sexta-feira, 26 de maio de 2023

UBS Veterinárias, projeto vetado pelo Prefeito

SP Reclama
O Estado de São Paulo

O projeto das UBS V, veterinárias, em essência é muito interessante e necessário, mas é provável que não seja realista em relação a estrutura da PMSP. Não é a primeira vez que uma ótima e necessária ideia morre porque o projeto para sua realização atende aos desejos e sonhos, acabando por ser populista.
Texto lido na Rádio Eldorado FM

O mercado pet é um dos que mais cresce no país. Se cresce o mercado portanto cresce o número de proprietários de pets, portanto o poder público tem que estar no mínimo com as orelhas em pé. Está comprovado que o relacionamento com animais domésticos traz benefícios clínicos para todos, melhorando a condição física e psicológica de adultos e principalmente de crianças, o que na outra ponta diminui os custos de saúde pública. 
Nós já devíamos ter uma extensa rede de clínicas veterinárias públicas, mas dentro de um planejamento de longo prazo que seja realista às necessidades do público e às possibilidades do poder público. Estou cansado de ver projetos e programas necessários e bem vindos virarem sonho em uma noite de verão. Não se pode mais lutar por leis que depois colam ou não colam, muito menos por desejos pessoais. Infelizmente, repito, infelizmente o poder público está carregado de erros, o que impossibilita inclusive o atendimento de urgências, como acredito ser o caso da saúde pública de animais domésticos. Por outro lado o negócio dos pets vai de vento em popa e não seria de estranhar que tenham se sentido incomodados com tal projeto. Vale olhar o que aconteceu com a saúde pública com a entrada do seguro saúde privado para aprimorar a ideia, não deixando de ter números concretos e confiáveis sobre o que já existe de atendimento grátis para animais. Ou seja, não colocar em pauta um desejo mais que justo, mas fechar o círculo e consolidar o projeto de forma que seja difícil dizer não dá. Vale para todo e qualquer ideia que se ponha em pauta como projeto de lei. 
Não deixe brechas ou pontas. Eles têm conhecimento e prática de como detonar o que não lhes interessa. 

A nova EMBRATUR e o futuro do turismo BR

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

O que pasma na entrevista do presidente da EMBRATUR Marcelo Freixo, para a Rádio Eldorado, é saber só agora, em 2023, que o órgão não tem orçamento. Como assim? Fazer turismo com um mínimo de qualidade no Brasil é caro, temerário, e não raro pode ser decepcionante. O potencial é imenso, assim como a precariedade. Nossas autoridades não terem entendido até hoje a importância do turismo nas contas públicas prova mais uma vez a pobreza que estamos metidos. 
De minha parte fico mais pasmado ainda porque conheço os dois lados do turismo, como turista e como amigo e muito próximo de quem trabalha em várias áreas do turismo. Erros e problemas acontecem em todas as partes do mundo, mas não na escala e com a frequência que temos aqui. Começando pela precariedade dos aeroportos, passando por estradas e ruas indignas, e terminando por instalações precárias ou se não, receber um atendimento de chorar de raiva. 
Tiro o chapéu para mais esta tentativa de acertar o turismo Brasil, mas com preocupação. Tenho receio que trazer turista estrangeiro possa ser um tiro no pé enquanto não se corrige, melhor, elimina problemas contra produtivos ou mesmo inaceitáveis que afetam o turismo e porque não dizer nossas vidas. Não podemos cair mais uma vez na demagogia, no populismo, na vergonha de trazer uma Copa do Mundo e  Olimpíadas e dar no que deu. Temos que definir que país / turismo queremos, o farofeiro internacional que traz dinheiro a qualquer custo ou um turismo com alto valor agregado. De minha parte fica o apoio ao que falou Marcelo Freixo, presidente da EMBRATUR: ter orçamento, ter programa de estado, não ficar suscetível a mudanças de governo, explorar esta riqueza sem fim que é a incrível beleza deste país, mas explorar corretamente. Confio nas palavras dele porque foi o primeiro que disse com todas as letras algumas verdades do que acontece. 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Plano Diretor de São Paulo: liberou geral sem questionamentos

SP Reclama
O Estado de São Paulo

Para entender o que se propõe para o novo Plano Diretor de São Paulo, peço aos caros leitores deste jornal que peguem um mapa e um compasso, abram o compaço para 1.000 metros e formem círculos no entorno das estações de metrô. Vão descobrir que praticamente toda área da cidade estará livre para construção de edifícios de tamanho que vão bem além do bom senso, como os que temos visto pipocar por todos cantos. Informo que se usa como base de cálculo padrão, dado por pesquisas internacionais, que o pedestre médio caminha até 400 metros até o transporte, uma estação de metrô ou ponto de ônibus, depois disto, mais longe, a maioria passa para uma segunda opção de transporte, não raro o automóvel. Está em todos os manuais que vi ou li, brasileiros ou internacionais, não creio que tenha mudado, o ser humano continua o mesmo. O que se quer é um liberou geral, não resta dúvida. 
Um dos questionamentos que não está sendo feito pelos paulistanos é que o conceito tradicional de transporte coletivo não deve continuar o mesmo, seja pelas novas formas de mobilidade, seja pelo trabalho em casa, seja inclusive porque o automóvel não morreu, se ajustará e não desaparecerá, não há mais dúvida. A pandemia explicitou algo que estava no ar e que está ficando mais claro agora. 
Outro questionamento sobre este pipocar de edifícios altos e enormes deve ser feito sobre o fluxo de moradores decorrente. Não se fala em quantas moradias novas estão sendo criadas, de onde vai sair este povo, e o que vai acontecer com as moradias que foram 'abandonadas' por estes. Não há planejamento, sequer se discute propostas para esta mega movimentação urbana. O que importa é construir e vender os apartamentos, o resto... 
Finalmente, de onde está saindo ou sairá tanto dinheiro? Se este dinheiro existia, se existe, como não está contabilizado pelos economistas? É macro economia, um volume imenso de dinheiro, que não pode ser invisível. Pelo volume, se algo que se der errado vai sobrar para todo mundo, sem execeção, incluindo os que não compraram, não mudaram, não gostaram, não concordaram e nunca tiveram a intenção de mudar. Falo aqui também sobre projeções de dinheiro futuro, como está sendo contabilizado, como reverterá para o bem público, o que numa economia urbana deve estar claro. "Os novos moradores estarão próximos do transporte coletivo" é de um simplismo sem fim, próprio para simplórios.
Como é o cálculo desta história? Cabe a imprensa, a única que parece que vem nos orientando, follow the money.

