segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Uma viagem de automóvel para mudar minha história

Um dia voltei de Cambuquira, sul de Minas, para São Paulo, de carona com um primo e seu fusquinha 1300 vermelho, novo, todo original, brilhando e limpérrimo. Não me lembro exatamente a data, mas deve ter sido lá por 1975. Foi a viagem que mudou da água para o vinho, e dos bons, meu entendimento sobre como usar um carro, como fazer uma viagem e aproveitar a paisagem. Ele dirigiu a viagem inteira com uma técnica primorosa e dentro dos limites de velocidade da estrada, portanto devagar, bem devagar. Na época os limites de velocidade eram bem mais baixos que os de hoje, a fiscalização era pouca, e o pessoal sentava o pau, como se dizia então. Mas meu primo freava com suavidade, reduzia as marchas com perfeição fazendo punta-taco sem tranco, tangenciava, acelerava mantendo velocidade constante; pilotagem invejável. Os primeiros quilômetros depois de Cambuquira pensei que iria ficar maluco porque ele não desembestava, mas aos poucos fui entrando no ritmo e adorando a paisagem, a conversa, o passeio, o sentir-me completamente seguro, a rica paisagem verde. Na época dirigiam numa competição generalizada para ver quem chegava mais rápido, quem era melhor no volante, quem era o bom, incluindo aí eu próprio que adorava velocidade e perigo. Até aquele momento para mim quanto mais loucura melhor, foco na próxima curva, na aproximação, na freada, a tangência, ultrapassagem, deixar o da frente para trás, coisas de corridas, de pista, de pilotos profissionais. Passados uns 30 km dentro do fusquinha vermelho, um pouco depois de Campanha e próximo a rodovia Fernão Dias, descobri que em torno existia vida, muita vida, muita beleza. Quando chegamos em São Paulo desci do carro maravilhado com o que tinha acontecido, uma viagem um pouco mais demorada, mas plena. Descobri e amei a outra possibilidade que o carro oferece: ter liberdade e poder ver a paisagem que existe além do asfalto com calma e viver.

E a partir desta viagem as estradas nunca mais foram as mesmas. Olho a paisagem com vontade de parar em cada canto. Numa das minhas primeiras viagens de carro para Buenos Aires com meu avô, Arturo Raul, paramos no início da Serra do Café num posto de gasolina que não existe mais, mas que ficava na primeira descida longa entre o asfalto e um córrego com floresta ao fundo. Lá tirei uma foto 4X4 PB com uma Kodak Brownie que foi revelada e sempre esteve por perto como um prenuncio do que me transformaria. Não sei onde a foto em papel está, mas a imagem está vivíssima em mim até hoje, assim como outros pontos das estradas que passei.

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