segunda-feira, 12 de julho de 2010

atropelada

Na esquina da Galeria dos Pães havia um carro de polícia e na sua frente algo escondido, que de longe não se via. Só era possível perceber que a situação era anormal porque a frente da viatura umas pessoas a olhar para baixo e outras com ar de preocupação, mas sem sinal de pânico. Era final de hora do almoço de um dia ensolarado, céu de almirante, e o número de pedestres circulando era grande, principalmente ali, praticamente na porta de entrada e saída desta imensa e sofisticada padaria que símbolo da metrópole que não pára.
Curioso como sempre, cruzei a rua, contornei a viatura e dei de cara com duas mulheres sentadas no chão, praticamente no meio fio. Estavam calmas, uma deitada no asfalto com sua amiga confortando-a. Mais um atropelamento, mais um número para a vergonhosa estatística paulistana. Metade dos nossos mortos no trânsito é pedestre, e não é um número qualquer, mas algo em torno de 750 ao ano, uma barbárie que insiste em não baixar e que infelizmente tenho que repetir como papagaio paranóico. Paranóico? Estarei eu louco? Números são meu escudo.
Tenho dito em reuniões que não interessa mais os mortos, que hoje a meu ver é simplesmente casualidade de guerra. Sim, guerra. Números como os que temos em nosso trânsito são compatíveis com um conflito estabelecido e não com os que deveria ter uma das cidades mais ricas do planeta, principalmente numa de suas áreas mais sofisticadas, talvez a mais. Nesta seara eu não me meto porque depende do ponto de vista do cidadão.
A acidentada está lá no chão, como lhe foi pedido. “Estou bem. Até sai do meio da rua para não atrapalhar o trânsito”. Fiquei ali uns bons 10 minutos e o socorro não chegou. Ela já esperava há mais tempo. Estranho porque o trânsito de férias e de época de Copa da África estava muito bom e o socorro não fica longe, talvez uns 3 km.
Um dos guardas que atende o acidente sai de perto de todos e vai conversar em separado com o motorista. Achei estranho, afinal acredito que o que rege a infração e o crime é a lei, o Código de Trânsito Brasileiro, portanto qualquer ação de um representante da lei deve ser pública. Talvez desconfiança minha infundada, fruto de tantos anos vendo pedestres, ciclistas e outros menos privilegiados sendo preteridos. Já vi este carnaval antes. Como prova a própria atropelada que saiu do meio da rua para não atrapalhar o trânsito, todos nós atrapalhamos a fluidez dos motorizados. Também não nos deixa mentir a CET em suas respostas para várias cartas enviadas para os jornais Estadão e Folha. Dizem eles algo como “fomos até o local e não constatamos nenhum problema”. Problema para quem? Quando? Com certeza o pedestre não sabe cruzar e é imprudente, outro discurso corrente. As dores na perna da atropelada que o diga.
Ela mexe os pés e movimenta levemente a perna, o que me acalma. Não quebrou o fêmur e provavelmente nenhum outro osso. Bateu a cabeça quando voltou do vôo e aterrissou no capo do luxuoso carro preto.
A viatura dá ré e deixa o corpo estendido no chão sem uma proteção, uma barricada. Se houver outra imprudência a pedestre e todos em volta irão para o hospital juntos. Romântico! Comento que trabalho com segurança no trânsito (não sei se cito a questão bicicleta) e peço à amiga que chame um advogado para acompanhar a feitura do B.O. Um senhor educado ouve e quando me levanto ele repete mais uma vez o eterno chato discurso. “Se trabalha com segurança e é ciclista onde está o capacete?”. Confesso que nestas horas tenho vontade de responder que a coisa que mais mata é burrice. Burrice é fulminante, mas dependendo do grau mata o próximo e não a besta que relincha. Óbvio que depois da primeira afirmação segue-se mais uma longa história do porque usar capacete. São todas iguais, já as ouvi o suficiente. Ai que vontade de fazer aquela piada – “eu não uso capacete porque não caio em linha reta”...., mas o que fazer..., deixa quieto....
Dou meu cartão para a amiga da acidentada e tomo meu caminho. Não há mais o que fazer... a não ser bater nas teclas, como sempre. É o que nos resta, uma luta lenta, muito lenta, algumas vezes com sabor inglório, mas luta de tão persistente eficaz, pelo menos é o que diz a história. Estou cansado de tentar fazer história. Só quero que todos possam cruzar as ruas. Aliás, estou tão resignado neste momento que me daria por satisfeito se conseguisse caminhar na calçada em paz. Há muito não se consegue mais porque muito ciclista acha que este último reduto da mobilidade espontânea é também seu direito. Faz lembrar que fiz mais de uma vez um convite para o Prefeito Kassab sair para caminhar comigo e os 3 netos. Eu escolheria as armas, ou seja, caminhar na Oscar Freire, a rua mais cara do Brasil, mas na calçada norte, onde em alguns cruzamentos estar vivo e ser pedestre vale pouco, bem pouco, como na esquina da Ministro Rocha Azevedo e seu Pão de Açúcar. Entre ele e a farmácia, que fica exatamente na esquina em frente, só dobram livremente os carros. Pedestres esperam, sobrevivem ai por medo, a paciência inerente e o milagre de vez em quando parar o trânsito ou a passagem de carros. Mas quem se importa. Vai lá saber. Talvez, mesmo com a existência da lei, pelos usos e costumes a atropelada da rua Estados Unidos com rua Antilhas, esquina da famosa e muito freqüentada Galeria dos Pães, seja a responsável pelo próprio atropelamento. É o que várias entrevistas de responsáveis pelo trânsito, sempre imputando a responsabilidade ao pedestre, fazem crer.

Espero que ela esteja e infelizmente não fotografei

2 comentários:

  1. Caro Arturo,
    Muito obrigada pelo seu texto que retratou fielmente a situação que vivi e o que penso do trânsito, das atitudes dos responsáveis e da falta de respeito geral dos motoristas. Felizmente há também nas ruas pessoas como você, que circulam pela cidade conscientes que habitamos um planeta cheio de outras pessoas, que andam, falam, pensam, vivem, e que andar e viver por aí, só faz sentido se olhamos e percebemos o outro.Parabéns pelo seu trabalho, quer dizer, sua luta, pela segurança no trânsito, espero que um dia andar pelas ruas da cidade seja um prazer. bjs Patrizia Scala

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  2. Arturo,
    fiquei surpreso ao ler essa sua matéria onde vc chama de burro uma pessoa que pergunta sobre o uso do capacete.
    Se vc tem acesso a uma informação que milhões de brasileiros não tem, não seria ofendendo essas pessoas que vc estará fazendo uma conscientização.
    Não é se autopromovendo e sendo arrogante que você estará ajudando os outros....uma pena.

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