Desmontar o MMA, tirar proteção da Mata Atlântica: mediocridade capitalista

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

Ridículo. Não se pode dizer outra coisa sobre a perda de poder, melhor dizendo, o cala boca para os ministérios do Meio Ambiente e dos Índios. Aliás, burrice, tiro no pé, ignorância. Não falo sobre a questão ambiental, mas sobre a falta de visão empresarial e porque não dizer capitalista. É líquido e certo que as grandes potências econômicas vão começar a apertar mais ainda o torniquete para resultados ambientais, e só lembrando, se são grandes potências econômicas é porque não tem idiota no comando. De qualquer forma a vida ensina que tomar ou fazer o outro de idiota nunca, em nenhuma hipótese, dá certo. Contar com o nome "Lula" por si só é, como sempre foi, uma estratégia bem temerária, não recomendável, e devido às suas falácias é certo que já não tem o mesmo valor; muito menos ainda o Brasil desacreditado destes anos de vento estocado e terraplanismo. Ridículo!

Sobre Mata Atlântica... o que se pode concluir é que analfabetismo mata, destrói, empobrece, principalmente quando as autoridades são analfabetos funcionais. De novo, há uma brutal diferença entre economia de mercado, agressividade para conseguir resultados e barbarismo capitalista. Parece que nem o empresariado paulista, o que aparentemente é o melhor que temos por aqui, mostra que tem o nível de cultura e sabedoria para frear ignorantes. Fato é que ações que visam conseguir grandes resultados a curto prazo resultaram em desastre, diz a história. Neste momento em que até o agronegócio rapidamente passa a entender a importância econômica da proteção de mananciais, de matas ciliáres, de ter e manter matas no entorno da plantação, e de outras técnicas ambientais, aprovam-se leis que são profundamente prejudiciais ao que resta da Mata Atlântica. Deprimente.

Fato é que para fazer este Brasil ir para frente é sumariamente necessário reeducar sua elite, seus empresários e seus políticos. Quem muito fala em fantasmas está delirando, precisa de tratamento. Aliás, estes políticos só mudarão suas posições sob pressão, e com este nível de mediocridade capitalista estamos bem longe disto.

terça-feira, 16 de maio de 2023

Quando as coisas saem erradas

"Você pode vir a qualquer hora". E fui. E dei com a porta na cara. 
Depois de uma noite mal dormida. Era para estar no fisioterapeuta, mas um cobertor lavado, cheiroso, guardado bem dobrado no armário, foi pego no meio da noite fria. Aquecido, confortável, até que desandei a tossir e marejar os olhos. COVID pensei. Arcturus, pior ainda. Os sintomas são exatamente estes. 
Às 04h00 mando uma mensagem assustada avisando o fisio que não vou. Às 06h00 tomo o café da manhã, escovo os dentes e volto a contragosto para a cama. Na TV mostram um desbundante nascer do sol com céu amarelado. E eu tentando voltar a dormir.
Acordo às 08h00, faço a barba, tomo outro café, como uma papaia, e já que perdi a fisioterapia saio pedalando para pegar o maldito carro de meu pai que está na oficina e que já deveria ter pego há mais de uma semana. "Venha a hora que quiser", não é bem assim. Cá estou eu e onde estará o chefe com o maldito carro?
Celular serve para isto. Ligo. "Volto às duas ou duas meia" me diz a voz cortes sem saber que estou na porta. Nem posso dizer. Olho o relógio, 10h20. Quiospi! Não posso deixar o maldito carro mais tempo aqui. Não me resta esperar.
Até aqui foram 16km pedalando, sobe, desce, sobe, desce. Estou exausto. Antes do cobertor não dormi de frio, depois não dormi de tossi. Talvez tenha dormido uma hora. 
Olho no mapa, volto um 1.5km, entro numa padaria, a única por perto. Suco de melancia ótimo, mas sanduíches caríssimos. Tenho mais 3h30 até ele chegar.
Rodo mais um pouco e entro num pequeno shopping, coisa que aliás não me apetece. Surpresa! boa surpresa.
Pelo menos será uma espera agradável. Eu daria meu dia por uma espreguiçadeira debaixo deste sol de outono que frita. Quero minha cama. Preciso dormir. Antes tenho que levar de volta o maldito carro de meu pai. Rezo para que ele chegue lá. Só me falta esta.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Pegar nos talheres: muito além de despedaçar uma carne

Não importa se você quer mandar ou ser mandado, se você quer ser boiadeiro ou quer viver tranquilamente ruminando no meio da boiada, o que quer que você queira ou tenha feito de sua vida, saber pegar nos talheres define quem você é e o que pretende.  
A globalização está no garfo e faça, muito mais que no guardanapo do McDonald's. 

Regras sociais são vitais para a o bom convívio e até mesmo a sobrevivência. Um cidadão ou cidadã agradável sempre terá as portas mais abertas que um sujeito grosseiro, com hábitos sociais que gerem desconforto.

