Nich deixou o seguinte comentário no texto de 03 de Dezembro, Dia Mundial do Deficiente Físico:
Quando fui morar na Inglaterra fiquei
impressionado com a quantidade de deficientes físicos que se via pelas ruas e
passeios. Minha primeira reação foi pesquisar as estatísticas e vi que a
diferença proporcional não era tão marcante. A grande diferença está nas guias
rebaixadas, ônibus adaptados, passos em zebra e toda a democratização de
acessos e direitos que lá vão bem além das páginas da constituição.
Nich, esta diferença entre o que vemos lá e cá começa
no histórico de guerras dos países europeus, que foi uma constante até o final
da Segunda Guerras Mundial. Foi depois dos dois genocídios, Primeira Guerra
Mundial entre 1914 e 1918 e a Segunda, de 1939 até 1945, que a Europa realmente
passou buscar implementar direitos sociais que hoje são considerados básicos. Com
a revolução industrial e principalmente com o evento do trem, a partir de 1840,
começam uma série de aberturas e conquistas sociais, aqui e ali, mas só depois
da Segunda Guerra Mundial é que as mulheres, por exemplo, vieram a ter os direitos
mais simples respeitados, mesmo assim não foi um caminho fácil. E pensar que o
trabalho da mulher, mesmo não estando do fronte e exercendo, foi imprescindível,
crucial para os resultados alcançados nos campos de batalha. Em casa, nas suas
cidades, elas substituíram os homens que foram para o fronte em praticamente
tudo, do trabalho sujo e pesado nas fábricas à segurança das ruas e ferrovias. E
ainda com dupla jornada, por que muitas eram mães ou arrimo de família.
Qualquer guerra gera mudança de valores sociais,
familiares, pessoais e principalmente individuais, o que foi um processo muito
mais acentuado nestas duas Grandes Guerras, tanto pelo grau de violência como
pela intensidade de mobilidades das tropas, algo impossível até então. Lembre-se
que antes da Primeira Guerra Mundial as tropas se deslocavam a pé, em
cavalarias, ou lentas carroças; e a partir desta guerra o deslocamento passou a
ser feito em caminhões e trens, o que foi um choque de cultura imenso para as
tropas. Na Segunda Guerra Mundial realizava-se com rapidez o deslocamento até de
um exército inteiro, milhares de homens, que saiam de suas vidinhas de
interior, juntavam-se a desconhecidos com hábitos completamente diferentes, vindos
das mais diversas partes do mundo, e juntos cruzavam países, paisagens e povos
completamente desconhecidos, muitos dos quais sequer sabiam da existência. A
documentação sobre o choque cultural dos americanos na Ásia, Oriente e Oceania
é farta e impressionante.
Dias depois de saírem do conforto físico e psíquico de
seus lares, estavam envolvidos numa carnificina ensurdecedora, sentindo medo,
fome, desconforto, os piores cheiros que se possa imaginar, vivenciando situações
inimagináveis, não só geradas pela violência, mas nova regra social que mesmo o
melhor treinamento militar não consegue explicar. O monstro de cada um se
apresenta na sua forma mais pura, literal. A mudança foi brutal e rapidíssima
para todos, os que foram e os que ficaram, durante e principalmente no pós
guerra. Só quando a adrenalina passa e os fatos se consolidam é que o indivíduo
realiza. A partir daí o mais básico, a relação afetiva com o ou a companheira, filhos,
e família, por exemplo, não é mais a mesma; nem não podia ser. Meio século da
pior e completamente injustificável barbárie transmitida por rádio, cheia de
imagens, ou vivida dia a dia, nada continua igual. Nada. Nem a relação sexual. Os
parâmetros seculares de todas as nações, povos, religiões, se desintegraram –
literalmente.
Nos países que participaram intensamente destas
Guerras a multidão de mutilados voltaram para suas casas e estavam por todas as
partes, sendo impossível esconder. No Brasil vivemos uma guerra civil não
declarada, relativamente silenciosa, e em boa dose aceita socialmente. As vítimas
desta nossa barbárie são duplamente vítimas, dos criminosos e da própria
sociedade que não se interessa, ou não aguenta mais drama, ou os dois. Então os
deficientes físicos são escondidos, como um estorvo qualquer.
O deficiente brasileiro não é um marco da história,
um símbolo inequívoco de algo que não pode se repetir jamais. O que não pode
acontecer neste país? O que não pode se repetir? Tudo se repete, a cada dia de
forma mais horrível. Quem se importa?
De fato faz uma diferença enorme ter a cidade
preparada para as mobilidades dos deficientes físicos, mas isto não basta. Brasileiro
sequer sabe o que é e para que serve uma cidade. Brasileiro está preocupado mesmo
e com a aparência.
Gostei dessa: "Brasileiro sequer sabe o que é e para que serve uma cidade. Brasileiro está preocupado mesmo e com a aparência."
ResponderExcluirEstá claro que os valores culturais de uma país são frutos de um processo histórico, mas a história tem que ser usada para explicar e entender os resultados e não para justifica-los. Claramente não é o teu caso mas vejo muita gente usando a história do país e nossos deturpados valores para justificar suas ações e condutas ao invéz de buscar uma forma de entender o problema a ser atacado.
Em todo caso, muito bom texto ,) pra variar.