quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Pobreza pega

"Fique próximo de alguém rico. Sempre vai sobrar uma nota", trecho do livro "Eles e Elas – Contos da Broadway" de Danon Runyon, um clássico da literatura novaiorquinas. Boa definição de nossa época?
"Fique próximo de alguém pobre", esta não ouvi de forma explícita, mas nas entrelinhas de um monte de gente, incluindo, especialmente, políticos de todos naipes.

Faz muito que deixei de considerar pobreza uma questão de conta bancária. Para mim é uma questão de 'brain', cérebro, para começar. Mais outros tantos valores de carácter, moral, integridade, educação, comportamento social...

- Bicicleta é coisa de pobre - ladainha da classe abastada deste país que por décadas foi uma espécie de verdade definitiva. Bom, cheguei até ouvir que "caminhar é coisa de pobre". 
Pobre mesmo eram as definições de pobreza. A bem da verdade, continuam sendo, até as que caridosamente ressaltam a urgência de seu fim. De boa intenção o inferno está cheio.  

O interessante é que a ladainha hoje mudou de sentido e virou - "bicicleta é coisa de rico". De fato, eles têm razão, muitas são caríssimas. Segundo muitos trabalhadores, bicicleta é "esporte de quem não tem nada mais para fazer". Hoje o desejo de pobre*, leia-se trabalhadores, é trocar a bici por uma moto.
* uso do termo pobre ligando aos trabalhadores menos remunerados não é meu, assim como "coxinha", que se refere a ciclista de classe média abastada, e "lycrete" que se refere aos ciclistas que pedalam para treinar vestidos com roupa chiques de ciclismo e bicicletas caras também não é meu.

O convívio obrigatório por razões sociais com a boçalidade, a estupidez, a mediocridade sempre me incomodaram, isto desde muito pequeno. A bicicleta pode ter sido um catalizador no meu conceito do que é ou não 'pobre'.. Pedalando desde uma época quando ninguém pedalava, pelo menos os meus iguais (?), sei bem o que 'pobre sofre' e quanto 'pobreza pega'. Como 'pobre' (eu, usuário da bicicleta), ou louco (eu, usuário da bicicleta), ou qualquer outra coisa (usuário da bicicleta), tive a felicidade de sentir os prazeres da pobreza da liberdade, da pobreza do vento na cara, da pobreza do bem estar, da pobreza da agilidade, da pobreza que a pobre bicicleta me deu. Cara, como eu fui pobre!

Acabo de descobrir, para meu prazer e diversão, que tem uma obra clássica, "As 5 leis Fundamentais da Estupidez Humana" do historiador e economista italiano Carlo M. Cipolla. São inúmeros os vídeos sobre estupidez que valem a pena ser vistos com atenção. Enfim, o que considero pobreza em grande parte tem tudo a ver com estupidez, que cá para nós, pupula entre nós e ultrapassa e muito o número de pobres miseráveis financeiros deste planeta. 

Pobreza pega? De onde tirei este título não me lembro. A procurar. Biscoito! Descobri, foi um cometário feito pelo "Acorda Pedrinho", do Pedro Fernando Nery, ótimo, que falou na Rádio Eldorado sobre o assunto. O título, Pobreza pega, vem da personagem Bia Falcão da novela Belíssima de 2005. Também foi publicado em texto no Estadão, como "Pobreza ou riqueza pegam? Só uma dessas noções permite sonhar um país". Concordo, pegam. E contaminam, podendo até virar pandemia.

Pobreza é um importante ativo para a política, e não se enganem, não só a de esquerda. E como dizia Joãozinho Trinta, "Quem gosta de pobreza é intelectual". A afirmação completa de Joãozinho é "Quem gosta de pobreza é intelectual. Pobre gosta de luxo". Na época que foi dada caiu como uma bomba na cabeça de muita gente. Vestiram a carapuça até as canelas. 
Não vou entrar no 'pobre gosta de luxo' porque aí se tem que escarafunchar novo-riquismo, tema aqui no Brasil é para séculos de conversas, discussões e prováveis ofensas e gargalhadas, sem entrar num rol de estupidezes infinitas.  

Um vídeo da DW, Deutsch Welle, sobre o complexo de vira-lata do brasileiro trata de um tema paralelo e implícito à pergunta 'Pobreza pega?' e a afirmação, diria, a constatação que pobreza pega. Vira uma loucura porque entra no que é complexo de inferioridade coletivo. Paro por aqui com minha loucura infinita, mas recomendo o vídeo da DW.



A meu ver o problema que temos no Brasil está no uso de certas premissas que são destrutivas. Aqui, bicicleta é coisa de pobre, para mim que cansei de ouvir, é o exemplo mais fácil de dar. "Para o brasileiro, o segundo colado é o primeiro perdedor" dito por Nelson Piquet resume bem a nossa burrice. Diria eu em cima desta afirmação: quem não vence é pobre. Exemplos de premissas erradas é o que não falta. 

Pobreza pega? Opa! Como pega. Efeito manada. 

"Tem que educar o povo" é a premissa para solucionar tudo. Concordo em parte. Educação de boa qualidade traz o bom pensar, mas se as premissas estiverem muito doutrinadas o bom pensar começa torto. 

Enquanto não repensarmos e reposicionarmos o que de fato os conceitos rico e pobre não sairemos deste impasse suicida que o planeta está vivendo. 
O que tem valor? Aliás, o que é valor? 


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