Este texto estava bem amarrado quando me aconteceu uma situação para lá de desagradável envolvendo um senhor que é para lá de agradável, extremamente bem educado, com rara habilidade social, conversa para prender todo mundo e qualquer um, que conseguiu abrir todas as portas abertas, no caso mais portas abertas que o caro leitor possa imaginar. Como ele é perante toda a sociedade uma referência, óbvio que alguém de discorde dele não terá a mesma recepção. A verdade dos fatos é apoiada numa versão unilateral, a dos simpáticos, dos vencedores, não a do chato, do que criou alguns problemas. 
A disputa entre o bonzinho e nao tão bonzinho fazem roteiros e mais roteiros campeões de audiência no cinema. É fácil que a vida seja mais complexa e louca do que o mais cabeludo dos roteiros de cinema. 

Em outras palavras: a forma de pegar no garfo faz toda diferença no contato social, mas definitivamente não separa o joio do trigo.

A forma como se usa os talheres faz parte da comunicação social. Pegar de qualquer forma, principalmente o garfo, sinaliza a educação e a cordialidade com o conviva. Parece um detalhe sem importância, mas foi nos detalhes que a humanidade começou a se comunicar melhor, com isto evoluir e parar os eternos conflitos e guerras. Quando se fala a mesma língua é mais fácil chegar a um acordo. O mesmo vale para as posturas sociais; vestir, comer, beber, andar, falar, gesticular, fazer...

O guri pega no garfo e faca para cortar a carne como se aquela fosse a primeira vez que tivesse visto e usado talheres. Decepado o grosso pedaço de carne quase encosta a boca no prato para morde-lo, mastiga rapidamente de boca aberta enquanto olha o celular agora seguro por uma das mãos. Quem está comendo na mesa junto a ele simplesmente não existe. Terminada sua feroz refeição levanta-se celular na mão e sem tirar os olhos dele e sai deixando prato com restos na mesa e guardanapo amassado jogado no meio da toalha. Os outros não existem, são conto ficcional nas verdades definitivas do celular. Tem praticamente tudo que quer, quarto individual, espaçoso, com vídeo game em tela grande, cadeira especial para jogar, tem as roupas e tênis que quer, estuda numa escola particular... A bem da verdade é bom garoto, sem dúvida fruto de seu meio. "Se ele comer e não der problema deixa com o celular ou liga a TV". Para ele, o guri, não faz sentido sentar-se a mesa, largar o celular, conversar, muito menos segurar os talheres feito gente civilizada, seguindo os ditames sociais que não são só das elites, mas via de regra de todos, um meio de comunicação de quem quer ser agradável aos convivas.
Fico pensando: o que virou ser agradável? Será que não só ele, o guri, mas toda esta nova geração faz ideia do que signifique "conviva".
Está feito... (almocei)

quinta-feira, 11 de maio de 2023

corredores de ônibus : quanto mais pobre a localidade, mais buracos

SP Reclama
O Estado de São Paulo

Ontem, domingo, sai cedo para ver como está a condição do asfalto de corredores de ônibus em ruas e avenidas, coisa que vira e mexe faço pedalando, uma eficiente forma para sentir os defeitos de pista. Mais uma vez cheguei a conclusão que o pessoal de periferia não só sofre com o transporte coletivo cheio, mas também com a má conservação do asfalto nos corredores de ônibus. Já escrevi aqui sobre este problema, mais de uma vez. Entra administração, sai administração, troca de administração, qualquer que seja a linha política, até de esquerda, e o asfalto por onde passa a massa dos trabalhadores é irregular, esburacado, quando não com verdadeiras crateras. A SPTrans não vê? Os motoristas não reclamam? As empresas de ônibus não estão interessadas? Problema com licitação? E a população com isto? É obrigação legal do poder público oferecer qualidade, ponto final. Não consigo imaginar qual seja a razão. Danificar os ônibus para que tenham mais manutenção? Maneira estúpida de evitar a invasão dos veículos particulares? Fazer uma licitação atrás da outra para operações tapa buraco ou recapear? Quem ganha com isto? A quem interessa? Justificativa técnica não pode ser. Nas boas estradas de São Paulo, as melhores do país, a pista da direita, a que é usada pelos veículos mais pesados, bem mais pesados que um ônibus lotado, nunca fica tão ruim, tão irregular ou esburacada, nunca, portanto técnica asfáltica existe. Transporte de massa é vital para o futuro de qualquer cidade do mundo, mais ainda para uma São Paulo que não suporta mais pagar os custos de seus congestionamentos. Aliás, uma das bases do Plano Diretor é exatamente o transporte coletivo, o transporte de massa. Com estes corredores de ônibus não se pode culpar a preferência da população pelo automóvel particular: é muito mais confortável, vazio e chacoalha muito menos. Mas se pode desconfiar de todas autoridades e políticos  o que afirmaram que deram, dariam ou dão preferência ao transporte de massa, que aqui tem nome: ônibus, o modal que mais transporta a população. Cada vez que saio pedalando para ver como está o asfalto nos corredores de ônibus tenho mais certeza que quanto mais pobre é a localidade pior é o pavimento. Finalizando, posso dizer que por onde passei agora está muito melhor que na administração passada, não que esteja uma maravilha, mas está melhor, o que quer dizer muito pouco já que ano que vem temos eleições municipais.
Corredor de ônibus Marginal Pinheiros recém asfaltado, já deformado

