segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A salvação da bicicleta no Brasil

para:
Fórum dos Leitores

O Estado de São Paulo


Exatamente como construir casas populares sem esgoto.
Acabei sendo rude com Fernando Ferro, Deputado Federal de Pernambuco, PT, já de cara, na nossa apresentação, feita antes de entrar no auditório do debate realizado dia 07 de Novembro passado, na Brasil Cycle Fair, Center Norte, sobre a questão tributária do setor da bicicleta no Brasil. Ele parecia não conseguir entender bem qual o papel e a importância real do setor da bicicleta em todo o contexto da implementação de melhorias para os ciclistas. Também não entendeu bem quando eu coloquei que a bicicleta só estava tão visível por causa da adesão da classe média aos pedais. Mas falou sobre a diminuição dos impostos das bicicletas, melhorias nas cidades para ciclistas e educação de todos. É o que o povo quer, mas é muito simplista...

Fernando Ferro contou que no fim da década de 80 fizeram uma pesquisa em Recife que apontava que o primeiro modal de transporte, com 38%, era pedestre, e que o segundo modal era bicicleta. Ele achou estranho aquilo, mas os fatos superaram a desconfiança. Disse ele que a partir dai começou a se interessar pela bicicleta. Morrei em Recife em 1981 e voltei depois para morar em Olinda em 1986 e sei bem como era, até porque meu veículo era a bicicleta, minha velha amada preta de guerra. Naquela época não via a bicicleta quem não queria ou quem era desvinculado da realidade, principalmente a do povão.

A pergunta que deixo aqui é como qualquer militante da esquerda, de um partido como o PT (Partido dos Trabalhadores), podia se surpreender com o uso da bicicleta em larga escala? Eles não vivem afirmando que vieram da base? Não se dizem os verdadeiros conhecedores da realidade da massa, dos trabalhadores, dos mais pobres e oprimidos? Então, nunca tinham visto ou desconheciam a massa de ciclistas trabalhadores das fábricas, comércio e serviço que circulavam pelas madrugadas periféricas rumo ao relógio de ponto? Era impossível que sindicalistas e toda esquerda não tivesse visto o trânsito de bicicletas rodando por Jaboatão dos Guararapes, Recife, Olinda, Paulista, em qualquer hora do dia, mesmo com o calor de racha coco. Difícil acreditar que não tivessem sido instigados pelas notícias dos imensos bicicletários das grandes fábricas de São Paulo e do ABC (e Diadema), da confusa saída diária da multidão de ciclistas operários da Fundição Tupy de Joinville, famosa, comentada até por industriais de direita. ...Cubatão, Guarulhos, Rio Claro, Paranaguá, Baixada Fluminense, toda cidade do litoral, sertões...., em todo Brasil, milhões e milhões de ciclistas, pelo menos uns 30 milhões naquela época... invisíveis? Mesmo atuando com os sindicatos dentro de Caloi e Monark, que produziam 95% das quase 3 milhões de bicicletas/ano no Brasil, este pessoal não conseguiu imaginar onde poderia estar toda esta incrível produção?

“Bicicleta é coisa de pobre” era a frase que estava na ponta da língua de todos; ou seja, todos sabiam da existência da bicicleta – todos. Naquela época, décadas de 60, 70, 80, 90, a massa de ciclistas trabalhadores era proporcionalmente maior que hoje. Os números do IBGE de 1981 provam que a bicicleta era o principal modo de transporte do Brasil, deixando muito para trás, comendo poeira, qualquer outro modal de transporte por veículo. Eles, a dita esquerda, desconheciam?

Hoje Fernando Ferro defende um projeto de lei sobre redução de impostos para bicicletas. Como ele, Fernando Ferro, será visto dentro do partido e das esquerdas que apoiaram sem restrição o zero IPI para automóveis e se calaram sobre os até 42% de impostos incidentes sobre o setor da bicicleta?

Espera-se que a preocupação final não seja com os resultados políticos, como é de praxe. Para boa parte destes novos beneméritos da bicicleta o produto final entregue à população deve retornar em votos. Tipo assim: construir ciclovias bem visíveis para melhorar a segurança dos ciclistas; não importando que a produção nacional de bicicletas básicas e populares seja de baixíssima qualidade, cheia de defeitos, portanto inseguras, muito insegura. Por exemplo, como construir casas populares de baixa qualidade e sem esgoto.

4 comentários:

  1. Acabo de ler o artigo "Higher social class predicts increased unethical behavior". Na verdade a manutenção do poder poder fazer com que boa parte dos seres humanos se comportem exatamente ao contrário do que acreditavam. Esta parece ser a máxima com os partidos políticos, tão logo chegam ao poder, esquecem tudo o quanto defendiam.
    http://www.pnas.org/content/early/2012/02/21/1118373109
    Eric

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  2. Sabe Arturo, não é que eles não enxergavam isso, eles apenas achavam isso errado, quero dizer, eles achavam errado um trabalhador ter que pedalar para chegar ao trabalho. O trabalhador deveria ir de carro pq bicicleta é coisa de país pobre!

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  3. Brilhante texto, Arturo! Impressionante como o PT esqueceu quem eles representam (ou melhor representavam) e se tornaram mais um neste sistema político atrasado que temos. A bicicleta é apenas mais uma destas evidências.

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  4. O pior é a miopia destes que se dizem os que defendem os pobres e oprimidos. Bicicleta não é coisa de país pobre note-se Holanda ( pobre?),Suécia (??) Dinamarca (??), França (??), Inglaterra etc. E implementaram a política de carros para todos e agora ninguém mais consegue andar pelas cidades e os mais pobres são os que mais sofrem, como sempre!!!

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