Eu ainda me sinto em casa em Buenos Aires e acredito que sempre vou me sentir. Durante muitos anos foi minha cidade de alma. Quando a situação financeira de minha família estava bem ruim era mais barato que fosse mandado para lá nas férias de verão. Ficava no apartamento de meu amado avô Arturo. Foram muitos verões, principalmente entre 1969 a 1984. Gastei muita sola por aquelas ruas, olhando apaixonado a boa e arquitetura, vários épocas e estilos, rica, charmosa, cativante. Nunca tive dinheiro para aproveitar melhor e ir a bares, restaurantes, sair a noite estava fora de cogitação, mesmo assim curti demais.
Foi em
Buenos Aires que aprendi na prática a olhar a cidade. Não entendia nem gostava
de São Paulo. Meu avô e os Garcia Frugoni, principalmente Fernando filho,
procuravam sempre que podiam me levar junto para algum trabalho na rua ou laser.
Com seu primeiro carro, Fernando ficava rodando a esmo, tanto pelo prazer de
dirigir, como para “levantar unas chicas” (paquerar), no que eu era muito útil
por ser brasileiro. Bons tempos... E a ‘Capital Federal’ ia passando pela
janela do carro. Ou com meu avô nos ‘micros’ (ônibus). Ou então a paisagem ia
surgindo degrau a degrau surpreendente e imponente, cheia de vida, a cada saída
estreita do ‘subte’ (subterrâneo, metro).
Nesta época pedalar
em Buenos Aires era impensável por que o carro era prático, desejável, e havia
uma lei que proibia a circulação de veículos movidos a sangue, portanto
bicicletas incluídas. Creio que derrubaram esta lei lá pelos anos 90. Meu pai,
nascido em 1932, conta que a circulação de carroças e carruagens era comum na
sua juventude, fosse para vários tipos de entrega, transporte de cargas e passageiros,
cortejos fúnebres; e a av. Santa Fé então tinha calçamento em madeira
justamente não machucar as patas dos cavalos.
Só vim
pedalar em Buenos Aires em 2008. Foi uma experiência ótima, tranquila, mesmo conhecendo
bem a rápida desordem com que se movimenta o trânsito porteño. Ficamos dois
dias com bicicletas alugadas, circulando por todas as partes. Pegamos as bicicletas
em Flores, fomos até o estádio do River, passamos por todo Parque Palermo, que
é grande e maravilhoso, circulamos pelos bairros mais chiques, pelo Centro,
enfim, gastamos os pedais. A brincadeira só acabou no dia seguinte quando, no
canal da Boca, me enfiaram uma 45 automática no meio da testa e levaram minha bicicleta.
Tereza atendeu meu pedido e se afastou. A história é ridícula-cômica: parei
para fotografar a ponte levadiça (da foto) e no banco da rua, justamente atrás
de mim, estavam tirando ‘la siesta’ três moleques assaltantes. Acordados pelo turista
não poderiam deixar passar a oportunidade. Ainda tomei um murro no olho, mas a
máquina fotográfica e a foto voltaram para casa.
Acabo de
voltar de Buenos Aires. O que me espantou é o aumento de ciclistas circulando
por todas as partes. Nunca vi uma mudança tão grande. Entre os porteños não há
quem não comente o fenômeno. Meus parentes disseram que a grande mudança vem de
uns dois anos para cá, se tanto. O fato é que neste meio tempo, entre 2008 e
agora, foi implantado o início de um sistema cicloviário integrado que é bem
interessante e funcional. As ciclovias geralmente são estreitas, tem algo
próximo a 1,50m para mão dupla, posicionadas a esquerda da mão de direção da
via, com uma sinalização algumas vezes precária, mas funciona. As antigas
faixas para ciclistas nas avenidas principais, também a esquerda, ainda são
utilizadas, tanto por ciclistas como por veículos estacionados.