Aos que acham que sou um louco de pedalar domingo bem cedo pelas avenidas de São Paulo vai um comentário. Não ter dados sobre acidentes entre ciclistas nas ciclovias e ciclofaixas não significa que não tenham acidentes, mas que estes não são contabilizados e ou divulgados, e por uma questão de ego ou corporativismo muitas vezes sequer corretamente comentados entre ciclistas. Quem é do meio sabe que os acidentes são bem mais frequentes do que é de conhecimento público. Aliás, só para saber, até mesmo em Amsterdam. Outro dia, às 6h00 da manhã, uma ciclista que treinava tiro (pedalar no máximo por um breve tempo) de cabeça abaixada encheu a traseira de um dos ciclistas mais experientes e respeitados do mountain bike. Com ele machucado ainda no chão ela se levantou, falou um monte de besteiras, e se foi. Não é um fato isolado, muito pelo contrário, neste caso foi o último que soube. É comum ouvir de ciclistas experientes, ex profissionais ou profissionais que treinar nas ruas é mais seguro. Esta história que todo motorista desrespeita ciclista serve para outros fins. Se fosse assim teríamos uma barbaridade de acidentes e vítimas, o que não é a realidade. Sim, infelizmente temos acidentes, alguns fatais, mas não um banho de sangue como é vendido. Segurança depende de onde e quando você está pedalando, não do que parece seguro. Pessoalmente me sinto mais seguro no meio do trânsito que na ciclovia da Faria Lima - Pedroso de Moraes em horário de pico dos ciclistas. Motoristas de ônibus, quando respeitados, respeitam. Infelizmente muitos ciclistas acham que tem plenos direitos até sobre outros ciclistas. 
Recém asfaltado já está todo rachado. Aí pedalam muitos ciclistas


sexta-feira, 5 de maio de 2023

Mulheres

O elevador desce lentamente passando por andares. Abre-se a porta, entra uma jovem mãe com sua filha no colo. Produção independente. A criança de colo tímida, uma menina, agarra-se as roupas da mãe e olha pelo espelho o desconhecido que está no elevador. Ele faz caretas, ela finge que não vê, mas acha graça e se entrega a brincadeira. A mãe sorri para o velho careteiro. Produção independente, será ela por ela. Vai levar a linda menina para escola. Ele as vê passando caminhando leve e felizes.

Mais uma vez a mãe de Ana é chamada à escola. De novo Ana foi vestida com o uniforme do Corinthians e brigou para entrar no time dos meninos. "Deve ter alguma coisa errada com Ana", diz a orientadora. "Não, não há. Ela é a única menina na família, todos primos são meninos, ela só brinca com meninos. Não vejo problema em ela estar vestida de futebol e querer jogar com os meninos"  responde a mãe com um tom duro, olhando nos olhos da orientadora e completa "Mais alguma coisa?". Sem resposta da orientadora atônita, levanta-se, se despede e dai da sala. 

O quarto do hotel da Disney está todo revirado. O responsável pelas pré-adolescentes está dentro do quarto com o gerente do hotel que sem meias palavras diz que se não parar a bagunça amanhã todas têm que deixar o hotel. As quatro anjinhas sentadas nas camas estão de cabeça baixa contendo a risada. O responsável por elas dá bronca, dispensa o gerente, fecha a porta e porta fechada completa a bronca com dificuldade para se controlar e não rir. As anjinhas continuam com a cabeça baixa, trocam olhares, e sem troca palavras, mas  ato ensaiado, levantam-se juntas e abraçam forte o pobre homem que se derrete e imediatamente muda o tom de voz. Na noite seguinte o gerente vem de novo ao responsável rindo, dizendo que vieram as quatro pedir desculpas, mas voltaram a fazer bagunça, agora um pouco menos problemática.

O jovem adolescente americano que está fazendo intercâmbio finalmente aparece na praia. Está fazendo intercâmbio, fica mais uns dias no Rio de Janeiro. Vestido em com uma bermuda até os joelhos bem americana, pele branca, mas de corpo bem formado, vai sendo apresentado aos meninos e meninas. Uma delas está deitada de barriga na canga sobre a arreia, abre os olhos, cruza as mãos debaixo do queixo, só vê as canelas do menino, dá um "oi" a distância e volta ao seu banho de sol. Todos vão jogar bola, a bem formada adolescente é chamada atenção pela tia pela forma como o tratou e manda que também vá jogar com os outros. Não se mexe. Não demora muito a bola cai perto, joga um pouco de arreia em seu braço, ela torce o pescoço, abre um olho e aí presta atenção no estrangeiro. Senta na canga, olha o garoto mais uma vez, levanta-se sorrindo, sem jeito senta na cadeira que está ao lado, e estica seu olhar lento e muito interessado de alto a baixo no americano. Animada vai jogar. De volta ao apartamento, banho tomado, sentada no sofá entram primos e primas adolescentes junto com o americano. Ela de novo olha com muita atenção o garoto, levanta-se passa pela tia avisando que vai mudar para a casa onde estão todos, principalmente o americano.

O marido compra duas bicicletas, a dos seus sonhos de grande ciclista e uma bicicleta feminina com cadeirinha para a sua mulher passear com o pequeno filho. Depois dos treinos vez ou outra ele se animava para levar a linda mulher e seu filho para uma breve pedalada. Ela reclamava da breve pedalada, de sempre fazerem a mesma coisa. Um dia ele dá uma de bonzinho e diz para ela ir junto, que no meio do passeio ele faria um treino de subida e que ela ficaria pedalando no plano com o filhinho na cadeirinha. Saem os dois e ela decide subir junto com ele, que reclama, diz que a subida é longa e que ela vai se cansar. Ela não para, ele acelera, ela acelera, pedala mais forte e acompanha, ele força mais ainda e começa a ficar exausto, ela passa por ele e segue em frente, bicicleta feminina com filhinho na cadeirinha e tudo mais. De volta a casa ele está desconcertado. Sentam no sofá, criança solta pela sala, ele olha para ela e pede desculpas. "O que você gostaria de fazer?". Dias depois a cadeirinha está na bicicleta dele e ela começa a treinar para competir.

Foi jogadora de vôlei até se casar, teve quatro filhos, foi boa mãe, boa companheira, boa esposa, só se perdia um pouco quando transmitiam algum jogo de vôlei pela TV. O marido pediu para a sogra ficar com os quatro filhos, queria ter um tempo com a mulher. Saem os dois e vão jantar, ela se sente feliz, lembra o tempo de namoro, a vida a sós dos dois. No meio do jantar ele tira um papel cuidadosamente dobrado do bolso e coloca na mesa. Ela pergunta o que é e ele responde sem hesitar "Tua liberdade, vai jogar vôlei. Daqui para frente eu cuido das crianças que não são mais tão crianças assim". 

