domingo, 6 de novembro de 2011

Ciclorrotas São Paulo

Neste último sábado de Outubro foi lançado o Ciclorrotas de São Paulo, mapeamento de caminhos alternativos para ciclistas, com os trajetos mais tranqüilos, seguros, as subidas menos íngremes, paisagens mais agradáveis, enfim, os melhores caminhos para o ciclista. É ótimo que finalmente alguém tenha conseguido realizar o mapa e torná-lo palpável para a multidão de ciclistas, principalmente leigos e novatos. Encabeçado pelo CEBRAP, uma boa equipe trabalhou para oferecer algo que qualquer cidade deveria ter, principalmente São Paulo, que é tirar o ciclista dos caminhos do carro, ou seja, avenidas e vias expressas, e apresentar uma cidade, a dos internos de bairro, que a maioria da população simplesmente desconhece.

Eu, em particular, fico muito feliz e um tanto invejoso de ver o trabalho concluído por outros. Em 1982 apresentei pela primeira vez a idéia na Casa Madre Teodora, Projeto de Governo para o Estado de São Paulo de Franco Montoro, e desde então vim apresentando a idéia para a Prefeitura de São Paulo e outras. Nunca obtive sucesso e depois de 2005, quando tive patrocínio para o mapeamento, sinalização completa das ruas (uns 270km), educação, treinamento dos técnicos envolvidos, comunicação, etc..., e o projeto não obteve autorização da CET por motivos não esclarecidos, confesso que cansei. Um pouco depois desta história Leandro Valverde chegou de Londres com a mesma idéia e começou a se mexer para realizá-la. Buscou caminhos diferentes e conseguiu. Tenho a imagem clara dele sentado na sala de espera do então Secretário de Esportes Walter Feldman para mostrar a idéia. Eu estava de saída e ele de entrada.

Acertos e erros

Por que o mapa ciclo rede não saiu pelas minhas mãos? Há inúmeras razões, erros em cascata. Projeto apresentado antes do momento correto, desconhecimento das autoridades sobre o que se estava falando, erro de comunicação e venda da proposta, personalismo,...

Tenho um sentimento de culpa em relação a uma série de atitudes e ações que tomei. Minha comunicação em todo processo foi falha, inadequada. Com meu perfil eu nunca deveria estar a frente da venda de qualquer produto, principalmente de um projeto do qual sou pai e responsável. Conhecer um produto, saber todos detalhes, ter uma relação muito forte com ele pouco serve para a venda do produto. O trabalho de convencimento deve ser feito por quem tenha a facilidade de convencer, de vender, de finalizar o acordo ou negócio. Venda tem a ver com negócio, troca, desprendimento, nunca com paixão.

Outro erro crasso foi acreditar piamente nos outros: políticos, técnicos, empresários e mesmo parceiros. Não se deve acreditar que alguém tenha a resposta absolutamente correta e a plena capacidade de chegar ao resultado desejado. Soberba é burrice. Somar acreditar mais esperar é faz você muito vulnerável às vontades alheias.

Na coisa pública, entre executivos, políticos, e principalmente técnicos, teve muita gente que falou que o projeto sairia, mas por trás dos panos agiu de forma a frear qualquer progresso no processo. É necessário saber jogar o jogo, entendendo as regras e esticando a corda o máximo possível, mas nunca deixando de lado a ética e honestidade. Quem age sem ética e honestidade um dia fica em aberto, e se não ficar é porque os beneficiários aceitam a situação. Aproveitadores de ocasião há muitos e provavelmente alguns vão para história como bonzinhos, mesmo que para isto peguem seu trabalho, tentem copiar a idéia, façam qualquer coisa e ganhem reconhecimento.

Uma das coisas que aprendi com esta história é que a maioria da esquerda brasileira não acredita na bicicleta como meio de se alcançar melhorias urbanas, sociais, econômicas e ambientais, o que é um contra-senso em relação às suas crenças políticas. “Ao socialismo se vai de bicicleta”; isto ninguém duvida. Para a maioria da pseudo-esquerda brasileira, que é o que mais tem, a bicicleta só é interessante quando eles descobrem nos ciclistas possíveis inocentes úteis e votos, o que tem de montões também. Vale para todos partidos e principalmente para do PT que está no poder. Acredito há um PT sério que ainda não saiu do partido e por isto já não sei se é tão sério assim. No governo Martha Suplicy, quando se fez o plano diretor da cidade, a bicicleta só entrou muito no final da reta, às pressas, aos trancos e barrancos, mesmo tendo eu e Sérgio Luis Bianco tentado inúmeras vezes abrir caminhos para mostrar propostas amplas, consistente, realistas e realizáveis para quase toda a cidade. Foi uma das piores experiências que tive na vida. Detalhe: Sérgio Luis Bianco era PT de carteirinha no bolso e havia trabalhado então nas campanhas de Lula, Genoino, Martha e mais alguém que não me lembro. Para ele a experiência foi pior ainda. Hoje eu tenho certeza que não dá para confiar em nenhum partido político, mesmo que uns sejam um pouco piores que os outros.

