sábado, 21 de maio de 2022

Pensamentos perdidos sobre turismo e cidades no Brasil - parte 2

Milão vista da porta do Al Grissino, do outro lado da rua 

Milão e São Paulo têm algo que as une. É uma das cidades gastronômicas da Europa e do mundo, e segundo uma das mais importantes chefes deste país tem o melhor restaurante do planeta, Al Grissino, na Via Gian Battista Tiepolo. Milão é uma delícia de ser vivida, cidade que tem de tudo, incluindo o majestoso, impressionante conjunto Duomo, Galleria Vittorio Emanuele, e Teatro alla Scala de Milano. Junto com Amsterdam, paixão, é uma das minhas cidades prediletas, das poucas que se pudesse moraria. Dizem que no inverno a coisa é outra, gela para valer, mesmo assim moraria.
Milão lembra muito a São Paulo de um passado não muito distante. A bem da verdade Milão serviu um pouco mais que simples referência. São Paulo é a cidade com maior número de italianos e oriundos no mundo, incluindo as cidades da própria Itália. A diferença, ponto positivo para São Paulo, é que nosso clima que é temperado, ótimo. Era melhor ainda no passado, a terra da garoa, coisa que perdemos em consequência da brutal perda de áreas verdes e cimentação generalizada. Nosso crescimento foi e continua sendo caótico, burrice "que não pode parar".

São Paulo está sendo sistematicamente desintegrada. Segundo especialistas foi a cidade com a maior riqueza arquitetônica do planeta. A violência com que se está demolindo o passado e construindo edifícios descomunais é impressionante, o que vai ter novas consequências. "São Paulo não pode parar", o velho lema dos progressistas, está nos levando a um futuro cheio de incertezas para lá de perigosas. São Paulo da garoa já está irremediavelmente descaracterizada, não existe mais. A quem serve?
É bolha, voo de galinha.

Sempre se comeu bem em São Paulo, e de tudo, de uma variedade gastronômica rara. Era uma das riquezas dos novos paulistanos vindas de todas as partes do planeta. Italianos, libaneses, sírios, japoneses, alemães, franceses, nortistas, gaúchos... 

Foi inevitável São Paulo um dia ter sido reconhecida internacionalmente como uma cidade gastronômica. O grosso do turismo até o fim da década de 90 era de negócio, trabalho, curto, dois dias de estadia em média. Para executivos é hábito as reuniões ou serem realizadas ou terminarem nos então poucos e ótimos restaurantes da cidade, todos de padrão mundial. Virou regra entre alto-executivos ficar mais um dia hospedado na cidade para só para ir a restaurantes. Foi um processo natural, divulgado boca a boca entre os executivos, que hoje rende muito, gera muito emprego. O turismo oficial veio a reboque (se é que veio). A fama da culinária paulistana foi tão longe que desta vez na Itália ouvi mais de uma vez comentários elogiosos vindos de italianos e europeus que nunca estiveram no Brasil e não fazem ideia de onde está São Paulo no mapa.

O turismo numa na cidade maravilhosa, Rio de Janeiro, mingua. Falou em Brasil, falou Rio de Janeiro, falou em Rio falou em violência em estado bruto. 
- Você é do Brasil?
- Como é a capital Buenos Aires?
Várias vezes ouvi variações sobre a mesma pergunta, principalmente nos Estados Unidos. O pessoal de primeiro mundo costuma saber que existe uma cidade maravilhosa, uma floresta amazônica, e Argentina, Chile, Peru, Colômbia e por razões de noticiário político a Venezuela. Rio de Janeiro = violência.  
Para quem não sabe NY teve mais de 2.200 homicídios no ano de 1990, 6 homicídios/dia, um número apavorante. Não entra aí as agressões, assaltos, roubos, tráfico de drogas, gangues, e outras violências mais que tanto conhecemos. Com um planejamento bem-feito pensando em longo prazo reverteram. Em um pouco menos de 20 anos transformaram NY num dos principais destinos de turismo do planeta, competindo com Paris, por exemplo. O projeto Tolerância Zero vai muito, mas muito além do pensamento simplório traduzido em "intolerância". A diminuição da tolerância com até pequenos atos ilegais, como pichar ou fazer pipi no poste, fez e continua fazendo parte de inúmeras ações de recuperação da qualidade da vida pública na cidade. Tolerância zero foi e continua sendo um trabalho coletivo que envolve inúmeras áreas, da segurança à saúde, do bem-estar social ao acompanhamento da criança na escola.