Elaine pede divórcio. O juiz faz a pergunta obrigatória por lei, por que quer se separar? Sem papas na língua ela responde apontando para o (ex) marido: "A única coisa que funciona nele são os cinco membros". Espanto geral dura segundos e a gargalhada estoura na audiência de reconciliação. Divorcio imediata e irremediavelmente assinado, ela está livre.

O casamento não foi bem, a bem da verdade nunca foi. Os dois ficavam sentados na frente da TV sem trocar palavra. Nunca ele perguntou a ela como iam as coisas, como estava a vida dela. Ele trabalhava o dia todo, chegava em casa cansado, tinha o jantar posto a mesa para depois do banho, e TV. Naquela noite ela pediu o carro dele para comprar cigarros, ele deu as chaves. Ela ligou o motor, abriu o portão, manobrou com cuidado, ele olhando pela janela da cozinha preocupado com o carro novo. Não ousou dizer "cuidado". Ela demorou para voltar, ele nem percebeu vendo o jogo, chegou caminhando a pé, entrou em casa, ele já cochilava na poltrona. Ela o chacoalhou, ele abriu os olhos, ela estava com a chave do novo carro pendurada na ponta dos dedos, ele agradeceu sem entender. 
- Vai pegar ele (o carro) na ponte. Eu vou pegar minhas malas que estão prontas. Meio adormecido ele não entende bem.
- Você não viu as malas no quarto quando foi tomar banho?
Perplexo e já furioso pergunta,
- Para onde você pensa que vai?
- Para o aeroporto. Embarco daqui umas horas para a Europa sozinha, livre. Vou viver.
- Como aeroporto? Cadê meu carro? O que houve com ele? Cadê meu carro?
- Quando eu voltar, repito, quando eu voltar, sei lá quando, explico. Aliás, quer saber, explico já. Sabe o córrego? Então, o teu carro está fazendo companhia para os peixinhos. Mas não se preocupa porque o segurança e toda vizinhança está tomando conta dele, ninguém vai roubar. 

Luciana passou sua vida cuidando de sua mãe e tia doentes. Verônica passa a vida cuidando de sua mãe e tia doentes. É responsabilidade de mulher estes cuidados, homem não tem jeito para estas coisas, dizem, e todos em volta sumiram. Somem de perto de doente sem o menor pudor da mesma forma como todos somem dos deveres de casa das mulheres; lavar, limpar, cozinhar, cuidar das crianças, dos velhos e doentes. Deveres das mulheres, só das mulheres? Luciana foi a luta e conseguiu comprar toda futura herança dos irmãos, com isto ganhou a liberdade de calar a boca de quem quer que seja, mas foi só ela que cuidou da mãe e tia doentes até estas morrerem. Mesmo já entrando na velhice está livre, é dona de seu nariz.

O marido de Elídia está tão doente que tiveram que chamar uma equipe para cuidar dele. Fizeram bodas de ouro com festa animada, agora terminou, ele está lá na cama. Um dia abriu a geladeira e percebeu com grande susto que nestes 50 anos de casada só fez o que ele gostava e que já não sabia mais o gosto dos prazeres que tinha. Fez um simples ovos mexidos com torradas e se deliciou. Ficou sentada na mesa um bom tempo vendo a sala vazia. Levantou-se, deixou os pratos na pia sem lavar, subiu as escadas, parou na porta do quarto que virou a enfermaria do marido e pensou com certo remorso "Estou velha e livre. O que faço agora?" Foi para o quarto e pela primeira vez na vida deitou-se no meio da cama de casal desligou a luz do lustre que sempre odiou, ligou o abajur, olhou para o vazio do teto por uns instantes, disparou a rir. Esticou o braço, pegou o celular, ligou para a velha amiga que logo atendeu.
- Estou livre
- Ele morreu? O que houve? Quer que eu avise...; e foi interrompida
- Não, não, ele não morreu. Eu que me sinto livre, sabe o que é isto, me sinto livre. Comi uns ovos mexidos que estavam maravilhosos; e antes que a amiga conseguisse dizer qualquer coisa completou,
- Então, onde vamos almoçar amanhã? 

Não quero um novo Plano Diretor. Quero uma cidade que funcione

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O Estado de São Paulo

Colaborar com a elaboração do Plano Diretor? Já colaborei várias vezes, agora, cansado com os intermináveis problemas que se acumulam nesta cidade, eu definitivamente não quero ajudar a escrever um conto ficcional lançado no papel como os que vi no passado. Se os Planos Diretores do passado não foram ficcionais, se dizem que os resultados foram alcançados, que provem. Quanto do delírio da cidade "perfeita", ok, desejável, escrita ali se realizou? Quem foram os verdadeiros beneficiários? Eu quero que se estabeleça um plano para consertar os inúmeros problemas perenes que a cidade tem e pelo visto seguirá tendo. Para que adianta um projeto mirabolante futuro quando muito do que temos está descuidado, mal conservado, caindo aos pedaços ou nunca termina, a verba é curta e não foi programada? Sequer temos semáforos que funcionem, o básico do básico, e não sabemos quando os teremos, é literalmente ridículo. A ficção contratual vale nada para muitos e muito para poucos, está provado. Eu quero poder sair andando, sim caminhando a pé, de um ponto ao outro sem ser obrigado a fazer um caminho que só interessa à segurança jurídica das autoridades. Eu quero que se revise todos Planos Diretores passados para ver o que saiu do papel, o que funcionou, para quem funcionou, que vantagem nós, cidadãos, tivemos nesta história, quem saiu ganhando, quem foi beneficiado, quem perdeu, o que foi um erro brutal para a vida futura da cidade, como aconteceram e pagamos o erro até hoje. Novas avenidas, viadutos, mudanças de zoneamentos, edifícios, condomínios e bairros repaginados com suas suas propagandas irrepreensíveis não remediam problemas atávicos. Leis cruciais para a vida do cidadão que foram assinadas e publicadas há décadas, como a dos ônibus Padrão de 1983, crucial para um transporte público de qualidade, continuam no papel ou foram derrubadas. Plano Diretor assinado, carimbado, publicado vai valer na próxima administração e legislatura? Plano Diretor? Eu quero quero andar, quero, como todos desta cidade, ter o direito a liberdade de ir e vir, andar sem ter que desviar meus caminhos por razões que nunca deveriam acontecer ou que deveriam estar resolvidas há décadas. Eu quero uma cidade, não mais um conto ficcional chamado "Plano Diretor". Gostaria que minha filha e outros inúmeros brasileiros, paulistas e paulistanos, não tivesse ir morado fora do país para ter um mínimo de qualidade de vida urbana, portanto um futuro. 


