Faz umas duas semanas
jantei com Myrian Araujo, mãe de Leonardo Araújo dos Anjos, 19 anos, calouro da
FEA USP, morto num atropelamento sem nenhuma lógica. Tudo indica que Leonardo
estava acompanhado por dois ou três estudantes da USP que simplesmente
desapareceram. Sem estas testemunhas o caso não terá explicação. O que foi até
aqui esclarecido não faz sentido. Myrian, como centenas de milhares de
familiares, parentes e amigos, nunca saberá quais foram as causas que levaram
ao acidente e a morte de seu filho.
Quando fui avisar
minha mãe que minha irmã, Dinorah, havia morrido, minha mãe fez um longo e
estático silêncio, quebrado por doloridíssimo “Não é da ordem natural da vida que
uma filha vá embora antes da sua mãe”.
Fez parte de meu
trabalho acompanhar e tentar entender as causas dos acidentes. Sem a verdade dos
fatos que resultaram no acidente não há como prevenir novos mortes, acidentes e
até mesmo incidentes. Apesar de muito agitado, com situações brutas sempre fui isento,
calmo, racional. Como já contei mais de uma vez usei meus braços para confortar
a chegada da morte, o que é, acima de tudo, uma sensação estranhíssima. Me
acostumei com a morte, que passou a ser um fato natural, difícil, mas natural. Mas
não a morte destes dois meninos, Leonardo e Vitor. Foi a gota d’água. Esta definitivamente
não é a ordem natural da vida. Sai do eixo da racionalidade para sentir na pele
a barbárie indescritível deste Brasil.
Chego à conclusão que
a banalidade da morte violenta faz parte do caráter do Brasil. Como diz
Alexandre Garcia “violência não é normal em nenhuma parte do mundo, como se
costuma afirmar”. Aqui é. Nem em uma guerra é aceitável o que acontece todo dia
aqui no Brasil. Aqui é. Mesmo uma guerra tem limites estabelecidos pelo Convenção
de Genebra. Aqui? O que é mesmo Genebra?
Remédio?
Quando morei em
Olinda, em 1986, fui naturalmente apresentado a um senhor baixinho, formal, tranquilo,
bem educado, fala mansa, que ficava sentado num tamborete numa das entradas da
cidade histórica. “Este aqui o seu João (não me lembro o nome real). Se um dia você
precisar resolver um assunto grave, uma desavença, desfeita, chama seu João que
ele resolve, até mata se for o caso”. Eu cai na gargalhada pensando que era
mais uma piada de meu amigo Zé Carlos. Não era. Aprendi ali que a vida no
Brasil vale menos que um peido.
Não me impressiona que
uma manifestação contra o mais grave problema deste país tenha tão poucos
participantes.
Afinal, por que mesmo
as pessoas vão para as manifestações?
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