domingo, 15 de agosto de 2010

andropausa

Fica aqui meu pedido de desculpas para o João, Fábio e principalmente para a Shimano Brasil, mas estou mal disposto e decidi ficar na cama. Hoje e amanha realizam um grande evento em Santana do Parnaíba, a uns 30 km de São Paulo, e eu deveria estar lá, mas não tenho condição. Já há algum tempo venho notando algumas diferenças no meu condicionamento e resistência física e creio que a resposta tenha sido dada numa piada feita por Teresa: “menopausa”. Ainda não fiz exames, que é a única forma de descobrir o que realmente acontece, mas há sim a possibilidade de aos 55 anos meus índices de hormônios terem baixado. Já falei com o Bettarello, meu médico, e ele disse que também precisa ser medida a glicêmia (sou diabético). Menopausa para as mulheres, andropausa para homens, o rito físico de passagem para velhice, situação normal, coisa da vida. Não estou triste, muito pelo contrário. Nunca tive um momento tão bom na vida. Faço as coisas com menos ímpeto, com mais sabedoria, no geral obtenho melhores resultados. É a vida e ponto. Este é o barato da maturidade, falar “é a vida e ponto” sentindo que é a vida e ponto e nada mais, que as coisas são assim, que esta é a normalidade, sem brigas, sem drama, sem ressentimentos, com tranqüilidade. Cara, é muito bom. Ter tranqüilidade, mesmo depois de velho, é muito bom. Ô dificuldade que eu tive para controlar o trem. Quem me conhece há tempo sabe bem sobre o que falo. É lógico tudo tem seus dois lados e gostaria de sair e correr a pé diariamente 10 km, minha grande paixão, o que ainda vou voltar a conseguir, mas agora os 3 km têm um sabor incrível. A cabeça é outra e aceita a realidade, o que é imutável ou tem seu curso natural, o que torna as coisas mais simples. O futuro não terminou, mas mudou. Os objetivos mudaram. E mesmo ter que ficar em casa, cuidando da saúde, passa a fazer parte. No passado teria ficado muito desgostoso de não conseguir cumprir um trabalho. Não deu para ir, não é o que pretendia, mas é o que é. Sempre soube que a diabete iria cobrar um envelhecimento precoce, o que faz parte do meu jogo de vida. Definitivamente não estou doente, simplesmente estou mais velho. Fico aqui quieto, lendo e escrevendo. Amanha ou depois de amanha volto a luta.
Faço um paralelo. Este texto está sendo digitado num labtop que deve ser de 2000, um IBM ThinkPad com “Me”, com uma tela que tem 25 cm de largura e 20 de altura, bem pequena. O velhinho é uma delícia de teclar, mas é muito limitado se comparado ao que tenho hoje. A comparação é alguma coisa como se eu tivesse sentado ao lado do Leandro Valverde numa reunião, que participa, digita o celular e ainda trabalha no computador, tudo ao mesmo tempo e sem se perder. Ou com a Renata, vovozinha para lá de enxuta e ligada, que não fica atrás com aquela coisa que outrora foi chamado de telefone e hoje faz de tudo um pouco, inclusive deixar alucinado o dono.
Mudou muito, demais. Está melhor em alguns aspectos e pior noutros. Quando bem pequeno, antes de uns 6 anos, vi ligação telefônica sendo feita em um aparelho de baquelite preto que ficava preso na parede que para falar era necessário girar uma alavanca lateral e chamar a telefonista. Você pedia a ligação, colocava o fone no gancho, ia fazer sua vida e só depois as duas campainhas metálicas, altas e estridentes, tocavam avisando que a telefonista iria completar a ligação. Meu pai conta que você pedia para a telefonista ligar para fulano de tal e ela normalmente sabia o número de todos na cidade (leia-se São Paulo para o caso). Usava-se o telefone só em casos especiais. Ainda quando criança, portanto lá por 1961 ou 2, o número de telefone de minha casa era 2999, o que depois de uma grande crise, quando havia uma grande demora infernal para conseguir linha, passou para 8.2999. A crise deve ter sido causada pela nova geração de usuários que descobriu que dava para fofocar pelo telefone e as conversas eram intermináveis. Minha irmã e suas amigas tomaram muita bronca. Passaram mais uns anos e adicionaram mais um número, e outro e mais outro até chegar a estes 8 números que temos hoje. Provavelmente as fofocas ficaram mas sofisticadas. Demorou muito para desaparecer a figura da telefonista, que continuavam entrando em ação para chamadas interurbanas e internacionais, que, aliás, eram raríssimas por serem dificílimas e caríssimas. Em Lima, Peru, 1975, tive que ir até um rádio amador para tentar me comunicar com São Paulo, o que de outra forma era impossível. Mais ou menos parecido como este computador aqui que não tem modem interno e mais ou menos como me sinto em relação a algumas coisas da vida.