Moro vizinho à Estação Terminal Pinheiros e tive que cruzar o rio Pinheiros para comprar um tapete da Tok&Stok que fica na cabeceira da Ponte Euzébio Matoso. Fui a pé, poderia ter ido pedalando. Voltei deprimido. Começaram a instalar uma ciclofaixa na rua Eugênio de Medeiros entre a rua Paes Leme e a Butantã, onde termina do nada. A intensão é tentar evitar que ciclistas cruzem a Ponte Bernardo Goldfarb, o caminho mais lógico e a vista mais linda do rio Pinheiros. Não vai funcionar, disto não tenho a mais remota dúvida, ciclista não é idiota como eles devem pensar que seja. Continuando minha caminhada dou com muito lixo, moradores de rua queimando fios elétricos, os elevadores da passarela sobre a Euzébio Matoso que não funcionavam há muito tempo foram roubados, forte cheiro de excremento, pessoas vivendo em baixo e dentro da passarela. Mesmo que tudo estive em ordem, o trajeto que um pedestre tem que fazer é absolutamente pouco convidativo. Está implícito para todos que se quiser cruzar o rio Pinheiros terá que pegar um ônibus ou metrô. Não interessa a praticidade e prazer do caminhar ou pedalar, interessa a segurança jurídica das autoridades apoiada num CTB que ainda é rodoviarista. É só aqui em Pinheiros? Definitivamente não, situações como esta se repetem por toda a cidade. Não saia de noite para fazer compras no supermercado ou farmácia, o Largo da Batata estará lotado de jovens, o que é ótimo, mas a música é literalmente ensurdecedora, o que facilita a vida de ladrões. Conforme o dia mesmo pedalando fica difícil cruzar Vila Madalena. Não sei como o pessoal em volta consegue dormir. O Centro, ah! o Centro; que tristeza... Largo da Concórdia, Celso Garcia, av. do Estado, acesso ao terminal Grajaú, sair do Jardim São Luís, M'Boi Mirim, av. Dr. Assis Ribeiro, ponte - viaduto Av. Santos Dumont...
 
Desde que me conheço por gente vejo os Planos Diretores atenderem a certos interesses, alguns bem particulares, vários anacrônicos. São Paulo hoje é uma cidade de nichos, alguns com ares medievais, que agradam um determinado grupo social específico. A última ideia genial aplicada ao plano diretor permite que se construa edifícios imensos próximos aos corredores de transporte de massa, o que vem descaracterizando tradicionais bairros e avenidas. O edifício entre a Ponte Euzébio Matoso e o Jockey Clube (portão 9) é uma excrescência urbanística, basta olhar sua localização. A ideia era boa em 1970, época em que Jaime Lerner organizou o crescimento de Curitiba. Os tempos mudaram e sequer se sabe bem como ficarão os transportes no futuro. 
Desde 1898, em NY, as grandes cidades do mundo se reúnem para trocar experiências de qual é o melhor caminho a seguir. Não nos interessa. Tenho uma filha que está morando em Roma, que é uma cidade cheia de problemas para o padrão hemisfério norte. Lá ela consegue andar pelas ruas com seu filho de três anos tranquila, mesmo falando no celular a trabalho. Detalhe: mora a uns 500 metros da Roma Termini, a estação central de trens, local onde em todo mundo é mais tenso. 
Não entendemos ainda que crescer a qualquer custo é uma estupidez. Que seguir em frente deixando muitos problemas para trás é uma opção mais que perigosa, é disfuncional, burra. Não há almoço grátis.

Ok, que a cidade tenha um Plano Diretor, mas que este obrigue a consertar os infinitos eternos problemas que temos no dia a dia. 

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Samba do crioulo doido: Mochila não pode! Corporativismo pode!

Fórum do Leitor
O Estado de São Paulo

O Brasil está sendo desintegrado pela falta de lógica e bom senso. Riamos para não chorar dos discursos de Dilma e de Mantega. Votamos contra e caímos em Bolsonaro que só chorando de raiva. Votamos contra e cá estamos com um Lula que wanna be um estadista com lugar na história repetindo falas de Dilma e Mantega. Nas conversas triviais em nome do politicamente correto não se pode mais cantar o Samba do crioulo doido. A bem da verdade nossa história recente prova que o Samba do crioulo doido não passa de musiquinha de jardim da infância para colocar bebes para dormir. Até os adormecidos bebes vão gritar  "mas que bobagem!" O caso de Samantha é simbólico: ela chega com uma mochila, passa pelo check in, pelo raio X, pelo portão de embarque, pela recepção dos comissários na porta do avião, a mochila é acomodada no porta bagagens que é fechado junto com outras malas, e Samantha é expulsa do avião por que se recusou a despachar a mala? Uai! a mochila não passou por quatro pontos de controle? O comandante, que tem plenos poderes no avião, não apareceu nem para esclarecer a lambança, mas atendeu ao pedido de alguém de sua tripulação. Quem? Não interessa. Corporativismo puro, igualzinho ao que vivemos no dia a dia aqui na terra com nossos últimos primorosos presidentes.  Os meus são os meus, os deles são os deles, o resto que se dane! Não interessa a lógica, o bom senso, interessa ouvir uma besteira qualquer e dar a ordem do cumpra-se, eu sou a autoridade máxima e faço o que quiser (sem quebrar o corporativismo). Por outro lado, o do povo, no avião alguns gritaram em nome da justiça, disseram que lutariam até o fim pelo que é certo, mas quando de fato perceberam que Samantha irremediavelmente seria levada para fora optaram por não perder viagem e se calaram. Óbvio que a Gol, como qualquer empresa ou Governo, sai em socorro dos seus (e do prático corporativismo) gritando que não é bem assim, mesmo quando o samba vira um hospício; aliás, cada vez mais trivial. Alguém se habilita a compor o Samba do discurso doido?