NY cresceu muito estes últimos anos, mas de forma organizada, respeitando seu passado. O turismo se fortalece vendo a NY do King Kong pendurado no Empire State, não para ver o paliteiro de 100 andares de apartamentos irresponsável que está pipocando por Manhattan e que está gerando uma gritaria feroz por parte dos nova-iorquinos.  
Não é construir qualquer coisa de qualquer jeito em qualquer lugar como está acontecendo aqui em São Paulo. É planejado, pensando, discutido com gente que tem condição de pensar. Mesmo assim vira e mexe dá merda e das grossas.

O projeto Hudson Yards em NY, um dos maiores e mais caros empreendimentos urbanos da história, é grandioso, lindo no papel, imponente de ver ao vivo, mas está dando errado, muito errado. Já estava tendo sérios problemas comerciais antes da pandemia. A torre de babel, como gosto de chamar, uma escadaria em forma de torre de babel invertida, uma escultura maravilhosa, divertida, passou a ser o trampolim preferido de suicidas. O shopping center não vendeu o esperado e a loja âncora fechou. As imensas torres no entorno das praças também não venderam o esperado mesmo tendo apartamentos para os mais diversos orçamentos familiares, dos ricos para valer aos assalariados, um projeto com ideias "socialistas" para assim dizer. A monumental ideia genial de um novo bairro concentrado saiu pela culatra e passou a ser um problemão da cidade de NY, não mais só dos empreendedores. 
Uma coisa é inteligência de intelectual ou artista, outra é a realidade. Há um abismo aí. Não estou dizendo que intelectuais e artistas sejam dispensáveis, mas que em certos momentos precisam ser realistas. Aí deveria entrar a mediação do poder público, o que aqui no Brasil raramente acontece, quando acontece.

Brooklin preservado
O longo projeto de recuperação de NY, que foi uma das mais violentas capitais do mundo, vem trazendo bons resultados e alguns novos problemas. Com a diminuição da violência, da poluição, dos problemas sociais trouxeram trabalho e riqueza, junto veio uma troca do perfil de população. Há uma gritaria no Harlem com a mudança de perfil do bairro que empurra famílias tradicionais da área para longe. O ideal é que as melhorias não descaracterizem a área, como parece que está sendo feito no Brooklin. 
Sei como é uma mudança maluca porque moro no baixo Pinheiros, em São Paulo, onde está acontecendo a mesma coisa. Quando fui para lá minha rua era de pequenas casas, famílias de renda média, das velhas fofoqueiras e cheio de crianças brincando. Pipocam edifícios imensos, descomunais, de todos tipos. Em lugar dos tradicionais moradores, classe média baixa, hoje temos pequenos comércios. Só em 300 metros da minha rua antes de pandemia estavam instalados 19 restaurantes, a maioria faliu, a bem da verdade iriam falir de qualquer forma, a pandemia só acelerou o processo. O que era um bairro cheio de vida hoje a noite é morto, com muito dinheiro circulando e morto.

Não faço ideia de como ficará o negócio do turismo depois da pandemia, melhor dizendo, daqui para frente. A pandemia escancarou um planeta cheio de pragas que ninguém sabe para onde está indo, ou sabe e é melhor não pensar. 
O que todos tem certeza é que se precisa corrigir as mazelas das cidades. Todas cidades do planeta que cumpriram o dever de casa tem uma qualidade de vida descente. Não sei por que, mas aqui a cada dia se aprofunda mais o "último que sair apaga a luz". Do jeito que vai o último nem apagar a luz vai.

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