Tudo foi mudando, principalmente a forma de pensar, de sentir, de viver o tempo que passa sempre igual nos ponteiros do relógio. Criar um texto em máquina de escrever era um processo completamente diferente do que temos hoje. Era tão chato fazer correções que nos obrigava a pensar com calma o texto antes de digitar. Corrigir o grosso do texto significava trocar o papel da máquina por uma folha nova e começar tudo do zero. Mesmo aqui, neste laptop obsoleto estou escrevendo solto e só depois é que vou ordenar os pensamentos, copiando e colando os parágrafos, modificando erros e fechando o sentido completo do texto numa última leitura. O que pode atrapalhar é a carência de tempo, imposta pela vida, para completar o processo. Na época da máquina mecânica eu teria alinhavado o texto completo na cabeça e escrito com muito cuidado parágrafo por parágrafo para não cometer erros. É um processo diferente: criar, escrever, ler, pensar, revisar, voltar a escrever, entregar. Com as máquinas de escrever elétricas começou a era da correção automática, ou pelo menos mais simples. No caso do erro de uma letra bastava acionar o corretor e ao mesmo tempo teclar a letra errada e a máquina apagava. Tinha uma barulheira bem chata porque a máquina acionava uma fita corretora, depois andava sozinha para trás dois espaços e automaticamente batia novamente a letra errada sobre fita corretora branca. Quando a máquina não tinha corretor passava-se branquinho, uma santa ajuda feita de uma tinta branca opaca que vinha numa espécie de vidro de esmalte de unha de mulher. Nossa! como ficou mais fácil!
E nesta brincadeira de lembrar meus tempos de colunista e redator e folhas batidas numa Hamington portátil (o labtop da época) lembrei-me do começo de tudo. Um dos atos de passagem que tive foi quando ganhei de meu pai uma caneta tinteiro Scheiffer para ir à escola. Recebi-a com grandes honras. Mal sabia o coitado que o filho não seria exatamente um aluno brilhante e nem exatamente um santinho. Como sempre fui um pouco estabanado logo em seguida ganhei um tinteiro que capotava e não deixava cair tinta. Para que? Era comum ter que recarregar a caneta no meio da aula. Você apertava a borrachinha ou puxava o embolo e enchia a caneta de tinta azul. Limpava o excesso na pena, e escrevia de preferência sem errar. Ah! E nos meus primeiros anos de escola usávamos mata-borrão para sugar o excesso de tinta que ia para o papel. Quando surgiram as primeiras esferográficas foi um sucesso. Com elas o esmero no fazer cada letra, obrigatório para não causar borrões, tinha virado coisa do passado. A letra começou a correr rápida e o pensamento teve que aumentar sua velocidade. E aqui vale aquela máxima da história: os americanos gastaram milhões para criar uma caneta que escrevesse no espaço, e os russos continuaram a usar lápis. Uma não descarta a outra, esta é a verdade.
Preciso de silencio, de ficar quieto no meu canto. As pessoas mais próximas sabem bem disto. Não consigo acompanhar a velocidade dos dias de hoje. Passei toda minha vida acreditando em construção de sabedoria, da maturidade, da mistura do conhecimento empírico com a ciência. O tempo desta construção é muito diferente do frenesi de nossa época. Avançamos muito, mas a um custo de perdas valiosas. O encanto do futuro nos engana diariamente. Ficou para trás minha Atibaia da infância, da pimenta comarí colhida no mato, da casinha simples, do gramofone tocando Édith Piaf chiada, a maravilhosa galinha caipira feita em fogão a lenha, o aquecimento de água feito por serpentina de cobre que passava pelo fogão a lenha e que obrigava a banhos rápidos, da trem a vapor que apitava, do ter tempo. Do ter tempo. Tempo.
Imagino quanto tenha custado este IBM hoje obsoleto. Coloca verdinhas ai. Também é fácil imaginar a cara de espanto dos que o viram funcionando em sua época áurea. Foi o fino da tecnologia, o sonho de todos apaixonados por computadores. Eram poucos, raros, cobiçados. Como tudo, teve seu tempo, ficou obsoleto, mas não a história inerente. Esta teria que estar viva, agora mais que nunca. Caminhamos a passos, um após o outro, e o processo continua seguindo em frente através da “história”, querendo ou não. Não se pode negar o valor de cada passo, certo, aparentemente inócuo ou errado. É medíocre e perigoso deixar de aprender com a distância que o tempo dá aos fatos. O ideal seria que fossemos educados para a neutralidade da leitura dos fatos, para tirar proveito da história. Infelizmente isto não acontece. Somos bipolares, ainda pensamos muito como na Santa Inquisição. E ai vem a dualidade do que a tecnologia nos traz. A grande vantagem é justamente esta rapidez absurda de comunicação que traz muita informação. Ao mesmo tempo esta gigantesca quantidade de informação disponível é uma grande desvantagem histórica porque o problema está em conseguir fazer uma boa análise e não gerar mais distorções. As distorções do passado se davam pelo excesso de tempo, que gerava uma verdade imaginária, que por sua vez era usada justamente por falta de referências precisas. As de hoje ocorrem porque não nos damos tempo para viver e pensar, para amadurecer e frutificar.
A revolução dos bichos” do George Orwell, que acabei de ler, fala sobre a questão da perda da memória, sobre a distorção da história, de coisas que provavelmente levaram este texto para onde está indo. Leitura rápida e imperdível. Leiam antes desta eleição para presidente que pode ajudar o Brasil.