terça-feira, 2 de maio de 2023

Não basta ser genial, tem que fazer bem

Tem cada vez mais cientistas dizendo que nós já passamos do point of no return em relação a questão ambiental.

Para mim a tragédia é que quanto mais nos afundamos neste viver que não dá certo, que está nos levando ao colapso, mais parece que as coisas são realizadas com displicência, mais a qualidade vai ficando para trás, abandonada, desprezada, mais o desbunde é generalizado, maior a ostentação... Exemplos é que não faltam, uns mais fáceis de perceber e entender, outros envolvem particularidades e complexidades que só percebe quem tem algum conhecimento sobre o assunto.

"Me diga com quem andas e dir-te-ei quem és", nada mais real. Parafraseando "me apresente um produto e dir-te-ei quem foi a sociedade que o consumiu". Qualidade e defeitos são atávicos a qualquer grupo social e ao momento que vivem.


Os exemplos que dou aqui servem como referência de como a inteligência pode sucumbir à despreocupação com a qualidade. 
Acabei de ler que a moda daqui para frente deve deixar maximilarista (mais é mais) para retornar ao minimalismo (reduzir ao mínimo buscando o essencial). 
O único caminho para a humanidade está em fortalecer a forma e função (a forma segue a função) à mais prática possível, de preferência minimalista e produzido com a mais alta qualidade, portanto durabilidade.
 
Mas como derrubar este maximilarismo atávico ao nosso tempo? Ninguém sabe a resposta, mas por diversas razões já está acontecendo. 
É triste, mas a história ensina que inteligências muito a frente de seu tempo, aquela que apresenta soluções lógicas, nem sempre dá certo, nem sempre sobrevive.

Inteligência, a verdadeira, a que vale a pena, incomoda até porque é incompreendida pela maioria. Mudar, mesmo que seja para melhor, é complicado, dói.
Nada mais simbólico desta dualidade contraditória que vivemos que as SUV serem campeãs de venda em tempo de gravíssimos problemas ambientais.
O automóvel em si é e não é um problema. A diferença entre ser ou não ser está na inteligência aplicada num problema, e entender e aceitar um bom resultado.

Vamos lá: 

Traction Avant
A partir da metade do século XX a Citroën poderia ter se tornado a mais influente fabricante de automóveis do planeta. Seu Traction Avant e o Citroën 2CV foram revolucionários não só para sua época, o Avant por seu motor, câmbio e tração dianteiros, sem eixo cardam, e o 2CV pela sua extrema simplicidade construtiva refletindo num custo baixíssimo de produção e uso e manutenção para seus usuários. O pulo de ideias e conceitos que estes dois automóveis deram foi imenso.
2CV
Primeiro um DKW de 1929 e depois o Avant, lançado no mercado em 1935, indicaram o caminho futuro de praticamente todos projetos de carros médios e pequenos: motor, câmbio e tração dianteira, chassis monocoque, centro de gravidade baixo, muito espaço interno, e uma estabilidade excepcional para a época. 
A simplicidade de construção e funcionamento do Citroën 2CV, lançado a público em 1948, foi tão além de seu tempo e só agora, quase 70 anos após sua criação, o conceito começa ser revisto e reaproveitado muito por razões de diminuição de impacto ao meio ambiente. 
DS

Anos depois, 1955, a mesma Citroën colocaria no mercado o DS, outra revolução de conceitos, hoje considerado por alguns historiadores como a maior revolução da indústria automobilística pós Ford T.

E aí vem a pergunta: por que a Citroën não virou "a" referência, a maior e mais importante fábrica de automóveis do planeta? A resposta está numa frase dos americanos: "Life is too short to drive a french car". Simple as that!

Por que americanos diziam que a vida é muito curta para dirigir um carro francês? Qualidade, simples assim. No Youtube tem dois filmes propagandas - documentários que mostram como eram fabricados um modelo da Ford e o Avant praticamente do mesmo ano. É clara a diferença entre os processos e o trabalho de seus funcionários, ou seja, na condução do processo produtivo. O resultado era carros americanos para entrega imediata, carros franceses a saber quando. O 2CV, carro popular, segundo o Karambolage, chegou a ter uma fila de espera de 6 anos para entrega.

Jay Leno, respeitado apresentador de TV, responsável por uma das maiores coleções de automóveis do planeta, estudioso do assunto, se rasga em elogios aos Citroën Traction Avant e DS. Os motivos são vários e consistentes.
Um dos programas mais divertidos é quando uma empresa americana de restauro recebe um 2CV. Toda equipe simplesmente não consegue entender como uma coisa tão simples consegue rodar, diga-se de passagem para lá de bem.


Aqui coloco outro projeto genial dos franceses, o Renault Dauphine, que depois virou Gordini, projeto que indicaria o caminho para as carrocerias autoportantes, monocoque, ou sem chassis, que temos hoje, uma revolução no espaço interno, na redução de peso e na segurança.  O 
Dauphine aqui no Brasil acabou apelidado de "leite Gloria - desmancha ao chacoalhar". Por que do apelido? Erro estúpido na qualidade das borrachas da suspensão, coisa idiota, o que fez com que se transformasse em símbolo de frágil. Mesmo sendo um projeto muito mais lógico e funcional que o Fusca nunca fez frente. Os VW daquela época eram inquebráveis, definitivamente não eram fabricados com o "Está feito..." em mente.

