quarta-feira, 21 de julho de 2010

Trem bala na cabeça

Acho incrível que a população brasileira não esteja reagindo contra a idéia do trem bala, mas dada a baixa escolaridade geral também não espanta muito. Mesmo assim é inacreditável que não consigam entender o que é prioridade e ver o tamanho da encrenca que queimar R$ 50 bilhões irá representar para o futuro de cada um e de todos. É pegar o cartão de credito nacional para realizar uma fantasia infantil e assim esquecer o tamanho dos problemas que temos na área de transporte de pessoas e mercadorias. Mas faz sentido. Perdemos completamente a noção do que é a base de nossas vidas, do que é uma cidade descente, do que é um bairro agradável, do que é ter crianças nas ruas brincando, do que é mobilidade, ir e vir sem ter que gastar horas inúteis. Infelizmente a má qualidade de vida socializou-se com incrível eficiência. Brasil, o país do futuro, virou a utopia de uma sociedade alienada tentando circular em carros de vidros pretos que ofuscam olhar a paisagem e o próximo. Dentro de um destes carros o mundo de fora não existe. O contrário também é válido, porque se o individuo do lado de fora não existe, o coletivo de indivíduos é impossível se ser realizado. Mas o trem bala é notícia, boa notícia, sinal de progresso. Quem se pergunta “qual progresso vale a pena?”. Ouvissem um pouco de rádio ou lessem com cuidado jornal talvez soubessem que o que dizem especialistas. Há outras prioridades, inúmeras outras prioridades, muitas, tantas que é difícil contar. Inclusive e principalmente fazer funcionar o transportes aéreo e ferroviário existente. Parece que não sabem fazer conta, sequer a divisão destes R$ 50 bi pelo número de passageiros transportados para chegar ao custo unitário e daí fazer uma comparação com o custo da passagem aérea. Quem se acha formado parece estar deslumbrado com a possibilidade de um dia passear como na Europa. É impressionante estar num trem a 269 km/h, mas e daí? Tão emocionante quanto sair de Ferrari domingo pela manha nas ruas esburacadas da cidade. Vai ser interessante ver expressão destes mesmos que não reagem hoje contra o trem bala quando chegarem ao destino e descobrirem que na estação do moderno trem não há conexão de qualidade para o transporte de massa e que inevitavelmente irá gastar horas de carro num congestionamento. O investimento acabou no trem bala. Cansado ele irá chegar em casa e tentar entrar em contato com o mundo, a família, o trabalho, e descobrirá que não houve investimento para ter comunicações dignas. A internet será lenta, o sinal do celular cairá, tudo insuficiente para as necessidades individuais e para o porte econômico de uma pretensa potência. Lá fora a cidade, bairro, rua e a própria casa continuarão com as deficiências de organização e espaço que perpetuam a violência, barbárie. Os gargalos são fato comum hoje, continuarão iguais depois do trem bala. Mas passear nele será uma beleza; pelo menos para os que conseguirem e durante a curta viagem; e só entre as principais capitais do país. Desculpem, e até Campinas, o início da Califórnia brasileira. Todos terão orgulho do trem bala. Sobre nossas mazelas não se falará porque estraga a cervejinha. Quando esta população, ricos, classe média e os esquecidos, se dará conta que o preço de um trem bala, mais a Copa, mais Jogos Olímpicos, mais outras coisinhas aqui e ali, fazem uma conta que dificilmente será paga? Nem tanto pelo dinheiro, mas pelo abismo social que agora se aquieta com TV de plasma. Os que não têm acesso a qualidade e aos delírios hoje já percebem que onde e como vivem é muito degradante. Trem bala é lindo – lá!

Um comentário:

  1. É realmente difícil imaginar o que são 50 bilhões, o que daria para resolver de nossos principais problemas com isso. Esses dias estavam criticando uma presidenciável por propor um objetivo de elevar o percentual do PIB investido em educação de 5% para cerca de 7%, questionavam se ela seberia de onde poderia vir este recurso a mais. Pena que ela não pensou no trem bala! 50 bilhões é quase o orçamento da educação de 2010. Só com menos da metade deste trenzinho já daria para garantir os 7%. Mas, como você mesmo diz, isso faria com que a turma começasse a entender melhor o que se passa no país e a festa talvez tivesse que acabar. Difícil ter esperança assim.
    Saludos

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