sábado, 24 de agosto de 2019

...no caminho tinha uma pedra...

E não vi a pedra enquanto corria, pedra pequena tenho que dizer, e torci o pé direito e fui para o chão já com dor. Acontece... Ao meu lado um senhor passeava dois cachorros, ele viu tudo e sequer perguntou se eu estava bem. Olhava para o horizonte perdido em sua falta de constrangimento. Nem ele nem o garoto que vinha do outro lado da rua que estava de frente para mim e o tombo. É fato, eu não existo. Tu, ele, nós, vós, eles, todos não existimos. Eu, tu, ele, nós, vós, eles, todos selfie! Olha o sorriso! Click! e se acabou!
"Pula, pula, pula!" gritava o povo em torno do suicida que equilibrando-se sobre a mureta do Viaduto do Chá e olhava com espanto o que ouvia da multidão. Olhava o que ouvia, sim, isto mesmo, faz parte das profundidades do momento utópico do suicídio. Dois policiais a paisana conseguiram segurá-lo pelas pernas, o desceram para a calçada e o encheram de porrada aos gritos "FDP! nós queremos ir para casa e você enchendo o saco da gente!" E a multidão espantada quase saiu para cima dos policias.

"Eu acompanho teus textos e você é incisivo" disse para mim Elcio da Revista Bicicleta. Adorei o complemento, como diriam os americanos. Incisivo, ótima definição. Mas estendido no chão, com uma dor no calcanhar incisiva, meu contexto não despertou interesse em ninguém. A bem da verdade cada vez menos se interessam. Devem estar todos certos. Por outro lado, há a humanidade. Ali estava um corpo estendido no chão, mas nada, e a vida segue.

O Brasil pegou fogo. Ardeu tão quente que até agora sou incapaz de saber se foi pelas fotos ou pela fogueira de São João. De qualquer forma que se danem. Há quem considere as reações e protestos exagerados, que a coisa já foi muito pior. Queimada tem lado ideológico? Deve ter e eu não sei até agora, nem nunca vá saber. "No resto do mundo está tendo queimada..." A meu ver simplesmente não tem que ter queimada seja lá onde quer que seja. Não pode, ponto, aliás, passamos há muito do ponto. 
Unidos venceremos! Até isto foi deixado para trás. Sorria! Selfie! Click! Onde estávamos? Ah, sim, no unidos. Só mais uma, aquela não ficou boa, Selfie! esta está ótima. Onde mesmo? Venceremos. Mas sobre o que estávamos falando?

Não sei mais se tenho o tornozelo ou a cabeça torcida. Provavelmente os dois. Estou sentindo dor sentado num gramado ao lado da ciclovia. As pessoas passam. Querem viver suas vidas. Acharam estranho o dia que se fez noite por causa das queimadas em Mato Grosso, 1.000 kms daqui, mas não estão pouco preocupadas com as queimadas na Amazônia. Estão mais preocupadas com seus direitos individuais, o que dá o grito de alerta sobre Europeus e Americanos invadindo nosso território. Se é nossa amazônia por que não cuidamos dela?
Ciclista passam. Querem pedalar. Talvez eu seja mais um mendigo sujando a paisagem. Nem olham. Querem pedalar. Não importa a cidade, provavelmente sequer consigam entender o que é uma cidade. Tenho certeza que não entendem. Um momento, selfie, esta ficou boa! Sigamos em frente. (será que com este português vão entender?)
Quando mais incisivo, menos interessante, esta é a verdade.
Selfie.

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