quarta-feira, 9 de maio de 2018

Milão: o arco iris de via Monte Napoleone

Via Monte Napoleone estava fechando, final de dia, umas últimas lojas ainda abertas. Local para poucos consumidores, preços absurdos para pobres mortais. Porteiros \ seguranças sorridentes para abrir as portas (e evitar possíveis roubos). Aqui em MIlão são raros - seguranças e roubos. Itália é muito segura, Milão mais ainda. Qualquer um que tenha um mínimo de noção de normalidade sente um profundo incomodo vendo um segurança de loja, mesmo estes aqui que são educadíssimos. Isto aqui é Europa. Entro numa loja e pergunto porque dos seguranças. A resposta é simples: "uma vez roubaram um casaco muito caro e perceberam que o casaco custa muito mais que o salário de um segurança". A bolsa de couro na vitrine custa 4.500,00 Euros. Matemática fácil.
Muitos clientes são chineses, ditos ainda comunistas, e russos,  positivamente ex-comunistas, alguns saudosos. São fáceis de identificar andando pelas ruas. Chineses no geral andam em bando e entram em bando nas lojas, falam alto, são meio escandalosos. Uma chinesa, solitária, se trancou no provador de uma loja COS aos berros no celular, provavelmente por que a atendente lhe disse que tinha a blusa só em branco ou preto. Ela se recusou a entender que não tinha em cor rosa e se trancou no provador. Saiu sorrindo depois de meia hora e entregou tudo que estava provando como se nada tivesse acontecido. A saber, COS, Collection off Stile, é uma das mais chiques redes de lojas de roupas masculinas e femininas da Europa, com roupas de desenho limpo, inteligente, modernas\classicas de origem sueca e preços honestíssimos.
Chineses gastam uma barbaridade sem o menor pudor comunista, seja lá o que quer que seja isto, se for significar algo. Russos, ex-comunistas, são facilmente identificáveis por que fazem questão de mostrar seu poder de compra e seus exageros, principalmente as mulheres, umas tantas com aparência muito além de peruas. Também começa com "p".
Perguntei ao atendente quem roubava? Esquivou-se da resposta com uma polidez exemplar e um sorriso irônico. Passei por todos, inclusive brasileiros, mas sequer piscou ao responder. Chines só ousa roubar se for completamente louco. Pelo resto não respondo. O fato é que chineses e russos compram, muito, isto é certo, e provavelmente todo este desvario não existiria sem eles. Ok, devesse incluir ai os árabes e outros que tais, e outros bilionários do planeta. É lógico que se pode incluir os milionários da corrupção, o que inclui muito brasileiro.
A riqueza de uma rua como via Monte Napoleone é impressionante. Mas a rua é discreta. é mais uma rua na cidade, nada mais. Tirando a gozação com chineses e russos, merecida, e outros comentários, a verdade é que o rico daqui é normal, bem mais discreto. É secular, está sustentada pela história, pela vontade de fazer grande, de crescer, de construir para o futuro. Não há crime em ser rico, não há vergonha da riqueza, não se julga pela riqueza. Pode não ser justa, nem honesta, mas não tem aquele rançoso que temos no Brasil.
É logico que um senhor chiquérrimo dirigindo um Bentley azul marinho conversível com estofamento bege chama a atenção, mas não grita como numa Oscar Freire. As Ferraris são muitas, menos barulhentas, normais. Não grita por que é normal, tem aos montes, passando para todo lado. Destoa quem precisa mostrar riqueza, quem precisa se empoderar de poder.
Complexo de inferioridade imaturo pega muito mal, estraga o que é bom ou pode ter futuro.
Ver aquelas vitrines, entrar nas lojas, admirar a loucura, a qualidade, a criatividade de cada uma das peças, cada estilo, cada loucura, algumas completa e deliciosamente desvairadas, é uma aula magna de arte, cultura, de... de... de... da maluquice em que o planeta está envolvido. E põe maluquice nisto! Ou chiquérrimas. É uma aula primorosa de inteligência. Valentino!
Entrei em várias lojas, entrei como um qualquer, sem discriminação. Está na cara que não sou rico. Fui atendido com gentileza.
Esta não é a única nem a verdadeira demonstração de riqueza de Milão. A riqueza está em tudo, em cada fachada preservada, nos que os bondes de 1950 que ainda circulam transportando a população representam, da cidadania de pobres a podres de ricos, as muitas praças, o patrimônio histórico, as crianças sendo levadas pelos professores para os museus ou mesmo a Galleria Vittorio Emanuelle. Vizinho a Galleria Vittorio Emanuelle está o Scala di Milano, um simples "teatro" se for levado em consideração sua impressionante história, um imensurável contraste com a besteirada que se pensa, diz e faz nestes tempos com a riqueza e seu poder.

Recebi um Whatsapp com um filme de uma jovem cientista brasileira que desenvolve seu trabalho em Harvard. Ela fala sobre a falta de atenção (eu diria desprezo) dos brasileiros pela pesquisa... e não vou me alongar no que ela falou com sabedoria porque é deprimente, real e deprimente.
É difícil de explicar para brasileiros, até para muitos cultos e viajados, o que é riqueza. Não só brasileiros. Idiotice e complexo de inferioridade mal resolvido tem em todas as partes.

E dobrei a esquina da via Monte Napoleone olhando para tudo e vi o arco iris. Andei apressado até achar o melhor ângulo para vê-lo quando começaram a cair pingos grossos de chuva, poucos, esparçados. E o povo que passava em volta sem parar se refugiou nas calçadas cobertas. A chuva diminuiu, continuei olhando arco iris só no meio da rua, isto chamou a atenção de uns poucos que perceberam o arco iris. Ficaram felizes. Fotografaram.
O Duomo ganhou um brilho amarelado que foi esvanecendo aos poucos, até o acender da iluminação noturna, branca, teatral. O arco iris tinha desaparecido, como deveria. Milão continuava lá, e assim continuará. Foi construída para ser eterna. Sua riqueza o é. Poucos percebem.

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