situação quem está na chuva é para se molhar. “Querida bicicleta sigamos em frente”. O pior é o mar de poças d’água formado pela porcaria de asfalto que temos aqui no Brasil. Espira na calça, perna, tênis e meia; na bicicleta e nos aros; na alma. Alma, lama, basta trocar o “L” de lugar. Da roupa só desgruda depois de muito tanquinho.
A partir de uma intensidade de vento não há capa que segure. Conforme o “modelito” de capa que você esteja usando para se proteger chega a ser perigoso o efeito vela, principalmente quando o vento é cruzado. É lógico que pelas costas é maravilhoso. Já rodei uns 3 km no Vale do Paraíba unicamente empurrado pelo vento. Foi memorável. Num Giro d’Italia, quando passou uma rajada um dos ciclistas foi empurrado para o bordo do outro lado da estrada. Um pouquinho antes que ele saísse da estrada e caísse no mato o grande pelotão desviou seu caminho e foi lá engoliu o desgarrado para a segurança. Sofrimento naquela hora era para os cabeças de pelotão. Precisa ser muito bom e forte. Pedalando sozinho numa rodovia não há esta gentileza. Você tem que olhar para o céu, para o movimento das plantas e saber quando dá ou não para continuar. Brigar contra a natureza não dá certo.
Passei pelo posto rodoviário e tudo estava mais tranqüilo. Parei um pouco e pensei nas possibilidades. Não faltava muito para um próximo abrigo. “Provavelmente chegarei lá mais seco. Quero ver a cara do pessoal do hotel me vendo chegar neste estado”. Cheguei um pouco mais seco, mas de aparência praticamente imprestável. Feitos os tramites voltei à bicicleta, tirei o alforje e pedi que me indicassem um caminho para o quarto que não fizesse estrago na área social. Minha providência foi tida como atitude educada, simpática. Entrei no quarto e fui direto para o banheiro com minha sujeira. Um bom chuveiro e desci para comer algo. Os funcionários mostraram gratidão pela minha delicadeza. Tomar chuva acontece, sujar o espaço dos outros não deve acontecer.
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