Há uma grande
confusão sobre onde é perigoso pedalar. Pedalar numa rodovia conurbada, como
fiz outro dia na Dutra, significa imediata reprovação. “Você está louco! Que
perigo!” Provavelmente os mesmos que reprovaram meu “passeio” devem achar o
Ibirapuera seguro. É mesmo? O entorno do Ibirapuera foi, segundo estatística
oficial e não faz muito, o local mais perigoso da cidade de São Paulo para
ciclistas. Se for contada a quantidade de acidentes e incidentes nos fins de
semana continua sendo um local pouco recomendado para se pedalar. Exatamente como
a maioria dos parques e ciclo-faixas de domingo.
Uma coisa é ter certo
nível de perigo; outra, completamente diferente, é ter uma imagem muito mais
apavorante que o perigo real. Afinal, qual o real significado da palavra perigo?
Como dimensionamos os perigos? Como convivemos com perigos reais e os relegamos
a um segundo plano? O absurdo número de assassinos nas ruas. Ou ter um momento
de consciência e perceber que se está a 80 km/h e que conforme o acidente o
carro simplesmente vai se desintegrar. Mas muitos ficam apavorados de entrar no
modo de transporte mais seguro existente: o avião. Perigo? Qual perigo? O que é
realmente perigoso?
O que é mais
perigoso, a Dutra ou a av. Paulista? A rodovia Ayrton Senna ou cruzar a Ponte
das Bandeiras? A rodovia Raposo Tavares ou a av. Francisco Morato? A Marginal
Pinheiros ou av. Santo Amaro? Onde é mais perigoso pedalar? Depende! Depende de
uma série de fatores, que começam pelo conjunto ciclista/bicicleta, e segue pela
condição do trânsito naquele exato momento, local / trecho da via, horário do
dia, luz, dia da semana, qualidade do pavimento, largura da via, condição
física/psico motriz do ciclista, visibilidade, nível de ruído, sombras, ventos,
declividade... Conforme o congestionamento o único perigo é alguém abrir a
porta sem olhar para trás. “Carro parado não atropela”, como diz Renata
Falzoni. Portanto não é a via, mas diversos fatores que definem uma situação
real de perigo. Dutra é perigosa? Depende se for a Dutra real ou a imaginária.
Falou em estrada, via
expressa ou algumas avenidas, e automaticamente falou em perigo, é uma
besteira, uma grande besteira. É óbvio que ciclista deve, sempre que possível,
evitar vias de trânsito pesado e ou rápido. Mas também é óbvio que é um erro
pensar o binômio perigo / segurança de maneira tão simplista, medíocre diria.
Sempre repito nas palestras que “Quem só pensa em perigo não tem tempo para ser
seguro”; e completo com “Acreditar em besteira é o maior perigo”.
Voltando à Dutra, nos
primeiros 1,5 km do meu trajeto foi numa rua paralela. Mais 1,5 km num trecho com
acostamento da estrada e com pouco movimento. Cheguei então onde realmente é
perigoso, que é o acesso para a rodovia Fernão Dias, que está numa descida
rápida e aproximação de curva rápida que prende o olho dos motoristas num único
ponto. Cruzar não é fácil e demanda uma grande dose de paciência, o que a
maioria não tem. Um pouco a frente há o acesso da Fernão Dias para a Dutra que é
tranquilo por que os carros vêm de uma curva mais acentuada e em subida, portanto
com velocidade reduzida. Mais ainda, neste ponto o olho dos motoristas está apontado
para frente e começando a buscar o trânsito da Dutra, o que coloca o ciclista na
mira e o faz bem visível. Cruzando este acesso e seguindo em frente, até o topo
desta subida tem acostamento e vários pedestres caminhando para o ponto de
ônibus no mesmo acostamento. A partir do topo e do ponto de ônibus, já na
descida, há algumas saídas e acessos à Dutra, o trânsito vai se adensando, a
velocidade geral dos veículos aumenta, os motoristas precisam prestar mais atenção,
portanto o ciclista começa a desaparecer e o perigo aumenta. Lá em baixo, no
plano, a rodovia é dividida em duas pistas, principal e lateral, esta sem
acostamento, e não é recomendável continuar pedalando ai, mas como guardei
folego e energia consegui manter uma velocidade que não incomodasse o trânsito
e não deixei ninguém irritado. Como não iria conseguir manter o ritmo por muito
tempo peguei a primeira passarela, cruzei-a e saí da Dutra.
O que quero dizer é
que uma estrada não é uma estrada, mas uma espécie de organismo vivo, que muda,
se transforma, tem peculiaridades. Quem sabe ler esta vida tem um grau de
segurança relativamente alto. Para quem não está treinado é apavorante; e é
mesmo! O mesmo acontece com vias expressas, avenidas, e mesmo ruas. É erro
crasso, uma tremenda besteira, a forma como nós, brasileiros, estamos usando a
palavra perigo. Pior, é irresponsável! E não é só para a questão da bicicleta,
do pedalar, mas para tudo, principalmente no que se refere à violência. Pensar
o perigo como tabua rasa é chamar aos berros o perigo.
Definitivamente não
recomendo que ciclistas pedalem na Dutra ou em qualquer outra estrada
conurbada. A maioria ficaria exposta a riscos extremos por que não tem vivência,
formação e treinamento específico para a situação. Repito: pedalei na Dutra por
que faz parte do meu trabalho, para ver a condição atual dos ciclistas
trabalhadores que pedalam por lá pela simples razão que não tem outra opção. Ciclistas
e pedestres, que estão lá e todas as rodovias aos montes. Eles não são
imaginário, são a realidade. Perigo para eles é perder o emprego.
Temos também, naturalmente, uma tendencia bastante egoísta ao avaliar perigos. Enquanto um ciclista na dutra põe em risco sua própria vida, um motorista põe em risco a vida de ciclistas, pedestres, motoqueiros e outros motoristas. A sensação de segurança que sentimos ao acelerar uma tonelada de aço a 20 metros por segundo é bastante difícil de entender.
ResponderExcluirTendência egoísta de avaliar o perigo é uma afirmação muito interessante. Dá o que pensar.
ResponderExcluirJá pedalei na Dutra e concordo contigo, é perigoso! (http://joaozinhomenininho.blogspot.com.br/2013/07/brasil-caminho-da-fe-parcial-aparecida.html)
ResponderExcluirFoi durante a chegada do Papa para ir pedalando para Aparecida-SP. Antes de ir liguei para a CCR Dutra 0800-0173536 afim de ouvir as recomendações, eles fizeram um cadastro simples para registrar a ligação e coletaram dados como nome, origem, destino e previsão de chegada no destino... e para minha surpresa recebi a orientação: "- A CCR Dutra não recomenda pedalar rodovia, nem mesmo pelo acostamento."... mesmo assim fui e deu tudo certo. Mas realmente não recomendo para um ciclista primeira viagem! Cicloabraços Joaozinho