terça-feira, 26 de junho de 2012

Silêncio urbano

Hoje fui fazer a inspeção veicular do velho e bom carrinho. Passou fácil. Mas pediram para que entrasse em outra baia para fazer a medição de emissão sonora, o que me causou estranheza. O atendente logo explicou: “Fazemos (a medição) em veículos que estão fora do padrão ou por amostragem. O seu caso é amostragem”. E a experiência acabou sendo proveitosa porque descobri porque veículos naturalmente barulhentos passam no teste. Simples: as medidas são tomadas em rotações até 2.000 giros e o padrão de emissão sonora é fornecido pelo fabricante. Só pode ser brincadeira.

Lembrei de minha avó, Carminho, que teve um Fuscão envenenado com motor 1600 e comando P2 ou P3. É lógico que, mesmo com uns 70 e muitos anos de idade, ela jogava um tijolo no acelerador e saia apavorando. Dirigir mantendo até os 2.000 giros? Nem aquele motor, nem qualquer outro carro. Gostaria de saber quantos conseguem dirigir no trânsito numa faixa de giro tão baixa. Esta medição é, para ser extremamente educado, “falha”. Em trânsito normal praticamente todos os veículos emitem ruídos, principalmente motos que tem o motor exposto.

Quem deve estabelecer normas e padrões saudáveis para a população é o governo, o poder público, e não os fabricantes. Provavelmente está ai a razão da brutal diferença entre o pouco barulho das cidades europeias e nossas cidades quase ensurdecedoras.

Para quem pedala a diferença de volume de som do trânsito é muito grande, não só para os ouvidos. Quanto menos tensionado pelo trânsito o ciclista pedalar, mais seguro estará. Esta verdade vai muito além da proximidade física com os carros e motos, da necessidade de ciclovias. A Ciclovia da Radial Leste, que foi implantada entre uma via expressa e o muro do Metro, é ótimo exemplo. Praticamente não é usada porque é ensurdecedor pedalar ali. Não precisa tanto; basta sair de um lugar movimentado e entrar num parque para sentir do descarrego sonoro.

Já quase cai da bicicleta por ter tomado um susto sonoro. A primeira foi quando estava completamente distraído perto da cabeceira da pista do Aeroporto de Congonhas e passou aterrissando um velho 737 de turbinas finas, as antigas e infernalmente barulhentas. O mesmo com motos e carros esportivos acelerando na minha orelha só para fazer graça. Sem falar na infeliz mania de usar a buzina sem necessidade. Sem qualquer comentário sobre os tunados da vida.

Manter o silêncio é uma questão de civilidade. Está mais que provado que manter o padrão sonoro dentro de um limite tem uma relação direta com diminuição de agressividade, violência, stress, e outras tantas doenças sociais e psicológicas. Uma das melhores qualidades da bicicleta é ensinar ao usuário o valor de rodar sem ser percebido, sem incomodar ninguém, possibilitando ouvir a vida.


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