Revisitando a II Guerra Mundial é nome de uma série de
documentários, não sei se da BBC ou da History Chanel, que mostra filmes e
documentos inéditos sobre o que foi realmente a Segunda Guerra Mundial. Creio
que citei estes documentários. A diferença para o que foi divulgado até agora é
que a censura é muito. Estamos fazendo cinquenta anos do fim da guerra e com a
situação política mundial que temos hoje é de grande valia ver o que foi
realmente a barbárie.
Aqui na França geralmente acordo e vejo os noticiários para melhorar o ouvido para o francês. A qualidade e variedade das notícias é
notável e me deixa com raiva da baixíssima qualidade da informação e discussão
que temos no Brasil. Ficamos emaranhados em canalhices estúpidas que nos irão atolar mais ainda. Não temos capacidade de rever com honestidade o passado e por isto não conseguimos fazer um futuro bom e perene.
Voltando à França; mais de uma vez vi documentários sobre vários
temas históricos, todos de altíssima qualidade, provavelmente produções demoradas, complicadas e caras. Há uns dias passaram a história
do Qatar, noutro foi a sobre história da pesca na costa Atlântica. Agora estou vendo
um sobre a vida das crianças francesas durante a grande guerra, ou seja, Segunda Guerra Mundial. São inúmeros depoimentos
de senhores e senhoras que choram ao lembrar, por exemplo, que um deles e
seu irmão menor estavam indo pedalando pela estradinha rural para a escola e viam que toda a pequena vila estava em chamas. Chegaram lá e a vila praticamente não existia mais. Ou todas as crianças que
tiveram que ser evacuadas para sobreviver, por serem crianças não conseguiam entender para onde e por que estavam indo ou se voltariam a ver os pais, irmãos mais velhos, amigos,
professores, vizinhos, suas cidades, suas casas. Os depoimentos se sucedem,
contados com a suavidade da velhice e lágrimas, mesmo quando riem das
desgraçadas histórias passadas.
A duas noites passou um documentário sobre os momentos finais da guerra e a rendição incondicional dos nazistas. Nunca havia visto a sequência completa
de um fuzilamento. O sujeito condenado caminhando com dignidade, acompanhado e sem ser
tocado, para ser amarrado num tronco sem reagir, a calma conversa final dele com os
soldados e civis que o cercam, talvez até conhecidos, risadas, o último cigarro, o distanciamento dos fuziladores, o alinhamento, a
preparação, o fuzilamento, e para minha surpresa a filmagem não para, segue em
frente, com o fuzilado curvando o corpo, agonizando, os fuziladores se
aproximando, alguém levantando a camisa e vendo os ferimentos, o fuzilado
balbuciando qualquer coisa, alguns outros se aproximando, tudo dentro de uma normalidade que deve ser típica de guerra.
Soldados semimortos e mortos vão passando pela lente da câmera, um com um buraco perto da orelha que sangra e mostra que o tiro deformou o maxilar. O ferido levanta a cabeça tenta falar algo, mas o maxilar não responde, mas é claro que está como querendo sair dali, ser socorrido, mas é deixado para trás. Outro, aparentemente morto, cara no chão, tenta
desesperadamente fazer algum movimento para que os que o filmam salvem o que resta de sua
vida; move os olhos, pisca, não consegue falar, mas a câmera
segue em frente filmando indiferente. Imagens paradas e longas de corpos aos pedaços ou
queimados, pessoas maltrapilhas caminhando por cidades ainda em fogo, queimando as mãos nos destroços para ver se ainda encontram
algo que lhes sirva. As tomadas de imagem, longas, paradas, focam o destroçamento humano. A diferença destes documentários para o que vi antes é que não são propaganda para os vencedores, mas um documento sobre a estupidez humana em seu estado mais bruto.
Imagens de Berlim logo depois da entrada dos aliados. E de outras cidades. Cenas longas. Crianças do exército nazista, que segundo o texto do
documentário era o que de pior havia naquele momento, os mais brutais, perigosos,
doutrinados, obstinados, mentalmente deformados, doentes. Nos documentários mais antigos eram pobres crianças obrigadas a ir para a guerra pelo exército nazista; agora, sem
censura, veio a tona pré adolescentes e adolescentes sem qualquer limite para proteger seus líderes, o que de fato eram então. Aliás, como muitos são hoje e sempre foram; é um estágio biológico típico da idade.
Há filmagens de vários comandantes, de vários países,
principalmente ingleses, americanos e russos, fazendo inspeção nos recém
descobertos campos de extermínio. A loucura esquelética e morta que está no
chão já se viu e, infelizmente, já nos acostumamos, se é que algum dia se
poderá acostumar e aceitar. Mas estas filmagens coloca um longo foco nas
expressões dos comandantes, de suas tropas e dos que os cercam. Filmam de frente o
numeroso grupo de jornalistas que foram levados para ver a monstruosidade nazista
e fixam a imagem em suas expressões incrédulas, deprimidas, mesmo para quem estava cobrindo uma carnificina generalizada. Aparece neste contexto um comandante da SS nazista vindo sorridente e com mão estendida para o comandante aliado congelado pela raiva, que fica com as mão imóveis junto próprio corpo. O nazista não dá atenção, recolhe a mão, segue falando como se aquele fosse um encontro
trivial, como se dando as boas vindas ao inimigo intruso em seus afazeres.
Muitas imagens do exército russo e seus comandantes. Jamais havia visto estas imagens por que o que, nós ocidentais, víamos era o que o nosso lado tinha interesse em mostrar. A alegria e
grandes comemorações por todas as partes. Corta para soldados do exército alemão rendidos caminhando
ensanguentados, alguns velhos, muitos assustados. E assim seguem as imagens. Fica claro que a guerra não acabou e pronto, mas que a loucura se estendeu ainda por um bom tempo, bom tempo.
No Revisitando a II Guerra Mundial pela primeira vez se vê filmes
da tropa aliada executando soldados da Alemanha já completamente rendidos, de
braços abertos e para os céus. Não havia como mante-los vivos. Não havia água, comida, remédios, soldados disponíveis para fazer a segurança. Não há bonzinhos, há uma guerra mais que
sanguinária. Literalmente bombardearam cidades industriais alemãs até que elas
ficassem absolutamente arrasadas, no chão. Vi Stuttgart, não preciso ver mais. Foi muito mais arrasador que as bombas atômicas do Japão,
o que nunca havia sido dito.
Ainda há uma história que tem que ser contada. Certamente há
muito material censurado. A geração pós II Guerra Mundial ainda não viu nada.
Hoje olho as construções e as paredes destas pequenas e maravilhosas vilas europeias e é fácil ver que boa parte delas foi bombardeada. E eles, europeus, aprenderam com a
guerra. Hoje buscam o acordo, a paz.
Não temos documentários neste nível sobre praticamente nada no Brasil. Dentre o pouco que temos, pouquíssimos documentários são neutros, contam a história verdadeira.
Não
há interesse em contar nossa história por que nosso inimigo está dentro de cada
um de nós mesmos e tem nome: covardia. "Moro num país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza; Que beleza, mais que beleza, tem carnaval..."