terça-feira, 2 de maio de 2023

Não basta ser genial, tem que fazer bem

Tem cada vez mais cientistas dizendo que nós já passamos do point of no return em relação a questão ambiental.

Para mim a tragédia é que quanto mais nos afundamos neste viver que não dá certo, que está nos levando ao colapso, mais parece que as coisas são realizadas com displicência, mais a qualidade vai ficando para trás, abandonada, desprezada, mais o desbunde é generalizado, maior a ostentação... Exemplos é que não faltam, uns mais fáceis de perceber e entender, outros envolvem particularidades e complexidades que só percebe quem tem algum conhecimento sobre o assunto.

"Me diga com quem andas e dir-te-ei quem és", nada mais real. Parafraseando "me apresente um produto e dir-te-ei quem foi a sociedade que o consumiu". Qualidade e defeitos são atávicos a qualquer grupo social e ao momento que vivem.


Os exemplos que dou aqui servem como referência de como a inteligência pode sucumbir à despreocupação com a qualidade. 
Acabei de ler que a moda daqui para frente deve deixar maximilarista (mais é mais) para retornar ao minimalismo (reduzir ao mínimo buscando o essencial). 
O único caminho para a humanidade está em fortalecer a forma e função (a forma segue a função) à mais prática possível, de preferência minimalista e produzido com a mais alta qualidade, portanto durabilidade.
 
Mas como derrubar este maximilarismo atávico ao nosso tempo? Ninguém sabe a resposta, mas por diversas razões já está acontecendo. 
É triste, mas a história ensina que inteligências muito a frente de seu tempo, aquela que apresenta soluções lógicas, nem sempre dá certo, nem sempre sobrevive.

Inteligência, a verdadeira, a que vale a pena, incomoda até porque é incompreendida pela maioria. Mudar, mesmo que seja para melhor, é complicado, dói.
Nada mais simbólico desta dualidade contraditória que vivemos que as SUV serem campeãs de venda em tempo de gravíssimos problemas ambientais.
O automóvel em si é e não é um problema. A diferença entre ser ou não ser está na inteligência aplicada num problema, e entender e aceitar um bom resultado.

Vamos lá: 

Traction Avant
A partir da metade do século XX a Citroën poderia ter se tornado a mais influente fabricante de automóveis do planeta. Seu Traction Avant e o Citroën 2CV foram revolucionários não só para sua época, o Avant por seu motor, câmbio e tração dianteiros, sem eixo cardam, e o 2CV pela sua extrema simplicidade construtiva refletindo num custo baixíssimo de produção e uso e manutenção para seus usuários. O pulo de ideias e conceitos que estes dois automóveis deram foi imenso.
2CV
Primeiro um DKW de 1929 e depois o Avant, lançado no mercado em 1935, indicaram o caminho futuro de praticamente todos projetos de carros médios e pequenos: motor, câmbio e tração dianteira, chassis monocoque, centro de gravidade baixo, muito espaço interno, e uma estabilidade excepcional para a época. 
A simplicidade de construção e funcionamento do Citroën 2CV, lançado a público em 1948, foi tão além de seu tempo e só agora, quase 70 anos após sua criação, o conceito começa ser revisto e reaproveitado muito por razões de diminuição de impacto ao meio ambiente. 
DS

Anos depois, 1955, a mesma Citroën colocaria no mercado o DS, outra revolução de conceitos, hoje considerado por alguns historiadores como a maior revolução da indústria automobilística pós Ford T.

E aí vem a pergunta: por que a Citroën não virou "a" referência, a maior e mais importante fábrica de automóveis do planeta? A resposta está numa frase dos americanos: "Life is too short to drive a french car". Simple as that!

Por que americanos diziam que a vida é muito curta para dirigir um carro francês? Qualidade, simples assim. No Youtube tem dois filmes propagandas - documentários que mostram como eram fabricados um modelo da Ford e o Avant praticamente do mesmo ano. É clara a diferença entre os processos e o trabalho de seus funcionários, ou seja, na condução do processo produtivo. O resultado era carros americanos para entrega imediata, carros franceses a saber quando. O 2CV, carro popular, segundo o Karambolage, chegou a ter uma fila de espera de 6 anos para entrega.

Jay Leno, respeitado apresentador de TV, responsável por uma das maiores coleções de automóveis do planeta, estudioso do assunto, se rasga em elogios aos Citroën Traction Avant e DS. Os motivos são vários e consistentes.
Um dos programas mais divertidos é quando uma empresa americana de restauro recebe um 2CV. Toda equipe simplesmente não consegue entender como uma coisa tão simples consegue rodar, diga-se de passagem para lá de bem.


Aqui coloco outro projeto genial dos franceses, o Renault Dauphine, que depois virou Gordini, projeto que indicaria o caminho para as carrocerias autoportantes, monocoque, ou sem chassis, que temos hoje, uma revolução no espaço interno, na redução de peso e na segurança.  O 
Dauphine aqui no Brasil acabou apelidado de "leite Gloria - desmancha ao chacoalhar". Por que do apelido? Erro estúpido na qualidade das borrachas da suspensão, coisa idiota, o que fez com que se transformasse em símbolo de frágil. Mesmo sendo um projeto muito mais lógico e funcional que o Fusca nunca fez frente. Os VW daquela época eram inquebráveis, definitivamente não eram fabricados com o "Está feito..." em mente.

Como detalhe, a Ford acabou comprando a fábrica do Gordini, que tinha problemas de controle de qualidade, o tirou de produção e logo introduziu um outro Renault no mercado brasileiro, o Corcel, que nada mais é que o Renault 12 com uma carroceria redesenhada. O que fez o Corcel ser sucesso de vendas foi o controle de qualidade. 
A Dodge, tão americana quanto a Ford, lançou no mercado nacional o Dodge Polara, Dodginho, para concorrer com o  Corcel. Foi um fracasso de vendas. A pressa em colocá-lo no mercado e o vergonhoso controle de qualidade dinamitaram o mesmo modelo era sucesso na Argentina e Inglaterra.

Não basta ser criativo, genial, tem que fazer bem, em tudo.


O novo Citroën Ami, tão minimalista quanto o 2CV. Elétrico. Forma e função.

Fiat Panda, forma e função como o 2CV. Criado junto com o Uno, que é bem mais complexo





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