Preocupação todo mundo tem, umas consigo, outras com os outros, umas menos outras mais, algumas exageram na busca do melhor.
Quando a pequena criança, Guilherme, de dois anos incompletos, subiu no banco o tio ouve um pequeno barulho, pára a leitura e dá uma olhada sem mexer cabeça e livro. O tombo dali não será grande, provavelmente só um bom e educador susto. Guilherme senta, ajeita-se melhor, olha em volta, agarra com suas pequenas mãos a borda da mesa, admira o refletor de luz sobre a mesa. O tio volta à leitura. Mais um ruído suave do banco chama a atenção do tio, que vê a criança ficar em pé no banco e lançar o corpo para apoiar-se na borda da mesa. A leitura do tio começa a ficar incomoda, mas ele não se mexe. Guilherme então torce o dorso e lança um pé para cima da mesa tateando um apoio. O tio presta atenção incrédulo, um pouco tenso, ainda sentado e imóvel. Abrindo bem a perna a criança tem o apoio desejado e assim move o corpo para cima da mesa, rasteja para longe da borda, olha em volta, se sente seguro e pára. Senta. O tio sabe destas estripulias e acha graça, mas já está aflito e pronto para agir. Guilherme fica lá por um instante, olha em volta, percebe o tio e sorri; e o tio retribui quieto. A criança está segura e há tempo suficiente para chegar à mesa antes de um tombo maior. Sabe o que o pai faria em seu lugar. E então Guilherme gira mais uma vez o corpo, apóia as mãos na mesa, fica de quatro e rapidamente em pé. O tio dá um pulo da cadeira, joga o livro para o lado, e em dois passos largos agarra o moleque de maneira abrupta, gira o pequeno corpo assustado no ar, olho no olho, e o coloca no chão. Já no chão Guilherme assusta com a reação e ainda toma uma dura bronca. Desanda a chorar. O tio a princípio sente que agiu corretamente, mas com a chegada do pai e as devidas explicações se questiona sobre toda a situação. O pai não acha ruim, sabe o filho sapeca que tem. Teria sido melhor agir antes de Guilherme subir no banco? Ou quando subiu na mesa? Ou quando ficou em pé e aproximou a mão da lâmpada acesa? O filme sobre a própria infância do tio e de seus primos, todos muito levados, passa junto com questionamentos, muitos. A experiência de vida diz que os superprotegidos se saíram pior do que os que aprenderam por experiência própria e orientação sensata e continua dos pais. Guilherme, mesmo com menos de dois anos tem uma noção sobre experimentar e sobre limites invejável, todos reconhecem. O pai está sendo sábio em deixá-lo aprontar e só intervir quando a situação chega próxima do perigo real. É pai exemplar e o faz com boa dose de carinho. O garoto é bom aluno. O tio foi exagerado por inexperiência. Bastaria tê-lo segurado com calma na hora em que ele se levantou sobre a mesa e dito que aquilo pode machucar. Guilherme normalmente entende e não repete. Inexperiência, desconhecimento e excesso de preocupação; erros básicos e perigosos. Tivesse Guilherme se assustado com aproximação rápida e violenta do tio e ai sim poderia ter sido causado um grave acidente. Calma e ação correta são amigas da segurança. Educação baseada na sensatez é o caminho.
Repetimos nossos algozes. Aprendemos com nossos educadores tanto o bem quanto o mal, mesmo que este só tenha tido a intenção de transmitir o melhor. O mal vem sempre junto porque nos recusamos a reconhecer o mal como algo que simplesmente existe e definitivamente não pode cortado pela raiz. Depois vamos repetir praticamente os mesmos atos de quem foi nossa referência sem nos aperceber do que realmente estamos fazendo. Fazemos porque fomos criados desta forma e porque não é possível negar a própria essência. Alguns ainda se perguntam por que, por que, por que? Encarar a porção de mal que existe dentro de nós como fato é além da conta do que podemos suportar. E assim sendo espalhamos o que somos pelo universo.
Nossa comunicação acaba virando um desastre. “Não faça isto” dito em tom paternal é em muitos casos um grande estímulo para quem ouve fazer exatamente o contrário, o que não deve. Ameaça faz parte de praticamente toda educação. Ameaça caminha no sentido contrário da sensatez. Ameaça deveria ser o extremo e lidar com o extremo sem a devida base de conhecimento é procurar problema. Bombeiro trabalha com fogo porque sabe como lidar com ele. A maioria dos mortais viraria churrasco no meio das situações que eles enfrentam. O que dá aos bombeiros segurança é um passado de conhecimento, de estudos, pesquisas, ciência, erros e acertos, toda a história da humanidade em lidar com situações de extremo perigo e um treinamento voltado para a sensatez. Para não sair queimado vale a verdade e não os mitos. É também crucial saber lidar com a questão humana. Esta sim é complicada, muito complicada, o fator decisivo para obter bons resultados, quaisquer que sejam.
Um bombeiro bem intencionado não é um bombeiro cheio de vontade, crenças, desesperado para fazer o bem. Este tem uma grande chance de ampliar ainda mais os problemas. O bom resultado vem através de técnicas, do meio termo, da ponderação, do bom senso, do trabalhar em equipe. Desequilibrou a equipe e quem se está ajudando com posições pessoais e há grande possibilidade de perder controle da situação. Quem quer resolver tem que saber se comunicar bem, objetivamente, sem deixar dúvidas, com argumentos claros, convencendo pela sensatez. Formadores de opinião de verdade sabem disto.