Um comentário:

  1. Prezado Arturo,
    Quem vos escreve é Airton, 47, de Indaiatuba-SP. Conheci seu blog e o site nao faz muito tempo. Já li todos os conteúdos, e mais, fui lá na Bicicletaria Duas Rodas do nobre amigo Jurandir e esposa Lucia e comprei uma bicicleta "de verdade"! Estou muito satisfeito.
    É uma mountain bike. Já fiz várias trilhas com uma turma daqui que conheci "na rua", ou melhor trilhas, e do grupo Pedal Aventura.

    Parabéns por mais um brilhante texto que tambem me remeteu ao saudosismo das coisas simples. Eram simples, mas muitas, difíceis de lidar comparado à modernidade.
    Eu que o diga. Penei muito com a datilografia naquelas antigas Remington e Olivetti. Depois veio as maiores, elétricas. Caras, mas melhores, porém ruidosas também como o amigo muito bem disseste.

    Ah, que bom que gostaste de ler a Revolução dos Bichos. Se nao leu, eu recomendo, do mesmo autor: 1984 - George Orwell. Não vou dar detalhes. Li duas vezes e assisti duas vezes o filme. A primeira vez que li foi no início da faculdade de Adm de Empresas em 1985. À cada página lida uma surpresa. Lembro que fiquei várias semanas com aquilo na cabeça. Até hoje ainda fico meio perturbado...risos.

    Outro, nesta linha de "chacoalhar a massa cinzenta" é Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. Este também me tirou o sono por meses... Ah, depois tem A Terceira Onda do Alvin Tofler. É para poucos. Se nao me engano sao mais de 500 paginas.

    Grande abraço.

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