quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Seu Oliveira, padeiro e ciclista

Oliveira vinha entregar os pães em casa muito cedo numa bicicleta que tinha uma imensa cesta de vime na frente. Eu era muito pequeno, não me lembro se era ou não uma bicicleta cargueira preta com roda pequena na frente, mas lembro muito bem do pão doce recheado com creme que algumas vezes chegava ainda quentinho e muito de vez em quando minha mãe autorizava que eu pegasse.

Oliveira continuou servindo minha família por muitos anos. Progrediu, comprou uma VW Variant vermelha nova. Certa vez conversamos sobre a época que ele pedalava para entregar os pães, que agora iam e quantidade muito maior e mais organizada no porta-malas da sempre bem cuidada perua. Foi nesta época que eu havia tirado a carta e a bicicleta ficou completamente fora de minha vida. Normalmente encontrava o seu Oliveira quando chegava da namorada. Desligava o carro, ia até o porta-malas dele, pegava um pãozinho e ou deixava o dinheiro ali mesmo ou pagava depois. Subia, entrava em casa, dava uma rápida cochilada, tomava um banho e saia para a faculdade com minha Variant Azul calcinha, que judiei a não poder mais. No princípio era fácil estacionar, algumas vezes até dentro do terreno da faculdade. Com o tempo fui estacionando mais longe, mais longe, mais longe, não tão longe e difícil como estacionamos hoje, mas o suficiente para começa a me deixar irritado. E ai meu irmão comprou uma bicicleta para ele, uma Caloi SS 1977.

Quando seu Oliveira me viu com a bicicleta pediu para relembrar os velhos tempos. Não pedalava fazia anos. Entreguei a bicicleta vendo o sorriso nostálgico de seu Oliveira. Ela a segurou com o braço estendido, rosto baixo e em silencio. Passou a perna por trás, ficou um bom tempo em pé com o olhar baixo e perdido. Sentou-se no selim, olhou para baixo verificando cada detalhe da bicicleta de tubos finos e cor prata, colocou o pé no pedal, empurrou com o outro pé a bicicleta para frente e retomou seus muitos anos de ciclista padeiro furando a fria neblina nas madrugas paulistanas. “Era muito frio”, disse enquanto se distanciava. Ficou um bom tempo girando no estacionamento, mostrando intimidade com os pedais, passando raspando entre os carros, pelo corredor do elevador, subindo a rampa para rua e voltando, como uma criança. A partir deste dia nos fizemos mais amigos do que já éramos. Ele passou a contar, sempre com forte sotaque, a sua vida de português imigrante, o trabalho dos pães, a bicicleta, sobre a mínima e delicada furgoneta Ford Prefect que sucedeu a bicicleta e que eu não me lembrava mais; casamento, família, o profundo amor pela mulher e filhos... e falta que sentia da bicicleta, de pedalar...

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