Como detalhe, a Ford acabou comprando a fábrica do Gordini, que tinha problemas de controle de qualidade, o tirou de produção e logo introduziu um outro Renault no mercado brasileiro, o Corcel, que nada mais é que o Renault 12 com uma carroceria redesenhada. O que fez o Corcel ser sucesso de vendas foi o controle de qualidade. 
A Dodge, tão americana quanto a Ford, lançou no mercado nacional o Dodge Polara, Dodginho, para concorrer com o  Corcel. Foi um fracasso de vendas. A pressa em colocá-lo no mercado e o vergonhoso controle de qualidade dinamitaram o mesmo modelo era sucesso na Argentina e Inglaterra.

Não basta ser criativo, genial, tem que fazer bem, em tudo.


O novo Citroën Ami, tão minimalista quanto o 2CV. Elétrico. Forma e função.

Fiat Panda, forma e função como o 2CV. Criado junto com o Uno, que é bem mais complexo





segunda-feira, 1 de maio de 2023

Patinetes e outras mobilidades elétricas na Europa

Sim, nesta ordem: Patinetes e outras mobilidades elétricas na Europa, bicicletas elétricas entram aí, mas bicicletas mecânicas não como se esperava faz pouco tempo.


Em Paris estão para decidir ou decidiram via plebiscito se os patinetes continuam a circular pelas ruas ou serão definitivamente varridos da paisagem. Não sei devem ou não. Por um lado não resta dúvida que os patinetes elétricos por aplicativos é de uma praticidade incrível e ajudam muito na mobilidade e trânsito; por outra o seu mal uso causa inúmeros acidentes tanto no trânsito, em movimento, quanto quando estão parados, melhor, largados no meio da calçada ou rua. Já vi de tudo, senhoras tropeçando e indo para o chão, muito comum, até carro manobrar sem ver o patinete e sair com ele enganchado. 
Patinetes normais, sem motor, entre os adultos diminuiu muito em Paris, agora só mesmo entre a criançada que vai para a escola.

Fiquei no Leblon, Rio de Janeiro, e pasmei com a quantidade de bicicletas elétricas circulando pelas ruas, avenidas ou estacionadas a céu aberto com fortes travas. Como este canto da cidade é plano muitas destas bicicletas elétricas têm um assento sobre a roda traseira ou bagageiro e é comum ver duas pessoas na mesma bicicleta. A posição do ciclista em boa parte das bicicletas cariocas é baixa, bem diferente das usadas em São Paulo que via de regra se parecem mais com bicicletas normais. A razão é simples: ali é plano o calor da preguiça de pedalar, por isto toca motor elétrico e vamo que vamo.

Olhando a quantidade de elétricas que passavam ou estacionavam na padaria e vendo que para cada muitas elétricas aparecia uma ou outra rara bicicleta normal fiquei preocupado. Todos relatórios e notícias que têm sido divulgados apontam que o futuro é das bicicletas, patinetes e outros elétricos. O investimento mundial futuro nas mobilidades elétricas será pesado, já nas do arroz com feijão praticamente zero, diz um estudo longo e bem estruturado do UBS, Union Bancaire Suisse, um dos cinco maiores bancos do planeta. Os dados são baseados no que já está comprometido em orçamentos de governos para todas mobilidades, do metro ao patinete. 

Tanta bicicleta e patinete elétricos não será também por causa da novidade? Por que bicicletas convencionais passaram a não ser tão interessantes assim? "Precisa pedalar, que saco!" A bem da verdade não é novidade que qualquer motorizado leva vantagem sobre os modos movidos a arroz com feijão. O enorme sucesso do automóvel no ocidente e das scooters no oriente que o digam.
Por outro lado existe uma questão macroeconômica envolvida. Bicicletas são um péssimo negócio porque geram pouco capital direto e indireto. A fabricação é fácil, o custo para o comprador é baixo, a manutenção é pequena, o número de empregos gerados diretamente é baixo e com pouco valor agregado...

Qualquer negócio "elétrico" é mais rentável, gira mais dinheiro, emprego, alcança setores produtivos que a bicicleta mecânica não entra, dentre inúmeros outros fatores econômicos. Com certeza elétricos geram muito mais capital, mas muito mais mesmo, em sua cadeia de produção, distribuição, energia, e a cadeia direta e indireta de manutenção é muitíssimo mais vasta e com valor agregado completamente diferente, muitíssimo mais alto. Com outra imensa vantagem, emprega e mantem os que vierem do setor de bicicletas mecânicas, a do arroz com feijão. 
Faz toda diferença não só para setores econômicos, mas também para a política de todas a cores e linhas. Os interesses são outros, muito maiores, até relacionados com os setores automobilístico e motociclistico. Bingo!
Mais ainda; a geração integrada com o celular parece ter preguiça até de dirigir um carro, prefere rodar com um chofer. Pedalar? Posso estar errado, mas tudo indica que a humanidade está cada vez mais comodista, vide o setor de serviços e as academias que não param de crescer. Espero estar redondamente enganado.

Bicicleta tradicional, movida a arroz com feijão, é um negócio enxuto, seus benefícios, que são muito maiores que os custos, são difíceis de apresentar ao grande público, muitos deles complicados de calcular porque extrapolam e muito o âmbito direto do uso da bicicleta. Como se diz aqui no Brasil "é como esgoto: político não gosta porque ninguém vê (os inúmeros benefícios indiretos da bicicleta)".

Fato é que todo deslumbre, como este que o planeta está tendo com todas mobilidades elétricas, tem sua hora para acabar e terá seu preço. Ninguém está falando sobre os custos de produção, o descarte e o impacto ambiental causado pelas baterias elétricas, dentre outros, já que a cada dia ficam mais claro e questiona este deslumbre geral.