Os ciclistas
vão de roupa e bicicleta normal, ou seja, pedalam para transportar-se e muito
pouco para estar na moda ou mostrar status, como é comum aqui. Ciclista vestido
de franga pedalando bicicleta cara, ou seja, brincando de ciclista profissional
ou americano rico, é raro. Tem gente treinando, mas ai estão treinando, e nos
parques, não no sistema cicloviário. A maioria quer sair de um ponto e chegar
noutro com rapidez e sem pegar trânsito, que cada dia está pior, mesmo a cidade
sendo toda quadriculada. É difícil ver alguém barbarizando, todos simplesmente
vão. Muitas mulheres e idosos, numa proporção quase dos meus sonhos para terras
tupinambás, tupiniquins e até guaranis.
Experimentei
as bicicletas coletivas de Buenos Aires (http://mejorenbici.buenosaires.gob.ar/)
e a experiência foi boa. A bicicletinha é simples, feminina, com uma geometria de
quadro bem estranha, curta e com movimento central muito alto, todas um tanto
judiadas e com manutenção um tanto precária, mas rodam. Tive que fazer ajuste
nos freios, que simplesmente não paravam; desentortar o cobre corrente; mas a
bicicletinha rodou, mesmo que algumas vezes a catraca tenha travado e virando
fixa. Pontos negativos são o canote de selim, em metal de baixa qualidade, de
pouco diâmetro e curto; e o grampo de selim, em aço estampado, portanto pontudo,
que marca o canote e dificulta o ajuste. A sensação é que o projeto foi feito
para mulheres e não homens, principalmente os mais altos.
Circular por
esta nova Buenos Aires é uma experiência para lá de agradável. É só não pegar
um grupo de ‘tarados’ protestando qualquer coisa ininteligível, o que fácil
acontecer, principalmente na área central.
Como já
escrevi, a Argentina está uma baderna econômica, com uma cotação de dólar oficial
patética, o que faz com que o dólar paralelo seja cotado a quase o dobro do
oficial. Estas palhaçadas populistas costumam ser ótimas para os turistas
Deixo umas
dicas:
La Biela: http://www.labiela.com/esp/home.php
- tradição pura
El Cuartito
- http://www.guiaoleo.com.ar/restaurantes/El-Cuartito-104
- maravilhosa pizza de massa grossa, como a romana. A casa tem longa história
na boemia porteña. Experimente a pizza de cebola
Rodi Bar - http://www.guiaoleo.com.ar/restaurantes/Rodi-408
- excelente. Restaurante tradicional da comunidade que está a mais de 40 anos com
o mesmo dono, cardápio, gosto... Comparado aos ditos restaurantes chiques de
São Paulo dá de 10 X 0. A recomendação pode ser o cardápio inteiro, mas principalmente
a berinjela é memorável.
Via Flaminia
Helados, na calle Florida 121, com seu ‘Super Dulce de Leche’, sorvete de doce
de leite misturado com doce de leite....
Nucha - http://nucha.com.ar/ - o bolo, ou torta, de chocolate
amargo com uma fina camada de doce de leite é um crime. Não é o único crime da
casa. O que não recomendo é o chocolatinho que acompanha o café, indigno da
casa.
Galeria
Santa Fé – av. Santa Fé quase com calle Rodrigues Peña. Pequena galeria dos
anos 50 – provavelmente – patrimônio de BsAs, com um charme arquitetônico quase
único. Tem um belo café.
Tealosophy – Recoleta – Hotel Alvear - http://www.citylog.com.ar/tealosophyrecoleta - uma das melhores casas de chá da América do Sul. Sabores quase inigualáveis.
Palermo Soho
– principalmente a Plazoleta Julio Cortaza – é o local da moda de BsAs e tem
seu charme especial. Bons lugares para comer e se divertir, dia e noite
Guido Mocasines
- http://www.guidomocasines.com.ar/
- referência em qualidade de sapatos –
até entre os argentinos. Maravilhosos
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