“Não foi um erro seu. Quem quer que fosse não teria conseguido que a CET aprovasse qualquer projeto pró bicicleta” – já me repetiram isto um milhão de vezes. Provavelmente sim, mas e se eu tivesse tido mais cuidado com as palavras, com a forma, com as propostas, com a venda da idéia? Quanto fui inábil? Sei bem do poder e da vaidade da vaidade do pessoal da CET. Sei a história deles. Sei que por lei a CET existe para dar fluidez aos veículos motorizados. Sei que era uma missão difícil, quase impossível, mas se houvesse agido de outra forma não teria chegado a outros resultados? Quando fui o responsável por não dar certo, pelo demora na aceitação, pelo atraso de ações que resultaram em acidentes e mortes?

Num processo destes é muito importante não demonstrar conhecimento porque pode ofender o outro, principalmente quando o outro se acha macaco velho no assunto. Os projetos apresentados eram de minha autoria, mas tinham a revisão e assinatura de vários técnicos e especialistas, dentre eles ex-funcionários da própria CET. Isto foi mais um erro? Eu trouxe para dentro do projeto uma briga política? Ou houve ai uma disputa de competências? Quem está dentro sabe das coisas; quem está fora deve ficar calado?

O triste é que os projetos apresentados tinham princípio meio e fim, e davam inúmeras possibilidades de correção de rota. Propunham estágios de implantação para que o processo servisse de treinamento e adaptação para técnicos. Dava para escolher o ponto de partida do processo, áreas de implantação, tempo e volume de implantação... Teve apoio de entidades internacionais, teve dinheiro privado, muito dinheiro privado. Uns anos mais tarde foi apresentado o Ciclo Rede Butantã, que seria o sistema de alimentação das ciclovias Eliseu de Almeida e av. João Jorge Saad, que foi apresentado com mais detalhes, patrocinado pelo ITDP, e mesmo assim não foi para frente.

A vida é um passar de bastões, disto não tenho dúvida. O que aconteceu com os projetos apresentados no passado não deve se repetir.

O Ciclorrotas está no ar: http://vadebike.org/ . Bem vindo e parabéns a equipe que o realizou. São Paulo ganha muito com isto

4 comentários:

  1. Oi Arturo, tudo bem? Agradeço a menção honrosa, mas o mérito não é do Vá de Bike e sim da gestão anterior da SEME e do Leandro. Estou apenas ajudando (e bastante) na divulgação, por acreditar no projeto. E o faço sem remuneração alguma, é um trabalho de ativismo mesmo.

    E não desanime, a mim parece que foi uma questão de momento mesmo. De uns poucos anos para cá, as coisas têm melhorado de maneira muito rápida para a mobilidade por bicicleta. Que venha o amanhã.

    Grande abraço,

    Willian Cruz
    vadebike.org

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  2. Todo bom projeto urbano que se viabiliza segue seu curso sobre um leito formado por outros tantos tão bons ou melhores que por uma série de fatores vão sendo descartados sobre a picada inicial construída por desbravadores. Estes geralmente não chegam a ser reconhecidos durante a labuta mas acabam sendo tributados com nomes de ruas "in memoriam".

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  3. Pois que tratem de ser reconhecidos! Caro Arturo, o mapa das ciclo rotas recém-lançado - que ainda precisa ser melhorado em vários pontos e pela sua própria natureza dá sinais de que não ficará "pronto" nunca - deve uma parcela enorme ao seu trabalho pioneiro.
    Gostaria de deixar isso aqui registrado, bem como a minha vontade de que você pudesse ter participado mais de perto de todo o processo, mas sei que este 2011 que logo mais finda não foi dos melhores anos para você.
    Grande abraço,
    Leandro.

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  4. Arturo, mandou bem com maturidade. É muito importante que a memória fique preservada sempre. É importamte que todos nós saibamos que esse mapa de Ciclorrotas é o segundo que se propõe, pois, na hora das negociações é importante estar bem claro que não é de hoje que estamos propondo uma melhor vida aos ciclistas de São Paulo.

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