Desagradável
A conversa sobre capacetes e segurança no trânsito sempre foi dura, mas recentemente extrapolou. Um pai preocupado, K, entrou no jogo comum do fanatismo sobre capacetes. Há muita gente que acha que a questão do uso do capacete é absolutamente inquestionável. Tem que usar e ponto. Para estes, quem não usa deve ser execrado. Já passei pela esta situação mais de uma vez. Na esquina da Gabriel Monteiro da Silva com Groelândia um destes fanáticos teve a capacidade de parar seu grupo de ciclistas, uns 30 ou 40, e me passar uma descompostura pública, grosseira, insolente, pela falta de capacete. Em outra ocasião, na avenida Paulista, final de noite, voltando do trabalho para casa, fui alcançado por um grupo cujo líder, responsável por um dos clubes de ciclistas mais importantes do pais, simplesmente disse que não eu poderia continuar rodando próximo a eles sem capacete, insinuando que não tinha direito de usar a bicicleta naquela condição. Outra feita, numa mesa de debates em um programa de TV, estava explicando porque considero o capacete para ciclistas urbanos questão menor para a sua segurança, expondo sobre dados de inúmeras pesquisas especializadas, quando fui interrompido por um “Não li e não quero saber, sem capacete não saio”. A discussão e informação para público foi baixada para o irracional, o sem base, o emocional puro, pior, para os interesses do patrocinador de quem fez o comentário. Fim de papo!
K estava em uma lista de debates sobre a construção de melhoras para o ciclista e empacou pesado no capacete como salvação da humanidade. Extrapolou completamente quando afirmou que Rafael, filho de Cissa Guimarães, atropelado e morto quanto andava de skate num túnel do Rio de Janeiro, não teria morrido se estivesse usando um capacete. Não me surpreende a postura, comentário com muito de “eu tenho minha posição e preciso mantê-la a qualquer custo”, normal em várias discussões, não só a sobre o capacete. Nível de sensatez bem baixo.
O algoz se repete.
Ainda somos uma sociedade que discute pouquíssimo em cima de argumentos, de dados, do racional. O passional católico e latino fala forte. Ainda não chegamos ao fundo do poço do “sabe com quem está falando”, autoritarismo nosso de cada dia fruto dos senhores escravagistas. Não se discute par chegar a um consenso, nem se busca resultados, mas briga-se por posição. Não interessa se o skatista foi atropelado por um carro a uns 100 km/h e nesta velocidade é praticamente zero a possibilidade de sobrevivência. É uma questão de física e de biologia, sem mais ou menos. Mas o que é física perante a importância do capacete?
A resposta brasileira para seus problemas mais agudos tem sido muros, vidros pretos, desconfiar de todos, seguro saúde, shopping center, escola particular; uma busca desesperada da própria segurança. O resto que se exploda. Ninguém acredita na verdade: ou todos têm segurança ou ninguém tem segurança; ou todos temos saúde ou ninguém tem saúde, ou temos uma educação de qualidade para todos ou não há futuro. A ignorância de ontem é o algoz de hoje.
Meu caro, o criador (homem) sempre será escravo de sua própria criatura (tecnologia) porque ainda lhe falta o uso da capacidade cerebral de discernimento, de sensatez, de inteligência, de solidariedade...
ResponderExcluirEm caso de atropelamentos, uma capacete vai proteger tanto o ciclista quanto protegeria a um pedestre.
ResponderExcluirSe os que querem forçar aos ciclistas o uso deste equipamento realmente tivessem algum tipo de senso lógico, a campanha se extenderia a todos que, de alguma forma, em algum momento, são forçados a compartilhar as vias públicas com veículos privados a velocidades mortais.
Defendo o uso do capacete como uma escolha individual. Eu não uso quando vou passear de bicicleta, mas uso quando vou trabalhar ou me exercitar, pois não é incomum, nos meus trajetos, que eu trafeque a velocidades acima de 40km por hora. Acredito que a esta velocidade, um bom capacete, assim como luvas, podem diminuir as chances de machucados mais sérios. Tenho total consciência de que o capacete fará pouca diferença se eu for atropelado por um automóvel a 100km/h.
A propósito, excelente texto. Muito bem colocado... Eu estava hoje mesmo vendo um relatório do Detran-PR com estatísticas de trânsito no estado. Depois de ler teu texto voltei nele para comparar acidentes fatais e não fatais com pedestres e ciclistas. Aqui no Paraná, a quantidade de vítimas não fatais, comparando pedestre e ciclistas, foi meio parecida em 2008, 4.7 mil pedestres contra 3.2 mil ciclistas. Comparanda as vítimas fatais os pedestres parecem QUASE QUATRO VEZES mais vulneráveis, foram 320 pedestres mortos contra 84 ciclistas. CAPACETE PARA OS PEDESTRES!
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirOlá!
O uso do capacete é uma esfera mais "social" do q meramente segurança.
Geralmente, os ciclistas ortodoxos [aquele vestem fantasias de esportistas para andar de bike] querem se diferenciar do simples "pedreiro" [pessoa que vai de bike pq não tem dinheiro nem para ir de ônibus].
O capacete é o principal diferencial.
Bom, eu pelo menos, uso o capacete em 90% das vezes.
Ele me dá uma segurança, psicológica eu sei.
No futuro, pretendo não usa-lo mais... Mas até lá vou fazendo os percusos mais tranquilos do meu trajeto diário sem ele.
E Arturo, eu também já fui xingada na rua por um ciclista ortodoxo.
O estranho é q eu estava ocupando a faixa, com os faróizinhos ligados [era noite], andando no fluxo do transito, porém sem o tal do capacete.
Sério... quase o atropelei pq esse vinha na contra-mão e falou "Oh o capacete, menina"
Absurdo!